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de Magalhães Gandavo. “História da Província de Santa Cruz, a que vulgarraente chamamos Brasil.” 2. ed. p. 3. Lisboa, 1858). No capítulo segundo, Gandavo escreve:- “Em que se descreve o sítio e qualidade desta Província”, expondo: “Esta província Santa Cruz está situada naquela grande América, uma das quar tas partes do mundo. Dista o seu princípio dois graus da equi- nocial para a banda do Sul, e daí se vai estendendo para o mes mo Sul até quarenta e cinco graus. De maneira que parte dela fica situada debaixo da zona tórrida e parte da temperada. Está formada esta Província à maneira de uma harpa, cuja costa pela banda do Norte corre do oriente ao ocidente e está olhan do diretamente à Equinocial; e pela do Sul confina com outras Províncias da mesma América povoadas e possuídas de povo gentílico (ameríndios, na linguagem atual) com que ainda não temos comunicação. E pela do Oriente confina com o mar Oceano Áfrico (hoje Atlântico), e olha diretamente os Reinos de Congo e Angola até ao Cabo de Boa Esperança, que é o seu oposto. E pela do Ocidente confina com as altíssimas serras dos Andes e fraldas do Peru as quais são tão soberbas em cima da terra que se diz terem as aves trabalho em as passar. E até hoje só um caminho lhe acharam os homens vindo do Peru a esta Província, e este tão agro, (difícil) que em passar perecem algumas pessoas caindo do estreito caminho que trazem, e vão parar os corpos tão longe dos vivos que nunca mais os vêm, nem podem ainda que queiram dar-lhes sepultura. Destes e de outros extremos carece esta Província Santa Cruz; porque com ser tão grande não tem serras, ainda que muitas, nem desertos nem alagadiços que com facilidade senão possam atravessar. Além disto, esta Província sem contradição a melhor para a vida de homem que cada uma de outras da América. . . ” (Cf. Pero de Magalhães Gandavo. Ob. cit. p. 4); Ao escrever a sua “História da Província de Santa Cruz”, publicada em Lisboa em 1576, Gandavo tinha diante dos olhos j3s mapas do Brasil, feitos por Lopo Homem, publicado em Lis boa. em 1519. cinqüenta e sete anos antes, e o de Bartolomeu TVelho^ também publicado em Lisboa em 1561, havia quinze "anos. È esses dois mapas documentam como os portugueses já tinham feito o reconhecimento geográfico do patrimônio da Or dem de Cristo, politicamente, Estado do Brasil, de norte a sul, de leste a oeste, em meio século, para reproduzi-lo cartogra- ficamente. 110 59. Raposo Tavares traça as fronteiras do patrimônio da Ordem de Cristo a Oeste, em 1650 Na carta ao Marquês de Nisa, já referida, o jesuíta padre An tônio Vieira, então conselheiro do rei de Portugual, sugere a D. João IV o reconhecimento dos Andes, a Oeste, do patrimônio da Ordem de Cristo, pois o religioso tinha grande ascendência no ânimo de sua majestade, para serem conhecidas as fronteiras do Estado do Brasil com a América Espanhola. (Cf. Jaime Cortesão. “Raposo Tavares e a formação territorial do Brasil” II. p. 141. Lisboa, 1966). Dessa incumbência é encarregado o Rei do Ban- deirismo, o sertanista Antônio Raposo Tavares, em 1647, infor ma o historiador Jaime Cortesão, na obra citada (146). Nesse fim de 1647, a bandeira, repartida em- duas tropas, parte desta cidade de São Paulo. A primeira, mais numerosa, sob o co mando de Antônio Raposo Tavares, compunha-se de cento e vinte portugueses paulistas e mil e duzentos tupis. Organizada a segunda com oitenta homens de São Paulo e cerca de sete centos tupis, comandada pelo lusobaiano, natural de Salvador, Antônio Pereira de Azevedo, filho de Manoel de Azevedo Ne gro e de Maria Pereira, mas casado em São Paulo com Virgínia Missel, filha de João Missel Gigante. E a segunda tropa segue no rasto da primeira em março de 1648. Tietê abaixo, descido o Paraná, cada uma das tropas subiría, segundo caminho já conhecido, o rio Ivinhema, rumo ao Itatim, donde passaram aos rios Aquidauana e Miranda, e, por fim, entraram no Paraguai, a segunda no rasto da primeira. Assim, a tropa de Raposo Tavares marcha diretamente à região onde hoje se ergue Corumbá; no século XVIII Albuquerque e Puerto de San Fernando no século XVI. E^ galgados os contrafortes dos Andes ate os altiplanos andinos, para descer à planicie amazô nica. “Não se perca de vista que a bandeira se desenrolou numa região tropical, que medeia exatamente entre o trópico* de Ca pricórnio e o Equador e entre as duas maiores bacias hidro gráficas do mundo, numa longitude de terras entrepostas equi valente à latitude do espaço abarcado. E ora cortando planaltos, de cuja aresta se precipitam rios encachoeirados, que obrigam dezenas e dezenas de vezes a puxar à sirga (corda) ou a varar por terra os batelões e as cargas; ora atravessando pantanais mortíferos; ora rasgando picadas na selva, onde o índio, a onça e a cobra espreitam; já cortando as savanas ressequidas e esté reis; logo trepando os contrafortes duma das mais altas cordi 120 lheiras da terra, de cujo cimo, quando a neve.se funde, a água se despenha em catadupas e torrentes; para depois correr pla nícies monótonas e cálidas, onde a veia dos rios cava poços e túneis subterrâneos; e baixar, enfim, em plena selva equatorial, uma escadaria de gigantes, de cachoeira em cachoeira, por um rio que atravessa a floresta com a majestade de um deus, até desaguar no Amazonas, chamado o rio-mar, tamanho o volume, a vastidão e grandeza da massa de água, que arrasta e precipita no Atlântico. “Não se esqueça também, que dois terços dos sertões percor ridos pela expedição eram inteiramente desconhecidos dos ban deirantes; e, mais do que isso, estavam fora de qualquer conhe cimento científico. Um mistério de serras, rios, cataratas, tórri dos calores e frios de gelar, homens e feras brutas rodeavam esse punhado de homens. A natureza e a vida, antes de ser vio ladas, punham a máscara de ameaça e espanto.” (Cf. Jaime Cortesão. Ob. cit. ps. 212/213). E daí o assombro do padre An tônio Vieira ao ver a empresa sugerida por ele a D. João IV, realizada, para escrever: “verdadeiramente foi uma das mais notáveis que até hoje se tem feito no mundo!” 60. Raça de gigantes Assim, “los portugueses de San Pablo y los portugueses dei Brasil”, segundo escreveram os jesuítas espanhóis do Paraguai, pertencem àquela raça de gigantes que fizeram o reconheci mento dos oceanos Atlântico, Índico e Pacífico e foram os des cobridores das três quartas partes do planeta; esses mesmos Portugueses prolongaram no patrimônio da Ordem de Cristo, politicamente, Vice-Reino Estado do Brasil, as “memórias glo riosas, daqueles Reis”, ‘que por África, Ásia e Brasil, “ foram dilatando a Fé e o Império.” (Camões. “Lusíadas”. I-II), Não se pode estabelecer o paralelo entre a empresa de Raposo Tavares e outra qualquer do mesmo vulto, porque outra igual a essa não existe na História das Civilizações. A qualquer outra “faltou a grandeza bárbara do cenário, a variedade inóspita dos climas e o esforço múltiplo dos trabalhos, que exigia dos homens uma energia física e uma constância moral, que excediam a mais alta medida humana, pois devia fundir a força dos gigan tes e a consciência dos heróis”. (Jaime Cortesão. Ob. cit., p. 213). E, para fazer da epopéia raposiana um poema épico, era preciso tê-la vivido, assim como Camões velejou “por mares 121 nunca dantes navegados”, a fim de imortalizar a gente maravi lhosa e ímpar dos “Lusíadas” . Esses portugueses de São Paulo e portugueses do Brasil são bandeirantes. Vede-os. “Ei-los que abordam o Paraguai e os seus pantanais. Quase um ano passaram trilhando veredas ás peras e abruptas, entre selvas, ou descendo rios vertiginosos, saltando por cachoeiras, itaipavas e rápidos, carregando o bar co e a tralha pelos varadouros improvisados nas arribas das margens. Vão descansar? Não. Pelejam com índios armados^ de flechas e arcabuzes e comandados por padres_Jesuítas (espa- nhóis), aguerridos. A defesa obriga-os à ofensiva. Dão e rece bem golpes. Matam e sãomortos. E sangrando ainda dos comba tes, reencetam a marcha. Em frente, os pantanais encharcam e alagam a planície; recobrem os arbustos, que mal repontam da superfície turva. A lama transforma-se em abismo, que re- puxa e afoga os homens. Por toda parte o inimigo espreita, ora em canoa, ora a cavalo, patinhando no lodo. Tresmalhados os bandeirantes, caem varados pelas flechas. Saltam no treme- dal; e enfiam a custo por alguma senda da floresta. Mas os mosquitos pululam por miríades; abatem-se sobre a presa inde fesa; colam-se à pele e sugam com voracidade o sangue. Ali se contam dezenoze mosquitos por centímetro quadrado. Mais um pantanal, o do Taquaral, e depois a savana, sem fruto agreste ou água para a goela ressequida. Os homens morrem à fome e à sede. E quando, enfim, esquálidos, emaciados, quase nus e co bertos de sangue e lama atingem o acampamento do capitão- -mor, tremem de febre, devorados pela malária, o béri-béri e quantas maleitas tropicais a selva e o marnel dos trópicos exalam.” Mas esses bandeirantes são portugueses de Portugal, portu gueses do Brasil, tupis e lusotupis de Piratininga, são os lusíadas do patrimônio da Ordem de Cristo, são os cavaleiros de Cristo oceânicos do século XVI, na arrancada terrestre, gigantesca e maravilhosa. E a fé inquebrantável, indômita e impetuosa ani ma-os, encoraja-os, estimula-os. “Descansam alguns meses. Breve repouso para tamanhos ma les e quebranto. E a marcha recomeça. Agora a tropa incorpo rada entra na savana abrasada, onde não correm fontes, nem verdeja arbusto, mas nos últimos charcos da lama esverdeada carcaças e bichos tumefactos trescalam pestilência. Começa depois a escalada dos Andes, empresa de ciclopes. Por má for 122 tuna dos historiadores, o testemunho de Vieira foi truncado nessa parte. Ainda assim o que se pode apurar do estropiado relato deixa entrever os bandeirantes lutando com os chirigua- nos, inimigo tenacíssimo, que conhece como as próprias mãos o terreno que os outros pisam pela primeira vez. Bravura inútil: as ciladas colhem-nos sem defesa. A neve e o vento gélido to lhem por todo sempre os membros dos que ficaram apenas fe ridos. Deixam em farrapos nas brenhas a pouca vestimenta. Sangram; estão famintos e exaustos; o mais indomável e feroz dos índios — o ciringuano — não lhes dá quartel; e chegaram os dias impreteríveis de partir. Entram então a baixar a Guapeí talvez, desde o porto de Tarata, nos altos da montanha, ou um pouco mais ao Sul.” Raposo Tavares habituara-se a ver longe, desde criança, na distância da planície, a linha remota do horizonte baixo a per* der-se no infinito entre o céu e a terra. Nascera na freguesia de São Miguel, em Beja, no Alentejo, em Portugal. Agora ali no topo da cordilheira dos Andes, ele contemplava a planície na dimensão do espaço. E preparava a tropa bandeirante para a descida. 