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Nils Christie - Industria_do_controle_do_crime pdf

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EDITORA
FORENít
1998
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Tradução de Luis Lciria
Universidade de Oslo
A INDÚSTRIA
DO CONTROLE
DO CRIME
A caminho dos GULAGs
em estilo ocidental
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Impresso no Brasil
Pril1/cd in Braz!!
Proibiela a reproelução total ou parcial, incluinelo a reproeluçãO ele
apostilas a partir eleste livro, ele qualquer forma ou por qualquer meio
eletrônico ou mecânico, inclusive através de processos xerográficos, de
fotocópia e ele gravação, sem permissão expressa elo Eelitor, (Lei nO5,988,
ele 14.12,1973,)
A violação ele direito autoral constitui crime, passlvel ele pena de
detenção ele três meses a um ano ou multa, Se houver reprodução, por qual.
quer meio da obra intelectual, no toeio ou em parte, sem autorização ex-
pressa do autor, com intuito de lucro, a pena será de reclusão de um a quatro
anos, e mulla. Incorre"na mesma pena quem vende, expúe à venda, aluga,
introduz no país, adquire, ocu1la, empresta, troca ou tem em depósito, com
intuito de lucro, obra intelectual, importanelo assim via laça0 de direito au.
toral. Na prolação ele sentença condenatória, o juiz determinará a elestrui-
ção da proelução ou reproelução criminosa, (Ar!. 184 eloCóeligo Penal bra-
sileiro, com nova reeiação daela pela Lei na 8,635, de 16,03,1993,)
A EDITORA FORENSE não se responsabiliza por conceitos dou-
trinários, concepções ideológicas, referências indevidas e possfveis
desatualizações da presente obra, Todos os pensamentos aqui exaraelos são
de inteira responsabilielade do autor,
Reservaelos os direitos ele propriedade desta eelição pela
COMPANHIA EDITORA FORENSE
Av.Erasmo Braga, 299 - ]°,20 e 10 andares - 20020-000 - Rio eleJaneiro.RI
Rua Senaelor Feijó, 137 - Centro - O 1006-00 I - Sao Paulo.SP
Rua Guajajaras, 1.934 - Barro Preto - 30180-10 I - Belo Horizonte-MG
Endereço na Internet: htlp://www.[orcnse.com.br
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Para Ivan I/Jkh
CDD365,913
CDU343.8(13)
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l"celição-1998
@ Copyrighl
NjJs Chrislie
CIP.Brasil. Catalogação.na.fonte
Sinelicato Nacional elos Eelitorcs ele Livros.RJ
1. Crime e criminosos - Aspectos sociais - Estados Unidos.
2. Crime e criminosos - Aspectos econômicos - Estados Unidos. 3.
PrisOc5- Estados Unidos. I, Título.
Christic, Nils
A indústria do controle do crime: a caminho dos GULAGs
em estilo ocidental! NUs Christie; traduçno de Luis Lciria.
Rio de Janeiro: Forense, 1998.
Traduçao de: Crime cantrol as industry
ISBN 85.309.0392.1 ISBN 0.415. t2539.1
91.t 100
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40
45
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Capítulo 5 O controle das classes perigosas """"",,,,,, 53
5,1 O excedente populacional "",,"""""""'",,''''''''''''''' 54
5.2 Acionistas do nada "",,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,, 56' ,,:{-,;
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5,3 O controle das drogas como controle de classe "",; 58"'''êt!','~
5.4 E~ropa fortificada, Ocidente dividido """""""""''''''" 66 ;~:~':14W
5,5 Dinheiro em escravos ""'"'''''''',''''''' """ " " """ "" " " 69 ..••""'~.•.,~, '
5.6 Traços de um futuro "",,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,""'''''''''' 71' ";,~"', .
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Capítulo 4 Por que há tão poucos presos?
4,1 Esperando a dor
4,2 Tolerância vinda de cima
4,3 Entre o Leste e o Oeste da Europa '"'''''''''''',',,'''''''
4.4 Os estados de bem-estar social em crise ''''''''''''''''
4,5 Quanto vai durar?
Capítulo 3 Níveis de dor intencional
3,1 Medidas de dor ""'''''''' """ " " "T " '"'' """ """"""'" "
3.2 Os bons velhos tempos? """"""",,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,
3,3 Europa Ocidental
3.4 Tendências mundiais '"'''''''''''''',,'''''''''''''''''',,'''''''''
3,5 A importância das idéias
Prefácio
Capítulo 2 O olhar de Deus
2,1 Completamente sozinho
2.2 O estranho
2.3 Onde o crime não existe
2.4 Uma oferta ilimitada de crimes
Capítulo 1 Eficiência e decência
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212
214
SUMÁRIO
EII
11.3 Limites ao crescimento?
11.4 Matança industrializada
11.5 A matança médica
11.6 A matança legalizada
Capítulo 12 A cultura do controle do crime 189
12.1 O núcleo comum 189
12.2 Qual o lugar do Direito? 194
12.3 Uma quantidade apropriada de dor 198
Capítulo 13 Pós-escrito
13.1 Anos de crescimento
13.2 O que está por vir? ...
13.3 Irmãos no encarceramento
13.4 O significado de atos indesejados
13.5 Os freios sumiram
A INOÜSTRIA DO CONTROLE DO CRIME
Capítulo 8 A modernidade e as decisões 133
8.1 4.926 candidatos 133
8.2 Gargalos 135
8.3 Manuais de decisão sobre a dor 136
8.4 Justiça purificada 140
8.5 Cooperação do réu 143
8.6 Despersonalização 146
Capítulo 9 Uma justiça empresarial? 149
9.1 A justiça da aldeia 149
9.2 Justiça representativa 151
9.3 Justiça independente 154
9.4 A revolução silenciosa 156
9.5 Comportamento expressivo 160
Capitulo 10 Lei penal e psiquiatria: irmãs no controle 163
10.1 Um manual para decisões sobre distúrbios mentais 163
10.2 Um manual para a ação 167
Capítulo 11 Modernidade e controle de
comportamento 171
11.1 Filhos da modernidade 171
11.2 A máscara do diabo 176
Capitulo 6 O modelo 79
6.1 A quem se ama, se castiga 79
6.2 O grande confinamento 80
6.3 De estado em estado 85
6.4 O estado das prisões 87
6.5 As explicações para o crime 92
Capítulo 7 O controle do crime como produto 95
7.1 O mercado do controle do crime 95
7.2 O estímulo do dinheiro 101
7.3 Penitenciárias privadas 102
7.4 Polícia privada 107
7.5 O estímulo privado 113
7.6 O estímulo tecnológico 117
7.7 Matéria-prima para o controle 121
7.8 A grande tradição norte-americana 123
7.9 O modelo 129
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boa hora editado no nosso País, o conhecido e reconhecido
criminólogo norueguês Nils Christie, que antes já havia publi-
cado, dentre outros, o primoroso Los JIIlJites dei doJor,'
designadamente uma proposta de intervenção mínima do Di-
reito Penal, que significa, em última análise, "diminuição da
dor", apresenta-nos um aprofundado e fecundo estudo do sis-
tema de controle penal nos Estados Unidos, conferindo espe-
cial atenção, como não poderia ser diferente, ao subsistema
prisional, que, na década de oitenta, simplesmente dobrou o
número de encarcerados (chegando a mais de um milhão e
duzentos mil).
Consoante sua viSão,pouco otimista, esse exagerado incremen-
to na utilização da prisão teria estreita conexão com o sistema
de economia de mercado, típico do ocidente industrializado, e
representaria um novo holocausto. Menos intenso que o resul-
tante do emprego difuso da morte e da tortura (tal qual o na-
zista), mas de qualquer modo preocupante, porque agora uti-
liza-se a privação ~a liberdade em larga extensão, não apenas
como uma forma de repartição intencional de dor e recruta.
mento da população desocupada e potencialmente perigosa,
senão, sobretudo, como mais um "produto" da complexa e ga-
nanciosa economia de mercado, que não se detém diante de
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. A.INDÚSTRIA DO CONTROLE DO CRIME
limites éticos e culturais, desde que os lucros resultem devida-
mente assegurados.
No Prefácio que Eugenio Raúl Zaffaroni escreveu para a edi-
ção argentina do livro agora traduzido para nosso idioma,'
acentuou-se que o determinante para essa massiva intervenção '
penal não é a "modernidade", resultante da rapidez das con-
denações, bem como da fixação das penas (que tém por base
o consenso do acusado - pJea bargaüJing -, assim como as
Tabelas de Determinação da Pena), senão o "racismo", que
pretende impor a superioridade das pautas de conduta de um
determinado grupo. Sociedade industrial mais racismo, em
suma, na visão do emérito penalista argentino, seria a combi-
nação de onde decorre o "cerco às minorias", à "civilização
inferior". Nisso, aliás, residiria a explicação dos interacionistas
do labelJjng approachJ de que a intervenção penal é
desenganadamente seletiva e, muitas vezes, discriminatória.
Seja por razões "racistas", seja por qualquer outro tipo de
motivação, consoante nosso JUÍzo, na base dessa exagerada
intervenção penal está, para além das "exigências"
mercadológicas, que se tornaram prementes desde o momen-
to em que cessou a "guerra fria", a intolerãncia, o não aceitar
o outro diferente, particularmente o menos aquinhoado com
a distribuição (desigual) da riqueza e do trabalho, o de cor
diferente, o de língua diversa.
E seria universalizante (globalizante) esse sistema - norte-
americano - de "campos de concentração" (Gulags)? Toda so-
ciedade industrializada estaria propensa à sua adoção? Para
Nils Christie a resposta é preocupantemente positiva, porque
2y' La Industria dei Control dei Dclüo, Editores dei Porto, Buenos Aires, 1993, p. 14 e
S5. .
)Sobre as bases dessa teoria, que estudou o sistema de controfe do'deiito. v. Antonio
.Gan::la.Pablos de Molina e Luiz Aávio Gomes, Cnininologia, RT, SP, 2a ed., 1997,
p. 219 e ss.
