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GIRLEY CORDEIRO Antônio Abreu – MED 102 SEMIOLOGIA DA FEBRE Programa de Aproximação a Prática Médica II “A febre, a fome e a guerra. Dentre eles, o maior e o mais terrível é, de longe, a febre.” Hoje, a frase acima pode parecer fora de contexto, mas, na época, fazia total sentido, visto que não havia conhecimento sobre a febre. Antes, entendia-se que a febre era a causa de uma doença, e não uma consequência, decorrente, muitas vezes, de doenças infecciosas da época. Ou seja, ninguém tinha ideia que a maior parte das doenças eram causadas por microorganismos, e que a febre nada mais era do que uma manifestação dessas doenças. DEFINIÇÃO: Febre é um reajuste patológico da temperatura do termostato do hipotálamo para níveis mais elevados que o normal. A temperatura normal do hipotálamo é em torno de 37°C. Quando a temperatura do termostato hipotalâmico é elevada, a temperatura do restante do corpo, também, se altera obrigatoriamente. Por que a febre é um sinal/sintoma pouco sensível e pouco especifico? É pouco especifico, porque tem-se uma diversidade de doenças que causam febre. E, é pouco sensível, já que nem todas as pessoas tem manifestações febris quando possuem infecções (mesmo que graves), principalmente na infância, já que o sistema imunológico não está completamente formado, e nos pacientes idosos – porque o sistema imunológico já está bem debilitado. A febre precisa de uma avaliação objetiva. Ou seja, é preciso aferir a febre com um termômetro, ainda que haja outros sinais e sintomas que possam sugerir que o paciente esteja febril. A homeostase térmica é o equilíbrio térmico, dinâmico do corpo humano. É o equilíbrio entre a produção e a quantidade perdida de calor, a fim de manter a temperatura estável. Como ganhamos calor? Por meio de: Metabolismo basal, realizado quando o corpo está em repouso. Esse metabolismo tem gasto energético, assim, há destruição de ligação de fosfato altamente energética, disponibilizando energia para as funções que necessitamos. Dessa energia, 20 a 25% é transformada em calor. Atividade física, que é o principal produtor de calor. Isso se deve a contração muscular, que pode ser voluntaria, como caminhar, ou involuntária, como os calafrios. Metabolismo controlado por hormônios, como tireoide, de crescimento, epinefrina, norepinefrina. Essas substancias aumentam o metabolismo basal e, consequentemente, aumenta a produção de calor. Metabolismo do tecido adiposo, que está mais relacionado a recém-nascidos. Ao executa-lo, produz-se uma quantidade de calor maior do que no metabolismo de outros tecidos. Como perdemos calor? Por meio de: Radiação infravermelha (sol), que resulta na transferência direta de calor, por ondas eletromagnéticas, para o meio ambiente; Condução de calor para as estruturas sólidas como roupas, por exemplo; Convecção, que é o processo de perda de calor para o ar junto à superfície cutânea; Evaporação – através da transpiração (suor) e da absorção de calor interno – que é a maneira mais eficiente do corpo perder calor. Onde o termostato hipotalâmico fica localizado? Na área pré-ótica do hipotálamo. GIRLEY CORDEIRO Antônio Abreu – MED 102 Como acontece a febre? Primeiro, o nosso corpo se expõe a pirógenos exógenos (presente na membrana celular de bactérias, vírus, protozoários, como o ácido glicocólico e os glicopolissacarídeos), a outros mediadores de inflamação ou a produtos de reações imunológicas. Todos essas substancias conseguem estimular nosso sistema fagocitário (composto por células fagocitarias, como monócitos, macrófagos, células endoteliais, células de Kuffler) a produzir pirógenos endógenos, chamados de CITOCINAS PIROGÊNICAS, em resposta a identificação de algo estranho no organismo. Os 4 principais pirógenos endógenos são: Interleucina-1 (IL-1) Interleucina-6 (IL-6) Fator de necrose tumoral (TNF ou FNT) Fator Interferon (IFN) Essas citocinas caem na corrente sanguínea até chegar ao endotélio do mesopotálamo. Este, junto a membrana basal do sistema nervoso central forma a barreira hematocefálica, que é uma das regiões menos permeáveis do nosso sistema circulatório, impedindo que grande parte das substancias de microorganismos atinja o SNC (é um local de proteção). Essas moléculas, devido ao tamanho, não conseguem passam por essa barreira hematocefálica, mas elas possuem receptores no endotélio do hipotálamo. Nesse endotélio, existe uma enzima chamada ciclooxigenase-3 (COX-3) que é ativada quando recebe um estimulo das citocinas. A COX-3, então, produz uma substancia chamada prostaglandina- 2 (PGE-2) que regulam o termostato do hipotálamo para cima (aumenta a temperatura), causando a febre. Assim, o corpo ativa os mecanismos de conservação ou de produção de calor, a fim de atingir a homeostase. Mecanismos de Conservação de Calor: O agasalhamento por parte do próprio paciente caso esteja sentindo frio; Vasoconstrição periférica causada pelo próprio corpo. As arteríolas da pele são espremidas para impedir a passagem do fluxo de sangue em direção a periferia, assim, as chances de perda de calor por irradiação são reduzidas. Mecanismos de produção de calor: Aumentar o metabolismo basal e os calafrios. Caso o paciente não se agasalhe em situações que sinta frio, por exemplo, ele passa a ter calafrios (mecanismo de produção de calor para compensar uma conservação de calor inadequada). Calafrio = contração involuntária = produção de calor aumentada Os antitérmicos podem atuar em vários pontos da cadeia da termogênese. Os anti-inflamatórios não esteroides (AINES) – Ibupofreno, Nimesulida, Diclofenaco. Agem nas enzimas inibindo a produção de prostaglandinas (COX-1, COX-2, COX-3). Anti-inflamatorios inibitores: Ibupofreno não é seletivo, pois inibe todos (por bem ou por mal) Como eu posso parar a febre ou impedir que ela ocorra? Deve-se: Inibir a prostaglandina-2, que inibe a elevação do termostato. Então, todos os medicamentos antipiréticos clássicos conhecidos agem dessa forma. Exemplo: Dipirona, Paracetamol, Ibuprofeno; OU Inibir a ativação do monócito e do macrófago. Assim, as citocinas não serão produzidas e a febre