61. Os bandeirantes lusopaulistas no Amazonas Antônio Raposo Tavares era natural da freguesia de São Mi guel, em Beja, no Alentejo, em Portugal, donde viera com cerca de vinte anos, para São Paulo de Piratininga, em 1618, em companhia de sua mãe Francisca Pinheiro da Còsta Bravo e de seu pai Fernão Vieira Tavares, nomeado Governador da Capi tania de São Vicente, pelo seu donatário Conde de Monsanto. Habituara-se desde criança a ver ao longe distância longínqua da planície a linha remota do horizonte baixo a perder-se no infinito entre o céu e a terra. Casa-se no 'planalto piratininguara com Beatriz Furtado de Mendonça, filha do bandeirante Ma noel Pires, um dos chefes do clã dos Pires, no ano de 1622. E em 1624 é nomeado Capitão da Ordenança, milícia civil-militar formada para a defesa da vila de São Paulo, embrião do Exér cito Luso-brasileiro e do Exército Brasileiro. (Cf. Tito Lívio Fer reira. “História de São Paulo”, vol. l.° p. 168. Gráfica Biblos Ltda., São Paulo.) Pelo seu estilo de vida, o alentejano possuía todas as con dições naturais para ser, como foi, o Rei do Bandeirismo. Pela cultura herdada, lusitano com raízes romano-árabes, tinha as 123 grandes capacidades andejantes, a resistência de tenaz anda rilho, os sentidos agudíssimos a serviço do poder excepcional de orientação no infinito deserto das solidões sertanejas. Além disso tudo, cioso em extremo de suas dignidades de homem. E tanto João Ramalho quanto Antônio Raposo Tavares, o primeiro patriarca dos Bandeirantes e o segundo Imperador do Bandei- rismo, foram portugueses, arquiportugueses do seu tempo e de todas as épocas, povoadores por excelência do patrimônio da Ordem de Cristo, juridicamente Estado do Brasil, Província da Monarquia Portuguesa. Assim, no topo da cordilheira dos Andes, Antônio Raposo Tavares contempla a paisagem desdobrada entre o céu e a terra, após a escalada vitoriosa da sua bandeira. E prepara-se para serpentear à beira dos abismos terríveis, na descida para a pla nície amazônica. “ Mas o Rio Grande, ao descer escarpa abaixo os Andes, tem, de vez em vez, seu quê de torrente e de catarata subterrânea; engolfa-se entre as rochas, sob um toldo cerrado de arvoredo; corre na treva líquida, onde a luz submersa vem das águas lampejantes; e torna-se forçoso a cada passo, mal se ouve o rugir próximo da cascata, encostar à margem, trepar nos blocos caóticos e resvaladiços da penedia, içar a canoa, levá-la mais abaixo e recomeçar numa agonia, sem descanso, a navegação de Tântalos, sequiosos da planura. Esta foi, talvez, a parte mais dolorosa do trajeto infindável. “Que a empresa nesta parte do curso andino do Guapeí exi gisse energias sobre-humanas, outros testemunhos, ainda que tardios e alheios à bandeira, o comprovam., Para avaliarmos a magnitude do feito, temos que considerar que os espanhóis, só volvido mais de um século, começaram a navegar o Rio Grande desde o seu alto curso, como meio mais rápido de comunicação com zona extrema dos seus territórios, que lindavam com o Brasil.” (Cf. Jaime Cortesão. “Raposo Tavares e a formação territorial do Brasil.” II. p. 816). E somente os lusopaulistas, afeitos à luta, sem trégua, contra a hostilidade selvagem da sel vagem natureza, poderíam realizar “a empresa ciclópica de baixar a gigantesca escadaria do Madeira.” (Cf. Jaime Cortesão. Ob. cit. p. 219). A bandeira chegou a Gurupá quase dizimada. “ Contava a tradição conservada por Machado de Oliveira no ‘Quadro His tórico, que o ‘regresso de Raposo Tavares através dos sertões 124 (de São Paulo a Belém) durou anos e ao cabo deles se achou tão desfigurado, que foi desconhecido por sua família e paren tes’. Não custa a crer. E o que se diz do chefe pode afoitamente afirmar-se dos seus subordinados. Os sofrimentos, trabalhos e privações tinham sido os mesmos. Três anos e alguns meses em que atravessaram sertões inviolados, sofrendo todas as agruras de terras nunca vistas e climas nunca experimentados, enfermi dades várias e desconhecidas, para as quais não havia remédio nem defesa, ataques insidiosos duma fauna quase invisível e minúscula, e esse estar continuamente alerta contra os perigos certos e os imaginários, deixaram os poucos bandeirantes que restaram — cinqüenta e nove no dizer de Berredo, •— esquá lidos, famintos, esfarrapados, o cabelo e a barba intensa, mais parecendo fantasmas, ou bichos, que seres humanos”. (Cf. Jai me Cortesão. Ob. cit. ps. 222/223). Na luta desigual, fantástica e vigilante contra tudo e contra todos, — ameríndios, feras e serpentes —, esses portugueses paulistas, esses tupis e lusotupis nem homens pareciam ao terminar a incrível jornada sertaneja. “Bem poderá dizer-se que o desbaratado pelotão não passava de um farrapo de bandeira. Farrapo e bandeira, usando aqui a palavra, quer no sentido de expedição paulista, quer de símbolo de uma pátria, que apesar de roto em cem refregas, continua desfraldado, dando sentido e glória à pequena falange.” (Cf. Jaime Cortesão. Ob. cit. p. 223). Assim, à foz do Amazonas chegam esses cinqüenta e nove bandeirantes do périplo lusíadanas Américas, graças à deter minante vontade férrea do seu grande Capitão, em tudo igual aos grandes capitães da História de todos os povos. Esses cin qüenta e nove homens eram os heróis dos mil e duzentos tupis e dos cento e vinte portugueses paulistas. Dos documentos não consta que os 1.200 tupis da tropa fossem carregados de coleiras de ferro ao pescoço, segundo fantasiou o padre Montoya, o je suíta espanhol, a quem se deve a criação da lenda negra dós paulistas, “caçadores de escravos.” E se os tupis fugissem para os matos, ninguém jamais os caçaria. O gênio do naduano Tito Lívio. autor da “História.de Ro- ma”, escrita no tempo do imperador Augusto, narra a passagem dos' Alpes feita por Aníbal, à frente do exército cartaginês para conquistar a Itália. O historiador latino escreveu uma das pá ginas mais belas da História das Civilizações E o estilo brilhan 125 te dessa imponente narrativa empalidece em face do intenso resplendor do gigantesco périplo da bandeira de Antônio Ra poso Tavares, na demarcação das fronteiras ao Oeste do patri mônio da Ordem de Cristo com a América Espanhola. 62. A organização paramilitar da Bandeira 0 gênero de vida relativo às origens e formação das bandeiras e do bandeirantismo dos portugueses paulistas até meados do século XVIII encontra-se no “Regimento dos capitães-mores e mais capitães e oficiais das companhias de gente de cavalo e de pé e da ‘ordem que terão em se exercitarem”, seguido da “Provisão sobre as Ordenanças, agora novamente feita com algumas declarações que não estavam no primeiro Regimento”^ 10 de dezembro de 1570 e 15 de maio de 1574, no reinado de D. Sebastião, governador e perpétuo administrador da ORDEM E CAVALARIA DO MESTRADO DE NOSSO SENHOR JESUS CRISTO, ou seja, da ORDEM DE CRISTO. E o Estado do Brasil é patrimônio da Ordem de Cristo desde 22 de abril de 1500, data do descobrimento da Província de Santa Cruz, hoje República Brasileira. Esse opúsculo editado em 1570 foi reeditado em 1574, 1623, 1624, 1642 e 1694. O texto da publicação de 1570, reprodu zido nas seguintes, começa com estas palavras do rei D, Sebastião: “Hei por bem que cada oito dias haja exercício, em domingo ou dia santo. E no lugar onde houver uma só bandeira irão ao exercício duas esquadras, que são cinqüenta homens, a um do mingo, e outras duas ao outro até irem todas. E a gente desta bandeira se exercitará toda junta ao cabo do mês. E onde hou ver duas bandeiras irão cada domingo cinco esquadras, de ma neira que cada quinze dias se exercite uma bandeira toda junta. E se forem mais bandeiras que duas, irá uma bandeira cada domingo, de maneira que por esta ordem se exercitem, todas as companhias, uma vez em cada mês. “E os ditos capitães-mores de toda a gente e assim os capitães das bandeiras do termo, nos lugares e limites que eles tiverem a seu cargo a gente de pé, terão isso mesmo capitães da dita gente de cavalo e a farão exercitar pelo modo acima dito.” As reedições sucessivas provam como foram divulgadas no Estado do Brasil, ao longo de mais de duzentos anos. (Cf. Jaime Cortesão. “Paulicea e Lusitana Histórica”, Vol. 1 (1494-1609) 1 -IV partes. XCV e segs. Publicações do Real Gabinete Por- 126 luguês de Leitura do Rio de Janeiro. Edição comemorativa do IV centenário da Fundação da cidade de São Paulo. Lisboa, 1936). Assim, em 25 de maio de 1741, em Arraias (hoje Estado de Goiás), o governador da Capitania de São Paulo, D. Luís de Muscarenhas, assina o Regimento que há de usar a BANDEIRA i|uc vai explorar a Campanha do Rio do Sono. Porquanto o Povo destas minas e ribeiras de Pernatinga, Palma e Paraná, com ânimo e lealdade portuguesa tem concor rido com gente, ouro, armas e munições e mais coisas neces sárias para se formar uma BANDEIRA poderosa, que, iguaí- mente política e cristã, possa fazer serviço a Deus Nosso Senhor. .. nomeio para Cabo das Companhias das terras novas das ribeiras das Palmas e Pernatininga ao Capitão-mor Louren- ço da Rocha Pita, e por Cabo das Companhias da ribeira do Paraná ao Sargento-mor Salvador de Almeida e por Comandan te de toda a Bandeira ao Coronel José Velho Barreto do Rego, os quais regerão e comandarão na forma das Instituições e Re gimento do mesmo teor, que a cada um mando dar pela maneira seguinte: “Em treze artigos desse Regimento a palavra BANDEI RA foi escrita vinte e duas vezes. E o governador de São Paulo estava na região de Goiás. (Cf. Tito Lívio Ferreira. “História d(e São Paulo” l.