SUMÁRIO
trata-se de um sistema de controle economicamente vantajo-
so para todos (excluídos, evidentemente, os que padecem a dor,
a aflição do encarceramento). De outro lado, não falta ejamais
faltará "matéria prima" para esse "produto", visto que não só
aumentam as classes sociais mais baixas, como cada vezmais
pode-se ampliar o raio de incidência penal sobre seus atos (hoje
é o uso de drogas, amanhã pode ser o uso de álcool, depois
vem a sua simples presença nas ruas etc.). Considere-se, ade.
mais, o aspecto "democrático" da intervenção, pois a maioria
bem situada pode eleger govcrnantes que se comprometam
• exatamente a colocar detrás das grades as minorias "socialmen-
te perigosas".
Feita a combinação de alguns fatores (economia de mercado,
tecnologia avançada, classes sociais baixas potencialmente
"perigosas" e teorias científicas que justificam o
encarceramento) chega-se, sem muito custo, ao "holocausto da
industrialização", que é a prisão expandida, ou melhor, os
modernos "campos de concentração", os quais não só são úteis
para a profilaxia sociál (é preciso esconder a miséria e Iivrar-
se dos riscos que ela implica), senão, sobretudo, para o bom
desempenho do mercado. Juízes e Promotores, nesse contex-
to, nenhum obstáculo representariam porque, no fundo, não
passam de "ferramentas" dos políticos (que, por sua vez, con-
tam com o apoio da maioria). O Direito, por sua vez, passa a
integrar a categoria da "produção", não a cultural, valorativa,
ética e humanista. Tudo se instrumentaliza em função da lim-
peza (higienização) das ruas, assim como do markelsyslelll.
Até este momento, em nenhum outro país industrializado tal"
nou.se possível ~onstatar outra realidade semelhante à norte.
americana. Nenhuma nação sequer se aproxima do elevado
número de presidiários dos Estados Unidos (mais de um mio
Ihão e duzentos mil, como vimos), com índice de 500 presos
para cada 100.000 habitantes (no Brasil a média é de 95 pre-
sos para cada 100.000 habitantes; na Europa, 80 presos),
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A INOt,JSTRIA DO CONTROLE DO CRIME
Não que no nosso País e nosso entorno faltem teorias "cientí-
ficas" justificadoras do confinamento indiscriminado dos
"indesejados sociais" (tal como verificou-se, recentemente, com
a operação "Tolerãncia Zero"), A (relativa) impossibilidade de
adoção dos panópticos "campos de concentração" deriva de
outras causas: economia de mercado pouco desenvolvida,
inexistencia de tecnologia avançada, falta de dinheiro etc,
De qualquer maneira, isso não significa que a situação que
vivenciamos seja distinta de um verdadeiro holocausto, O nos-
so, no âmbito do controle penal, não se caracteriza tanto pela
quantidade (alto número de presos), senão, primordialmente,
pela "qualidade" da "repartição intencional da dor", decorrente
de políticas criminais paliorrepressivas, do abarrotamento das
prisões, que leva à tortura, crueldade e, com certa freqüência,
à morte, especialmente via "Aids", seleção claramente
discriminatória, corrupção etc,
Nos Estados Unidos, hoje, quando se fala em prisão, pensa-
se em dinheiro, mesmo porque o volume de encarceramento
não configura nenhum reflexo de qualquer aumento real da
criminalidade;já a realidade brasileira e, pode-se dizer, latino-
americana em geral, é outra, pois prisão é sinõnimo de cruel-
dade, desumanidade, tortura e morte. Lá as prisões identifi-
cam-se com os "campos de concentração"; aqui com os
"campos de extermínio"; lá a moeda de troca do prisioneiro é,
exclusivamente, a liberdade, aqui, para além da liberdade in-
dividual, entram em jogo a integridade física, a privacidade, a
vida. A "indústria das prisões" no nosso entorno é, na verda-
de, indústria da tortura, da morte. E tudo isso independe do
ato "delituoso" que foi cometido, pois nosso sistema prisional
não é capaz de distinguir um pequeno infrator de um grande
criminoso. Todos correm os mesmos riscos, pouco importan-
do se é um preso civil, provisório, menor etc.
Em
SUMÁRIO .
Transformada a prisão em algo economicamente proveitoso (e
uma das vias preferidas para a extração de lucros consiste,
evidentemente, na privatização dos presídios - privatização da
construção, da administração ou do fornecimento de equipa-
mentos) -,já não se vislumbram barreiras para o amplo recru-
tamento da população "perigosa" (Formada, basicamente, pela
legião de desempregados), A punição (penal) do uso dc entor-
pecente, que não chega a ofender bens jurídicos alheios, cons-
titui um marcante exemplo dessa intcrvcnção cxcessiva do pon-
to de vista político-criminal, mas necessária do ponto de vista
mercadológico, Como se não bastasse a inesgotável "matéria
prima" natural das prisões (classes sociais baixas "potencial-
mente perigosas"), de um outro artifício também se faz uso
difuso: mais de quatro milhões de norte-americanos estão sob
controle, sob vigilância constante (livramento condicional, li-
berdade sob palavra, probation etc.), Muitos desses "libera-
dos", com freqüencia, pelos seus atos indesejados (uso de dro-
ga ou de álcool, por exemplo), voltam para os GuJags, É uma
"reserva de mercado" apreciável. E agora, para complctar, cs..
tão descobrindo que as prisões não só sâo economicamente
ativas, como podem se transformar numa "fonte de produçâo":
é o que está acontecendo na Califórnia com a utilização da mão
de obra do preso para a recuperação de computadores usados'
Dentre tantos outros méritos deste livro de Nils Christie, des-
taca-se induvidosamente a configuração empírica e, portanto,
criminológica do "modelo americano de controle social", Tem
força expansiva? Para o autor a resposta seria positiva,'Ocor-
re que a "indústria das prisões" não é fruto tão-somente de
avanço tecnológico e do mercado sofisticado, No fundo, é uma
questão cultural. t: cultura não se exportafacilmente, Cada país
conta com sua realidade própria, Na nossa, por exemplo, nes-
4\1. Gilberto Dimcnstein, Falh.? de S. Paulo, de 20.07.97, pp. ]-28.
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A INDÚSTRIA DO CONTROLE DO CRIME
te momento, constata-se um misto de intervenção penal exces-
siva, com uma política despenalizadora importante, que adveio
com a Lei nO9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais Criminais).
Estamos construindo um novo cenário, distinto do norte-ame-
ricano, propício não para "campos de concentração", mas para
a não intervenção penal. Nunca entre nós se falou tanto em
penas alternativas como agora. E esse nos parece o caminho
correto.
O discur,o das penas alternativas, em síntese, embora se sai-
ba que elas isoladamente não significam a soluçãO para o gra-
ve problema carcerário, é muito atual e importante, porque o
Brasil, que as aplica para apenas 2% dos condenados, está in-
comparavelmente atrás da Alemanha, Cuba e JapãO (que im-
põem tais penas em 85% dos casos), Estados Unidos (68%),
Inglaterra (50%) etc. Países com melhores condições econô-
micas adotam difusamente as penas alternativas e o índice de
reincidência é de 25%. No nosso pobre e equivocado modelo
penitenciário, que deposita fé no encarceramento de todos os
criminosos, a taxa de reincidência é de 85%e ainda nos damos
ao "luxo" de gastar cerca de quinhentos reais por mês com cada
um dos cerca de 45 mil presos não violentos, cujos delitos cau-
saram prejuízo médio de cem reais. Isso significa punir não só
o "desviado", senão principalmente o contribuinte5 Não fos-
se por humanitarismo, razôes econômicas já seriam o bastan-
te para uma profunda e radical mudança de atitude e de men-
talidade. É preciso racionalidade! Não tem nenhum sentido
pagarmos caro para transformar, nos presídios que temos,jo-
vens e primários em criminosos violentos.
Que as penas alternativas são melhores e mais dignas que a
prisão é algo indiscutível; que podem contribuir para a atenua-
ção do grave problema carcerário brasileiro não se nega. De
~v.Julita Lemgruber, VEIA. de 16.07.97, p. 9.
SUMÁRIO
qualquer modo, como observação final, não podemos nos es-
quecer que são "penas", são "castigos" que, no fundo, como
assinala o próprio Nils Christie, significam "distribuição de dor,
de sofrimento, de anição". Todo nosso esforço contra a difu-
são do modelo norte-americano que acaba de ser diagnosti-
cado e em favor dessas alternativas à prisão é indiscutivelmente
válido, em razão do seu contelido ético-humanitário, mas náo
é tudo, porque na verdade o melhor mesmo é prevenir o deli-
to, com programas sérios, tanto em nível primário (ir às cau-
sas mais profundas, às raízes do crime), secundário (criação
de obstáculos ao delito) quanto terciário (recuperação do de-
linqüente, visando a sua não reincidêneia), A política-criminal-
mente correIa, em conclusão, não nos parece a implantação de
extensos "campos de concentração", senão a construç,io de
mais escolas, mais creches, mais centros sociais, mais hospi-
tais, mais centros de salide e de lazer etc.
São Paulo, julho de 1997
Luiz Flávio Gomes
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1 Capítulo 1
Eficiência e decência
Este livro é um a!Crta contra ns tendências recentes no campo
do eontro!c do crime. O tema é simp!cs. As soeiedndes de tipo
oeidental enfrentam dois problemas principais: a distribuição
desigual da riqueza e do trabalho assalariado. Os dois problc-
mas são fontes potenciais de intranqüilidade. A indústria do
controle do crime destina-se a enfrentá-los. Esta indústria for-
nece lucro e trabalho e, ao mesmo tempo, produz o controle so-
bre os que de outra forma pode~iam perturbar o processo social.
Comparada com a maioria das'outras indüstrias, a do contro-
le do crime ocupa uma posição privilegiada. Não há falta de
matéria-prima: a oferta de crimes parece ser inesgotável. làm-
bémnão tem limite a demanda pelo serviço, bem como a dis-
posição de pagar pelo que é entendido como segurança. E não
existem os habituais problemas de poluição industrial. Pelo
contrário, o papel atribuído a esta indústria é limpar, remover
os elementos indesejáveis do sistema social.
