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AGATHA CAROLINA SILVA CONSTANTINO (01590001635)
Poder Familiar 
Sua mudança no tempo
O Poder Familiar, denominado Pater Familias, dava autoridade “máxima” aos pai, todas as pessoas “os filhos, netos, irmãos, clientes, libertos, escravos e as pessoas colocadas in mancipio” eram submetidas a esse regime. Até que, em um certo momento, a igreja 
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho se destina à leitura do livro intitulado “Penas perdidas: o sistema penal em questão” de Louk Hulsman e Jacqueline Bernat de Celis. A discussão oportuna sobre o sistema penal neste momento do curso é essencial para que possamos refletir acerca das questões jurídicas no que tange à organização e formas de atribuição de penas.
Em primeiro momento, seguindo as orientações para elaboração, apresenta-se o fichamento do referido livro, incluindo primeira e segunda parte, juntamente com o posfácio. Na sequência, é apresentada a jurisprudência do delito estupro de vunerável ocorrido em 2013 no município de Palhoça.
2. FICHAMENTO	
Assunto: Direito penal, justiça criminal e abolicionismo
HULSMAN, Louk; CELIS, Jacqueline Bernat de. Penas perdidas: o sistema penal em questão. 2.ed. Tradução de Maria Lúcia Karam. Rio de Janeiro: Luam Editora, 1997.
INTRODUÇÃO
A obra apresenta elementos de reflexão acerca do sistema penal enquanto punição por delitos e está dividida em duas partes. Em primeiro momento, Jacqueline Bernart de Celis entrevista Louk Hulsman buscando compreender o processo de construção da sua visão abolicionista do sistema penal. Na segunda parte, Celis conduz Hulsman a explicar alguns elementos obscuros até então para ela, bem como a objeções que lhe ocorriam ao seu pensamento. 
Primeira Parte
Capítulo 1 - Situações e acontecimento
Os questionamentos iniciais de Jacqueline Bernart de Celis à Louk Hulsman, pensador e estudioso da ciência do direito, se voltam para a sua trajetória profissional até a indicação para a cátedra da Universidade de Rotterdam em 1964. Anteriormente à docência na Universidade de Rotterdam, Hulsman presidia o Comitê Europeu para Problemas Criminais em Strasbourg, tendo trabalhado também no Ministério da Defesa dos Países Baixos. Foi neste período que concluiu seus estudos em Direito. No entanto, seu contato com questões associadas ao Direito Penal se deu ao longo de três anos anteriores à sua atuação no Ministério da Defesa. Durante esse período, Hulsman trabalhou no Serviço Jurídico do Ministério da Defesa no seu país, a Holanda.
Segunda Parte
A perspectiva abolicionista: apresentação em dois tempos
Feitas as devidas considerações sobre a personalidade e trajetória profissional de Louk Hulsman bem como da construção da sua posição abolicionista, a segunda parte da obra descreve o seu pensamento abolicionista enquanto inquietações sobre o sistema penal hoje instituído, o que se dá em dois tópicos expressos por questionamentos. São eles: “Qual abolição?” e “Qual liberdade?”.
1
Qual abolição?
1. OPINIÃO PÚBLICA 
Louk Hulsman inclui entre suas críticas a influência da mídia, dos discursos políticos e estudiosos do direito criminal. Ele afirma que, ao se tratar dos problemas da justiça penal, “[..] os discursos políticos, grande parte da mídia e alguns estudiosos da política criminal se põem de acordo e dão a palavra a um determinado homem comum. Este homem comum seria obtuso, covarde e vingativo. Não faria a distinção entre os marginais, os violentos, os molestadores de todos os tipos, reservando-lhes em bloco o desprezo público.” (p.55)
Ainda, diz Hulsman: “Ora, este homem comum não existe!” (p.55). A abstração deste homem comum advém da necessidade de fundamentação do sistema penal. 
O autor cita como indicação de leitura os estudos de Philippe Robert e Claude Faugeron sobre as “forças ocultas da justiça”. Segundo ele, “[..] para perceber até que ponto nos enganamos quando pretendemos fazer números dizerem o que não expressam e pessoas falarem o que não pensam sobre a situação da criminalidade e sobre o aparelho repressivo.” (p.55). Não há como chegar em uma única opinião pública. Isto seria uma coisa irreal, já que pensamos de maneiras distintas e, consequentemente, há diversas opiniões públicas acerca do sistema penal. 