será reduzida consequentemente. Dessa forma, inibe-se a ação do sistema imunológico. Esses medicamentos são chamados de anti-inflamatórios esteroidais ou corticoides. GIRLEY CORDEIRO Antônio Abreu – MED 102 A segunda via, para controle de febre, é demorada e ineficiente. Inibir a produção de monócitos e macrófagos não consegue inibir a produção de todas as substancias (ela só reduz a quantidade). Pode ser, então, que o paciente tenha uma febre mais baixa e duradoura. Demora muito mais a passar do que tomar uma dipirona, por exemplo. Qual é o parâmetro de normalidade da temperatura corporal? Entre 36-36,8°C A temperatura corporal do ser humano não é constante, ela varia em torno de 0,5°C durante o dia. Ou seja, a temperatura pela manha é diferente daquela a tarde; O horário em que a temperatura corporal está mais baixa possível é entre 03-6h, já o horário em que está maior possível é entre 16-18h; Durante a ovulação (período em que a mulher ovula até o período em que ela menstrua), a temperatura corporal é aumentada em torno de 0,6°C. Esse fato é usado em mulheres que desejam fazer inseminação artificial ou por aquelas que desejam realizar o método natural, a fim de saber a data mais propicia para ter relação sexual. Muitas mulheres, então, aferem a temperatura corporal todos os dias no mesmo horário e, no dia em que a temperatura corporal dela está 0,6°C mais elevada em relação a do dia anterior, significa que ela está ovulando – período que há mais chances de a paciente engravidar. O reto é o local mais fidedigno para medição da temperatura, seguido pela cavidade oral e, então, pela axila. Qual é a relação entre esses tipos de aferição de temperatura?A temperatura axilar é 0,4°C menor que a temperatura oral que, por sua vez, é 0,4°C menor que a retal. Desse modo, a temperatura axilar 0,8°C menor que a temperatura retal. Como se dá a medição da temperatura corporal? Por meio do termômetro clinico, mantendo-o de 2 a 3 minutos, não havendo necessidade de esperar mais do que 5 minutos. Caso o termômetro digital seja usado, mesmo que ele apite antes de 2 minutos, recomenda-se esperar até atingir o tempo mínimo, a fim de ter um ajuste melhor na temperatura do corpo. Quando a temperatura retal e a axilar tem uma diferença de mais de 1°C entre si. Isso significa que há uma produção de calor, além do habitual na região próxima do reto, seja na pelve, seja no abdômen. Quem pode causar esse aumento de temperatura? Alguma inflamação ou infecção, como peritonite, doença inflamatória pélvica, um tumor. TIPOS DE TERMÔMETROS Termômetro de mercúrio: é o mais fidedigno de todos, no entanto, usa um metal pesado em sua composição. Está proibido pela ANVISA devido a intoxicação por mercúrio, por isso não pode ser mais vendido no Brasil. Aconteceram muitos acidentes, principalmente, com crianças que ficavam brincando com ele, deixavam-no cair e quebrar e, por vezes, punham a mão na boca. Termômetro retal: possui um bulbo bem maior, a fim de evitar que o termômetro entre no reto do paciente e se perca. Ele apresenta a vantagem de ser constante e fácil de ser medido, apesar de não haver uma cultura de medição por essa via – exceto em crianças. Termômetro adesivo: apresenta adesivos em forma de faixas que muda de cor conforme a temperatura do paciente. Antes do surgimento dos termômetros digitais, era muito prático, já que aferir a temperatura axilar usando um termômetro habitual em crianças, por exemplo, era difícil. Termômetro Oral (chupeta): é colocado na boca do bebe; tem forma de chupeta. Tem uma fidedignidade boa e você consegue avaliar bem a temperatura. Termômetro Timpânico: é adaptado para ser introduzido no ouvido do paciente. É importante ressaltar que se o individuo apresentar uma otite (inflamação timpânica), o termômetro vai mostrar uma temperatura maior do que a real. Para usar em casa ou no ambulatório, tudo bem, mas se precisar de uma temperatura GIRLEY CORDEIRO Antônio Abreu – MED 102 muito fidedigna, ele pode ter até 0,4°C de variação da temperatura real. É fácil de usar, só colocar no ouvido e apertar o botão. Termômetro Infravermelho: aferido em qualquer parte do corpo, com uma distancia de, aproximadamente, 10cm. Não são totalmente fidedignos. ESTADO DE FEBRE Definição do Harrison: “Temperatura axilar maior que 36,8° pela manhã ou 37,3° à tarde”. Assim, uma pessoa considerada com febre de manhã, pode não ser considerada com febre a tarde, mesmo que esteja com a mesma temperatura. Isso se deve a variação da temperatura durante o dia. Essa definição de Harrison é a mais recente e vale para indivíduos de toda faixa etária, inclusive crianças. Existem cerca de 3 ou 4 literaturas que consideram valores de temperatura diferentes para febre. Ou seja, essas temperaturas variam de acordo com a literatura lida. No Mário Lopez, por exemplo, define-se febre como acima de 37,5°, não especificando o horário do dia. Dessa forma, para as nossas aulas, para efeito prático e para a nossa semiologia, o professor adota a definição do Harrison como parâmetro por ser mais atualizada e baseada em estudos mais amplos. Lembrando que o Harrison não considera um valor fixo, e sim um valor pela manhã e um outro à tarde. O professor diz que não cobra os valores na prova e que, provavelmente, se colocar febre na prova, vai por acima de 37,5° exatamente pela divergência entre literaturas. Nunca vai por abaixo de 37,5°, porque todas as literaturas falam que acima de 37,5° é febre. Então, se ele colocar alguma coisa de febre na aula, será acima de 37,5°. Não haverá essa divergência de literatura. Mas para efeitos práticos, acima de 37,3° é febre independente do horário do dia. Se de manhã está acima de 36,8° e de tarde está acima de 37,3° ou tem mais que 37,3° em qualquer horário do dia, é febre. Não tem nem o que discutir. O sistema imunológico tem um pico de desenvolvimento e depois tem um decaimento. Os bebês recém-nascidos, principalmente prematuros, não tem a capacidade de ter febre ainda, porque não tem o sistema imunológico muito bem formado. Na primeira infância, tem uma formação extremamente acelerada do sistema imunológico. As amigdalas, o