° vol. ps. 374 e segs. Gráfica Biblos. 1968) Assim, a Bandeira é um organismo civil paramilitar com sua oficialidade portuguesa, naturais de Portugal e do Brasil, com objetivos políticos e cristãos, para o devassamento, defesa e povoamento do patrimônio da Ordem de Cristo, cuja tropa é tupi e lusotupi, ou seja, filho de pai português e mãe tupi e a linguagem tupi é utilizada nas ordens de comando e nos exer cícios. E assim o português se tupinizoq e o tupi se aportu guesou. * ' 63. Os “Lusíadas" no inventário do bandeirante Nesse caso, os Portugueses filiam à Caravana, a Caravela e a Bandeira. A primeira vem do Oriente para o Ocidente. Nela ressoa o passo compassado na fuga do tempo. A segunda re toma-lhe o ímpeto, do Ocidente para o Oriente, na crista alva- centa das ondas rumorejantes. Vem a seguir o tropel secular da terceira. Os Caravaneiros passam. Refazem o caminho de oásis em oásis. Os Caravelistas velejam os oceanos entre con 127 tinentes, aproximando-os. Os Bandeirantes avizinham sertões largados na distância infinita; congregam brasilíndios dispersos em tribos guerreiras, ocupam-se em “ fazê-los homens, antes de quererem fazê-los anjos”, na expressão de Domingos Jorge Ve lho. Para isso saem de São Paulo rumo ao Norte, ao Nordeste e ao Noroeste; vão para o extremo sul e sudoeste, e avançam de leste para o oeste. Do alto vale do Tietê descem para os verdes vales do Rio Grande, do Araguaia, do Tocantins, do Paraná, do Paraguai, do São Francisco, do Açu, do Amazonas, do Gua- poré, do Jequitinhonha, do Jacuí, do Ibicuí e do Rio da Prata. E da gigantesca plataforma dos Andes baixam aos chapadões do Mato Grosso e Goiás, à planície amazônica, às chapadas dos Cariris e do Apodi, aos sertões baianos, às montanhas auríferas das Minas Gerais, aos campos de Guarapuava e do Iguaçu, às caatingas de Pernambuco, do Piauí, do Maranhão, às coxilhas e aos pampas sul rio-grandenses. Por isso mesmo, os ptírtugueses de São Paulo, ou seja, os lusopaulistas, continuam a unidade lusíada, “serviam o nome luso com a mesma constância e o espírito dos Capitães das jor nadas da África, e das jornadas da índia, dos vassalos da con quista do Oriente.” (Cf. Afonso d’E. Taunay. “História Geral das Bandeiras Paulistas.” T.V.C. XII. — “Os bandeirantes e os Lusíadas. Um episódio de 1616. O inventário do sertão de Pero de Araújo. As estâncias do poema camoniano no auto ban deirante.” Ps. 82 e segs.). Assim, “Fernão Mendes Pinto, no Oriente, e Raposo Tavares, no Brasil, são portugueses e arquiportugueses. Portugueses de nascimento, nas atitudes, no inacreditável poder de vontade que os anima e sustenta, na constância e maleabilidade com que se moldam a todas as situações e, sobretulo, nesse instinto político que os leva a imprimir a seus feitos e gestos um cunho nitida mente construtivo', de colaboração na obra empreendida desde os dias de Sagres, em Portugal.” E linhas abaixo: “Não há pois lugar para dúvida: na sua essência (o bandeirantismo) é um fenômeno eminentemente, visceralmente português.” (Cf. Júlio de Mesquita Filho. “Ensaios Sul-Americanos”, p. 144). Nesse caso, o Bandeirantismo nos prova, como filosofia de vida, ser a essência do humanismo lusíada onde arde e brilha a espiritualidade viva do lusocristianismo, em cuja contextura se dinamizam a civilização grega, o espírito jurídico romano e a teologia judeu-cristã, para unir, no patrimônio da Ordem de 128 Cristo, portugueses e brasilíndios na mesma consciência social ecaldear a Comunidade Lusobrasileira. Por isso, o Caravelista e o Bandeirante se fundem e conduzem no seu interior, na sua alma, no seu pensamento, os ancestrais romanos e árabes, iden tificados nos lusíadas pelas suas cartas de nobreza, de civismo e nacionalidade, em face da Monarquia Lusitana, então reinan te. E por isso ressoam na alta planetar de todos os Bandeiran tes, de ontem, de hoje e de sempre, como um toque de clarim no clarear da manhã brasileira, as palavras épicas de D. Pedro II, o Rei Bandeirante: “Cabo da Tropa da Gente de São Paulo que vos achais na cabeceira do Tocantins e Grã-Panrá, eu, o Príncipe, vos envio muito saudar. . . ” (Cf. Tito Lívio Ferreira. “Discurso de posse na Academia Paulista dè Letras”, em 16 de abril de 1975). 64. A gente paulista na defesa da integridade do * patrimônio da Ordem de Cristo Sentinelas colocados nas fronteiras do território do patrimônio da Ordem de Cristo, ao Sul, ao Sudoeste e ao Oeste, os portu gueses de São Paulo, ou sejam os portugueses paulistas, na linguagem da época, e os tupis, deram magníficas provas de bravura e lealdade lusopaulistas. Assim, na guerra dos bandei rantes lusopaulistas contra os jesuítas espanhóis invasores do atual Estado do Rio Grande Sul, os portugueses de São Paulo contavam com a tropa formada por tupis do planalto e minua- nos dos pampas gaúchos, contra as tropas aguerridas e bem ar madas de arcabuzes dos religiosos de Santo Inácio de Loiola, as quais arregimentavam o total de três mil soldados índios. “As sessoravam os catecúmenos, divididos em três corpos do exército (jesuítico), sob o comando geral de Vera .Mujica (mestre-de- -campo), os padres Pedro Ximenes, Jacinto Marques, José An tônio de Solinas, tendo por; superior o 'padre João de Rojas.” (Cf. Aurélio Porto. “História das Missões Orientais do Uru guai”. p. 294). Assim, “a efetiva expansão portuguesa para o Sul, que se dirige para o Prata sempre ambicionado, cuja posse deveria ser um secular motivo de dissídios e de lutas sangrentas, só se realiza em fins do século XVII. D. Manoel Lobo quem se in cumbe de fundar a Nova Lusitânia, que logo denomina de Ci dadela do SacramentõT ou mais propriamente de Nova Colônia (Militar) do Santíssimo Sacramento, liga, com seu martírio e 129 com o seu estoicismo de soldado, os alicerces desse marco muito além da linha de Tordesilhas.” (Cf. Aurélio Porto. Ob. cit. p. 269). D. Manoel Lobo era vassalo, portanto, soldado do Rei de Portugal, a serviço da Monarquia Lusitana. Ao erguer a Colô nia Militar do Sacramento, no estilo romano, D. Manoel Lobo defende o patrimônio da Ordem de Cristo na sua dimensão ter ritorial, para além do estuário do Rio da Prata, conforme do cumentam os mapas dos cartógrafos portugueses e o afirmam os jesuítas portugueses Nóbrega, Anchieta e Vasconcelos, cita dos em capítulos anteriores. Para a guerra contra os jesuítas espanhóis, os portugueses eram obrigados a levar, por mar, as tropas dos tupis e lusotupis, os mantimentos, armas e muni ções. Logo, com o auxílio precário e incerto dos poderes públi cos, a expedição portuguesa tinha em toda a frente “um ini migo poderoso, contando com auxílio dos jesuítas espanhóis, que tinham às suas ordens milhares de índios, aguerridos e dis ciplinados, não poderia resistir ao forte embate que se prepa rava.” (Cf. Aurélio Porto. Ob. cit. p. 271). E na retaguarda do exército jesuítico-índio estava a tropa espanhola enviada pelo governador de Buenos Aires para conduzir os prisioneiros lusi tanos para os cárceres argentinos e chilenos, onde morriam de fome e doenças, à míngua de socorros. “A segunda carta que D. Manoel Lobo escreveu ao príncipe (D. Pedro IP, rei de Portugal), datada de Buenos Aires, de 21 de setembro de 1680 (transcrita logo abaixo) ainda inédita, (em 1943) resume, melhor do que poderiamos fazer, essa epo péia que foi a queda da praça. Transcrevendo-a, na íntegra, em primeira mão, historiamos, melhor, os fatos que o fidalgo por tuguês relaciona, na sua simplicidade epistolar. Envoltos numa auréola de martírios, os defensores da Colônia (Militar) hon ram as tradições de bravura da gente lusa. Não falta, porém, a nódoa de uma traição de paulistas (portugueses), que aberra dos sentimentos bandeirantes da terra.” (Cf. Aurélio Porto, Ob. cit. p. 271). Mas a lealdade e a deslealdade são próprias e con traditórias das criaturas humanas. Por isso mesmo, Camões lem bra Fernão de Magalhães, português de certo no valor, mas não no amor da Pátria. E observa: “O Magalhães, no feito com verdade Português, porém não na lealdade.” (Lusíadas. X-46) 130 A contrastar com a traição de alguns portugueses paulistas, crgue-se, num fundo de apoteose, um vulto varonil de mu- llur, l). loana Galvão. que vendo cair morto o esposo, capitão Miinoel Galvão, toma-lhe da mão ainda quente a espada gloriosa <■ sc atira ao fragor da luta, e não se rende embora lhe queiram poupar a vida, tombando trespassada de feridas sobre o corpo Inerte do esposo, na mais heróica e admirável das atitudes da raça.” (Cf. Aurélio Porto. Ob. cit. p. 217). Os governos do Rio Grande do Sul e de São Paulo têm uma dívida de honra para saldar com essa mulher de raras quali dades. Deviam dar-lhe o nome a uma rua de Porto Alegre e de São Paulo, em cuja placa fosse gravado: Rua ou Avenida Joana Galvão, a bandeirante paulista que deu a vida pela integridade do patrimônio da Ordem de Cristo, hoje Pátria B rasile iraE em todas as escolas nacionais o nome de Joana Galvão devia Ser mencionado na lista das heroínas brasileiras. 