São muito r8ras as ocasiões em que aqueles que trabalham
nesta ou para esta indústria dizem que seu tamanho é apro-
priado: "Hoje somos suficientemente grandes, estamos bem es-
tabelecidos, não ~ueremos crescer mais." A necessidade da ex-
pansão faz parte do pensamento industrial, quanto mais não
seja para evitar ser tragado pela concorrência. A indüstria do
controle do crime não é exceção. Mas ela tem vantagens espe-
ciais ao fornecer armas para o que é visto como uma luta per-
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A INDÚS"TAIA 00 CONTROLE DO CRIME
manente contra o crime. A indústria do controle do crime lem-
bra os coelhos na Austrália ou o mink selvagem na Noruega-
ambos têm muito poucos inimigos naturais.~ .•.
A crença de que existe uma guerra ê uma das principais forças
motrizes do seu desenvolvimento. A outra é a adaptação ge-
neralizada às formas industriais de pensar, organizar-se e com-
portar-se. A instituiçãO da lei está em processo de transforma-
ção. Seu antigo símbolo era uma mulher com olhos vendados
e com uma balança na mão. Sua tarefa era equilibrar um gran-
de número de valores opostos. Essa tarefa desapareceu. Uma
revoluçãO silenciosa ocorreu no seio da instituiçãO da lei, uma
revolução que permite à indústria de controle do crime mais
oportunidades de crescimento.
Criou-se uma situação que torna inevitável um grande aumento
do número de presos. Isto já pode ser observado nos Estados
Unidos, que em 1991 atingiu o número, inédito até então, de
mais de 1,2 milhão de presos ou 504 por cada cem mil habi-
tantes. Esta cifra é tão elevada que não pode ser comparada ã
de nenhum país industrializado do Ocidente. Mas por que ape-
nas 1,2 milhão? Por que não dois, três, ou cinco milhões? E,
tendo em vista as tcntativas de criar uma economia de merca-
do na antiga União Soviética, por que não reativar também o
uso dos Gulags? Diante disso, os estados de bem-estar social
europeus, que estão em declínio, conseguirão resistir aos tenta-
dores modelos das duas potências hoje transfonnadas em innãs?
Existem, porém, força contrárias em a ão Como será de-
monstrado, há enormes discrepâncias no número de presos de
países que ,sob outros aspectos, sâo relativamente semelhan-
tes. Tambêm nos deparamos com "inexplicáveis" variações,
dentro de um mesmo país, em épocas diferentes. O número de
presos pode diminuir em períodos em que, de acordo com as
estatísticas criminais, as condições materiais e a economia,
deveriam ter aumentado; e podem aumentar quando, pelas
mesmas razões, deveriam ter diminuído. Por trás destes movi--
EFICIêNCIA E DECENC1A
.
mcntos "Irregulares", encontramos idéias sobre o que se con-
sidera um tratamento cOlTeto e justo de outros seres !mmanos,
idéias que contrariam as soluções econõmico-industriais "ra-
cionais" . O primeiro capítulo deste livro documenta os efei-
tos destas forças contrárias.
Do exposto, chego à seguinte conclusão: na situação atual, tão
extraordinariamente propícia ao crescimento, é particularmente
importante compreender que o tamanho da população
carcerária é uma questão normativa. Somos ao mesmo tempo
livres e obrigados a tomar urna dccisão. l': necessário colocar
limites ao crescimento da indústria carccrária. A situação exi-
ge uma discussão séria sobre os limites de crcscimento do sis-
tema formal de controle do crime. Pensamentos, valores, étic~
- e não o impulso industrial- devem determinar os limites do
controle, o momento em que este já é suficiente. O tamanho
dapopulação carcerária é conseqüência de decisões. Temos li-
berdade de escolha. Só quando não temos consciéncia desta
liberdade é que as condições econõmicas e materiais reinam
livremente. O controle. do crime é uma indústria. Mas as in-
dústrias têm que se manter dentro de certos limites. Este livro
trata da expansão da indústria carcerária, mas também das
forças morais contrárias a csta cxpansáo.
,
Nada do que foi dito significa que a proteção da vida, da inte-
gridade física e da propriedade nito sejam motivo dc preocu-
pação na sociedade moderna. Pclo contrário, viver em socie-
dades de grande escala vai significar por vczes vi~cr em
ambientes onde os representantes da lei e da ordem são vistos
C0l1101I111agarantia essencial para a segurança. Não se pode
deixar de levar se'hamente em conta este problema. 'lbdas as
sociedades modernas terão que fazer algo em relação ao que
se designa em telTl10sgerais como o problema dO.crime. Os Es-
tados devem controlar este problema; têm que investir dinhei-
ro, pessoas e edifícios. O trabalho que se segue não é uma de-
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, A INDUSTRIA DO CONTROLE 00 CRIME
fesa do regresso a um estágio da vida em sociedade em que não
exista controle formal. 1:: a defesa de uma rellexão sobre os seus
limites,
*
Por detrás de minha advertência contra estas tendências está
latente a sombra de nossa história contemporânea, Estudos
rcccntes sobrc os campos de eonccntraçâo e os Gulags nos
deram uma nova compreensüo sobrc cles, As velhas qucstõcs
estavam mal formuladas, O problcma nüo é: como puderam
acontecer? É: por que não aconteceram mais freqüentemente?
E também quando, onde e como vâo ocorrer no futuro?' O li-
vro de Zygmunt Bauman (1989) Modemidade e o Holocausto
é um marco deste pensamento,
Os modernos sistemas de controle do crime podem transfor-
mar-se em Gulags de tipo ocidental. Com o fim da guerra fria,
numa situação de profunda recessao econômica, c quando as
mais importantes nações industriais não têm mais inimigos ex-
ternos contra quem se mobilizar nao parece improvável que a
guerra contra os inimigos internos reccba prioridade máxima,
seguindo conhecidos precedentes históricos, Os Gulags de tipo
ocidental não irão exterminar as pessoas, mas têm a possibili-
dade de afastar da vida social, durante a maioria de suas vi-
das, um grande segmento de potenciais causadores de proble-
mas, Têm o potencial de transformar o que poderia ser o
período mais ativo da vida destas pessoas numa existência que
não vale a pena ser vivida, lembrando a cxpressão alemã,
I Pode ser dilo com segurança: a qucst50 nâo é quando ou onde o próximo
Holocausto vai acontecer. Já está acontecendo. As políticas financeira c industrial
do Ocil1ente provocam a cada dia morte c destruição 110 lerceiro Mundo, Apesar dis-
so, limitrlrci minha atenção neste livro ~ situaç3.o do mundo industrializado. O con.
tro\c do crime no Ocidente é um microcosmos. Se compreendermos o que esta <lCOll-
tecendo em alguns destes pulses, conseguiremos nos aproximar de uma compreensão
do fenOm~no do Terceiro Mundo.~-
EFICIt:NCIA E DECêNCIA
"", não existe nenhum tipo de nação-estado no mundo con-
temporáneo completamente imune ao perigo de ser submeti-
do a um governo totalitário", diz Anthony Giddens (1985, p,
309), Gostaria de acrescentar: os maiores perigos do crime nas
sociedades modernas não vêm dos próprios crimes, mas do
fato de que a luta contra eles podc levar as sociedades a go-
vernos totalitários,
*
A presente análise é profundamcnte pcssimista e, como tal,
contrasta com o que acredito ser minha atitude básica em re-
lação a quase tudo na vida, É também uma análise de particu-
lar importáncia para os Estados Unidos, um país cm j'clação
ao qual me aproximo por muitas razões, Discuti parte das mi-
nhas análises com colegas americanos cm seminários e pales-
tras dentro e fora dos Estados Unidos, e sei que eles ficaram
descontentes, Não que necessariamente discordassem, pelo
contrário, mas não gostaram de ser vistos como representan-
tes - que são - de um país com um particular potencial para che-
gar a situações como as que delineio, Nestas circunstáncias, é
desconfortável saber que são grandes as chances de a Europa se-
guir, mais uma vez, o exemplo de seu grande irmão do Oeste,
Mas um alerta é também um ato de algum otimismo, Uma
advertência significa acreditar nas possihilidades dc mudança,
Este livro é dedicado a Ivan lIIich, Seu pensamento está por
de trás de muito do que foi formulado aqui, e ele também
significa muito para mim, pessoalmente, lIIich náo eséreve so-
bre o controle do crime como tal, mas percebeu as origens do
que está aconte~endo atualmente; os instrumentos que criam
a dependência, o conhecimento adquirido pelos especialistas,
a vulnerabilidade das pessoas comuns quando são levadas a
acreditar que as respostas para seus problemas estáo nas ca-
beças e nas máos de outras pessoas, O que ocorre no campo
do controle ,industrializado do crime é a manifestação extre-- .~"'.'..;.
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A INDÚSTRIA 00 CONTROLE DO CRIME
ma de tendências contra as quais Ivan l11ichfreqüentemente
advertiu. Incluo referências a algumas de suas principais obras
na bibliografia, apesar de não seremmcncionadas diretamen-
te no texto. Apesar disso, elas estão presentes.'