Finalizando a presente seção, Hulsman afirma com veemência: “Estas pessoas concretas, que, em sua imensa maioria, instituem que há alguma coisa de louco e de insuportável em nossa justiça criminal, por outro lado, a não ser que tenham estado, algum dia, elas mesmas presas no labirinto penal, ignoram como realmente funciona o SISTEMA.” (p.56) (gripo do autor)
2. OS BONS E OS MAUS
Nas produções dramáticas tradicionais e parte da mídia tendem a manter a visão um tanto maniqueísta de tudo classificar em apenas duas categorias: o bom e o mal. Segundo Hulsman, esta visão é “simplista” e que esses lados estão sempre em condições contrárias. Dentre as pessoas benevolentes, estariam legisladores, juízes, policiais e os demais representantes da ordem. Dentre os malevolentes ou delinquentes encontram-se as pessoas que estão à margem da sociedade. As pessoas desejam que as leis e suas estruturas cultivem a harmonia social. Como ele afirma, “Quando se veicula a imagem de um comportamento criminoso de natureza excepcional, muitas pessoas, no geral inteligentes e benevolentes, passam a acreditar que se justifica a adoção de medidas excepcionais contra as pessoas apanhadas pelo sistema penal. E, quando se imagina que se trata de colocar tais pessoas separadas das outras, para que fiquem impedidas, de causar mal, passa-se a aceitar facilmente o próprio princípio do encarceramento, que as isola.” (p.57)
3. A MÁQUINA
Estamos constantemente recebendo informações da mídia e na formação em cursos superiores que o sistema jurídico deve ser defendido já que ele “descreve e limita” as condutas sujeitas a penas. Louk Hulsman questiona o quanto essa justiça imparcial protege a sociedade de qualquer constrangimento arbitrário.
Será que o princípio básico da igualdade perante a lei é realmente colocado em prática? No caso de pessoas que são presas preventivamente, é justo elas estarem aprisionadas por um crime ainda não julgado? Ou se um motorista está com pressa e responde a um guarda com truculência e se vê levado a um Tribunal por desacatar uma autoridade, será que ele acha justo tal procedimento? Ou no caso de flagrante delito, é justo um réu ser julgado por um procedimento oral policial? “O que eles pensam da justiça? Sentiram-se protegidos contra todos aqueles perigos de que nossas leis pretendem nos livrar, ou será que, ao contrário, não tiveram a impressão de ter caído numa armadilha? (p.58)
4. BUROCRACIA 
O pensador Louk Hulsman diz que somos levados a acreditar que o sistema penal é algo racional, que é um sistema sério e que liberta a sociedade dos indivíduos considerados antissociais que a impedem de evoluir.
Cada pessoa que faz parte de um órgão ou serviço relacionado ao sistema penal desempenha sua atribuição sem ter que se preocupar com o que se passou ou com o que se passará com o detento. Não há um consenso, cada um faz a sua maneira, porém, respeitando o Código Penal. Isso mostra que as instituições são “compartimentadas” em estruturas independentes, mas que “encerram-se em mentalidades voltadas a si mesmas”. “Como todas as grandes burocracias, sua tendência principal não se dirige para objetivos externos, mas sim para objetivos internos, tais como atenuar suas dificuldades, crescer, encontrar um equilíbrio, velar pelo bem-estar dê seus membros – numa palavra, assegurar sua própria sobrevivência. O processo de burocratização e profissionalização, que transpassa o sistema penal, faz dele um mecanismo sem alma.” (p.59)
5. UM FILME ESPANTOSO 
Louk Hulsman é enfático quando afirma que não há quem dirija a “máquina penas”. 
Como exemplo, ele descreve que o Ministério da Justiça dos Países Baixos produziu um filme mostrando o funcionamento da justiça repressiva, desde o momento da prisão até o instante em que a cela é fechada. O sujeito foi acompanhado por todo o emaranhadode processos institucionais: “a detenção, a prisão provisória, os interrogatórios, o processo, a entrada na prisão, a saída da prisão...” (p.60) 
Segundo Hulsman, esse filme teria o objetivo de salientar a importância do sistema penal, porém, transpareceram aspectos como o de mecanização e o de frieza, pois os agentes do sistema não querem aprisionar outras pessoas, já que provavelmente não acreditam que a máquina penal as ressocialize. Porém, são pagos para exercer suas funções e o cumprimento de seus papéis frente ao sistema penal tende a ser visto como uma justiça repressiva.
 6. OLHANDO DE DENTRO 
O nosso pensamento sobre prisão deve ser interiorizado. Isto é o que prega Hulsman. Segundo ele, ago abstrato. Estão em primeira instância “a ordem, o interesse geral, a segurança pública, a defesa dos valores sociais…”. Fazem com que se acredite na prisão como solução para nos livrar das “empreitads criminosas” (p. Fazem com que. Ou seja, basta apreender para que possamos estar em segurança.
A privação da liberdade não é algo sem importância. Não se pode ir e vir, encontrar ses pares, entre outros. “O encarceramento é isso.” (p.61) Esta privação da liberdade muitas vezes é vista como uma forma de manter a ordem pública, porém, o encarceramento afeta todos que convivem e que dependem destes detentos. 