65. Os' portugueses paulistas num documento do fim do século XVII Até 7 de setembro de 1822 não havia a Nação Brasileira, nem existia a nacionalidade brasileira. O período lusobrasileiro (1500-1822) desdobra-se em província de Santa Cruz (1500- 1549), Estado do Brasil (1549-1639), Vice-Reino do Estado do Brasil (1639-1815), Reino do Brasil integrado no Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves (1815-1822), constituía-se do patri mônio da Ordem de Cristo governado pelos reis de Portugal até o desmembramento do Reino Brasileiro da Monarquia Portuguesa pelo príncipe-regente D. Pedro, português, natural de Lisboa. Ele assume a nacionalidade brasileira, portanto é o brasileiro número um, para outorgar a Constituição Política do Império Brasileiro em 25 de março de 1824, a todo o povo brasileiro, ou seja, a todos os portugueses naturais do Brasil e aos portugueses naturais de Portugal, daí em diante, juridicamente, brasileiros, por força da primeira Constituição Política citada acima. Assim, o período lusobrasileiro (1500-1822) é integralmente português, como.de 1822 em diante o período nacional é brasi leiro, porque é constituído pelo Império Brasileiro, por um Im perador Brasileiro, nascido em Lisboa, o qual abdica o trono em 7 de abril de 1831 em favor de seu filho D. Pedro II, brasi leiro, nascido no Rio de Janeiro. Logo o período lusobrasileiro escreve-se com páginas da História de Portugal, assim como o 131 período nacional escreve-se com capítulos da História do Im pério Brasileiro e da República Brasileira. E, assim, pela graça de Deus, o Brasil não foi colônia, pois era e é patrimônio da Ordem de Cristo. Por isso, todos os brasileiros pela naturalidade até 1822, eram portugueses pela nacionalidade. Nesse caso, quando um escritor anônimo se dirige, pouco depois de 1690, a D. Pedro II, Rei de Portugal, o Bandeirante, para referir-se aos homens de São Paulo, na realidade ele trata dos portugueses de São Paulo, ou portu gueses paulistas, segundo escreviam os reis de Espanha e os espanhóis do Paraguai e de Buenos Aires. Assim, esse documen to diz: “Sua Majestade podia se valer dos homens de São Paulo, fazendo-lhes honras e mercês, que as honras e os interesses faci litam os homens a todo o perigo, porque são homens capazes para penetrar todos os sertões, por onde andam continuamente sem mais sustento que caças do mato, bichos, cobras, lagartos, frutasbravas e raízes de vários paus, e não lhes é molesto an darem pelos sertões anos e anos, pelo hábito que têm daquela vida. E suposto que estes paulistas, por alguns casos sucedidos de uns para com outros, sejam tidos por insolentes, ninguém lhes pode negar que o sertão todo que está povoado neste Brasil eles o conquistaram do gentio bravo (brasilíndios) que tinha destruído e assolado as vilas de Cairu, Boipeda, Camamu, Jaguaripe, Ma- ragogipe e Peruaçu, no tempo do governador Afonso Furtado de Mendonça, o que não puderam fazer os mais governadores antecedentes por mais diligências que fizeram para isso. “Também se lhes não pode negar que foram os conquistado res dos Palmares de Pernambuco, e também se podem desenga nar que sem os paulistas com o seu gênio nunca se há de con quistar o gentio bravo que se tem levantado no Ceará, no Rio Grande (do Norte) e no sertão da Paraíba e Pernambuco, por que o gentio bravo por serras, por penhas, por matos, por caatinga só com o gentio manso (tupis) mesmo se há de con quistar e não com algum outro poder, e dos paulistas se deve valer Sua Majestade para a conquista de suas terras.” (Cf. Capistrano de Abreu. “Páginas de História Colonial”, ps. 153- -154. l.a ed. — Tito Lívio Ferreira. “História de São Paulo”. l.° vol. — p. 307). Esse documento anônimo, do fim do século XVII, explica a lealdade e o valor dos vassalos portugueses nascidos em São Paulo e em Portugal. Da mesma forma, por essa mesma época, 132 no decênio de 1600 a 1700, o Procurador da Fazenda Real expunha o seu parecer a D. Pedro II, o rei Bandeirante, “sobre as queixas e requerimentos dos Paulistas”. Esse parecer insiste: Por várias vezes tenho dito que os Paulistas são o melhor, ou a única defesa que têm os povos do Brasil contra os inimigos do Sertão, pois só eles são acostumados a penetrá-los, passando lomes, sedes e muitos outros contrastes, a todas as outras pes soas totalmente insuportáveis. Assim o acaba de mostrar a ex periência na guerra dos Palmares que se vai concluindo com seu valor e experiência, não bastando por tão largo tempo as incríveis despesas que pela Fazenda Real e dos moradores se lem feito e as multiplicadas expedições empreendidas contra os negros rebeldes.” (Cf. Ernesto Ennes. “As Guerras dos Palma res”. Doe. 53. p. 311. C.E.N. São Paulo. Tito Lívio Ferreira. "História de São Paulo”. Vol. l.° — p. 308). 66. Das aldeias do rei às reduções jesuíticas Em 1549 a primeira turma de jesuítas chefiados pelo Padre Manoel da Nóbrega chega à Bahia, a serviço de Portugal, en viados por D. João III, o rei humanista, para iniciar os traba lhos da catequese dos brasilíndios e instalar a primeira escola pública e gratuita, lusobrasileira. Por ordem expressa do mo narca, os religiosos não podiam morar nos aldeamentos indí genas. Deviam residir em casa própria, ao lado dos Reais Co légios, onde eram professores pagos pela Coroa lusitana. E assim, as aldeias e os colégios eram do rei de Portugal, porque os je suítas estavam e estiveram de 1549 a 1759, durante 210 anos, a serviço da Monarquia Portuguesa. Em fins do século XVI, os jesuítas portugueses de São Paulo requerem ao governador da Capitania de São Vicente fosse-lhes entregue o governo das aldeias do rei, para facilitar o exer cício do seu ministério. Deferido o requerimento, o diretor do Real Colégio de São Paulo apresenta-se à Câmara de Vereado res paulistana para assumir o poder na administração dos aldea mentos indígenas, ao redor de São Paulo. Reunido o plenário, em 1592, a Câmara de Vereadores recorre ao “ajuntamento do povo”, e, democraticamente, realiza o plebiscito. Os vereadores eram representantes do povo, eleitos por ele. A Edilidade era uma República autenticamente popular. O povo não elegia o seu rei, mas podia eleger os seus vereadores, segundo a lei elei toral capitulada nas “Ordenações”, a Constituição Política do 133 Reino de Portugal. (Cf. Manoel Rodrigues Ferreira. “História dos Sistemas Eleitorais Brasileiros”. São Paulo, 1976), E o próprio rei D. João V, o rei Mineiro, em carta de Lisboa, 16 de julho de 1715, refere-se à “República” da Câmara de Vereado res da cidade de São Paulo. (Cf. Tito Lívio Ferreira. “História de São Paulo.” Vol. l.° — p. 359). Assim, convocados os eleitores da Vila de São Paulo, a maio ria votou contra o despacho favorável do governador da Capi tania, Jorge Corrêa. Num total de 147 eleitores, apenas três vo taram a favor das pretensões dos jesuítas. E o procurador Alonso Peres, numa algaravia de portunhol, isto é, misto de português e espanhol, escreve: “assino jo procurador do consejo (Conce lho) por mi e por todos los que faltan aqui fuera, tirante de los tres concedieron com o mas pobo.” (Cf. “Atas da Câmara Mu nicipal de São Paulo”, vol. I). E os reis de Portugal sempre respeitaram as liberdades municipais. Iniciada em 1549 a educação lusobrasileira com o Padre Ma noel da Nóbrega, primeiro Secretário da Educação do Estado do Brasil, ou seja, do patrimônio da Ordem de Cristo, 210 anos mais tarde, em 1759, funcionavam no Vice-Reino do Estado do Brasil, vinte Reais Colégios, doze Reais Seminários, dois Reais Recolhimentos Femininos e um Real Colégio Feminino em Sal vador (Bahia). (Cf. Tito Lívio Ferreira. “História da Educação Luso-brasileira”. ps. 218/19. 1966 — São Paulo. Edição Saraiva). Exposto em linhas gerais o trabalho dos jesuítas portugueses catequistas e educadores, a serviço de Portugal e sustentados pela Monarquia Portuguesa, vejamos como era o processo edu cativo dos jesuítas espanhóis nas reduções implantadas por eles no território gaúcho, isto é, no extremo sul do patrimônio da Ordem de Cristo. Cerca de cem anos após os jesuítas espanhóis terem instalado o sistema de reduções no Paraguai, estavam em fins do século XVII estabelecidos nos rincões aquém do rio Uruguai, onde reúnem os povos das sete missões ou colônias como também chamavam. E para os jesuítas, os índios eram colonos. Em 1693 missionavam nesse território jesuítas espanhóis, italianos e tiroleses. Nesse ano chega o noviço depois padre An tônio Sepp, tirolês, para auxiliar os missioneiros. Ouve ainda falar dos paulistas bandeirantes e escreve: “Saiba o benévolo leitor que os portugueses habitantes do Brasil guerrearam ou- trora estes pobres índios e os levaram cativos para o Brasil, 134 l ram mais de cem mil homens. Como fossem esses índios es cravos oprimidos, com incessantes trabalhos na fabricação do açúcar (esta é a produção dos brasis), sucumbiram um após outro, de sorte que, nestes dias em que escrevo, mal se encon- trará índio nosso no Brasil. E embora os desumanos brasis te nham perdido todos estes índios, devorando-os em parte, em parte inutilizando-os pelas privações e trabalhos, não perderam por certo a esperança de obter outros. Ainda hoje em dia, pois, devem os nossos índios temer o inimigo. Eis porque de nenhum modo convinha separar e afastar muito a nova colônia da anti ga, para que, em caso de invasão, os índios cristãos se pudessem unir mais depressa, prestar mútuo socorro, pegar em armas e rechaçar o mais ligeiro possível o inesperado inimigo que amea çasse suas cabeças, repelindo-o para longe de seus territórios. Nada direi da outra razão palmar: a saber que, no correr dos tempos, se deveriam fundar mais e mais colônias. . . ” (Cf. Pa dre Anônio Sepp S. J. “Viagem às Missões Jesuíticas e Traba lhos Apostólicos”. Ps. 204/205. Livraria Martins. São Paulo 1943). O jesuíta tirolês repete os exageros dos seus superiores espa nhóis quando escreve: “mais de cem mil homens” vieram das reduções para o Brasil. Afirma que a maioria morrera nos tra balhos do engenhos de açúcar. Ora, nesse serviço morriam os escravos negros. Tanto os tupis quanto os guaranis eram guer reiros por índole, por natureza, "por passatempo. E se os gua ranis lutavam com arcabuzes, os tupis guerreavam com arco e flexa. 