Algumas observações finais sobre as minhas intenções, sobre
a linguagem e a forma:
o que se segue é uma tentativa de cnar uma compreensão coe-
rente baseada numa ampla gama de fenõmenos que são, na
maior parte das vezes, abordados em separado. Alguns capí-
tulos poderiam ter se transformado em livros distintos, mas o
meu interesse foi de apresentá-los juntos e abrir. assim, a pos-
sibilidade de busca de suas inter-relações. raço uma tentativa
de ajudar os leitores a encontrar eles mesmos estas relações,
sem aprofundar muito a minha interpretação. O material que
apresento pode também dar origem a interpretações muito
diferentes das minhas. Isso seria ótimo. Não quero criar inter-
1Além da dívida intelectual com lvao lllích e oulros eil3dos no texto, recebi uma im-
portante ajllda de inúmeros colegas e amigos. Dos EUA, James Aust;n, Alvio
Brollstcin, Stephcn Cartcr, Marc Mauer c Margo Pieken conlribllímm com novas idéias
c dados particularmente úteis. Numa segunda revisão do m:lnusCrilo, recebi impor-
tantes crilicas de Bill Chamblis$ c Harold Pcpinsky. Do C<lnadá veio uma excepcio-
nal ajuda de Maeve McMahon cOle Ingstrup. Na Grã-Bretanha, Vivian Stern me
deu Ulll<lgentil ajud3, bem como Sebasti3n Schcerer n3 Alemanh3, Louk Hulsman e
René vau Swaaningen na Holanda. Monika Platek enviou dados da Polônia, bem
como a crítica de um primeiro rascunho do manuscrito. Da Rússia, recebi contri-
buições valiosas de Svetbna PolubinskaY<l e de Alcxander V••kovlev, bem como de
Kawlin GOnczól da Hungria. Da Esc:.mdinávia, recebi inspiração e críticas COllslnl-
tiv<ls ao manuscrito de Johs Andenaes. F1emming Balvig, Kjcrsti Ericsson, Hedd<l
Giertsen, Cecilie 1I0igi'trd. Thomas Mathiesen, Angelika Schafft, Kristin Skjorten e
!.ill Scherdin. A Scandinavi:ln UnivcrsilY Press - personificada em Jon Haarberg e
Anne Tumer _ me ajudou e encorajou durante todo o processo. Petcr Hilton e Anne
Turner ajudaram a adaptar meu inglês js normas dessa Ilngua, mas não podem ser
responsabilizados pelos pontos em que insisti em preservar formas e rormulaç6es que
mc parecer::lm lll:ÚS próximas ao ritmo do meu norueguês. fieril B1indheim, Turid
Eikvmn, Frade Rod e Grethe Aar::las me deram assistência em diversos estágios e
June Hansen fez um trabalho excepcional, pondo o m<llluscrito em ordem. A Asso-
ciaço.o dos Escritores e Tradutores de Não-ficção Noruegucses tornou possíveis as
viag,cns durante a preparaça.o do livro.
••
EFICIÊNCIA E DF(;~NC1A
pretações fechadas nem barreiras, mas abrir novas pcrspeeti-.
vas na procura infinitade um significado.
Quanto ã linguagem e ã forma: o jargão sociológico é rechea-
do de conceitos latinizados e estruturas de frases complicadas.
É como se o uso de palavras e frases comuns pudesse dimi-
nuir a confiabilidade dos argumentos c do raciocínio. Detesto
essa tradição. A sociologia que me agrada pouco precisa de
termos técnicos e de frases floridas. Ao escrever, tenho em
mente "minhas tias favoritas", imagens fantásticas de pessoas
comuns que gostam de mim o suficiente para tcntar ler o tex-
to, mas não ao ponto de aceitarem tcrmos c frases complica-
das que fariam o texto parecer mais científico.
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Capítulo 2
O olhar de Deus
2.1 Completamente sozinho
Manhã de domingo. O centro da cidade de Oslo está deserto.
Os portões do jardim que circunda a Universidade estavam fe-
chados quando cheguei. O mesmo acontecia com a entrada cio
Instituto e a porta do meu escritõrio. Tenho a certeza de que
sou a única pessoa em todo o complexo. Ninguém pode me vef:
Estou livre de todas as espécies de controle, exceto os internos.
Historicamente, esta situação é bastante especial. Não ser vis-
to por ninguém, exceto por mim mesmo. Nunca aconteceu
durante a vida de meus avós, ou de minha mãe, pelo menos
completamente. E quanto mais para trás me transporto, mais
certeza tenho: eles nunca estiveram sozinhos; sempre estavam
sendo vigiados. Deus estava lá. Pode ter sido um Deus com-
preensivo, que aceitasse alguns desvios, considerando a situa-
çãocomo um todo. Ou era um Deus clemente. Mas selTJprees-
lava por perto.
Da mesma form!l que os produtos humanos de Sua criação.
Nos finais do século XI, a Inquisição estava presente na Fran-
ça. Alguns dos protocolos dos interrogatórios incrivelmente
detalhados ainda estão preservados no Vaticano, e Ladurie
(1978) usou-os para reconstruir a vida de uma aldeia nas mon-
tanhas, Montaillou, entre J 294 e 1324. Ele descreve o cheiro,
o OLHAR OE DEUS
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mil: Calúnia e difamação
• Todos os tipos de crimes registrados
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soai caíram substancialmcnte nos últimos 35 anos - em nll'
meros absolutos de I, 100 para 700.
Gráfico 2.1-1 Todos os tipos de crimes registrados e investigados por
mil habitantes, e crimes de calúnia e difamação investigados por cem
mil habitantes. Noruega1gS6-1991
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A minha interpretação dcstes númcros é trivial. Não é que as
pessoas sejam hoje mais gentis ulIlas com as outras, ou mais
respeitadoras ela honra alheia. De maneira gera! se podc di-
zer, simplesmcnte, que não há tanto a perder. A honra não é
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2.2 o estranho
Foi em Berlim, no ano de 1903, que Georg Simmel publicou o
seu famoso ensaio "O estranho"- "Exkurs über den Fremden",
Para Simmel, o estranho não é a pessoa que chega hoje e vai
embora amanhã, O estranho é aquele que chega hoje e não se
vai amanhã, talvez nunca se vá, mantendo porém, permanen-
temente, a possibilidadc dc partir, Mesmo que não vá embora,
não abandona de todo a liberdade de partir. Ele tcm consciên-
cia disso, assim como os que o cercam. Ele é participante, é
membro, mas menos do que as outras pessoas. Os que o ro-
deiam não podem inlluenciá-Io completamente.
Georg Simmel teria gostado do Gráfico 2./-1.
A linha ascendente nos dá o número por mil habitantes de to-
dos os tipos dc crime investigados pela polícia da Noruega de
1956 até 1989, Esse crescimento é semelhante na maioria das
sociedades industrializadas. Em números absolutos, significa
um aumento de 26 mil para 237 mil casos, A outra linha - cri-
mes por ccm mil habitantes e não por mil habitantes, como a
anterior, já que os números são menores - mostra os registros
de crimes contra a honra, calúnia e difamação, atos que ainda
são vistos como delitos no meu país. Como observamos, a ten-
dência aqui é oposta à anterior. Os crimes contra a honra pes-
A INDÚSTRIA DO CONTROLE DO CRIME
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os sons e a transparência, As moradias não permitiam priva-
cidade alguma, Não haviam sido construídas para isso, em par-
te devido a limitações materiais, mas também porque a priva-
cidade não era tão importante, Se o Todo-Poderoso via tudo,
por que se preocupar em afastar-se dos vizinhos? A cste con-
ceito se juntava uma antiga tradição, O próprio termo "priva-
do" vem do latim privare - que está relacionado com perda,
com ser roubado -, ser privado de algo, Estou aqui, no domin-
go dc manhã, "privado", completamente só atrás dos portões
fechados da Universidade.
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A INDUSTRIA DO CONTROLE DO CRIME
mais tão importante a ponto de levar à polícia uma pessoa que
se sinta ofendida. As sociedades modernas têm uma abundân-
cia de mccanismos - alguns intencionais, outros nem tanto-
que fazem com que as pessoas já nâo se importem tanto com
as outras quanto se importavam antes. Nosso destino ê estar-
mos sós - privados - ou rodeados de pessoas que só conhece-
mos limitadamente, se é que realmente conhecemos. Ou estar-
mos cercados de pessoas que podem partir facilmente, que nos
deixarâo com a mesma facilidade dos estranhos. Nesta situa-
çãO, a perda da honra não parece ser tão importante. N inguêm
vai nos conhecer no próximo estágio de nossa vida. Mas, com
esse mesmo sentimento, as pessoas que nos rodeiam tam-
bém perdem um pouco da inOuência sobre nós, e a linha de
todos os crimes registrados ganha um novo impulso para
cima.
2.3 Onde o crime não existe
Uma das formas de encarar o crime é entendê-lo como uma
espécie de fenômeno básico. Alguns atos são considerados
intrinsecamente criminosos. O caso extremo são os crimes
naturais, atos tão errados que virtualmente se autodefinem
como crimes, ou pelo menos são vistos como tal por qualquer
ser humano razoável. Este ponto de vista provavelmente em
muito se aproxima ao que a maioria das pessoas sente intuiti-
vamente, pensa e diz sobre crimes graves. Moisés desceu da
montanha com os mandamentos, Kant usou os crimes natu-
rais como base para seu pensamento jurídico.
Mas os sistemas onde prevalecem estes pontos de vista tam-
bém colocam certos limites às tendências criminalizadoras.
O mecanismo subjacente é simples. Pense numacriança, seu
filho ou de outrem. A maioria das crianças age, por vezes,
de uma forma que a legislação poderia considerar criminosa .
#
o OLHAR DE DEUS
Pode desaparecer dinheiro dc lima bolsa. Seu filho não diz a
verdade, ou pelo menos toda a verdadc, sobre ondc passou a
noite. Ele bateu no irmão. 1\1as,ainda assim, não aplicamos
nesses casos as categorias do direito penal. Não chamamos
uma criança de criminosa, nem seus atos de crimes.
Por quê?
Apenas porque não parece certo fazê-lo.
Por que não')
Porque sabemos demasiado. Conhecemos o contexto: o filho
estava desesperado por arranjar dinheiro, estava apaixonado
pela primeira vez, o irmâo o irritou mais do que alguém pode-
ria suportar - seus atos não tiveram significado, nada ,)C.res-
centaria vê-los à luz do direito penal. E conhecemos tâo bem
nosso próprio filho. Com tanto conhecimento, uma categoria
legal seria muito estreita. Ele pegou o dinheiro, mas lembramo-
nos de todas as vezes em que ele generosamente partilhou seu
dinheiro, ou seus doces ou carinho. Bateu no irmão, mas mui-
tas outras vezes o consolou; mentiu, mas continua sendo um
garoto em que se pode confiar.
Isso é verdade. Mas não se aplica nccessariamcnte ao garoto
que acabou de se mudar para o outro lado da rua.