Segundo Hulsman, quando alguém é encarcerado, ele não perde apenas a sua liberdade e o contato com as pessoas que faziam parte do seu dia a dia. E adentra em um universo paralelo e artificial em que tudo é negativo, onde Hulsman afirma se tornar um sofrimento estéril, já que o aprisionamento reproduz a ideia do castigo improdutivo.
O próprio sistema penal corrompe os indivíduos já que, dentro das prisões, há sempre a relação de dependência-dominação, que prejudica a construção de ações e comportamentos socialmente aceitáveis, assim tornando os detentos despersonalizados e dessocializados.
7. RELATIVIDADE
Nesta seção, Hulsman afirma que não perdemos muito tempo refletindo sobre ser ou não a sorte de alguém ser preso. Isto porque acreditamos ser merecida a prisão. Porém, o que pode ser considerado crime? Este conceito varia conforme o espaço e o tempo nas quais as pessoas vivem. O pensamento humano está sempre em constante modificação, seja pela mudança de hábitos, de costumes, ou até pelo convívio humano, e isso pode afetar a caracterização de um crime ou infração. Há vários casos de países que divergem do que é aceitável, como por exemplo, a bigamia e a bruxaria e cabe ao poder político caracterizar tais atos como crime ou não. Citando o autor, “De um dia para o outro, o que era delito deixa de sê-lo e aquele que era considerado delinquente se torna um homem honesto ou, pelo menos, não tem mais que prestar contas à justiça penal. É a lei que diz onde está o crime; é a lei que cria o “criminoso”.” (p.64). 
8. CIFRA NEGRA
Muitas das situações que poderiam entrar nas definições da lei penal, segundo Hulsman, não entram na máquina. Ele denomina este fenômeno por “ cifra negra da delinquência” e foi necessário uma pesquisa acerca deste tema para saber o motivo de tal situação.
Hulsman cita o exemplo de uma pesquisa feita em uma empresa na cidade de Friburg na Alemanha, onde de 800 fatos que poderiam ser criminalizados, apenas um foi considerado crime. (p.65)
Milhares de pessoas foram vítimas dos ditos “criminosos” pelo sistema penal, porém não os denunciam. Isto ocorre segundo as vítimas talvez pela não caracterização de uma conduta criminosa, ou seja, é diferente o conceito de crime para a sociedade e para o sistema penal. Esta diferença deve nos conduzir a crer que a estatística de criminalidade – levantada pelo poder público – não revela o número real de crimes.
Segundo o autor, os dados considerados pelas ciências sociais “[..]conduzem a uma contestação fundamental do sistema existente, e, longe de parecer utópica, a perspectiva abolicionista se revela uma necessidade lógica, uma atitude realista, uma exigência de equidade.” (p.66).
9. O CULPADO NECESSÁRIO
O aspecto filosófico da culpabilidade não deve entrar em questão, mas é inevitável perceber que o sistema penal “[..] joga perigosamente” com a noção complexa de culpabilidade. Esta, pelo autor, não é dominada por ninguém. (p. 66)
Para ele, o sistema penal “[..] fabrica culpados na medida em que seu funcionamento mesmo se apóia na afirmação da culpabilidade de um dos protagonistas, pouco importando a compreensão e a vivência que os interessados tenham da situação.” (p.67). 
O sistema penal necessita da designação de uma vítima, como é o caso de um país em que o divórcio é considerado uma sanção. O divórcio pode ser concebido apenas – pelo juiz – mediante uma falta grave de uma das partes, o próprio sistema induz a existência e criação de erros, o que produz um degradamento entre as pessoas e suas relações: “Quando o sistema penal se põe em marcha, é sempre contra alguém, a quem a lei designa como culpável para que seja condenado.” (p.67).
10. FILHA DA ESCOLÁSTICA
Compreende-se como escolástica, em sentido mais amplo, como a linha de pensamento das igrejas medievais. Nesta obra, o sistema penal deve ter sido concebido com formato rígido com todo rigor do pensamento escolástico. Além disso, há uma estreita relação entre a nossa consciência sobre o sistema punitivo de que temos ciência e uma visão religiosa do mundo. 
Para o autor, ainda carregamos a influência do pensamento escolástico em nossa cultura. Segundo Hulsman, isso transparece quando reduzimos o tema entre a “visão do branco e do do preto”, do certo e do errado. Sequer percebemos isto. Aceitamos os fundamentos do sistema penal sem ao menos refletir emocionalmente sobre o tema: “Aceitam a concepção que fundamenta o sistema penal sem refletir, sem empenhar seu espírito e seu coração” (p.68). O sistema penal é designado em uma teologia escolástica, por isso a ‘autores culpáveis’.