67. Os guaranis trabalham à custa de surras A respeito dos guaranis, o padreAntônfó Sepp escreve: “Estes índios são tão pueris, tão grandemente simplórios e de juízo tão curto, que os primeiros Padres, que converteram, estes povos, duvidaram realmente se eram capazes de receber os Santos Sacramentos. Não são capazes de inventar e excogitar algo que seja de seu próprio juízo e intuição, mesmo que fosse o mais simples trabalho manual, mas sempre precisa estar o Padre junto deles e orientá-los e fornecer-lhes moldes e modelos. Quando os tiverem, podem estar certos que o farão bem igual zinho, ao original. É indescritível sua habilidade imitativa.” (Cf. Padre Antônio Sepp. ob. cit. p. 132). Assim, os guaranis, redu zidos às artes mecânicas, são copiadores. Mas se imitam não têm 135 capacidades criativas. E para trabalhar precisam apanhar boas surras como crianças indolentes. “Mas nós, continua Padre Sepp, não conseguimos fazer com que os índios, em sua pura preguiça, semeiem mais de uma ou duas rocinhas de 18 passos de grão turco. E mesmo isto só o conseguimos com tundas. Ainda no domingo passado tornou-se absolutamente necessário passar uma sova em alguns índios que não haviam amanhado a terra e nem haviam procurado encon trar um arado. Nossos arados não são feitos de relha de ferro, porque donde tirar tanto ferro, mas são feitos do primeiro tron co de árvore que se encontre e apontado como um arado.” (Ob. cit. p. 134). Esses arados de pau já eram empregados pelos por tugueses de Piratininga, deste fins do século XVI, segundo os inventários desses anos. E por serem livres, os tupis não apa nhavam dos jesuítas portugueses para se dedicarem à lavoura. Os guaranis não têm a preocupação do dia de amanhã, obser va o Padre Sepp. Devoram tudo num dia sem deixar nada para o dia seguinte, (p. 135) “Quando chega a época do amanho e da sementeira, o que comumente se dá no mês de junho e julho, o Padre dá a cada índio duas ou três juntas de bois para o amanho da roça, que muitas vezes não vai além de quinze pas sos. A roça, sem dúvida, não é tão pequena por falta de terra — porque esta não tem marcos nem cercas, mas está aí livre, para quem queira cultivá-la — mas por pura preguiça!” E não da riam conta deste punhado de terra se o Padre não apertasse o agricultor preguiçoso com sovas e inspeções incessantes. E não amanhariam este punhado de terra nem em dois meses e mal fariam uma carreira por dia, mas dependurariam sua rede entre duas árvores e fariam folga perpétua.” (Padre Antônio Sepp. Ob. cit., ps. 135/6). 4 68. Os índios são comunistas de nascença Quando o padre aparece para ver o trabalho do casal guarani nada encontra. A fome levou-o a comer as sementes. E a fome obrigou-o a matar os bois, churrasqueá-los a fogo vivo com o pau do arado e comê-los sem preguiça alguma (p. 126). “Aos europeus isto parece incrível, mas aqui entre nós é a dura verdade, que os índios deixam, por pura preguiça, estragar as espigas de milho maduras e amarelas, se os Padres não os amea çam com 24 pencadas de sova como castigo.” (ob. cit. p. 137). Mas o Padre Sepp continua: “Se alguém pergunta: de que ma 136 neira costumais castigar esses índios? respondo brevemente: Como um pai castiga aos filhos que ama, assim castigamos os que o merecem. Naturalmente não é o Padre que pega do açoite, mas o primeiro índio que estiver à mão — aqui não temos varas de bétula ou outras semelhantes — e coça o delin- qüente assim como na Europa o pai surra o filho ou o patrão o aprendiz. Assim, são castigados grandes e pequenos e também as mulheres. Castigar desta maneira paternal tem resultado extra ordinário, também entre os bárbaros mais selvagens, de sorte que nos amam em verdade como os filhos ao pai.” (p. 137). Logo o Padre Sepp é sincero quando escreve ingenuamente: “Não haverá no mundo todo um povo que tanto nos ame. E quando se os açoita ou coça, não gritam, não praguejam, e tu não ouvirás uma só palavra de má vontade, impaciência ou raiva. Se o castigo for muito, invocam os santíssimos nomes, Jesus Maria, e recebem a surra com a máxima paciência, sim, até gratidão. Depois de castigados, vão logo ter com o Padre, beijam-lhe a mão sacerdotal e externam seu reconhecimento nas seguintes palavras: “Meu pai, mil e dez mil vezes te agradeço que por teu castigo paternal me abriste o juízo e me tornaste no homem que antes fui.” Esta doçura e paciência nestes bár baros selvagens — ninguém n’a estimará demais. E quem na Europa, que assim desta maneira suporte uma surra bem mere cida? Quanta gritaria, quanta praga! Coisa semelhante nem eu nem os outros Padres ouvimos há anos uma só vez que fosse da boca de índios ou índias.” (idem, ps. 137/138). Tenho a impressão que Marx e Engels sonharam com os co munistas ameríndios, quando em meados do século XIX quise ram reformar os europeus, pela opressão, a ferro e fogo, ao querer obrigá-los a regressar ao estado natural de “selvagens bárbaros”, na expressão do Padre Sepp. Essa parelha de filóso fos da geografia da fome implicou, solenemente, com a civiliza ção e com o progresso, muito embora os “progressistas” con testem os papas do comunismo, a religião dos consertadores do homem e da mulher desde Adão e Eva. E o comunismo espar tano estava morto e sepultado. Padre Sepp cuida dos graúdos e dos miúdos. Este cromo oferecido por ele aos psicólogos de hoje, porque naquele tempo não havia psicologia nem psicólogos, é sugestivo. “As crianci nhas superam em muito o amor e o respeito que demonstram os adultos. Muitas vezes se reúnem em meu pátio, sentam-se no 137 chão nu, no maior silêncio, só porque aqui se sentem à vontade e me querem ver, caso eu saia do quarto. Isso lhes é o maior consolo, principalmente quando lhes dirijo a palavra, pergun tando isto ou aquilo da doutrina cristã, ou quando dou uma agulha ou um anzol aos que sabem bem responder; ou quando lhes dou um monte de limas, limões e pêssegos que aqui dão aos montes, ou ainda quando lhes dou licença de atirar ao alvo com suas flechas e lhes prendo um pedaço de carne no alvo, cabendo a carne àquele que acertar. Tudo isto faço seguidas vezes. En tão estes anjinhos inocentes começam a saltar, a alegrar-se e a gritar: “Pay, •Pay, che oro hui hu, Pai, pai, gosto de ti, che oro hai hu, che pia guibe, do fundo do coração.” (Padre Antônio Sepp. ob. cit. p. 138). Os portugueses paulistas, em trezentos e vinte e dois anos de convivência com os tupis, adaptaram-se aos usos e costumes deles. E, na medida humana do possível e do impossível, tupi- nizaram-se para aportuguesar os tupis, na tropa bandeirante, organizada para defender o imenso patrimônio da Ordem de Cristo, desde o rio Oiapoque ao Norte, ao Chuí ao Sul, desde o Atlântico a Leste aos contrafortes dos Andes a Oeste, po voando, civilizando, humanizando. 69. O século de ouro do patrimônio da Ordem de Cristo No declinar do século XVII, D. Pedro II, o rei bandeirante, encoraja os portugueses paulistas a peneirar os sertões das alterosas, para além da serra da Mantiqueira, em busca de ouro. Para isso escreve carta ao vassalo bandeirante Fernão Dias Pais, o Caçador das Esmeraldas, já famoso pelas suas jornadas às reduções jesuíticas do Paraguai e dos rincões gaúchos. O su cessor do rei bandeirante é D. João V, o rei mineiro. O século XVIII é o século do ouro do período lusobrasileiro. "O ouro das Minas Gerais propicia à Monarquia Portuguesa a construção de igrejas, edifícios públicos, conventos e auxílios a Ordens religiosas de Salvador da Bahia, Rio de Janeiro, Ouro Preto, Sabará, Congonhas do Campo, São João dei Rei, Pernambuco, Paraíba, Belém do Pará, Goiás, Maranhão e Mato Grosso, se gundo a documentação existente nos arquivos do Brasil e de Portugal, à espera de pesquisadores-historiadores não bitolados pelo marxismo e pelo negativismo exóticos. E os monumentos históricos dessas cidades refletem o progresso artístico e inte 138 -A lectual, social e econômico, do século de ouro do período luso- brasileiro. Estudioso de assuntos econômicos,o Dr. José Pires do Rio, engenheiro paulista, é o primeiro a fazer uma análise séria e honesta da economia lusobrasileira, observando: “O açúcar e o ouro. A produção exportável dos canaviais de Pernambuco, da Bahia e do Rio de Janeiro, base da economia do Brasil no primei ro século e meio de sua vida colonial(?) não se deixou suplantar pelas minas de ouro do século XVIII, das quais teriam saído essas 70.000 arrobas tão faladas pelos que pedem contas rigo rosas aos governos da colonia(?) e da metrópole(?) durante 120 anos de extração desse metal precioso. Efetivamente, as 70.000 arrobas de ouro, dando a média de 9.000 quilos por ano, com valor de 12.200 contos (de réis) ao câmbio de 27 d., correspon diam à metade do valor do açúcar de Pernambuco, a medir-se pela exportação do fim do século passado (XIX). O quinto desse metal, arrecadado pelo Fisco, longe de atingir 14.000 arrobas, não passou de 7.673, conforme Rocha Pombo, quantia acumu lada em 120 anos de arrecadação e cujo valor total, ao câmbio de 70 d. (setenta) por mil-réis, que vigorava ao chegar ao Brasil o príncipe regente (futuro D. João VI, o rei íusobrasileiro) orça em 46.202 contos (de réis), correspondentes à média de cerca de 390 contos (de réis) por ano, sem descontar-se a despesa de arrecadação. O Brasil, entretanto, para custeio dos serviços pú blicos, já despendia, no ano de 1810, cerca de 3.000 contos (de réis) muitas vezes mais do que lhe rendia o quinto do ouro, ao câmbio do tempo. Curioso de notar-se é o fato que o Transwaal (África do Sul) de hoje, nos três últimos anos, de 1925 a 1927, produzindo libras 120.000.000 de ouro metálico, forneceu tanto ouro como quando o Brasil Colonial'?), em mais de um século de trabalho mineiro.” (Cf. José Pires do Rio. “Traços da evolu ção econômica do Brasil”, em “Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo”, p. 14. Vol. 27. São Paulo, 1930. São meus os sublinhados e as palavras entre parênteses). Pires do Rio usa as palavras “colonial”, “colônia”, “metró pole”, não existentes na linguagem histórica, isto é, na lingua gem dos documentos do período íusobrasileiro (1500-1822), in troduzidas em 1810 na sua “History of Brazil” pelo escritor in glês Robert Southey. Ao traduzir a obra do original inglês para o português, em 1862, o tradutor Luís Joaquim de Oliveira e Castro (edição da livraria de B. L. Garnier) foi fiel ao pensa mento de Southey. 