timo, os linfonodos aumentam de tamanho. Então, criança de dois ou três anos tem febre por qualquer motivo. É comum crianças nessa faixa etária ter 3, 4 ou 5 episódios de febre durante o ano – mesmo que seja febre por motivos banais, que dura 1 ou 2 dias. À medida que as crianças crescem, o sistema imunológico fica menos acelerado. Na idade adulta, estabiliza e, quando fica idoso, perde boa parte do tecido responsável pelas reações imunológicas, não sendo capazes de fazer febre. Classificação da febre: O Harrison não classifica febre, então o professor pegou essa parte do Mário Lopez. Temperatura axilar de 37,5° até 38,4° - febre discreta Temperatura axilar de 38,5° até 38,9° - febre moderada Temperatura axilar de 39,0° até 40,5° - febre elevada Temperatura axilar acima de 40,5° - febre extrema O Harrison define, ainda, a temperatura corporal acima de 41,5°C de HIPERPIREXIA. Acima de 42°C, o corpo começa a fazer lise proteica, tendo risco severo de inatividade celular (extremamente grave) e, portanto, de morte. Até 42°C o corpo consegue reajustar, mas acima disso, tem que reduzir essa temperatura imediatamente. Como já foi falado, a temperatura varia conforme o horário do dia. Ou seja, existe uma curva térmica normal que varia conforme o ciclo circadiano. A temperatura cai gradativamente, sendo, as 18h, a mais alta durante o dia e, entre 3h e 6h, as temperaturas mais baixas. A partir daí, a temperatura sobe novamente. A variação é cíclica, ocorre todos os dias, por toda a vida. Esse ciclo circadiano é variado? Quem troca a noite pelo dia interfere? Normalmente, não varia tanto, mas interfere. Se você inverte o ciclo circadiano, o ciclo de temperatura também inverte um pouco, podendo variar de pessoa para pessoa. Exemplo: um indivíduo que fica desperta durante a noite e dorme durante o dia, Pessoa do Tipo B, pode ter alterações nessas temperaturas. GIRLEY CORDEIRO Antônio Abreu – MED 102 CURVAS TÉRMICAS Já houve época que as curvas térmicas definiam doenças, mas, atualmente, observa-se que as patologias não respeitam muito essas curvas. Há algumas circunstâncias em que o ciclo circadiano se altera, elevando ou reduzindo muito a temperatura. Dessa forma, surgem algumas doenças. Quando há um aumento de temperatura devido ao reajuste do termostato hipotalâmico para um nível mais elevado que o normal, tem-se febre. 1) Febre Remitente: É aquela febre continua, que tem temperaturas elevadas o tempo inteiro. A linha continua na horizontal é a temperatura normal. Assim, percebe-se que a curva dessa febre está sempre acima da temperatura normal (não chega à normalidade). Exemplo: O paciente tem temperatura de 38,0°C, sobe para 39,0°C/39,5°C, abaixa para 37,8°C, sobe novamente. Ou seja, a temperatura varia durante o dia, mas nunca chega à normalidade. 2) Febre intermitente: É aquela febre que vai e volta. Tem-se variações maiores que 1°C, mas que retornam à normalidade em pelo menos 24h. Podemos ver a temperatura elevada do paciente acima da normalidade e, posteriormente, ela retorna à normalidade. Isso se repete. O nome já é bem sugestivo. 3) Febre héctica ou séptica: É uma curva totalmente aleatória. Tem picos febris extremamente altos, totalmente variáveis, irregulares e imprevisíveis. Ou seja, não obedece a nenhum ciclo de variação durante o dia. Algumas vezes, até pode voltar à normalidade. Ocorrem variações maiores que 1,4°C durante um único dia. Écomum ver pacientes que atingiram 39°C e voltou depois para uma temperatura próxima a 37°C em um único dia. O caso clássico como o próprio nome sugere é a sepse, a sepsemia. 4) Febre recorrente ou ondulante: Recorrente também é bastante sugestivo. Tem períodos de febre, melhora da febre e volta a febre novamente. Seriam períodos de temperatura normal que duram dias ou semanas seguidos por períodos de febre. Exemplos clássicos de febre recorrente: Linfoma de Hodgkin: Esse linfoma pode ter uma febre chamada de Pel-Ebsteins. O paciente tem 3 ou 4 dias de febre e depois fica 3, 4 dias ou 1 semana sem tê- la. Após esse tempo, a febre volta novamente. Malária: É o protótipo da febre recorrente, como febre terçã e febre quartã: A pessoa tem 3 ou 4 dias de febre seguidos. Fica melhor e volta a ter 3 ou 4 dias de febre seguidos de novo. Muitas vezes fica assim 1 mês ou 2 meses. Habitualmente, esses episódios de malária se resolvem em 1 mês. Em resumo: Precisa-se entender as curvas: Normal ou fisiológica; Febre remitente: possui quedas, variações diárias na temperatura, porém não chega à normalidade. O paciente está com febre todos os dias; Febre intermitente: possui quedas diárias para normalidade com variações maiores que 1°C; Febre héctica ou séptica: totalmente irregular, desorganizada com temperaturas maiores que 1,4°; Febre recorrente ou ondulante: possui períodos de febre e períodos de normalidade. É uma decoreba. Hoje em dia não é tão útil como foi um dia, mas ainda é necessário. Toda vez que tem um paciente acompanhando no ambulatório é importante que se faça uma curva térmica desse paciente. Apesar de não conseguir dizer “a febre intermitente é sempre da malária”, são sintomas muito sugestivos. A curva térmica nos dá uma sugestão do que o paciente possa ter. HIPERTERMIA Variações de temperatura que podem ocorrer: Febre e Hipertermia GIRLEY CORDEIRO Antônio Abreu – MED 102 Para ser febre tem que ter reajuste do centro termorregulador hipotalâmico para um nível mais elevado que o normal. Então, na febre está tudo funcionando normal no nosso corpo. Alguma coisa estimula a produção de PGE2 e ela, por sua vez, eleva o termostato. Assim, o corpo se reajusta ao novo valor do termostato. Na hora que reajusta, equilibra a perda e a produção de calor e o indivíduo fica com a temperatura elevada. FEBRE NÃO É O MESMO QUE HIPERTERMIA. A hipertermia é a elevação da temperatura corporal acima do normal, SEM ALTERAÇÃO do ponto físico do termostato hipotalâmico. Só eleva a temperatura corporal, pois há um desbalanço entre a produção e a perda de calor. Ou seja, ou não está conseguindo perder calor suficiente ou está produzindo mais do que consegue perder. Há, também, a HIPOTERMIA que é uma redução