Atos não São, eles s tornam alguma coisa. O mesmo aCOIHe-
ce com o crime •...O ~rime não existe. ~ cnado. Primeiro, exis-
tem atos. Segue-se depois um longo processode atribui"rsigni-
ficado a esses atos. A distância social tem uma impor.tância
particular. A distã.ncia aumenta a tendência de atribuir a cer-
tos atos o significado de crimes, e às pessoas o simples atribu-
to dc criminosas. Em outros ambientes - e a vida familiar é
apenas um de muitos exemplos - as condiçôes sociais sâo tais
que criam resistências a identificar os atos como crimes e as
pessoas como criminosas.
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A INDÚSTRIA DO CONTROLE DO CRIME
2.4 Uma oferta ilimitada de crimes
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3.1 Medidas de dor
A quantidadc de punição aplicada pelo sistema jurídico de cada
país pode ser medida de diversas formas. Apresentarei princi-
palmente dados atualizados sobre número de presos. Depois
da morte, o encarceramento é a maior demonstração do exer-
cício do poder à disposição do Estado. Todos somos submeti-
dos a alguma forma de sujeição: forçados a trabalhar para so-
breviver, a nos submetermos às ordens dos superiores, presos
em classes sociais ou salas de aula, aprisionados no núcleo fa-
miliar ... Mas com exceção da pcna capital e da tortura física-
quc são usadas de forma muito limitada na maioria dos paí-
ses que discutimos neste livro - nada é tão completo, em ter-
mos de constrangimento, degradação, c de dcmonstração de
poder quanto a prisão.
Para medir o uso do encarceramento na sociedade, us~rei da-
dos relativos, isto é, o número diário de presos por cem mil
habitantes. Não é um indicador preciso, mas é o melhor que
podemos usar pa~a comparar nações. Steenhuis e colaborado-
res (I 983) criticam seu uso. Uma cifra rclativa baixa, argumen-
tam, pode ser resultado de muitos presos com pcnas pequenas,
ou de apenas alguns com sentenças de prisão perpétua. Mas
não me convenceram. Independentemente da distribuição en-
tre sentenças curtas e longas, parece razoável dizer que um país
que tem 500 presos por cem mil habitantes usa níveis de dor
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I ,I Capitulo 3
. Níveis de dor intencional
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I Quando punem o criminoso não são responsáveis. A responsabilidade repousa nos
ombros da pessoa que cometeu o que pode ser chamado de "crime natural". Este qua.
dro Tc-ativo - em contraste com o pró-ativo - fornece uma proteç:l.o considerável <lOS
que administram o sistema. Arespon.sabilidade pelo que acontecer mais tarde é apenas
da pessoa que cometeu o crime. Ele/ela atuam, e as autoridades são forçadas a Tc-agir.
Quem começou (oi quem violou a lei; as autoridades apenas restauram o equilíbrio .
Nas sociedades que pouco criminalizam os atos, e onde a
maioria desses atos é evitada apenas pelo olhar de Deus, pela
presença dos vizinhos ou por restrições circunstanciais, a lei
pode ser vista como o receptáculo do que sobrou, do pouco
que escapou à primeira linha de controle, e chegou à atenção
das autoridades. Nesta situação, não existe nem espaço nem
necessidade de discutir a seleção de casos. Os juízes têm que
aceitar o que lhes é apresentado. Têm que reagir.'
Mas, como vimos, não é essa a nossa situação. O sistema so-
cial mudou e hoje existem menos restrições a considerar até
mesmo pequenas transgressões como crimes e seus autores
como criminosos. Ao mesmo tempo, as velhas defesas contra
os atos indesejados desapareceram e foram criadas novas for-
mas técnicas de controle. Deus e os vizinhos foram substituí-
I~ r/J ~<::~ela eficiência mecãnic.a.d~smodernas formas de vigilân-
. {j/' cla. Vivemos a situação concreta do CrIme como fenõmeno de'" lO~ mãssa. A fúria e a ansiedade - provocadas por atos que tam-
bém poderiam ser facilmente considerados crimes naturais nas
sociedades modernas - se tornam a força motriz da luta con-
tra todas as espécies de atos deploráveis. Esta nova sjtuação,
que compreende uma ofeI1a ifjmjtada de atos que podem ser de-
finjdos como cnInes, Clia também possibjjjdades JJjnútadas de
travar uma gueITa contra todas as espéáes de atos jndesejáveis.
A tradição ainda viva do período em que os únicos crimes eram
os naturais, aliada a uma oferta ilimitada do que é hoje visto
como crime, preparou o terreno. O mercado do controle do
crime aguarda seus "entrepeneurs".
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A INDÚSTRIA DO CONTROLE DO CRIME
intencionais superiores a uma sociedade que tem 50 presos por
cem mil habitantes.'
Mais problemática é a interpretação destas diferenças. O nú-
mero de presos pode ser visto como um indicador da quanti-
dade de crimes cometidos no país. Esta perspectiva condiz
com a visão tradicional dos crimes naturais num contexto
de reação. O criminoso começa, o judiciário reage. Um aumen-
to no número de prisóes é visto como um indicador de que o
número de delitos cometidos aumentou, enquanto a tendên-
cia para a queda indica que a situação mudou para melhor. No
mesmo momento histórico, sociedades com alto nível de pu-
niçãO são vistas como tendo também uma alta taxa de
criminalidade, enquanto as que têm índices mais baixos são
provavelmente lagos tranqüilos num mundo turbulento. Esta
é a forma tradicional de interpretar os dados.
1\ . ),yMas esta interpretação não condiz com a perspectiva apresen-
\} j tada no Capítulo 2. ~le, mostramos uma situação em que
I d ',,1". existe uma oferta ilimitada de atos que odem ser defimdos
j . .r.1 como cnmes. en o es e o caso, uma mterpretação a ternat,-
\\ \. ,lp'" - va do número de presos seria vê-lo como produto final de uma
~ miríade de influências: o tipo de estrutura social, a distãncia
ry 0 social, as revo!uçóes ou distúrbios políticos, o tipo de sistema
• ~., legal, o interesse económico e o nível industrial. ~quilo que
sempre é visto como crime também terá seu papel. E uma for-
ça entre outras. Mas é uma perspectiva muito estreita olhar o
número de presos apenas como um indicador do número de
crimes. E não condiz com os dados que se seguem. Deixem-
me começar em casa:
I Muitas vezes sugere-se que o número de admissões às prisões seja usado como in-
dicador. Sua utilizaç~o, porém, leva ao problema de definir o que é uma admissão.
A permanência numa cela por quatro, oito ou 24 horas deve ser contada? Ou sÓ de-
vem ser contabilizadas as prisões realizadas com ordem judicial? Em algumas juris-
dições, a ordem deve ocorrer num prazo de 24 horas. Noutras, a policia pode espe-
rar algumas semanas antes de levar a pessoa a um juiz, e só a partir daI a pris~o passa
a ser considerada como tal.
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NíVEIS DE Ilon INTENCIONAL
3.2 Os bons velhos tempos?
O Cinífico 3.2-1 contém o nlllllero de presos por cem mil ha-
bitantes na Noruega desde 1814, o ano de aprovação da nos-
sa Constituição, até o presente. O gráfico tem a forma de uma
montanha muito alta sobre a metade do século passado, se-
guida de uma população carcerária pequcna c relativamente
estável neste século. Os ültimos 15 anos mostram Ulll contí-
nuo crescimento, mas os nümeros relativos não chegaram ao
nível da grande depressão dos allOS .10.
O aumento da populaçao carcerária desde 1814 é muito fácil
de explicar. Sair do século XVIII significava deixar atrás um
grande nümero de penas capitais, bem como açoites, identifi-
caça0 de criminosos com marcas a ferro na testa, cortes de
dedos e outras mutilaçóes. A transição do tormento físico para
a perda da liberdade foi estabelecida e regulamentada numa
lei de 15 de outubro de 1815'
Gráfico 3.2-1. NLlmero de presos por cem mil habitantes na Noruega
1814a1991
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O GráfICo 3.3-1 baseia-se nas estatísticas carcerárias elo Con-
selho da Europa, Mostra dados sobre a população carccrária
por ccm mil habitantes, a maioria dos quais ele 1990,
O quc mais chama atenção neste eliagrama é a extrcma 'IariJ-
ção entre estasnações européias. No extremo supcrior, encon-
tramos os vários países do Reino Unielo: a lielerança é da Ir-
landa elo Norte, mas a Escócia está próxima, Durante muito
tempo, a Turquia estava perto do Reino Unielo, mas atualmente
está muito atrás. Luxemburgo está hoje perto elo topo. No ou-
tro extremo do gráfico encontramos a pequena Islânelia e
Chipre, mas também, surpreendentemente, a Holanela. A
Grécia vem perto ela Holanda, seguida ela Noruega, Itália,
República ela Irlanela e Suécia.
NíVEIS DE DOR INTENCIONA\...
Se compararmos os dois gráficos, podemos ver que o número
relativo de pessoas declaradas culpadas permanece estável
durante a maior parte do século XIX, enquanto o número re-
lativo ele presos cai para um quarto do nível ele 1844. O gran-
de aumento elo número ele pessoas declaraelas culpadas só co-
meça em 1960, Mas isto não influencia o número ele prisões
até os últimos anos - 35 anos elepois ele começar o aumento,
3.3 Europa Ocidental
Intuitivamente, o fato ele a Islânelia estar na base do gráfico
parece correto. É um país distante ele muitas influências, e tem
uma populaçâo tão pequena que "a maioria elas pessoas" se
conhece - e talvez mesmo precisem umas elas outras. O con-
ceito de honra pode ainda ser importante, Chipre pode ser in-
fluenciado pelos Illesmos fatores, Mas logo vcm a Holanda,
altamente industrializada e densamente povoada, com gran-
des minorias étnicas e onde o acesso às drogas é mais fácil do
que em qualquer outro lugar. Se as pop~.lações carcerárias fos-
sem vistas como uma medida do número de delitos cometidos,
a Áustria e países situados em pontos mais altos do gráfico
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Gráfico 3.2-2 Pessoas declaradas culpadas de crimes por cem mil ha-
bitantes, Noruega 1835-1990
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Em vez da perda de uma mao, prisao por dez anos; em vez de
trespassar e dilacerar a mao, dois anos de prisao, e em vez de
trespassar a mão, um ano de prisao,
Mas esta transição criou novos problemas, O primeiro, e mais
importante, foi a pressão que exerceu sobre o sistema
carcerário, Em vez de ser uma entre muitas formas de punição,
a prisão passou a ser a principal reação ao crime, As peniten-
ciárias e outras instituições penais se encheram ao ponto de
estourar, De 1814 a 1843, o número diário de presos na Noruega
subiu de 550 para 2.325, Isto representou um aumento de 61
para 179 por cem mil habitantes, triplicando no curso de 30
anos, Até que algo de novo ocorreu, Desde 1842 até a virada
do século uma série de emendas ao código penal apontou para
a redução das penas ou para evitar o encarceramento. Demo-
rou cerca de 60 anos para a taxa retornar aos níveis de 1814.