Ainda, para Hulsman, a cosmologia ligada à justiça criminal implica na existência de um Deus, um ponto absoluto, para maior entendimento, a lei. A influência herdada da escolástica em nossa cultura é ainda muito significativa, explicando a fácil aceitação do sistema penal. 
Nessa postura que beira a indiferença, Hulsman constata que estamos diante de um sistema penal que creia delinquentes, agora em um nível mais grave: “o nível da interiorização pela pessoa atingida do etiquetamento legal e social”. (p. 69)
11. O ESTIGMA
Todos possuem o livre arbítrio para pensar, agir e sentir, o que leva alguns homens a cometer certos crimes e mudar seu comportamento através de uma profunda perturbação. Porém, o sistema penal vê necessidade em castigar e até encarcerar o delinquente, tornando-o muitas vezes, mais revoltado após ter perdido sua liberdade total. Mas, para Hulsman, o sistema não é quem cria o marginal e, sim, ele apenas o castiga por algum ato inconsequente e irresponsável do mesmo. (p.69) 
12. EXCLUSÃO
As pessoas que normalmente não são repressoras, se tornam repressoras diante de certas situações: “a ideia de separação e de rejeição aparece sempre que as pessoas resolvem escrever uma convenção.”(p. 69) Quando envolvidos regulamentos e regras, a respeito de algo individual, que os diz interesse, a exclusão se torna presente, mostrando que apenas parte “x” ou “y” pode integrar aquela situação ou momento específico. 
13. IMPASSE
Para Louk Hulsman, a condenação à prisão como punição pela culpa e que são merecedores de castigo apenas alimentam a vontade de vingança. Para ele, alguns falam de prisão como “[..] um hotel quatro estrelas, apresentando o preso como uma espécie de veranista às custas do Estado.” (p.71) 
Alguns questionamentos de Hulsman a esse impasse: (1) Levando em conta as propostas de melhoras as condições nas penitenciárias, é certo investir em algo no qual os fora-da-lei vivem? (2) É justo com as pessoas civilizadas que vivem miseravelmente pelo mau investimento do governo? (3) Isso causa uma grande revolta na população, levando as pessoas a fazerem protestos para mostrar o quanto é injustoa qualidade de vida deles em relação aos criminosos.
14. REPERCUSSÕES
Esperamos que quem causa mal a outra pessoa se arrependa e tenha remorso pelo que fez. Mas, como isso será possível se dentro da prisão ele paga um preço alto e acaba desenvolvendo ainda mais sentimentos de ódio e agressividade? Conforme Hulsman, o sistema penal “[..]endurece o condenado, jogando-o contra a “ordem social” na qual pretende reintroduzi-lo, fazendo dele uma outra vítima.” (p.72) 
15. ACIDENTES? 
Nesta seção, Hulsman cita aqueles casos considerados “acidentes”.“Já existem casos, mesmo casos ‘graves’, eventualmente mortes de pessoas, que não são legalmente tratadas pelo sistema penal. A seu respeito, falamos em ‘acidentes’: os acidentes de trabalho, por exemplo. Neste campo, procura-se a indenização dos danos causados às vitimas; aqui, não se pensa em punir um culpado...” (p.73) Prova de que existem homicídios que são tratados judicialmente e não há existência de punição, por causa do autor, como um policial, e que são definidos como acidentes. 
Tais problemas são deixados de fora do sistema penal, pois são entendidos como inevitáveis. 
16. POUCOS REMANESCENTES
De acordo com o autor, entre centenas de casos, raramente, alguns chegam ao sistema penal, pois o restante é solucionado à parte. São, então, vistos com outra visão e outra perspectiva. “Na verdade, a maioria dos conflitos interpessoais se resolve fora do sistema penal, graças a acordos, mediações, decisões privadas dos interessados.” (p.74). 
17. PRÉ-SELEÇÃO
Aqui Hulsman cita a mídia como um elemento importante nas ocorrências. O sensacionalismo com que trata certos casos pode selecionar previamente aqueles que são pré-selecionados para uma abordagem do sistema jurídico ou de formas alternativas de mediação. Hulsman é enfático em sua crítica: “Afinal, quem vai para a prisão? Se a mídia não se dedicasse apenas ao sensacionalismo, se não se preocupasse somente em dar repercussão a esses horríveis processos dos tribunais que considera mais importantes, poderíamos saber melhor o que se passa todos os dias nas centenas de saletas, onde juízes têm a competência para condenar as dezenas de milhares de pessoas que povoam nossas prisões.” (p. 74)
Percebe-se, em certos momentos, o que Hulsman critica. A mídia usa sensacionalismo para obter reconhecimento e repercussão sobre suas matérias, mas, todas elas realmente demonstram a realidade da sociedade em que vivemos? Vivemos de casos de grande repercussão, além de chocantes, como o de Isabella Nardoni? Ou milhões de pessoas são julgadas em tribunais, por crimes de “menor” importância? 		Em suma, é grande o número de pessoas marginalizadas pela sociedade que são presas todos os dias, sejam os batedores de carteira, estrangeiros que infringem normas do país em que estão situados, ou por alguém ter desacatado uma autoridade. É opinião pessoal do grupo que a mídia não está aonde deveria estar, e dá maior importância aos casos que lhe convém, aqueles que o trarão lucro de alguma forma.