139 Daí os historiadores brasileiros aceitarem o linguajar sou- theyno, inteiramente ao arrepio da linguagem dos documentos, isto é, da linguagem da História do Brasil, período lusobrasileiro. E desse equívoco se aproveitam os marxistas e os negativistas para deturparem, deformarem, denegrirem a História do Brasil, generalizando. 70. A defesa do patrimônio da Ordem de Cristo A defesa do patrimônio da Ordem de Cristo, politicamente, Vice-Reino do Estado do Brasil, Província da Monarquia Por tuguesa, foi feita ao longo do período lusobrasileiro, durante 322 anos, pelos portugueses de Portugal, unidos aos portugue ses do Brasil, ou seja, os lusobandeirantes, tupis, lusotupis e brasilíndios. Para isso, a Monarquia Portuguesa manda construir fortes e fortalezas, a começar ao Sul, pela Colônia Militar do Sacramento, sobre o estuário do Rio da Prata, Iguatemi (na fronteira do Paraguai com Mato Grosso), ao Norte, desde a foz do Amazonas ao extremo Oeste, a partir de Tapajós, Macapá, Santo Antônio de Curupá, Santarém, São José de Marabitanas, Paru, Almeirim, Barcelos, São Gabriel, Rio Negro, Borba, Prín cipe da Beira, Tabatinga, e a Oeste Vizeu, Casalvasco, Vila Ma ria (mais tarde S. Luís de Cáceres), Albuquerque (hoje Co rumbá), Coimbra, Mondego (agora Miranda) e Fecho dos Mor ros. Num total de vinte e dois (22) fortes nas fronteiras com a América Espanhola, com guarnições cuja oficialidade é por tuguesa, de Portugal e do Brasil, e a tropa é brasilíndia. Além desses vinte e dois fortes construídos no interior, havia os fortes e fortalezas do mar, para a defesa das vilas e cidades litorâneas expostas aos assaltos da pirataria inglesa, francesa e holandesa. Desses vinte e dois (22) fortes portugueses levantados em pleno sertão, o mais importante é o Príncipe da Beira, estende-se “em um quadrado fortificado pelo sistema de Mr. de Vauban, revestido de cantaria, erigido em terreno sólido e próprio para uma defesa, por ser o mais elevado, que se encontra, desde a foz do Mamoré até a do Baurez, além da situação geográfica do Mamoré, Guaporé, Itonamaz, e dito Baurez, (rios que comuni cam as missões espanholas de Moscos nele estabelecidas, pas sando necessariamente as desta nação [tribo] com muita fre- qüência pelo espaço intermédio) pelo que concludentemente se deixa ver a precisão que ali havia de uma fortaleza que fosse fronteira a tantos pontos para os Estabelecimentos Portugueses, • 140 e que ao mesmo tempo servisse de Registro aos Canoeiros, que todos os anos sobem do Pará e pagam nele os Direitos (impos tos) de Sua Majestade, pois só daqui para cima se pode extrair fazendas” (produtos comerciáveis). (Cf, João Vasco Manuel de Braun. “Roteiro Corográfico da viagem que se costuma fazer na Cidade de Santa Maria de Belém, Capital do Grão-Pará, à Vila Bela, capital de Mato Grosso. Tirado do Diário Astronô mico, que po Rio Madeira fizeram os Oficiais Engenheiros e Doutores Matemáticos, que no ano de 1781 foram mandados por ordem de Sua Majestade. [Rainha de Portugal, D. Maria l,a] a demarcar a Terceira Divisão dos Reais Limites. E das práticas e teóricas indagações e combinações que nos Rios e Povoações interiores têm feito. . . em 1784). O original desse documento existe na Biblioteca^Nacional do Rio de Janeiro. Foi publicado na “Revista do Instituto Histórico Brasileiro”, em 1860, e enq Belém do Pará, em volume de 36 páginas. A mais importante fortaleza da defesa do patrimônio da Or dem de Cristo, representada pelo Vice-Reino do Estado do Brasil, é o Forte Príncipe da Beira, construído na margem direita do rio Guaporé, no Território do Guaporé, fronteiriço à Bolívia. “Quadrado de llOm, 50 de lado com quatro baluartes à Vau- ban, de 59 metros por 48, tendo por nomes os de Nossa Se nhora da Conceição, Santo Antônio, Santa Bárbara e Santo André Avelino.” (Cf. Roger Courteville. “ Le Mato Grosso”, p. 10). O Governador de Mato Grosso, Luís de Albuquerque Melo Pereira e Cáceres, em pessoa, fez o lançamento da pedra fundamental, em 20 de janeiro de 1776. Foi ’ terminado em agosto de 1783. Construído num contraforte da serra dos Parecis, cujas vertentes vêm morrer no rio Guaporé, é uma obra gigan tesca. Dificuldades ciclópicas foram vencidas para levar os ma teriais até esse ponto. Nas cercanias não '.havia pedreiras. As pedras trabalhadas vieram de Lisboa como lastro de navios até Belém do Pará, donde subiram o rio Amazonas e o Madeira, através de suas corredeiras, ao Guaporé, o Itenez dos bolivianos, com os primeiros mil alqueires de cal. Depois de Albuquerque, hoje Corumbá, Paraguai acima até o Jauru, até chegar o Gua poré, numa distância de mais de 1.500 quilômetros. Quatro de seus canhões de bronze, de calibre 24, vieram de Lisboa até o Pará, donde subiram o rio Tapajós e levaram cinco (5) dias para chegar ao forte. A plánta do forte é de autoria do Capitão de engenharia Ri cardo Franco de Almeida Serra, formado na Universidade de 141 Coimbra, de quem falaremos mais adiante. A execução coube ao genovês Domingos Sambucetti, a serviço da Monarquia Por tuguesa. As muralhas do forte têm dez (10) metros de altura. Para a grande obra vieram operários de Portugal, de Belém do Pará e do Rio de Janeiro. Duzentos homens ali trabalharam dia riamente na construção, que durou seis anos. Manoel Espiridião da Costa Marques, engenheiro, que ali esteve em 1906, escreveu: “Nas povoáções bolivianas de Madalena, de Baúres, de São Joaquim, há telhas, há portadas, há tijolos das casas da fortaleza, como há também imagens de sua capela destaúltima povoação! No porto de Antofogasta, no Pacífico, uma vez um cruzador inglês comprou um dos pequenos canhões de bronze, que tem as armas de Portugal do tempo de D. Maria I e o levou para o Museu Histórico de Londres! Estou disto perfeitamente infor mado. E assim as sólidas casarias de dentro da fortaleza, que formavam du-as ruas e que eram nobres moradas dos coman dantes do forte e dos oficiais; capela, armazéns, depósitos têm apenas hoje as suas paredes, que sendo de pedra e cal, hão de ficar de pé e hão de atestar por muitos séculos a nossa incúria porque, se prevalece o argumento de que a fortaleza nunca teve o valor estratégico que lhe deram os seus fundadores, essas espaçosas casas serviram de moradas a destacamentos militares de que o governo central e estadual não deveria prescindir neste ponto de nossa fronteira. Para mim é a obra mais monumental do Estado.” (Cf. Generoso Ponce Filho. “O Forte do Príncipe da Beira”, em Rev. “Cultura Política” n.° 28 — Ano III. Rio 1943. ps. 159/167). 71. O Tratado de Limites de 1750 Em 13 de janeiro de 1750 Portugal e Espanha assinapi o Tra tado de Limites entre o patrimônio da Ordemx de Cristo, repre sentado pelo Vice-Reino do Estado do Brasil e a América Espa nhola. Os três artigos desse documento, abaixo transcritos, di zem claramente: “Art. XIV — Sua Majestade Católica em seu nome e de seus herdeiros e sucessores cede para sempre à Coroa de Portugal. . . todas e quaisquer povoáções e estabelecimentos, que se tenham feito por parte de Espanha no ângulo de terras compreendido entre a margem setentrional do rio Ibicuí e a oriental do Uruguai. 142 Ari. XVI — Das povoáções ou Aldeias que cede Sua Majes- Inde Católica na margem oriental do Uruguai sairão os .Missio nários com todos os móveis e efeitos, levando consigo os índios pura aldear em outras terras de Espanha; e os referidos índios poderão levar todos os seus bens móveis e semoventes, e as Armas, Pólvora e Munições que tiverem; em cuja forma se en- I regarão as Povoáções à Coroa de Portugal com todas as suas Casas, Igrejas e Edifícios e a propriedade e posse do terreno. . . Art. XXII — Determinar-se-á entre as duas Majestades o dia em que se hão de fazer as mútuas entregas da Colônia do Sa cramento com o Território adjacente e das terras e Povoáções compreendidas na cessão, que faz Sua Majestade Católica na margem oriental do rio Uruguai, a qual não passará do ano, depois de se firmar este Tratado. . . ”X , O Tratado de 1750 fora redigido por Alexandre de Gusmão, lusossantista, isto é, português nascido em Santos, primeiro mi nistro de D. João V, o rei mineiro. “A linguagem e o teor todo desse memorável Tratado estão dando testemunho da sinceri dade e boas intenções das duas cortes. Parece, na verdade, os dois soberanos contratantes terem-se adiantado ao seu século.” (Cf. Robert Southey. “História do Brasil”, 6.° vol., ps. 8/9. ed. 1862). “Ratificado o convênio por parte de Portugal em 26 de janeiro e por parte de Espanha em 8 de fevereiro, foram em 17 de janeiro de 1751 assinados três outros Tratados, em Madri, pelos quais, respectivamente, se regulavam as instruções dos comissários que deviam passar ao sul da América, se formula vam artigos separados so'bre as mesmas instruções e se prorro gava o termo das entregas mútuas para se estenderem por todo o ano de 1751. Para presidirem a execução do pactuado a corte de Lisboa nomeou comissários principais Gomes Freire de An drade, governador e capitão-general dó Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo para a divisão do Sul, e Francisco Xavier de Mendonça Furtado, governador do Estado do Maranhão para a divisão do Norte* este substituído depois por D. Antônio Rolim de Moura (português nascido no Brasil), governador do Mato Grosso. A corte de Madri, por sua vez, nomeou seus co missários especiais para a divisão do Sul o Marquês de Valde- lírios, D. Gaspar de Munive León Garabito Telo Y Espinosa, natural do Peru, e para a divisão do Norte o chefe de' esquadra D. Jo&é de Iturriaga.” (Cf. R. Garcia. Anais da Biblioteca Na cional. Tratado de 1750. I, 8). 