Desde então, a taxa de encarceramento na Noruega vem-se
mantendo relativamente estável.
Estes acontecimentos não parecem ter uma relação direta com
o número de pessoas declaradas culpadas na Noruega. O Grá-
fico 3.2-2 registra os números por cem mil habitantes de 1835
a 1990.
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URSS Rússia 660 353
Polônia 300 107
Hungria 134
Canadá 100 111
EUA 230 426
3.4 Tendências mundiais
Tabela 3.4-1 Número de presos por cem mil habitantes na URSS (mais
tarde Rússia), Polônia, Hungria, Canadá e EUA 1979-1991
A Tabela ],4-1 mostra diferenças dramáticas entre os países e
através do tempo. Em 1979, a URSS liderava, com 660 presos
por cem mil habitantes. A Polônia vinha em seguida, depois os
Estados Unidos com 230 por cem mil c o Canadá no final com
números semelhantes ao padrão da Grã-Bretanha.
Olhando os números de 1989, encontramos uma situação com-
pletamente mudada. Em dez anos, a população carcerária da
Polônia caiu de 300 para 107, e a Hungria caiu de um pico
desconhecido para 134.2
A avaliação dos clados da URSS é particularmente complica-
da. Durante anos, lutei para conseguir uma visão clara cio la-
manho de sua população carcerária. Até a data em que escrevi
este livro, o número de presos ainda era considerado segredo
de estado. Como mostra a tabela, minha estimativa é de,que
tenha caído de 660 em 1979 para 353 por cem mil habitantes
dez anos depois.
Minha estimativa se-baseia no seguinte:
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NíVEIS DE DOR INTENCIONAL
2 Estes numeros se baseinm em estimativas de colegas, panicularrncl1te Monika
Platek, e tenho todas as razões para acreditar que s110exatos. O mesmo ocorre com
os dados da Hungria, fornecidos por Katalin GônczoJ de Budapeste. Sua estimativa
e de que o mlmcro de presos da Hungria IJmhém caiu bnstanle.
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teriam mais de duas vezes o número de crimes da Holanda.
Não pode ser.
A ausência de relação entre o número de delitos registrados c
a população carcerária se torna mais óbvia se sairmos da Eu~
ropa Ocidental.
Gráfico 3.3.1 Número de presos em palses europeus selecionados
1991. Por cem mil habitantes
Irlanda do Norte 106
Escócia 95
Reino Unido 92
Espanha 92
lnglalerrae Pais de Gales 91
Luxemburgo 90
Áuslna 88
Suiça 85
França 84
Turquia 82
Portugal 82
RepúblicaFederal da .aJemanha78
M~la 67
Dinamarca 66
Finlândia 62
Bélgica 61
Irlanda 60
Noruega 59
Iiâlia 56
Suécia 55
Grécia 50
Holanda 44
Islândia 39
Chipre 38
o 20 40 60 80 100 120
1. Fonte: Conselho da Europa: Boletim de IfJform,1ç,1o c.7fCer.1riil, 1992.
2. Fonte: Conselho da Europa: Boletim de In{onmlçtJo 07fcer,1ria, 1992, dados de 1989.
A INDÚSTRIA DO CONTROLE DO CRIME
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A INDÚSTRIA DO CONTROLE DO CRIME
Em 1979, numa apresentação à Sociedade Americana de
Criminologia, um ex-promotor da URSS estimou que havia no
seu país 660 prisioneiros por cada cem mil habitantes.
Numa visita a Moscou em 1989, ouvi de colegas que os núme-
ros corretos para aquele ano eram 214 por cem mil habitan-
tes. Um ano mais tarde, emergiram novas informações numa
conferência internacional sobre comportamento desviante. A
menor estimativa mencionada foi de 800 mil presos, o que dava
282 por cem mil habitantes. Alguns meses depois, realizou-se
uma reunião de pesquisadores da Escandinávia c da URSS na
Suêcia. Nela, apresentei este espectro de dados que havia reu-
nido e pedi uma interpretação. As respostas vieram, a maioria
atravês de gestos. Os dados extremos, como o número de 660
por cem mil habitantes de 1979, foram recebidos com ilTitação.
A sugestão de 214 presos por cem mil habitantes provocou
delicados sorrisos indicando a minha ingenuidade. A estima-
tiva de 353 prisioneiros por cem mil habitantes - que na época
se tornara minha estimativa favorita - foi recebida com um si-
lêncio satisfeito. Hoje, eles me teriam dito. O Sentencing Projeet
(Mauer 1991) sugere o número de 268 para a URSS. Prova-
velmente, é um dado subestimado.
Minha conclusão exploratória é que o dado de 353 por cem mil
habitantes é correto para 1989. Com este dado, a URSS ainda
tem uma população carcerária muito grande, se comparada
com os padrões europeus. A organização Helsinki Watch, num
relatório de dezembro de 1991, confirma a minha estimativa.
Baseada em extensas entrevistas com as autoridades soviéticas, a
organização conclui que "o número de presos provisórios e de-
linqüentes condenados presos na URSS atinge o índice de 350 por
cem mil habitantes" (p. 10). Devemos acrescentar, se usalTIlosesse
número, que há 160 mil pessoas confinadas contra a vontade em
instituições de tratamento para viciados em álcool e drogas. Se
. os incluilTIlos,chegamos a l, 1 milhão de presos, ou 392 encarce-
rados por cem mil habitantes.tiIl
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NíVEIS DE DOR INTENCIONAL
Como vemos na tabela em todos os países cio Leste híl uma
tendência a uma redução considerável da população carcerária.
Este é provavelmente o caso também da China continental.
Domenach (1992) descreveu recentemente o sistema dos
Gulags neste país. Sua estimativa é de que a China tinha cerca
de dez milhões de pessoas em Gulags no início dos anos 50 e
que hoje esses números caíram para quatro a 5,5 milhões.
Numa população de um bilhão de habitantes, isto signil'icauma
população carcerária de 400 a 550 por cem mil habitantes.] A
URSS também parece ter rido o mais ailo número de presos
em Gulags no início dos anos 50. Em 1989, Gorbachcv pediu
à Academia de Ciências que investigasse os arquivos secretos
do Ministério do Interior. Formaram-se alguns grupos de his-
toriadores, coordenados por Viktor N. Zemskov. Zemskov pu-
blicou um relatório preliminar ao qual tive acesso apenas in-
diretamente (Beck J 992)' A maior descoberta é que o Glllag
atingiu seu ponto máximo em 1950, com 2,5 milhões de prisio-
neiros. Levando em conta a população dessa época, isto repre-
senta 1.423 presos por cem mil habitantes. Desde então, os
números declinaram.
Mas nos Estados Unidos, o número de presos desloca-se no sen-
tido oposto, crescendo de 230 em 1979para 426 em 1989,de acor-
do com as fontes oficiais e com o Sentencing Projecr (Mauer 1991).
E o crescimento continua. Vol1aremos aos dados dos Estados
Unidos no C1pí/ulo 6.2. Mas vejamos ainda mais 11mdado: en-
quanto a URSS reduziu praticamente para metade sua popula-
ção carcerária nos últimos dez anos, os Estados Unidos mostram
exatamente o perfil oposto e duplicaram o nÚmero de presos no
mesmo período. At~ a África do Sul está atrás dos Estados Uni-
dos com "apenas" 333 presos por cem mil habitantes (Mauer
J Domcnach em IH.'ekend.7Visefl, Copenhague, 4-11 de junho, 1992.
4Nota à segunda cdjç~o:o m<lis importante relatório publicado em ingll!s ~ de GClty,
Rittcrspoon e Zcmskov (1993).
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A INDÚSTRIA DO CONTROLE DO CRIME
1991), Apenas a China está na mesma categoria que os Esta-
dos Unidos, É interessante verificar que o Canadá, o mais pró-
ximo dos vizinhos, - tanto geograficamente, quanto no que diz
respeito a padrões industriais, língua e vários elementos da
cultura - foi relativamente pouco afetado pelo que está acon-
tecendo nos Estados Unidos, no que se refere à população
carcerária, Em 1989, o número de presos do Canadá permane-
ceu próximo ao da Grã-Bretanha, tanto em geral quanto no que
se refere às penas aplicadas aos condenados, As diferenças de nú-
mero de delitos cometidos não são possivelmente a melhor ex-
plicação para esta enorme diferença no número de presos en-
tre países tão próximos como o Canadá e os Estados Unidos,
3.5 A Importância das idéias
Todos os dados de que dispomos apontam na mesma direção:
não se pode usar o número de presos como indicador do nú-
mero de delitos cometidos, Uma perspectiva histórica na No-
ruega nos confirma isso. As diferenças no número de presos
na Europa não podem também ser explicadas em termos de
diferenças do que é considerado crime, O estudo de um grupo
de especialistas do Conselho da Europa chegou à mesma con-
clusão, O presidente do grupo, Hans Henrik Brydensholt
(1982), afirma de maneira contundente:
",não existem relações diretas entre taxas de criminal idade e
taxas de detenções ou"' o número de presos por cem mil habi-
tantes em um determinado momento,
A nível mundial, isto se toma quase óbvio, A tendência decrescente
do número de presos na Europa Oriental não pode ser conse-
qüência do que é visto como a "situação da criminalidade", E mais
que quaisquer outros números: o enorme crescimento do núme-
ro de presos nos Estados Unidos não pode ser um reflexo realista
de mudanças no número de delitos cometidos, Nossa conclusão
'éclara: 9 número de presos não pode ser explicado pelo número~
le delitos cometidos em determinada sociedade,
EU-'.