18. DEIXAR PRA LÁ
Os critérios de “normalidade” influenciam nas questões envolvendo o sistema judiciário e crimes. Em muitos casos, nos posicionamos muito superficialmente a casos ocorridos e, em certa medida, não atribuímos o valor que tais questões podem exigir. Isto conforme Hulsman. Observe a sua fala: “Quando você se contenta com as ideias que são transmitidas sobre o sistema penal e as prisões; quando você dá de ombros para certas notícias que, de todo modo, eventualmente aparecem nos jornais – notícias assombrosas sobre problemas penitenciários, como encarceramento de adolescentes em celas de isolamento, suicídios de jovens, motins, violências e mortes entre presos; quando aqueles que acionam a máquina e conhecem seu horror se dizem impotentes diante do mal causado e continuam em seus postos; você e eles estão consentindo na prisão e no sistema penal que a criou.” (p. 76) 
Por que quando vemos um noticiário que mostra as notícias trágicas do nosso dia-a-dia, simplesmente consideramos aquilo que está sendo mostrado, como algo “normal”? Por que nos acostumamos com o estado lamentável da nossa política, e soltamos um: “São todos ladrões.” como resposta as notícias de corrupção? Ou ainda, falamos que quem está na prisão, só está lá porque quer, ou porque merece? É muito fácil jogarmos a culpa naqueles que estão desprovidos de qualquer direito, aqueles que estão presos, e não sabem o que se passa aqui fora, enquanto nós, que pensamos saber de tudo, fazemos questão de fecharmos os olhos para a realidade. É fácil ditar a culpa a outro, quando na verdade, a culpa está em nós mesmos, que admitimos as tragédias e as consideramos como algo corriqueiro, algo banal.
19. DISTÂNCIAS SIDERAIS
“Você acha a prisão um meio normal de castigar e excluir alguns de seus semelhantes? Entretanto, evitar o sofrimento alheio deve ser algo que ocupa um dos primeiros lugares em sua escala de valores! Há aí uma contradição para a qual só posso encontrar uma explicação: a distância psicológica criada entre você e aqueles que o sistema encarcera.” (p. 76). Aqueles que geralmente apoiam certa punição a respeito do crime, ou algo que um indivíduo cometeu, possuem uma distância gigantesca em relação a essa pessoa que receberá a punição: nunca estiveram ocupando seu papel. 
É muito mais fácil julgarmos aquilo que não conhecemos, do que aquilo que temos conhecimento, assim como é mais fácil atribuirmos a uma pessoa se ela deve ou não ser presa e quantos anos de sentença merece obter.
“Entre pessoas de cultura, modo de vida, linguagem, modo de pensar tão diferentes, naturalmente se cria uma espécie de incomunicabilidade difícil de superar.” (p. 77). Para nós, que circulamos livremente pelas ruas e temos o direito dessa liberdade, o abismo desta distância, apenas se torna maior. Como iremos mensurar as alterações psicológicas que uma pessoa encarcerada obtém ao longo dos anos que passa lá dentro, se nunca tivemos na mesma situação? 
20. O JOGO DE PROPOSTAS DISCORDANTES
O problema de opiniões divergentes e como os seus detentores lidam com isso em discussões podem interferir no desfecho de delitos. Para Hulsman, os agentes do sistema “[..] alimentam o monstro mesmo sem querer. Algumas vezes estão conscientes e tentam limitar seus danos.” (p. 77). Quando resolvemos discutir sobre algum assunto, seja ele considerado polêmico ou não, todos os presentes nesta discussão obtêm determinados pontos de vista. O problema está exatamente aí. Ao invés de um escutar ao outro, muitas vezes, o que acontece são desencontros entre pontos de vista e então, a ignorância da existência de opiniões divergentes. Como resolver um caso se não existe um consenso? E, ainda, como poderia chegar a uma resolução, se não foram consultadas as partes afetadas? Utilizemos o exemplo de usuários de drogas posto por Hulsman. 