143 72. Os jesuítas espanhóis comandam a guerra das Missões No início dos preparativos para a execução da tarefa, ordenada pelo rei de Portugal, ainda no Rio de Janeiro, Gomes Freire de Andrada envia instruções ao coronel Cristóvão Pereira de Abreu, português nascido em Portugal, residente em Sorocaba, para passar à cidade de São Paulo e que organizasse um batalhão de duzentos portugueses paulistas, selecionados, para formar a vanguarda a fim de preceder ao conhecimento prático do ter reno a região demarcadora. Por sua vez, a fim de cumprir as cláusulas do Tratado, junto aos jesuítas espanhóis invasores do território patrimonial da Ordem de Cristo, o rei de Espanha designa, por indicação do Geral da Companhia de Jesus, o padre Lope Luiz Altamirano, o qual embarca para a América em companhia do comissário Marquês de Valdelírios. Sediado em Japeju, o padre comissário Luiz Altamirano, em 27 de feve reiro de 1753 sente-se ameaçado em sua vida, pois entre os tapes lavra o boato de que esse jesuíta “estava a serviço dos portugue ses”, resolve seguir para Buenos Aires e deixa o padre Francisco Xavier Limp em seu lugar para efetuar a mudança dos Sete Povos. Nessa altura entra em cena o jesuíta Lourenço Balda e escreve para Buenos Aires que os tapes estavam em pé de guerra, pois foram convencidos que o padre Altamirano não “era sacer dote e sim português” e que iria expulsá-los de suas reduções “y asy que lo echaran rio abajo.” (Doc. Trat. vol. LII, 362). “Õs ‘Documentos sobre o Tratado de 1750’, publicados nos dois magníficos volumes dos Anais da Biblioteca, lançam luz sobre os acontecimentos da época. Ante a insurreição geral dos índios, que não se importavam de pertencer a esta ou aquela coroa, mas que agiam em legítima defesa de suas terras e bens, os padres dos Sete Povos nada mais fizeram -do que reproduzir o gesto antigo de seus predecessores e tudo arriscar para os socorrer, material e espiritualmente, nessas horas de sofrimen to, em que jogavam os destinos de sua secular organização.” (Cf. Aurélio Porto. Ob. cit. p. 427). Ora, cem anos antes, os jesuítas espanhóis haviam conduzido os guaranis das reduções paraguaias, o seu habitat secular, para as campinas gaúchas, onde se localizaram. No entanto, então esses pobres índios não reclamaram, não protestaram, não se insurgiram contra o fato de serem levados para outras regiões e abandonaram seus bens e terras com toda a naturalidade. Se ler mos com atenção o depoimento do padre jesuíta Antônio Sepp, 144 citado nos capítulos 63, 64 e 65, verificamos como os índios têm o físico do adulto e a mentalidade infantil. Os psicólogos já chegaram a esse juízo. Assim como entre os brancos há pala vras cujo sentido escapa a certos indivíduos, também os índios não compreendem o alcance do nosso vocabulário. Em sua últi ma obra “Combat avec 1’ombre”, Jung comprova essa assertiva. Ele visitou uma povoação asteca, no México, onde conversou longamente com o cacique. Este disse ao psicólogo: — ‘Não compreendo os europeus. Eles vivem desvairados, à procura de riquezas. Dizem que pensam com a cabeça.’ Jung pergunta-lhe: — ‘Você com o que pensa?’ O interrogado responde, apontando o peito: — ‘Com o coração.’ E os astecas têm o nível intelec tual acima dos pobres ameríndios. Nesse caso, para os jesuítas espanhóis, “não há duvidar do empenho que puseram na mudança dos Povos, embora lhes fosse o mais cruel de todos os sacrifícios. Mas, sentindo-se des-, prestigiados, quase anulados ante a desconfiança dos índios, quando estes se organizam para combater forças disciplinadas e superiores (portuguesas e espanholas), num ato de desespero, não os abandonam à mercê da própria sorte e, num gesto que não os deprime, preferem assistir a seus filhos e com eles rece ber o peso do golpe tremendo. Além do padre Balda, considerado a alma da resistência,os padres Adolfo Skal, Tedeo Enis e Miguel de Sotto assumem maiores responsabilidades. Acusam- nos os documentos de serem os organizadores da resistência armada, “y especialmente Balda y Enis, mandaram hacer las baterias y les ensenaban la formación.” (Doc. sobre o Tratado. Anais, LII. 444). Conhecida a organização militar das doutrinas, ver-se-á que esses aprestos guerreiros vinham de épocas bas tante remotas. . . Santos como Cristóvão de Mendoza, Boroa, Romero e outros haviam resistido, à mão armada, em defesa dos seus pobres catecúmenos, ante a agressão,das bandeiras.” (Auré lio Porto. Ob. cit. ps. 428/429. Os grifos e as palavras entre parênteses são meus.) Não houve agressão das bandeiras. Os lusobandeirantes, vas salos da Coroa Lusitana, defendiam o patrimônio da Ordem de Cristo ocupado por invasores. Competia-lhes, como portu gueses, defenderem esse território sagrado, segundo as bulas dos Papas do século XV, porque estavam sob a guarda e juris dição da Monarquia Portuguesa. Por isso, os reis de Portugal faziam todos os esforços, possíveis e impossíveis, para manter 145 intato esse patrimônio descoberto pela Milícia da Ordem de Cristo. E o povoamento português intenso vai começar com as famílias açorianas fundadoras de Porto Alegre. “Outros (jesuítas) mais tarde, a serviço dos espanhóis, haviam defendido a terra contra a expansão portuguesa. A história re- produzia-se, agora, em proporções maiores. Diz o padre Enis, em uma declaração, jurando ‘in verbo sacerdotis’, “que habia procurado la transmigración dei mismo modo que los santos padres y verdaderos pastores de los rebanos de Cristo en la primitiva Iglesia, licita y santamente animaban a los cristianos a desamparar sua tierra y haciendas por los mandatos de los Emperadores,” (Cf. Aurélio Porto. Ob. cit. p. 429. Doc. sobre o Tratado. Anais LII, 444). 73. Jesuítas portugueses e jesuítas espanhóis O historiador português, jesuíta padre Serafim Leite, explica e esclarece: “Na história da Colônia (Militar) do Sacramento aparecem Jesuítas de Portugal e Jesuítas de Espanha, a saber: Jesuítas da Província do Brasil e Jesuítas da Província do Para guai. Todos da Companhia, mas com deveres políticos opostos. Num ponto, os mesmos: na unidade da doutrina e da moral, unidade substancial, religiosa, a mesma em todo o mundo, co mo no Universo são unidos na Fé e na Moral todos os católicos cultos, conscientes e dignos de tão grande nome e honra. Mas assim como no resto do mundo, em tempo de guerra se en contram Católicos nos dois campos opostos, assim também neste, os jesuítas do Brasil defendiam a bandeira portuguesa (pois es tavam a serviço da Monarquia Lusitana), os Jesuítas do Para guai, a bandeira espanhola. Era a estrita obrigação de cada qual, como cidadãos e patriotas. Nem todos os historiadores, mesmo os de nota, têm compreendido esta verdade. Os Jesuítas espanhóis, com a experiência dolorosa das depredações prati cadas nas suas Aldeias (reduções) pelos “Paulistas” ou “Portu gueses de São Paulo”, termo correlativo naquela época, ou sim plesmente “Portugueses”, temiam que a Colônia (Militar) do Sacramento fosse outro baluarte de inimigos, donde saíssem novas investidas e lhes destruíssem as Missões. Não se engana ram no seu pressentimento. O que levou foi um século a reali zar-se. Porque foi dela, da Colônia (Militar) do Sacramento, na troca (sic) proposta pelo Tratado de 1750, que veio a depreda ção e ruína totál das Reduções. Explica-se, pois, a atividade 146 Incessante dos lesuítas castelhanos em colaboração com os ele mentos oficiais de Espanha para dificultar ou suprimir aquele lllbraltar platino. Luta longa de contrastes, reveses e glórias.” (Cf. Serafim Leite, S. J. “História da Companhia de Jesus no llrasil”, Vol. VI. p. 536. São meus os grifos e as palavras entre parênteses). Neste caso, o Gibraltar eram as reduções dos jesuítas espa nhóis levantadas no patrimônio da Ordem de Cristo, e a Colônia Mi li lar do Sacramento fora construída para defesa desse terri tório invadido pelos religiosos castelhanos, pois eram como guarda avançada ou ponta de lança estrangeira nas terras en- Iregues à defesa e jurisdição da Milícia da Ordem de Cristo. Por isso mesmo, os jesuítas portugueses diretamente contratados pela Coroa de Portugal para catequizar o gentio, isto é, os bra- níIíndios, e ensinar nos Reais Colégios, porque os Colégios eram do Rei de Portugal, não tinham jurisdição alguma sobre os indígenas, pois as Aldeias eram a residência natural desses novos vassalos portugueses cristianizados cujos usos e costumes, sociedade e maneiras de vida era preciso respeitar e foram res peitados pelos portugueses. Com esse pensamento, da Bahia, 5 de julho de 1559, já com dez anos de trabalhos no patrimônio da Ordem de Cristo, Padre Manoel da Nóbrega escreve a Tomé de Sousa, em Lisboa: “Porque pera isso fuy com meus Yrmãos mandado a esta terra, e esta foy a yntenção de nosso Rey (D. João III) tam cristianíssimo, que a estas partes nos mandou.” (Cf. Padre Manoel da Nóbrega, “Cartas do Brasil e mais escri- los”. (Opera Omnia) com introdução e notas históricas e críti cas de Serafim Leite S. J., Coimbra, 1955). Da mesma forma, o jesuíta Padre Antônio Vieira, do Mara nhão, 20 de abril de 1657, escreve a D. Afonso VI, rei de Portugal: “Que Vossa Majestade mande vir maior número de religiosos da Companhia (de Jesus) para que ajudem a levar adiante o que têm começado os que cá estamos; porque é o único meio (posto que mui trabalhoso para os ditos religiosos) com que só se podem reduzir estas gentilidades (brasilíndios). E porque à nossa notícia tem chegado que, contra os missionários (Jesuítas) que neste Estado servimos a Deus e a Vossa Majestade, e con tra o governo da dita missão, se tem presenteado a Vossa Ma jestade algumas queixas, pedimos humildemente a Vossa Ma jestade seja Vossa Majestade mandar-nos dar vista de todas, 1 4 7 porque a todos esperamos satisfazer de maneira que fique co nhecido com grande clareza quão úteis são os missionários da Companhia (de Jesus), não só ao melhoramento espiritual dos Portugueses e índios, senão ainda ao temporal de todos.” (Cf. Padre Antônio Vieira. “Cartas”, ed. João Lúcio de Azevedo. l.