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f\:iVE1S DE DOH INTENCIONAL
As idéias e as teorias gerais não são símbolos sem sentido prá-
lIco, Elas abrem caminho ;'1 aç,ão, A crença de que a popula-
Ção carcerária seja um indicador da criminalidade e a impos-
sibilidade de demonstrar tal idéia, condizem com a perspectiva
do direito natural, e também com teorias sobre qual deveria ser
a resposta a estes erimes, Estas crenças harmonizam-se com a
teoria da reação, Se o criminoso é quem começa, e tudo o que
as autoridades podem fazer é reagir, então, naturalmente, o
número de presos é conseqüência da criminalidade e reflete ()
número de delitos cometidos, Ti';.ila-sc assim de destino, e não
de uma opção,
Mas as sociedades modernas lêm ã sua disposiç,ão uma derta
ilimitada de atos que podem ser definidos como crimes, E vi-
mos que elas fazem usos muito dil'erentes dessa oferta, (lU pelo
menos diferem no uso de uma das mais importantes formas
de condenação: a prisão, -lendo chegado a esla conclusão,
podemos passar a uma outra, Se o número de crimes não ex-
plica o número de presos, como pode este último então ser
explicado? Estas sociedades lêm cm comum o falo de -- com
importantes variaçCies - serem altamente industrializadas,
Como podem então ser tão diferentes no que respeita ao uso
da prisão? Como podemos explicar as enormes variações que
,encomramos em diferentes (;pocas e entre diferentes nações')
Procurarei explicar em duas etapas, porque há ciois problemas
igualmcutc fascinantes, Primeiro: por que existem sociedades
que fazem uso tão limitado do encarceramento? E o segundo
problema: por que encontramos sociedades, nesse mesmo gru-
po de nações industrializadas, que têm mais de dez vezes o
IlCimero de presos ôo que as outras?
Deixem-me começar, mais uma vez, em casa, ou perto de
casa, onde a pergunta será: por que estes países têm tão
poucos presos?
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Capítulo 4 I
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Por que há tão poucos presos?.':J
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lativamente estáveis neste século, mas estão crescendo atual- ,~J
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mente. Dois mil e quinhentos presos para 2,2 milhões de ha-:> I
bitantes, significa cerca de 58 por cada cem mil, um número:> ~
ainda relativamente baixo para um país altamente industria-.~ I lizado. Com a modernidade, que trouxe um aumento do anoni-
mato e da anomia, e um crescimento constante dos crimes denun-
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ciados à polícia, por que os números n;lo cresceram tanto?:.'>
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N;lO cresceram porque deixamos os presos em potencial emJ
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listas de espera.
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Temos 2.500 pessoas nas prisões, Mas temos 4.500 em listas
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de espera. Nós os colocamos em fila e deixamos que aguardem
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a hora de ser admitidos na cadeia. .:)
As autoridades estão constrangidas. Filas para conseguir vaga:)
nos jardins de infãncia, listas de espera para internamento emj
hospitais, listas de éspera para serviço de enfermagem a do-
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micílio. E agora, listas de espera para cumprir pena, Não podej
estar certo, Entendo que as autoridades não fiquem à vonta-
,I,dj;, particularmente quando tcnto explicar cste expediente na ,~
Inglaterra ou nos Estados Unidos, É como se os cidadãos dcs- J[~
tes países não pudessem acreditar no que estão ouvindo, Lis. tij
tas de espera para ser preso? Soa como se estivesse fora de3 l'.,t')h. ,
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A INDÚSTRIA DO CONTROLE DO CRIME
compasso, uma dissonância, como um trecho de hard rock no
meio de uma peça de Debussy,
Por quê?
O constrangimento existe provavelmente porque este mecanis-
mo não se harmoniza com os atuais estereótipos, sobre a fun-
çãO de presos e prisões. Todos sabemos as regras básicas dos
jogos de polícia e ladrão. A polícia tem que pegar os ladrões,
colocá-los na prisâo e mantê-los. I~ um trabalho duro e peri-
goso. Se os caras maus tiverem uma chance, vâo escapar. Este
era o jogo de nossa infância. I~ também o jogo da mídia, uma
realidade de acordo com o sctipl. O criminoso é detido, fica
preso enquanto aguarda o julgamento, e depois vai direto para
a penitenciária cumprir a sentença.
Esta descrição é correta, em alguns casos extremos. Mas mui-
tos casos não o são. E aqui começa a dissonância, Muitos con-
denados são pessoas comuns, não são uma casta especial, não
são bandidos. Têm que ser responsabilizados pelo que fizeram,
mas não são animais selvagens. I':les podem esperar, todos
podemos. Acabou-se o jogo.
A fila não condiz com os estereótipos.' Reconhecer a fila é re-
conhecer que os que estão nela nüo são perigosos, não são
monstros. Eles vâo para a prisüo - ao fim de algum tempo -
.Elas não para proteger o público de sua presença, Isto nos obri-
ga a refletir. Êj10r isso que esta é uma boa s~luçãO. Mas tam-
bém é ruim .::para os que estão na fi,ª, É difícil j)lanejar o futu.:,..
JQ quando se está na lista de eSI~ E as pessoas que estão na
fila ficam infelizes, sabendo que a dor vai chegar. Algumas ficam
passivas, em suas residências, como se já estivessem na prisão,
De acordo com Fridhov (1988), os que já estiveram presos se
1 Esperar pelo julgamento é bem diferente de esperar pela punição. Quando se espe-
ra pelo julgamento, o jogo continua de ácordo com o script, orlO em sentido contrálio.
En'
POR QUE HÁ TÃO poucos PRESOS?
preocupam mais com a próxima estadia, porque sabem o que
os espera, Os novatos se impol1ammenos, porque ainda não sabem
Outra conseqüência da fila é seu efeito inibidor sobre as auto-
ridades, A polícia sabe que não hâ vagas nas prisões, e se con-
tém, Os juízes também sabem, Nos casos considerados mais
sérios, isso não evita o uso do ençarceramcnto. Mas muitos
casos não sâo sérios.
As perguntas lógicas que se scgucm são: porque não construir
mais prisões, ou pelo menos aumentar a capacidade das que
já existcm? Muitos presos na Noruega ocupam "celas priva-
das", quer dizer que há uma, e só uma pessoa por cela. Há ex-
ceções, com celas maiores, construídas para abrigar vários pre-
sos, mas não sâo muitas, Se fossem colocadas duas pessoas
em eada eela, a maior parte da lista de espera desapareceria
em poucos anos. As autoridades se deram conta disto, e deci-
diram duplicar a capacidade das celas destinadas a uma s6
pessoa,
Mas uma coalisâo de forças vem bloqueando, até hoje, esse
projeto. Em primeiro lugar, os guardas penitenciários. O mo-
vimento sindical é muito forte. Os guardas são sindicalizados
e têm uma inflUência política considerável. Também cuidam ele
suas próprias condições de trabalho, e se opõem frontalmente
'a prisões superlotadas, Numa reunião de todos os represen-
tantes dos guardas (Landsstyret) em 1990, foi aprovada fi se-
guinte declaração formal:
Nós nos opomo,s frontalmente à decisão de se colocar elois pre-
sos em celas construídas para uma só pessoa c apontamos as
seguintes conscqüências negativas:
Nao é aceitável do ponto ele vista da segurança.
As condições dc trabalho dos guardas vão-se deteriorar.
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A INDÚSTRIA DO CONTROLE DO CRIME
Não é aceitáveldeixaros presos viverabaixoelepadrõcssociaise
de saúde decentes.'
Escrevem cartas ao Comitê de Assuntos Legislativos do Par-
lamento, fazem reuniões com polfticos, pressionam o partido
que por mais tempo tem governado o país. As autoridades
carcerárias insistiram durante algum tempo em duplicar as ce-
las, mas, por razões misteriosas, o projeto se revelou impossí-
vel. As autoridades sanitárias também protestaram contra a
deterioração das condições de vida. Um novo ministro da Jus-
tiça reverteu a decisão e o princípio de uma pessoa por cela foi
preservadoJ
Provavelmente, os guardas não teriam tido sucesso se não hou-
vesse duas outras forças trabalhando na mesma direção: a
maioria dos presos se opõe frontalmente a ter que comparti-
lhar celas e a oposição liberal é contra a medida. Mas estas
vozes são tradicionalmente débeis. Por que foram ouvidas?
Para explicar o ocorrido, temos que ir às montanhas.
2Esta não é apenas uma argumentaçãO convencional. Em 1989,;] mesma organiza.
ção e outras similares na Dinamarca, Finlândia, Islandia e Suécia aprovaram um con-
junto de normas éticas pnra os guardas penitenciários, que dizi.1
Os internos não s~o um grupo homogeneo. Têm, contudo, independente
mente do crime que cometcr:lm, as mesmas necessidades, comuns a todas
as pessoas, de serem respeitados como seres humanos. O fato de muitos deles
terem cometido crimes graves torna necessário que sejam tratados com base
numa prática construída na atividade dos profissionais que têm experiência
no campo. Uma característica primordial desta atividade é a <ltilude basea.
da na élica. Isto também se baseia no respeito pelo valor de c"da ser hUIll<lno.
Os que foram condenados tl prisão não devem sofrer desnecessariamente,
Um guarda n:'lo se deve comportar de forma a degradar desnecessariamen.
te o interno, ou os que lhe s:'lo próximos.
lA import:lncia desta luta pel:! preservação do principio de uma pesso:! por cela C
ressaltada nesta descriçao das condições na Grã-Bretanha (Stern, 1989, p. 6):
Em 1966, Lord Mountbatten disse: "Deveria se informar mais amplamente
que há ainda milhares de presos dormindo em grupos de três, em celas
construldas no século XIX para um prisioneiro," Mais de 20 anos depois,
as coisas nao melhoraram. Nestas mesmas celas, construldas há mais de cem
anos para uma pessoa, 5.000 prisioneiros vivem à raz:'lo de três por cela e
\4.000 vivem em grupos de dois por cela,
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POR QUE HÁ TÃO POUCOS PRESOS?