Quando perguntados sobre seu maior medo, respondem que além da polícia estar a espreita, esperando apenas o momento em que irão roubar para conseguir a substância entorpecente, alguns temem mais a assistência médico-social, que fornecem substâncias semelhantes às drogas que os próprios usuários utilizam, do que a prisão. Com isto, podemos ver que, muitas vezes, ao tentar chegar num ponto final do que seria a resolução do problema, são criados muitos outros no caminho, piorando uma situação que poderia ter outra resolução, se todas as partes envolvidas entrassem em consenso e se utilizassem de opiniões dos dois lados.
21. REINTERPRETAÇÃO 
As falas, enquanto reprodução de experiência vivida, podem não expressar o sentido pleno do ocorrido. Para o autor, é impossível “[...] apreender o pensamento alheio. O sentido pleno do que é dito nos escapa. Como, portanto, transmitir fielmente uma mensagem, sem ao menos respeitar a materialidade das palavras ouvidas?” (p.80).
Hulsman exemplifica com o fato envolvendo o Papa João Paulo II que chocou muitas pessoas. Ele foi atingido por três tiros e, dias depois, logo após sua recuperação, ele decidiu demonstrar sentimento a quem lhe desferiuos disparos. A forma com que ele desculpou seu agressor foi surpreendente, dizendo apenas o que segue: “Rezo pelo irmão que me feriu e a quem sinceramente perdoei.” (p. 80). Para Hulsman, o Papa evitou definir-se como vítima, situando-o em um “[...] universo distinto daquele da justiça criminal”. (p. 80)
22. OS FILTROS
Além da reinterpretação citada na seção anterior, há também, o que se refere aos registros feitos. Para Hulsman, um dos elementos que interferem nos processos é o registro das informações. Eles não são feitos com as próprias palavras das pessoas ouvidas. 
Sendo assim, não é possível saber se aquilo que está escrito é fiel à fala da testemunha. Geralmente, os interrogados e que tem os depoimentos mais “concretos’’ que são levados mais em consideração para o desfecho de um caso são as testemunhas, sempre com as mesmas frases feitas e palavras comuns a este tipo de relato. Vários casos se tornam semelhantes por existir essa falha de o próprio sistema não querer saber mais sobre os casos que estão analisando. Por Hulsman, “nos autos que chegam às mãos dos que vão proferir a sentença há outros documentos semelhantes. São tantos filtros que estereotiparam o indivíduo, seu meio e o ato que lhe é reprovado; e as cisões míopes e rígidas do sistema."(p. 81)
23. O FOCO
Aqui, Louk Hulsman observa que as ocorrências são, em geral, observadas de modo único, sem que sejam observadas relações anteriores entre as partes. Isto é muito evidente para ele quando os envolvidos convivem no dia-a-dia: “Quando o sistema penal se interessa por um acontecimento o vê através de um espelho deformante que o reduz a um momento, a um ato.’’ (p. 81)
Um exemplo citado é de um casal que tem problemas de relacionamento e “chega às vias de fato”. (p. 82) O sistema não verifica o que realmente aconteceu de fato, se o desentendimento do casal levou o homem a se revoltar contra a mulher e a agredir, até mesmo, por alguma coisa que foi dita, assim como desconhece se somente o homem foi realmente o culpado pelo ocorrido ou se estava tentando se proteger dos ataques vindos contra ele.
A outra parte é taxada como o culpado em vários casos, muitas vezes pelo fato de o homem ser mais forte do que a mulher, e ela ser mais frágil - isto em alguns pontos de vistas - mas também pela mulher já ter sofrido muito no passado, e por sempre ter casos diversos e, principalmente, casos de agressões contra a mesma.
O erro do sistema fica claro em casos como esse e similares. Se os dois pontos de vista não são levantados em toda sua veracidade, como prever ao certo quem tem culpa e quem não tem?
24. À MARGEM DO ASSUNTO
Nesta seção, o autor observa a transferência do conflito que ocorre quando o sistema penal entra em cena. Quando isto ocorre, o conflito “[...] deixa de pertencer àqueles que o protagonizaram etiquetados como “o delinquente” e “a vítima”. (p. 82)
Nos mais diversos casos, as pessoas envolvidas, como a vítima, que é descriminalizada, e o delinquente, deixam de incluí-los. Eles são afastados e não possuem um contato direto. 
O autor afirma que a vítima não pode “[...] mais fazer parar a “ação pública’’, não lhe é permitido oferecer ou aceitar um procedimento de conciliação que poderia assegurar uma reparação aceitável.’’ (p. 82) Não são reconhecidos totalmente os fatos, nem a história por traz do ocorrido, como a vida do delinquente, e os motivos que levaram ele a cometer o ato. Assim, não existe contato direto entre os dois e fica mais difícil a busca para a compreensão e talvez até um possível entendimento entre as partes, uma resolução. 