involuntária da temperatura corporal central para menos de 35°C. Ou seja, toda vez que eu tiver uma temperatura menor que 35°C, eu tenho uma hipotermia. Seja por exposição ao frio intenso, seja por um desbalanço entre produção e a perda de calor – quando está produzindo menos do que deveria ou está perdendo mais do que deveria. Dessa forma, pode ou não ser associada com alteração do termostato hipotalâmico Exemplo de uma causa de hipotermia bastante frequente (pensando na fisiologia da temperatura corporal): hipotiroidismo. No hipotiroidismo grave, o paciente chega com 34,8°C/34,5°C. Por quê? O metabolismo basal dele cai muito, ou seja, a produção de calor dele cai muito e faz uma temperatura corporal baixa, apesar do termostato hipotalâmico estar marcando uma temperatura normal de 37°C. A periferia, como tem pouco estímulo do metabolismo basal, acaba tendo uma temperatura reduzida. CAUSAS DA HIPERTERMIA: 1) Intermação: exposição ao calor externo muito grande. Exemplo: uma pessoa que trabalha a 100/200 m de profundidade, exposto a um ambiente extremamente quente e fazendo atividade física. Esse aumento de temperatura corporal, pela maior exposição ao calor, pode estar ou não relacionada à atividade física. Se há a prática de atividade física em um ambiente extremamente quente, há o aumento do risco de o corpo não ter capacidade de dissipar todo o calor que está produzindo. Não perdemos calor para o meio externo por irradiação, convecção e evaporação? Caso o meio externo tiver a temperatura maior que do indivíduo, não será possível perder calor por irradiação, mas sim ganhar. Não tende a ter um equilíbrio térmico? Você ganha calor por irradiação, então começa a ter um desbalanço entre a produção e a perda de calor. Todo ano, em momentos de surto de calor extremo, principalmente em países que não estão acostumados a isso, morrem muitos bebês e muitos idosos de intermação. Isso acontece, pois, as pessoas dessas faixas etárias têm menos capacidade de lidar com esse desbalanço calórico. Assim, temperaturas muito elevadas (acima de 42°C) são, muitas vezes, fatais para as pessoas, pois toda a parte enzimática para de funcionar, ocorrendo uma proteólise maciça por temperatura temporal elevada. 2) Induzida por fármacos: A hipertermia pode ser também induzida por fármacos. As pessoas podem tomar alguma medicação que faz com que ocorra produção de calor maior do que a habitual no corpo. Exemplo 1: Anticolinérgicos. Eles podem induzir hipertermia porque atuam inibindo a produção adequada de acetilcolina, reduzindo a sudorese (e o principal mecanismo de perda de calor é a evaporação do suor). Dessa forma, se produz muito calor e não consegue suar, acumula-se muito calor, fazendo uma hipertermia. Exemplo 2: Síndrome Neuroléptica Maligna. É uma causa de hipertermia associada ao uso da classe de medicamentos chamadas de neurolépticos. São medicamentos antipsicóticos (haloperidol, haldol) que, muitas vezes, pacientes esquizofrênicos, que possui doenças psiquiátricas graves, fazem uso crônico ou usam em grande quantidade. Esses fármacos bloqueiam a ação da dopamina, muitas vezes, inibindo a capacidade de perda de calor e aumentando a sua produção. Então, os pacientes podem fazer uma intoxicação e aumentar a temperatura corporal, além de ter rigidez muscular tipo cano de chumbo (o membro fica como um cano de chumbo inteiriço. Não consegue dobrar o braço, faz rigidez). Exemplo 3: Síndrome da serotonina por uso de antidepressivo. No caso da síndrome neuroléptica maligna é por uso de neurolépticos, na síndrome da serotonina é por antidepressivos. Seja inibidor da monoaminoxidase (MAO), seja por antidepressivos inibidores da recaptação da serotonina (fluoxetina, paroxetina). O uso desses medicamentos pode fazer síndrome da serotonina e, portanto, hipertermia no paciente. GIRLEY CORDEIRO Antônio Abreu – MED 102 Exemplo 4: Hipertermia Maligna. Talvez seja a mais conhecida dentre esses exemplos, apesar de não ser mais tão comum. Está associada ao uso de anestésicos inalatórios. 3) Endocrinopatia: Da mesma maneira que algumas doenças causam hipotermia, existem patologias que causam hipertermia. Isso acontece todas as vezes que eu tenho uma produção aumentada de hormônios que eleva o metabolismo basal. Por exemplo, um paciente com hipertireoidismo grave produz uma alta produção de estrogênio, aumentando o metabolismo basal. Com isso, há, também, um aumento na produção de calor local e na temperatura corporal. Outra situação clássica: Feocromocitoma. É um tumor da medula das glândulas adrenais que produz muita catecolamina. A catecolamina aumenta o metabolismo basal, frequência cardíaca, aumentando a temperatura corporal. Além da catecolamina, a adrenalina, a noradrenalina, o hormônio do crescimento também podem causar a hipertermia. 4) Lesão do sistema nervoso central: Traumatismos cranianos, sangramentos intracranianos e traumatismos cranioencefálicos habitualmente tem capacidade de alterar os mecanismos de produção e retenção de calor, fazendo com que a temperatura corporal se eleve. HIPERTERMIA MALIGNA: É uma reação idiossincrática, ou seja, é uma alteração genética relacionadaa própria pessoa. A pessoa tem uma predisposição genética para isso, assim, não é todo mundo. Quando submetido a anestésicos inalatórios, como halotano, isoflurano e enflurano, o paciente faz uma reação a esses anestésicos, fazendo hipertermia maligna. Como é essa reação? É uma desregulação do cálcio intracelular. Se lembram que, para ter contração muscular, o pré-requisito é ter cálcio livre dentro do citoplasma da célula muscular (sarcolema)? Só que o cálcio, a partir do momento que cessou a contração muscular, é recaptado pela bomba de cálcio e jogado novamente dentro do retículo sarcoplasmático. O que acontece então nessa reação? Quando o paciente é exposto a anestesia, sendo o anestésico um desses inalatórios, todo aquele cálcio que estava no retículo sarcoplasmático é liberado instantaneamente ao mesmo tempo. Imagina o cálcio do corpo inteiro sendo liberado do sarcolema de todos os músculos ao mesmo tempo. É como se tivesse uma contração muscular de todos os músculos