Todos os anos, logo depois do Natal. é organizada uma sin-
gular reunião cm algum lugar das montanhas norucguesas.
HOJe.depois de acontecer mais de 20 vezes, ela se tornou uma
espécie de tradição. A reunião ocorre num hotel de alto nivel e
conta com a participação de 200 pessoas, durantc duas nOites
e três dias.
Cinco grupos são representados:
PJ)ineiro: operadores oficiai, do sistema penal, diretorcs de
penitenciárias, guardas, médicos, assistentes sociais, agentes
de probation, professores das prisões. juízes, policiais.
Segundo: políticos. Membros do Storting (a Asscmbléia
Legislativa), às vezcs ministros, e sempre assessores e polfti-
cos locais.
Terceiro:a "oposição liberal", pessoas leigas interessadas em
polftica criminal, estudantes. advogados, professores univer-
sitários.
Quarto: representantes da mídia.
Quimo: presos, muitas vezes ainda cumprindo pena, mas com
autorização para sair durante esses dias. Alguns chegam nas
viaturas da penitenciária, acompanhados do pessoal peniten-
ciário. Outros são liberados temporariamente e chegam de ôni-
bus. Nem todos têm licença para sair da prisão e participar da
reunião. Os presos que muito provavelmente tentariam esca-
par não podem sair. Mas é comum participarem presos con-
denados por crimei:'graves: assassinato, tráfico de drogas, as-
salto à mão armada, espionagem. Ao fim da tarde e à noite é
possível ver - caso se saiba quem é quem - presos, dirctores
de prisão, guardas, policiais e representantes da oposiÇão li-
berai em acaloradas discussões sobre a política criminal em ge-
rai e as condições das prisões em particular. Mas também po-
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POR QUE HÁ TÃO POUCOS PRESOS?
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novas prisões,bem como algumas dúvidas sobre as vantagens
destas tendências na Europa em geral, ou nos Estados Unidos
em particular. Este debate não se limita às montanhas. Tam-
bém ocorre nas universidades, onde profissionais da área são
muitas vezes convidados. E acontece no âmbito do Conselho
Escandinavo de Pesquisa em Criminologia, que realiza regu-
lannente seminários conjuntos para profissionais e pesquisa-
dores em várias áreas.
Provavelmente, um efeito geral de todas estas reuniões seja o
de estabelecer uma espécie de normas mínimas para o que pos-
sa ser considerado uma punição decente, e também que estas
normas sejam válidas para lodos os seres humanos. É quase
impossível explicar porque as normas são o que são. Farei uma
tentativa no Capítulo 12, sobre A cultura do controle do cn-
me. Mas, no que diz respeito à sua validade para todas as pes-
soas, deixem-me sugerir aqui, como mínimo, que ela tem algo
a ver com o poder de imaginar, a capacidade de uma pessoa
se ver na sítuação de outra. Numa situação oposta, quando o
criminoso é visto como parte de uma outra raça, uma não-pes-
soa, uma coisa, não há limites para as atrocidades possíveis.
Cohen (1992, p. 12) descreve um tipo de justificativa para a
tortura usada na Israel modema: "... e, afinal, eles não sentem
realmente nada, veja a violência que existe entre eles." Nos de-
bates públicos, ouve-se muitas vezes: "Uma pessoa de melhor
situação sofre mais com a prisão."
O processo de identificação cria normas gerais válida,s para
todos e funciona, assim, como uma prevenção para medidas
mais extremadas. Poderia ter sido eu, julgado culpado e con-
denado à prisão.-o processo de identificação cria a própria
situação que Rawls (1972) constrói como instrumento para
criar soluções justas para vários conflitos. É uma situação onde
as pessoas a qucm cabe tomar decisões, não sabem a qual par-
te do conflito pertencem. Aproximar-se da situação vivida pe-
los réus tem o mesmo efeito. Convida a todo tipo de inibições.
A INDÚSTRIA DO CONTROLE DO CRIME
4As reuniões são organizadas pela KROM, Ulll;] inslituição dedicada à reforma pc-
11::1\ e que já existe há 25 ::Inos, em grande p.lrte devido ~ inici;lLiva c ~ energia de
Thomas Mathiesen (1974, 1990). Durante quase lodo esse período, Mathiesen foi
seu presidente. Mathiesen enfatizou p::IrticuhHmente fI necessidade de manter unw
organização como um nlvel íntermedi:irio, mantendo a distância tanto em relaç~o
aos movimentos políticos mais mdicais, quanto ao sistema prisional. Um ponto cen-
trai desta tentativa foi a aceitação do "incompleto" com um::lcondição v::Iliosa:
A 'socicd<.lde alternativa' noresce da contradição e cOl1lpetiç~o com ::Ivelha
sociedade. O próprio nascimento e crescimento dà novo decorre da contra.
diçM e competição com o velho ... A sociedade alternativa, então, se basci<l
no próprio desenvolvimento do novo, n50 no seu término. A conclUSão, ou
o processo de finalização, implica num controle completo, e deixa de haver as-
sim qualquercontradiçl\O. Também nt'loM competição, (Mathiesen 1974, p. 17).
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dem ser vistos em pacíficas e relaxadas conversas sobre as com-
petições de esqui do dia seguinte'
Um efeito importante destas reuniões é incluir os presos na
comunidade moral dos que tomam as decisões. A Noruega é
um país pequeno. Os que tem a responsabilidade de dirigir o
sistema formal de controle do crime não podem evitar conhe-
.eerem-se uns aos outros, ou, pelo menos, saber quem são os
outros. Não podem escapar de seus críticos, e os quc criticam
não podem evitar os que tem responsabilidades. Somos obri-
gados a um certo grau de proximidade. A situação não permi-
te uma deturpação completa. De um lado, pode haver uma
forte animosidade, mas muitas vezes com algumas dúvidas.
Talvez o outro lado tenha alguma razão. Uma característica
particular é que a maioria dos funcionários é formada em di-
reito. Foram alunos de quem hoje os critica. Nestas condições,
as imagens de monstros não florescem.
Mas esta descrição é demasiado idílica. Os participantes são
uma amostra selecionada. Alguns adeptos de leis rigorosas e
da ordem estrita nem sonhariam em participar da reunião das
montanhas. Mas um número suficiente de representantes de
todos os setores está lá para tornar possível a comunicação.
Pessoas capazes de colocar dúvidas sobre a construção de
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POR QUE HÁ TÃO poucos PRESOS?
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sel1lenças de três anos ou mais, das quais 14por homicídio (ape-
sar de 63 pessoas terem sido declaradas culpadas por esse cr;-
me nessc mesmo ano), duas por estupro (númcro lOtai dc con-
denaçóes: 68), 13 por assalto com violência e, as restantes, seis
por roubo com arrombamento, combinado com extorsno ... O
livramento condicional é quase sempre concedido c não é vin-
culado à c1isposiçnodo preso de participar de programas elereabi-
litação (p. 14).
David Downes (1988) descreveu alguns dos mccanismos que
tornaram possível essa situação. A Holanda sofreu guerras e
ocupações. Muitas de suusprincipais figuras acadêmicas pas-
saram por prisões. Saíram delas totalmente convencidas dos
seus efeitos negativos. Entre elas estavam muitos professores
de direito penal que passaram a ensinar os perigos das penas
de prisão severas. Esta concepção penetrou todo o sistema pe-
nai e também a polícia, como puderam comprovar muitos repre-
sentantes da lei e da ordem que visitaram a Holanda.
Mas na Bélgica e na França também houve personalidades do
mundo acadêmico presás durante a Segunda GlIerraMundial.
Elas também tiveram experiências ruins. Apesar disso, o nú-
mero de presos em seus países não sofreu urna reduçâo visí-
vel. Por que existe esta diferença?
David Downes destaca as tradições de tolerância da Holanda.
LOllk Hulsman (1974) concorda e cita a casa de pesagem de
Oudewater, perto de Gouda, como símbolo disso. Na época da
grande caça às bruxas na Europa, no século XVII, as pessoas
se dirigiam a Oudewater para provar que podiam ser pesádas _
ao contrário das bruxas, que na época se supunha não terem
peso. Em Oudewaler obtinham um certificado de peso, salva-
guarda contra as perseguições. Rutherford (1984, p. 137) cita
urna fonte de 1770 dizendo que mais criminosos foram execu-
tados em Londres num ano do que nij Holanda em 20 anos ..
Além da tolerância, existe um mecanismo característico da
Holanda para lidar com conOitos. A história desse país está
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4.2 Tolerância vinda de cima
A Holanda, esse país pequeno, densamente povoado, altamente
industrializado, com grandes divisões étnicas e religiosas teve
_ até recentemente - uma das menores populações carcerárias
da Europa. É um mistério. E este pequeno número tem sido
um argumento importante no debate europeu sobre a necessi-
dade de prisões. Se a Holanda consegue, por que não o resto
da Europa? .
Louk Hulsman (1974) descreveu o nível de indulgência que
existia quando o número de presos era mínimo:
...é possível atribuir o declínio da população carcerária não a
uma queda do número de sentenças de prisão impostas, mas
apenas a uma redução de sua duração. A relativa brevidade das
penas e a tendência contínua de reduzi-Ias mais ainda pode
ser classificada talvez como a principal característica da evo-
lUÇão penal recente da Holanda. Em 1970, houve apenas 35
Mentalmente, o juiz atua, nas palavras de Rawls, sob o véu da
ignorância. O réu é trazido para perto do juiz. Ojuiz se coloca
no lugar do réu. Tem que decidir com cuidado.
Jessica Mitford (1974, p. 13) cita a coluna "Talk of the Town " ,
da revista 77Je New Yorker$depois da rebeliâo dc Attica:
Milhõcs dc norte-americanos foram colocados pela primeira vez
face a face com criminosos condcnados. Muitos de nós estáva-
mos completamcntc c1espreparac1os para ver o quc vimos ... A.
multidão que observamos na televisão não cra uma turba, mas
uma asscmbléia

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