Finalizando a seção, o autor afirma: “Quando o sistema penal se apropria de um “assunto’’, ignora totalmente o caráter evolutivo das experiências interiores. Assim, o que se representa perante o tribunal, no fundo, nada tem a ver com o que vivem e pensam os protagonistas no dia do julgamento. O sistema penal trata de problemas que não existem.’’ (p. 83)
25. ESTEREÓTIPOS
A presente seção versa sobre certos padrões que o sistema considera no tratamento dos delitos. Para o autor, a vítima tem muitas vezes a necessidade de enfrentar o seu agressor, o que poderia significar a sua libertação. Em alguns casos, buscam motivos para as agressões. Mas não há essa possibilidade pois o agressor se encontra preso. (p. 83)
Esse comportamento estereotipado do sistema penal é aplicado tanto à vítima quanto ao agressor sem nenhuma distinção. Não são diferenciados no sistema, tanto quem sofreu, a vítima, quanto quem realizou o ato, o agressor, pois os dois são tratados igualmente. Não recebem tanta importância esses casos que se repetem e que tem várias denúncias todos os dias. (p.84)
26. FICÇÕES
 O sistema jurídico, ao ser acionado, não dá à vítima a possibilidade de punir ou não a quem lhe agrediu ou contestou, ou seja, o sistema não verifica se a vítima quer realmente punir a pessoa que a fez mal, o sistema não se preocupa com isso, e assim, essa reação acaba por gerar mais violência, ao invés de gerar um bem. Para o autor, “o sistema penal impõe um único tipo de reação aos acontecimentos que entram em sua competência formal: a reação punitiva." (p. 85)
Dentro da perspectiva da obra, cada vítima pode visualizar o que lhe aconteceu de diversas maneiras e nas mais variadas formas, mas cabe a ela querer ou não levar o acontecimento tão a sério, mesmo ele parecendo “inútil” por vezes. Temos que pensar se realmente queremos punir alguém pela nossa emoção, prazer ou pelo dano que sofreu ou pelo próprio sistema? Não paramos para pensar que muitas vezes somos levados a caminhos incertos, só porque a Lei permite. Se quiséssemos que alguma coisa mudasse dentro do sistema penal, teríamos que começar mudando o nosso modo de pensar sobre determinados acontecimentos, não deveríamos ser tão rigorosos, e se usássemos o perdão de vez em quando iria fazer um bem para ambas as partes. Por fim, o autor afirma: “Verifica-se, assim, também sob este aspecto, o quanto a justiça penal estatal opera fora da realidade, condenando seres concretos a enormes sofrimentos por razões impessoais e fictícias.” (p. 86)
27. A PENA LEGÍTIMA
Louk Hulsman inicia a seção afirmando que se refere à abolição da pena no que se refere à pena na sua concepção e aplicação pelo sistema penal. Dito de outra forma, ele se refere à pena atribuída por uma organização do Estado que é investida do poder de produzir um mal sem que os interessados sejam ouvidos. (p. 86) A ideia é que sejam questionadas tais punições, para poder ter uma pacificação entre ambas as partes, sem que gerem violência. O autor reitera que questionar não significa rejeitar medidas punitivas, nem isentar o sujeito de sua responsabilidade. 
Pelos seus estudos, Hulsman destaca que a pena é entendida pela civilização contendo ois elementos importantes: “[...] 1º - uma relação de poder entre aquele que pune e o que é responsável etc… e o outro aceitando que seu comportamento seja assim condenado, porque reconhece a autoridade do primeiro; 2º - em determinados casos, a condenação é reforçada por elementos de penitência e de sofrimento impostos e aceitos em virtude daquela mesma relação de poder”. (p. 87) Este é o contexto cultural no qual estamos habituados a considerar em se tratando de pena.
Nesses termos, para o autor, estamos sempre diante de situações que não legitimam a pena, afirmando que, “[...] se a autoridade for plenamente aceita, poderemos falar em pena justa. Se, ao contrário, houver uma total contestação da autoridade, não teremos mais uma pena verdadeira, mas pura violência. Entre estes dois extremos, podemos imaginar toda sorte de situações intermediárias”. (p. 87)
Incluindo as questões burocráticas do sistema penal, o risco de um acordo que não satisfaça as partes é muito grande. Com isto, o risco de uma pena “desmedida” é elevado. (p. 87) Para Hulsman, o sistema que confronta a organização estatal e o indivíduo não produzirá uma pena “humana” (grifo do autor).
Em nível macro, incluindo o Estado, as noções de pena e de responsabilidade do indivíduo geram punições “fictícias,infecundas, traumatizantes”. (p. 87)
Finalizando a seção, Hulsman considera aberrante a reflexão sobre o direito no sentido de punição. Ainda, apenas em contextos próximos nos quais se podem atribuir significados concretos à noção de responsabilidade individual e de punição, será possível refletir as relações interpessoais e grupos ou individuais em nível micro.