ao mesmo tempo. E, como falamos, o principal mecanismo de produção de calor é a contração muscular. Imagina o paciente com contração muscular o tempo inteiro. Imagina a quantidade de calor produzida. Isso faz com que a temperatura corporal se eleve em minutos. Em minutos, o paciente está com 42/43°C de temperatura, rigidez muscular intensa, taquicardia, taquipneia, hipertensão. Se você não fizer nada, o paciente vai morrer, em minutos, intubado e anestesiado. É uma situação grave. Tem que fazer o controle e o resfriamento desse paciente: colocar gelo, compressa e cobertor gelado, infundir soro gelado pela sonda nasogástrica, vesical e por acesso venoso. Fazer qualquer coisa para tentar reduzir a temperatura. Existem, também, medicamentos que inibem a ação desses anestésicos, mas eles demoram 30 a 40 minutos para fazer efeito (não dá tempo de esperar). Dessa forma, as medidas inicias são controle da temperatura. Em resumo: A hipertermia maligna é uma reação de descontrole do cálcio a partir da exposição a esses anestésicos. Tem- se a liberação do cálcio intracelular que estava no retículo sarcoplasmático para o sarcolema ao mesmo tempo, fazendo contração muscular involuntária de todos os músculos e elevação intensa da temperatura corporal. As manifestações, como já mencionadas, são: **febre** alta, rigidez muscular (se tem contração muscular, tem que ter essa rigidez), taquicardia (porque a temperatura eleva, a frequência cardíaca também eleva), arritmia (aumento da contração cardíaca), hipertensão (primeiro), hipotensão (depois). A hipotensão é consequência da arritmia cardíaca, que impede o enchimento completo do ventrículo direito, diminuindo o debito cardíaco. **febre** = aumento da temperatura causado pela contração muscular (não é febre). Para ser febre deve ter elevação do termostato hipotalâmico, o que não ocorre nesse caso. É uma reação periférica. PRINCIPAIS CAUSAS DE FEBRE: 1) Infecção: Toda vez que um paciente tem febre, independente da faixa etária, a primeira coisa que pensamos é infecção. Isso acontece, pois a infecção é a principal causa de febre nos indivíduos. GIRLEY CORDEIRO Antônio Abreu – MED 102 2) Necrose tecidual: Paciente com Infarto Agudo do Miocárdio pode fazer febre por necrose tecidual. Se lembra das citocinas pirogênicas? Elas são liberadas quando tem lesão de qualquer tecido. Temos, nesse caso, os mediadores inflamatórios e os macrófagos que habitam o local. Os macrófagos entram em contato com aquelas substâncias intracelulares que não deveriam estar ali na corrente sanguínea, entendem como substância estranha e induzem a produção de interleucinas e interferon, promovendo a produção de prostaglandinas, logo gerando a febre. 3) Inflamação: Qualquer processo inflamatório pode ativar o sistema de macrófagos, seja causado por algum trauma/infecção, seja por uma doença autoimune. Exemplo: Lúpus Eritematoso Sistêmico. O lúpus é uma doença autoimune clássica, bastante famosa, e um dos sintomas é a febre. Tem produção de anticorpos que destroem tecidos do corpo, principalmente, o colágeno do organismo (é uma doença do colágeno). Quando há lesão nesse colágeno, essa necrose/lesão produz mediadores inflamatórios que vão causar febre. 4) Doenças endocrinológicas: Como a Feocromocitoma, as endocrinopatias. Nesse caso, estamos falando de aumento da temperatura corporal que, a princípio, fica difícil saber se há aumento do termostato hipotalâmico ou não. Só é possível saber após a investigação. Antes de tudo, são sintomas febris. 5) Drogas: Como os neurolépticos, serotonina, anestésicos. 6) Neoplasia maligna: Quando se tem um tumor/uma neoplasia maligna, produz-se várias substâncias que não são comuns no nosso corpo. A célula tumoral não tem a carga genética normal das outras células, ela é modificada. Além disso, as proteínas que ela produz, também, não são proteínas normais. Essas proteínas defeituosas são entendidas pelo nosso corpo, muitas vezes, como não sendo nossas, causando, assim, uma reação imunológica e produzindo febre. 7) Lesões cerebrais: Como o Traumatismo craniano, AVC (Acidente Vascular Cerebral). Qual o quadro clinico do paciente febril? Os principais sintomas apresentados por um paciente febril são: Vasoconstrição periférica: O paciente vai estar com a temperatura do restante do corpo aumentada e, no início da febre, vai ter vasoconstrição periférica. Os pés e as mãos estarão frios, expondo menos sangue a temperatura do ambiente. Contribui para a conservação do calor de forma mais eficaz. Calafrios: O paciente que não estiver coberto e estiver com pouca roupa vai fazer calafrios (contração muscular involuntária) para aumentar a temperatura corporal. Taquicardia: Para cada 1°C que a temperatura aumenta, 15bpm, também, aumentam. Então, um paciente que, normalmente, apresenta 80 batimentos cardíacos por minuto (bpm) e uma temperatura corporal basal de 37°, caso estiver com uma temperatura de 38C°, apresentará, consequentemente, 95bpm. Da mesma forma, se estiver com 39°C, terá 110bpm – e assim por diante. Taquipneia: Toda vez que se tem taquicardia e aumento do metabolismo basal, aumenta-se a necessidade energética de oxigênio, provocando taquipneia. Sensação de frio: maneira comportamental do organismo para reter calor e igualar a temperatura com o hipotálamo. Exemplo: Agasalhar-se, abrigar-se em um local mais quente. Quais são os sinais e os sintomas mais frequentes na síndrome febril? Toda vez que se fala em síndrome, fala-se em um conjunto de sinais e sintomas. Dessa forma, a febre não é só um sintoma, é uma síndrome febril. Febre: é o sinal cardinal dessa síndrome. Assim, para ter síndrome febril, tem que ter febre; Astenia: Sensação de fraqueza, de não querer fazer nada, exceto ficar deitado – desanimo; Inapetência: paciente com febre as vezes perde o apetite; Cefaleia: dor de cabeça; Taquicardia: frequência cardíaca alta; GIRLEY CORDEIRO Antônio Abreu – MED 102 Taquipneia: frequência respiratória alta; Taquisfigmia: aceleração do pulso Oligúria: redução do volume urinário, que reduz, também, o débito urinário (urinar menos de 800ml em 24h); Mialgia: dor no corpo difusa; Artralgia: dor nas articulações do corpo; Calafrios; Sudorese; Náuseas e vômitos. Ao produzir PGE2, as interleucinas e os mediadores inflamatórios induzem a formação de prostaglandinas em outros locais do corpo, como articulações e músculos. Isso causa dor e desconforto nesses locais e, por isso, quando se ter febre, muitas vezes, é comum ter mialgia e artralgia. A sudorese, geralmente, acontece após o período de febre. O paciente atinge o pico da febre e, em seguida, o termostato começa a ser regulado para baixo de novo. As terminações nervosas percebem que a temperatura corporal está alta na periferia, necessitando a redução de temperatura. A maneira mais eficiente de perder calor é por meio da sudorese, sendo a evaporaçãoo principal mecanismo. CONDIÇÕES ASSOCIADAS AO SURGIMENTO DA FEBRE: 1) Doenças infecciosas e parasitárias: São as principais causadoras de febre em qualquer faixa etária. Todo paciente com febre tem infecção? Não, mas a maioria dos pacientes com infecção tem febre. Então, pensa-se logo em febre quando há infecção, pois são causas tratáveis e, muitas vezes, de alta mortalidade quando não diagnosticadas. 2) Doenças do sistema nervoso: Como traumatismo craniano, tumores do SNC, AVC isquêmico, AVC hemorrágico 3) Medicamentos: Já foi citado vários medicamentos que podem causar febre. 4) Febre de origem obscura ou indeterminada: É uma entidade que vamos falar mais à frente. 5) Neoplasias: Tumores, em geral, em qualquer lugar, podem dar febre. Doenças infecciosas e parasitárias Quando a febre é associada a doenças infecciosas e parasitárias, o órgão afetado dá indícios que tem algum problema nele. Assim, o paciente tem febre e logo em seguida tem sinais daquele órgão. Pneumonia: Febre, tosse, expectoração purulenta e dor torácica; Infecção urinaria: Febre, disúria, polaciúria e dor lombar; Apendicite: Febre associada a dor abdominal na fossa ilíaca direita, constipação; Colecistite: Febre, náusea, vomito e dor no hipocôndrio direito; Pielonefrite: Febre, náusea, vômito, tontura, dor lombar ao percutir a região lombar; Gastroenterite: Febre, náusea, vomito, diarreia, dor abdominal; Gripe: Febre, coriza, tosse, prostração, mialgia, artralgia, odinofagia (dor de garganta), nariz escorre, tosse. Por isso, é importante investigar todos os sintomas que o paciente apresenta para descobrir qual a origem febre. O objetivo dessa aula é exatamente isso: aprender a investigar uma febre/fazer a semiologia da febre. Algumas dessas doenças infecciosas e parasitarias tem características de ter febre prolongada, com pouca sintomatologia ou com nenhuma sintomatologia no órgão afetado. Quais são essas doenças? Tuberculose: uma doença extremamente prevalente na nossa região. Se tem alguma coisa muito esquisita, muito diferente em algum paciente, pense em tuberculose. Tuberculose pode dar vários sintomas, pode acometer só o pulmão, mas como também quase todos os órgãos. Pode ser renal, das vertebras, peritoneal, da pleura, meningoencefalite por tuberculose, tuberculose cutânea. Pode chegar em qualquer lugar. E, quando a tuberculose não é pulmonar, ela apresenta pouco GIRLEY CORDEIRO Antônio Abreu – MED 102 sintomas. A pulmonar dá logo tosse e prostração. Muitas vezes, o paciente tem somente febre prolongada noturna (não tem mais nenhum sintoma) e, quando vai ver, é tuberculose renal, peritoneal. Endocardite infeciosa: inflamação na valva cardíaca. Uma doença grave, muitas vezes, que dá somente febre prolongada e nenhum outro sintoma. Muitas vezes, investiga-se e não consegue encontrar a origem, então, tem que pensar. Brucelose: é uma zoonose. Doença transmitida do gado para o ser humano, principalmente por leite não fervido ou por contaminação das mãos da pessoa que tira o leite. É uma doença rara, não muito comum de encontrar na nossa região. Salmonelose: quando há uma Salmonelose não intestinal, mas sistêmica, muitas vezes se tem febre sem mais nenhum outro sintoma. Infecções pirogênicas (abscessos): as vezes o paciente tem um abscesso intraperitoneal, pancreático ou cerebral. Muitas vezes, causa febre prolongada e nenhum outro sintoma. Amebíase: também é causa de febre prolongada. Esquistossomose: essa doença não é endêmica aqui da região. O único local que é endêmico é Paracambi. Se tiver um paciente de Paracambi com sintomas, pode até suspeitar. Em Minas Gerais nas tem muitos casos. Na região de governador Valadares, por exemplo, o que mais tem é esquistossomose. Malária: são muitas vezes causas de febres prolongadas Doença de chagas aguda: Alguns casos associados ao consumo de açaí e de caldo de cana consumido em natura Doenças do sistema nervoso Quase todas as vezes que eu tenho uma lesão cerebral – como traumatismo craniano, hemorragia – a temperatura corporal é afetada, ou seja, tem-se febre. Dessa forma, se houver um AVC hemorrágico extenso, sobe a temperatura corporal. Quanto mais grave a doença, mais elevada é a febre. O paciente pode fazer uma hiperpirexia, fazendo febre de 42° antes de evoluir para o óbito. Lembrando que existem casos de hipertermia neurogênica, em que a temperatura pode elevar logo depois de uma intervenção cirúrgica – principalmente se for uma cirurgia da fossa hipofisária do terceiro ventrículo. Por quê? Porque o hipotálamo perde a capacidade de fazer a regulação da temperatura quando se mexe na região próxima ao ele, onde se localiza do centro termorregulador. Em resumo: você promove uma inflamação local, próximo ao hipotálamo, e desregula o termostato, podendo causar uma hipertermia neurogênica. Lembrando, também, que, em pacientes com AVC isquêmico, a febre é moderada de 37,5°C até 39°C. Todas as vias aferentes e eferentes seguem através da medula. Ou seja, os nervos/cordões da medula levam tanto informações do cérebro para a periferia quando da periferia para o cérebro. Dessa forma, se acontece uma secção (corte) da medula, como um trauma raquimedular, o SNC não tem ideia de como está a temperatura do hipotálamo. Assim, o SNC perde a capacidade de regular a temperatura da periferia, podendo ter elevações ou quedas importantes nas regiões periféricas. Em situações como essas, pode-se ter hipotermias ou