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Isabela Silva Direito Penal e a lei nº 10.216/01: Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. A partir de 1960 tem início um movimento de luta contra os ambientes manicomiais, principalmente na Itália, encabeçadas pelo médico Franco Basaglia, porém tal movimento demorou de ganhar adesão, tendo em vista os ideais eugenistas do mundo a época, bem como a ideia arraigada da necessidade de eliminar os loucos do espaço público, de higienizar a sociedade. O objetivo do médico era criar uma comunidade terapêutica e eliminar a opressão e dor características dos manicômios. hoje em dia, a Itália não possui mais manicômio, sendo utilizado no âmbito penal as residências de execução de medidas de segurança (REMSs), com objetivo de dar suporte de reabilitação ao louco infrator. No Brasil, a ideia de luta antimanicomial começa a surgir em 1987 com o Movimento de Luta Antimanicomial que encontrou bastante resistência, como era de se esperar, das grandes empresas que lucravam com os asilos, visto que o tratamento manicomial era quase que integralmente coberto por empresas privadas. A lei 10.216/01 é provavelmente o maior legado do Movimento Antimanicomial, apesar de ainda enfrentar resistências, pois a partir desta, a internação só pode ser justificada quando as técnicas e os recursos terapêuticos não se mostrarem adequados ao tratamento do doente mental, uma ultima ratio. Também é indispensável a fiscalização do Ministério Público nos casos de internação compulsória, inclusive do doente mental em conflito com a lei penal. Há, portanto, uma excepcionalidade no que se refere ao internamento, que, quando necessário, deve se dar em leitos de hospitais gerais, ou seja, entre os leitos de pacientes com doenças orgânicas, para que não se prive o doente mental do convívio social. Apesar dos avanços, da redução de leitos privados e da implantação de medidas terapêuticas para além da internação, o movimento antimanicomial ainda não teve completa adesão e necessita de sérias mudanças sociais e legislativas, em razão do forte estigma que as doenças psiquiátricas ainda carregam. Cabe destacar que, no âmbito penal, a questão ainda enfrenta dificuldades legislativas, na medida em que: “[...] quando se apreciam os diplomas legais a respeito das medidas que são adotados para os agentes que possuem transtorno mental – o Isabela Silva Código Penal, a Lei de Execução Penal e a Lei 10.216/2001 –, constata- se uma contradição caracterizada como antinomia, mas que pode ser solucionada por meio dos critérios da temporalidade, da especialidade e da hierarquia. Com respeito ao primeiro critério, o da temporalidade, a Lei 10.216/2001 prevalece, pois é mais recente que as Leis 7.209 e 7.210 – as quais disciplinam a matéria penal e a execução penal, respectivamente –, já que ambas são de 1984. Em relação ao segundo, o da especialidade, compreende-se que a norma que dispõe sobre políticas de proteção ao doente mental, ou melhor, a Lei 10.216/2001, é matéria especial, pois seu destinatário é um grupo determinado de pessoas, o dos doentes mentais; por essa razão, deve se sobrepor. Quanto ao terceiro critério, o da hierarquia, apesar de sua ausência aparente entre os diplomas legais, é preciso esclarecer que a premissa é inautêntica e merece uma análise mais aprofundada. É imperioso ter em mente que o Brasil é signatário da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência que, conforme art. 5º, §3º da CF/88 tem natureza de emenda constitucional, portanto, superior ao Código Penal e à Lei de Execuções Penais. Sendo assim, em matéria penal, sob o ângulo dos três critérios de solução das antinomias, a Lei 10.216/2001 revogou tacitamente o Título VI do Código Penal, que disciplina as medidas de segurança, bem como o Título VI da Lei 7.210/1984, que dispõe sobre a execução das medidas de segurança. Por consequência, a Lei 10.216/2001 passa a reger a matéria. A primeira alteração a ser registrada, promovida pela Lei 10.216/2001, foi a substituição do termo medida de segurança por internação compulsória, ressaltando que estas só ocorrem em último caso, quando os tratamentos extra-hospitalares não forem suficientes: Art. 4º A internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes. Art. 6º A internação psiquiátrica somente será realizada mediante laudo médico circunstanciado que caracterize os seus motivos. Parágrafo único. São considerados os seguintes tipos de internação psiquiátrica: I - internação voluntária: aquela que se dá com o consentimento do usuário; II - internação involuntária: aquela que se dá sem o consentimento do usuário e a pedido de terceiro; e III - internação compulsória: aquela determinada pela Justiça. Diante dessa nova normativa, o artigo 97 do CP determina: “Se o agente for inimputável, o juiz determinará sua internação (art. 26). Se, todavia, o fato previsto como crime for punível com detenção, poderá o juiz submetê-lo a tratamento ambulatorial.” não foi recepcionado pela lei 10.216/01, tendo em vista que o melhor tratamento fica adstrito a critérios médicos. Isabela Silva Também o artigo 96, I não foi recepcionado (Art. 96. As medidas de segurança são: I - Internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, em outro estabelecimento adequado;), em razão da lei 10.216/01 determinar em seu artigo 4º, §3º dispor que: É vedada a internação de pacientes portadores de transtornos mentais em instituições com características asilares, ou seja, aquelas desprovidas dos recursos mencionados no § 2o e que não assegurem aos pacientes os direitos enumerados no parágrafo único do art. 2º. Entretanto, o acompanhamento do tratamento será realizado sob a supervisão do juízo da execução penal, com intervenção do Ministério Público, pois trata-se de resposta penal face à violação de bem jurídico-penal. Ainda, o artigo 5º da lei 10.216/01 impede o tratamento perpétuo disciplinado no artigo 97, §1º do CP: “A internação, ou tratamento ambulatorial, será por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação de periculosidade. O prazo mínimo deverá ser de 1 (um) a 3 (três) anos.” ao dispor que: O paciente há longo tempo hospitalizado ou para o qual se caracterize situação de grave dependência institucional, decorrente de seu quadro clínico ou de ausência de suporte social, será objeto de política específica de alta planejada e reabilitação psicossocial assistida, sob responsabilidade da autoridade sanitária competente e supervisão de instância a ser definida pelo Poder Executivo, assegurada a continuidade do tratamento, quando necessário. Isabela Silva REFERÊNCIAS: Reis Júnior. Almir Santos. Impactos da Lei Antimanicomial às medidas de segurança. Enciclopédia Jurídica da PUC/SP. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/433/edicao-1/impactos-da-lei-antimanicomial- as-medidas-de-seguranca. BRASIL. LEI Nº 10.216, DE 6 DE ABRIL DE 2001. Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10216.htm. Acesso em: 19/08/2021 BRASIL. DECRETO-LEI No 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940. Código Penal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em: 19/08/2021. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10216.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm
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