° vol. p. 470. Coimbra, 1925). Quanto aos Tapes que haviam ficado nos Povos, receosos do mau tratamento que lhes davam os espanhóis, quando o exército português se pôs em marcha, “fugiam, escondendo-se nos bosques”, onde “ficavam expostos à fome e à miséria.” (Cf. Aurélio Portò. Ob. cit., ps. 565/566). “Aos chefes dessas famí lias são dados nomes portugueses, fazendo com que se confun dam com os povoadores brancos.” (A. Porto. Ob. cit., p. 573). 74. A demarcação das fronteiras do patrimônio da Ordem de Cristo Em duas cartas secretíssimas, respectivamente datadas de Lisboa, 6 de julho de 1752 e 17 de março de 1755, o ministro Sebastião José de Carvalho e Melo, futuro Marquês de Pombal, escreve a Gomes Freire de Andrade, no Rio de Janeiro, dando instru ções para a execução do Tratado de Limites de 1750, ao sul e ao norte do patrimônio da Ordem de Cristo. A primeira contém 33 artigos. A segunda é da mesma data, cujo original está cor rigido pelo autor. Com essas cartas veio a relação das pessoas enviadas de Lisboa para a demarcação das fronteiras no sul do patrimônio da Ordem de Cristo, politicamente, Vice-Reino do Estado do Brasil, província da Monarquia Portuguesa. “Sul. l.:l Tropa de Castilhos até à foz do Ibicuí: Coronel de infantaria com exercício de engenheiro, Miguel Ângelo Blasco, genovês; Astrônomo padre jesuíta Bartolomeu Panigai, vene- ziano; Capitão-tenente José Rollen Vandreck, .holandês; Aju dante José Ignácio Piton, francês; Tenente de infantaria com exercício de engenheiro, Adam Wantzel Hestcko, alemão; Ci rurgião José Poliani, piemontês. Esta l.a tropa no retorno pode vir pela comarca de São Paulo e Minas Gerais a tirar o mapa destes distritos. 2.a Tropa do Ibicuí até defronte doIgureí. Tenente-General José Fernandes Pinto Alpoim, que está no Rio de Janeiro, por tuguês; Astrônomo Padre jesuíta Bartolomeu Pincete, genovês; Capitão Carlos Ignácio Reverend, alemão; Ajudante José Maria 148 i (i\.i) 11íi, italiano; Desenhador Ponzone, italiano; Cirurgião Maurício da Costa, português. Esta 2.a tropa no retorno pode vir pelo Goiás, rio de São Francisco e sertão da Bahia. L“ Tropa da foz do Igureí até à do Jauru. Sargento-mor José t u.slódio de Sá e Faria, português; Astrônomo Dr. Michele Cicra, paduano; Capitão João Baptista Havelle, suíço; Tenente Ignácio Hatton; Geógrafo Guilherme de Bazines, suíço; Cirur gião Bartolomeu da Silva, português. Esta 3.a tropa no retomo pode vir por Cuiabá, conduzir água da Botuca e recolher-se por Piauí e sertão de Pernambuco. Norte. l.a Tropa desde a boca do Japurá até às terras de Su- l inam. Sargento-mor José Gonçalves, que está no Pará, portu guês; Astrônomo padre jesuíta Xavério Haller, alemão; Capitão João André Schwebel, alemão; Ajudante Adam Leopoldo de lireuning, alemão; Cirurgião Daniel Paink, alemão. Esta l.a tro pa no retorno pode vir pelas cabeceiras do rio Branco e montes que confinam com o distrito de Caiena e depois visitar as terras rio cabo Norte. 2.a Tropa para marcar a ,linha de Leste-Oeste. Sargento-mor Sebastião José da Silva, português; Astrônomo l)r. Agostinho Brunelli, bolonhês; Capitão Gaspar João Ge- rardo de Cronsfeld, alemão; Ajudante Henrique Antônio Galuz- zi, italiano; Desenhador José Antonio Landi, bolonhês, arqui teto, (dele falarei mais adiante); Cirurgião Antônio de Matos, português. Esta 2.a tropa no retomo pode visitar os rios Tapa jós e Xingu e passar a tirar o mapa ao Pará até’o Maranhão. 3.a Tropa desde o rio Madeira até a foz do Jauru. Capitão Gre- gório Rebelo Guerreiro Camacho, português; Astrônomo Padre jesuíta Inácio Stezentmartony, alemão; Ajudante Filipe Frederico Sturms, alemão; Tenente Manuel Gotz; Cirurgião Domingos de Sousa, português. Esta 3.a tropa no retorno pode ser a condução da água da Bouca depois ir descer pelo rio Araguaia e Tocantins e finalmente tirar q mapa desde Maranhão pelas Capitanias do Ceará, Rio Grande (do Norte) até a Paraíba. Nesse total de 36 homens a serviço de Portugal, apenas nove são portugueses, os vinte restantes são estrangeiros, todos vassalos da Monarquia Portuguesa. A naturalidade era genoveses, alemães, italianos, venezianos, placentino, piemontês, francês, holandês, suíço. A nacionalidade surge em 1792, com a primeira República Fran cesa. Até esta data, os homens eram vassalos desta ou daquela monarquia. Daí em diante, há cidadãos franceses, porque a sua pátria é todo o território da República da França. No século 149 XIX há os vassalos ou súdilos da Monarquia Inglesa. Com o Império Brasileiro há os súditos ou cidadãos da Monarquia Brasileira porque a Pátria Brasileira surge após a Independência com a Nação Brasileira. Do século XIX em diante a naturalidade indica o lugar do nascimento. Até 1822 todos os nascidos no pa trimônio da Ordem de Cristo eram portugueses. E dessa data em diante, com a Nação, surge a nacionalidade brasileira. (Cf. Sousa Viterbo, Ob. cit. 2 vols. Francisco Adolpho de Varnha- gen. “História Geral do Brasil.” Vol. IV. Notas da seccão XLI1I.) Assim, todos os componentes das seis tropas eram vassalos portugueses, pagos pela Monarquia Portuguesa. Em moeda atual, a despesa mensal de Portugal, apenas com essa tropa especial mente contratada para demarcação das fronteiras do patrimônio da Ordem de Cristo, politicamente o Vice-Reino do Estado do Brasil, talvez ultrapassasse a quantia de um trilhão e trezentos bilhões de cruzeiros (Cr$ 1,300. bilhões de cruzeiros). Sem con tar, está claro, com os vencimentos dos governadores das Capi tanias, das autoridades civis e militares, do Exército Lusobrasi- leiro, dos bispos, padres, frades e freiras. Nessa despesa se incluiu, até 1759, a Companhia de Jesus, cujos professores dos Reais Colégios eram pagos pela Monarquia Lusitana. E, com estes documentos, os escritores da história do Brasil, bitolados pelo materialismo histórico e pela miopia do colonialismo, po dem supor que o povoamento lusobrasileiro foi uma “operação comercial”. Cumpre-me aqui fazer especial referência ao português na tural da Bahia, isto é, lusobaiano, a serviço de Portugal, Dr. Alexandre Rodrigues Ferreira, autor da notável obra “A Via gem Filosófica” às Capitanias do Grão-Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Corumbá (1783-1792), volume 1, com desenhos coli- gidos e coloridos pelo inadjetivável pesquisador Professor Dr. Edgard da Cerqueira Falcão, Editados por Gráficos Brunner Ltda. São Paulo — Brasil — MCMLXX. Nessa viagem cientí fica, o Dr. Alexandre Rodrigues Ferreira foi acompanhado pelo jardineiro botânico Agostinho José do Cabo, pelos desenhadores José e Joaquim Freire. José Antonio Landi chegou ao Pará inte grado na 2.a Tropa de Demarcação das fronteiras — Norte do Vicc-Reino do Estado do Brasil. Trabalhou ora como desenha- dor-naluralista, ora como arquiteto. Na “Viagem Filosófica” 150 podem ser vistos e admirados os desenhos coloridos de José \itlonio Landi. E daí esta justa referência ao pesquisador Pro- IViiüor Dr. Edgard de Cerqueira Falcão. Nos dois volumes de “Expedições científico-militares envia- il.i. ao Brasil”, de autoria do pesquisador Sousa Viterbo, tantas vr/.es citados neste livro, aparecem os nomes e as obras de duzentos e onze (211) engenheiros militares, arquitetos, cien- ÜNtns e desenhistas Portugueses de Portugal e do Brasil, estran geiros, todos a serviço de Portugal e do patrimônio da Ordem de Cristo. '/!>. A defesa do patrimônio da Ordem de Cristo a Oeste e Sudoeste i* O engenheiro Ricardo Franco de Almeida Serra, português nas cido em Portugal, formado pela Universidade de Coimbra, rece bera do rei de Portugal a incumbência de construir o Forte Príncipe da Beira, cuja planta fora traçada por ele, às margens do rio Guaporé, na fronteira com a Bolívia, a Oeste. Esse mo numento de arquitetura militar, sem igual nas três Américas, é o documento concreto levantado há duzentos anos pelos portu gueses de Portugal, portugueses do Brasil, todos irmãos, pela raça, pelo sangue e pelos ideais, pelos lusobrasilíndios, filhos de pais portugueses e mães brasilíndias e pelos brasilíndios; esse monumento imponente há de sempre bradar, pela sua voz de pedra, o quanto e como Portugal cuidava, com todo o carinho, da defesa heróica do patrimônio da Ordem de Cristo, politica mente Vice-Reino do Estado do Brasil, província da Monarquia Portuguesa. E esse documento impressionante, construído em plena selva amazônica, aguarda até hoje á visita dos historiado res honestos, não bitolados pelo materiálismo histórico e pelos lecnicistas materializados, mas dos historiadores conscientes dos nossos valores humanos tão amesquinhados pela ignorância his tórica dos escritores literatejantes. Além do Forte Príncipe da Beira, o engenheiro militar Ricar do Franco de Almeida Serra constrói outros fortes nas. fronteiras do patrimônio da Ordem de Cristo com a América Espanhola. O Arquivo Militar do Rio de Janeiro possui os seguintes ma pas originais: — Mapa de parte do rio Guaporé, e dos rios Sararé, Galera, São João e Branco, seus braços na qual vai lançada a derrota 151 da diligência que por ordem do . . . Senhor João de Albuquerque de Melo e Cáceres (Governador da Capitania do Mato Grosso) se fez pelo alferes de dragões Francisco Pedro de Melo, no ano de 1795, navegando pelo rio Branco até perto do seu nascimen to; e atravessando dele por terra até o rio de S. João e Aldeia Carlota, e deste lugar, pelo mais alto do terreno a sair pelo rio Galera no Arraial de S. Vicente e ponte do Sararé, da qual con tinua até os Quilombos do Pindaituba. . . Igualmente vai confi gurada a derrota da diligência que no ano de 1794 se fez por ordem do mesmo senhor pelos campos dos Parecis e cabeceiras dos rios Galera e
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