hipertermias importantes. Induzida por drogas Essa febre tem diversos mecanismos envolvidos, sendo o mais comum a hipersensibilidade mediada por anticorpos. Ou seja, a pessoa tem uma sensibilidade imune a determinada droga. Exemplo 1: Um indivíduo que tem sensibilidade/alergia a dipirona, quando recebe uma dose dessa substancia, pode ter febre. Isso acontece, pois os anticorpos liberados ativam o sistema imune da pessoa, produzindo pirógenos endógenos, que fazem febre. Exemplo 2: É muito comum pacientes ter febre após tomar vacina contra febre amarela. Isso acontece, pois existem, na vacina, vírus vivo atenuado, os pirógenos exógenos. Assim, os lipopolissacarídeos, que são pirógenos endógenos, reagem a isso fazendo febre. Obs1: Febre induzida por sujeira: a febre é induzida pela sujeira do frasco. Muitas vezes, pode-se pensar que a febre foi induzida pela droga, quando não foi. A causa foi o frasco contaminado. GIRLEY CORDEIRO Antônio Abreu – MED 102 Exemplo: um indivíduo aspira um medicamento sem antes limpar o frasco dele. Esse frasco, no entanto, estava contaminado com bactérias. Dessa forma, ao aplicar o antibiótico em outra pessoa, leva a bactéria a ela. Obs2: Liberação de pirógenos exógenos: mesmo aquelas vacinas que têm fragmentos de vírus, tem pirógenos exógenos e podem induzir a febre. Essa febre não tem nenhum padrão característico e, quando tira o medicamento, a febre cessa. Exemplo: febre associada a fenitoína (medicamento que pode induzir febre): normalmente, inicia-se a fenitoína e, 2 a 3 dias depois, o paciente começa a fazer febre, mantendo-a enquanto estiver fazendo tratamento. Então, 2 a 3 dias após cessar o uso de fenitoína, para, também, a febre. Caso a febre seja mediada por hipersensibilidade a anticorpo, não vai ter somente febre. Toda aquela hipersensibilidade mediada por anticorpo vai causar exantema, dermatite esfoliativa, vasculite, urticária. O paciente, além da febre, tem uma reação alérgica a aquele medicamento que está usando. Os medicamentos mais associados a isso são antibióticos principalmente beta-lactâmicos (antibióticos da classe com o anel beta-lactâmico – penicilinas – tanto naturais, quanto sintéticas, cefalosporinas, meropenem) QUAIS SÃO AS COMPLICAÇÕES DA FEBRE: A febre pode causar sinais e sintomas no paciente. 1) Lesões herpéticas peri-orais: são lesões que se parecem herpes, em que o indivíduo fica com a boca estourada. Geralmente, surgem duranteepisódios de febre causadas por pneumococo (pneumonia pneumocócica), amidalite estreptocócica, Mycoplasma, meningite, febre tifoide. Exemplo: uma pessoa estava muito gripada, teve uma febre alta, além de lesões herpéticas peri-orais. 2) Convulsão febril: Crianças com predisposição genética principalmente, podem fazer convulsão febril. Essa convulsão febril não está relacionada com o nível de febre. Muitas vezes, uma febre de 38°C em uma criança com predisposição acomete convulsão, já outras vezes, crianças com 40°C de febre não tem convulsão. O principal preditor se uma criança vai ter convulsão é os pais terem tido convulsão febril quando crianças. Tem padrão genético. 3) Delirium: Paciente faz febre alta e faz um quadro de delirium (diferente de delírio). É um quadro neurológico que o paciente tem desorientação, tem delírios visuais (enxerga coisa onde não tem), desorientação tempo-espacial. É um quadro associado muitas vezes a febre. O delirium é muito característico em idosos. 4) Complicação cardiovasculares: A febre não eleva o metabolismo basal e a frequência cardíaca em 15bpm por grau aumentado? Imagina um paciente com insuficiência cardíaca grave, no limiar, com os medicamentos ajustadinhos, assintomático em repouso apenas (andou um pouquinho e já sempre falta de ar). Imagina esse paciente com febre com 2°C acima do basal, aumentando 30bpm acima do que ele tem. Ele vai descompensar. Pode até fazer um infarto agudo do miocárdio. Paciente que tem doença coronariana, com exigência de um débito cardíaco muito maior por causa da hipercinesia da febre e com uma frequência cardíaca muito maior. Podem fazer um infarto agudo do miocárdio ou um descompensação cardíaca. 5) Distúrbio hidroeletrolítico/Sudorese profusa da febre: Pode fazer com que o paciente fique desidratado, com potássio e sódio baixo. 6) Teratogenia: A própria febre pode ser teratogênica (capacidade de fazer malformação fetal). Em gestantes no primeiro trimestre que tiverem episódios de febre alta, a própria febre pode causar malformação fetal. Então, é importante ter o controle da temperatura principalmente no primeiro trimestre. Usar antitérmico, controlar a temperatura, porque a própria febre pode ser causa de teratogenia. Febre de origem indeterminada ou obscura É uma entidade. Essa entidade é a que tem mais diferença de literatura entre o Mário Lopez e a atualidade. O Mário Lopez, como é de 2007, é uma definição. Agora os novos estudos subdividiram e usaram outra definição. Então, a febre de origem obscura ou febre de origem indeterminada (são sinônimos) é dividida em quatro categorias: GIRLEY CORDEIRO Antônio Abreu – MED 102 1) Clássica: Temperatura axilar maior que 38,3°C em várias ocasiões, com mais de 3 semanas e impossibilidade de conseguir diagnóstico a despeito de 3 consultas ambulatoriais ou três dias de internação hospitalar ou 1 semana de investigação ambulatorial criteriosa invasiva. Ou seja, aquele paciente que está com febre há mais de 3 semanas, todo dia a febre passa de 38,3° e você consultou ele três vezes no seu consultório ou ficou ele ficou três dias internado e fez um monte de teste, colheu cultura e mais outras coisas e não conseguiu definir de onde vem a febre. Diz-se que essa febre foi de origem indeterminada ou obscura. Você vai tentar identificar as causas dessa febre. Toda vez que estiver falando de febre de origem indetermina e não falar mais nada, estamos falando de febre obscura clássica. 2) Neutropênica: O paciente tem temperatura sempre igual, maior que 38,3°C, em várias ocasiões e tem neutrófilo menor que 500/𝑚𝑚3 ou que você imagine que vai ficar assim. Imagine um paciente que esteja com 1000/𝑚𝑚3 de neutrófilo e começou a fazer quimioterapia hoje. Imagina-se que em um ou dois dias ele vai ter menos que 500/𝑚𝑚3 . Com drogas pesadas, o paciente, muitas vezes, reduz a carga neutrofílica. Se esse paciente tiver 38,3° em várias ocasiões que estejam com a contagem de neutrófilos menor que 500/𝑚𝑚3, eu chamo de febre de origem obscura/indeterminada neutropênica desde que essa febre tenha duração de mais de 3 dias com pelo menos dois dias de coleta de cultura. Você colheu a cultura que ficou mais de 48h crescendo, acompanhou o paciente por mais de 3 dias e mesmo assim esse paciente teve febre e as culturas foram todas negativas em 48h. Já pode classificar como febre de origem obscura neutropênica. 3) Hospitalar: É aquele paciente que está hospitalizado com temperatura maior de 38,3° em várias ocasiões e que faça tratamento em que não tenha evidência de infecção. Por exemplo: paciente que está no hospital para tratar insuficiência cardíaca, sem nenhum indício de infecção e ele começa a apresentar febre por 3 dias. Colheu-se cultura (cultura: hemocultura, urinocultura, cultura de secreção traqueal) e as culturas rodaram 48h e mesmo assim não apareceu nada. Significa que já pode classificar como febre de origem obscura hospitalar. É tudo muito parecido, a diferença é o local e a situação do paciente. 4) Associada ao HIV: Novamente maior que 38,3° em várias ocasiões, só que em pacientes com HIV que a febre tenha duração ao longo de 4 semanas em ambulatório ou 3 dias internado. Se for 3 dias internado, vira febre obscura de origem hospitalar. Então, a definição anterior. A mesma coisa. Investigação de 3 dias com pelos menos 2 dias de incubação de cultura. É um pouco longo, mas é quase tudo a mesma coisa. Dividiram para seccionar os pacientes e as causas dessa febre obscura. INVESTIGAÇÃO DA FEBRE: Paciente com febre. Na investigação, o que temos que investigar quando foi o início, quando começou. Qual a intensidade? Qual a duração? Como está evoluindo? Como a febre termina? Termina em lise, ou seja, gradativamente a ponto de o paciente nem perceber? Ou em crise quando a febre vai embora com sudorese profusa, rubor facial, e outras alterações características do fim da febre? Temos que ser objetivos. Ver os níveis de febre; fazer a curva térmica, pois sabendo a periodicidade, podemos determinar qual o tipo de febre (remitente, intermitente...); saber os fatores e sinais associados como calafrios, vômitos, mialgia, para investigar se direciona para algum órgão específico; investigar se há uso de medicamento antitérmico, pois o uso dele altera a curva térmica. Em horário que deveria haver febre, não há, pois o antitérmico impede; se há uso de medicamento que pode induzir a febre como os neurolépticos, inibidores da recaptação de serotonina ou anticolinérgicos. Tudo isso pode interferir. Além disso, temos que investigar se a pessoa teve contato com algum indivíduo com doença que pode produzir febre ou infectocontagiosa. “Ah doutor, estou com febre há um mês e minha mãe está tratando de tuberculose tem seis meses”.O que provavelmente esse paciente tem? Tuberculose. Tem que se pesquisar o contato com doenças infectocontagiosas. Se mesmo assim, não se conseguir investigar qual o tipo de febre, devemos avaliar entradas em florestas e cavernas; GIRLEY CORDEIRO Antônio Abreu – MED 102 Avaliar hábitos e atividades sexuais que podem estar relacionadas a febre como por exemplo a febre associada a HIV (o paciente que tiver hábito sexual de não usar preservativo e ter vários parceiros, pode estar exposto a doenças sexualmente transmissíveis como o HIV que é uma causa de febre de difícil diagnóstico); Viagem a regiões endêmicas como por exemplo: um paciente voltou do Pará ontem e está com febre do tipo recorrente. O que ele provavelmente tem? Malária. A epidemiologia é importante, ela nos ajuda a definir muito; Transfusões sanguíneas, principalmente antes dos anos 80, quando não se fazia screening para HIV nem para hepatite. Então, é importante saber se o paciente teve esse tipo de transfusão; Contato com animais. Como anteriormente mencionada, a brucelose é uma doença transmitida por animais. Além disso, agora temos o coronavírus que foi transmitida por contato com animais.Para descobrir de onde a doença veio foi a epidemiologia que serviu. Quem teve a doença inicialmente foi quem teve contato com aqueles animais do mercado de Wuhan; Hábitos higiênicos, alimentares e de vida; uso de seringas ou agulhas não esterilizadas (paciente que se injeta com agulhas não esterilizadas); Emagrecimento: quanto e qual a velocidade? Quantos quilos emagreceu? Em quanto tempo? Por que perguntar sobre emagrecimento no caso de febre? O que pode causar febre que causa também emagrecimento? HIV, tuberculose e neoplasias. Câncer causa febre. O paciente que está emagrecendo pode ter câncer; Doenças pregressas e familiares (algumas doenças autoimunes têm padrão familiar e podem causar febre); É importante se houver dúvida quanto a essas informações, confirmá-las com parentes e amigos. No exame físico, o que pesquisamos? Lesões cutâneas; avaliamos orofaringe, seios paranasais (pode ter sinusite causando febre), dentes (por quê? Endocardite infecciosa: um dos locais de entrada da bactéria pode ser dentes mau cuidados ou manipulação dentária); aumento de viscerais (fígado e baço aumentados pode ser indício de calazar que é a leishmaniose visceral, uma causa de febre importante); linfonodos aumentados (pode ser linfoma, tuberculose, várias doenças que aumentam linfonodo); avaliar o fundo de olho. Por quê? No fundo de olho, pode-se ter lesões sugestivas de toxoplasmose (a principal delas), citomegalovírus (principalmente em paciente com HIV. Na citamegalovirose, podemos ver lesão de fundo de olho); boca; região anal e retal; massa abdominal ou pélvica (câncer pode dar febre); sopro cardíaco (por quê? Paciente não tinha sopro cardíaco antes, quando aparece com sopro cardíaco e febre, é quase patognomônico de endocardite. Quase patognomônico). Deve-se avaliar curva térmica e comparar com o dia anterior. Repeti-la todo dia até conseguir o diagnóstico de febre.
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