28. O IMPACTO
A atribuição da pena, nesta seção, tem a concepção de ser o ato de “fazer o mal” segundo Louk Hulsman. (p. 88) Para ele, o sistema penal não tem o lado “dramático” do sistema militar, mas há de se compará-los, pois ambos produzem violência. E, ainda sob a ótica do autor, o sistema penal talvez seja mais violento na medida em que independentemente das pessoas que o acionam, é “estigmatizante” no sentido de que o apenado perde a dignidade. Isso é o que ele chama de estigmatização (grifo do autor). 
O autor cita uma pesquisa realizada nos Países Baixos que revelou o imenso impacto do sistema penal. O Serviço Estatístico considerou o prontuário judicial de todas as pessoas que morreram ao longo de um ano investigando o número delas que haviam estado presas, desconsiderando prisões feitas pelos alemães durante a ocupação e as condenações por “colaboracionismo” que ocorreu ao fim da guerra. Ele se surpreendeu com o resultado indicando que, de cada dez pessoas, uma havia sido condenada a alguma pena de prisão. (p. 89)
Por fim, Hulsman cita o que ocorria à época na França. Após um indulto do presidente, mais de dez mil pessoas foram postas em liberdade. Destes, cerca de três mil eram condenados e processados. Ele compara com 120.000 pessoas que circulam anualmente pelas prisões na França. Disso, questiona o quanto o sistema penal afeta as famílias destes presos. Para ele, é inevitável questionar-se sobre o impacto da pena sobre as pessoas alcançadas por ela além do detento. 
29. NOUTRO LUGAR E DE OUTRA FORMA
Incisivamente, Louk Hulsman afirma nesta seção que seria facilmente possível abolir o sistema penal, sendo que as organizações que o compõem não dependem dele em estância alguma. (p. 90) Por exemplo, o papel da polícia se restringiria a receber denúncias e verificar infrações. Inclusive, o autor cita que, neste caso, a polícia recuperaria a respeitabilidade que está sempre reinvindicando junto à comunidade. 
Para o autor, haveria uma troca comum de ramos aos aparelhos judiciais sem grandes problemas. Ainda, do processo penal, o Ministério Público passaria a atuar no cível e se encarregaria de “[...] velar pelos interesses dos mais fracos”. (p. 90).
Sendo assim, a supressão do sistema penal não implicaria em nada em nenhuma “[...] reforma fundamental da magistratura”. 
Por Hulsman, se o sistema penal fosse abolido, a maior parte dos que hoje participam de seu funcionamento “[...] continuaria tendo suas atividades asseguradas, com um status moral mais elevado”. Neste momento, ele chama o leitor para “deter este cavalo desembestado”. (p. 91)
30. LIBERTAÇÃO
Mais uma vez, o autor inicia uma seção afirmando que é preciso abolir o sistema penal. (p. 91) Aqui, ele afirma que a abolição proposta romperia laços que, de forma incontrolada e irresponsável, em detrimento dos indivíduos envolvidos diretamente, sob uma ideologia atual e sustentando-se em falso consenso, unem os “[...] órgãos de uma máquina cega cujo objeto mesmo é a produção de um sofrimento estéril”. (p. 91)
A um sistema desta natureza, Hulsman chama de mal social. Os problemas seriam enfrentados de maneiras alternativas.
O autor apresenta outro enfoque que é apontado por ele para estimular sua “execução consciente” (p. 91). Ele afirma que a abolição como vê será um “sinal de renascimento do tecido social” e trata-se, por fim, de “deixar viver, fora das instituições, modalidades de relações que o sistema, hoje, asfixia”, dando às instituições existentes uma oportunidade de apoiar aos processos sociais naturais, em vez de “contrariá-los e sufocá-los”. (p. 92)
Por fim, Hulsman afirma que abolir o sistema penal significa “[...] dar vida às comunidades, às instituições e aos homens”.
2
Qual Liberdade?
31. SOLIDARIEDADES
“Os movimentos que tentam devolver ao detento sua dignidade humana, através da “humanização” das prisões, geralmente se baseiam num sentimento de solidariedade pela sorte daqueles que foram levados ao cárcere. Mas, é incrível como tais movimentos praticamente não obtém qualquer avanço.” (p.49). 
Já que lutam e acabam em miseras mudanças nas prisões, teria que mudar e atingir desde o começo, aonde se seleciona quem deveria ir para a prisão.
32. CÍRCULO VICIOSO
“Diferentes escolas de pensamento tentaram limitar as consequências desumanas do sistema penal. Umas, preconizando a limitação das penas privativas de liberdade, tentaram influir também em sua aplicação”(p. 94) 
Acreditasse que, a pena privativa de liberdade, fosse feita para reeducar e não se tornar um castigo,a que ficou apenas como promessa, uma espécie de escola para ensinar o preso a se preparar para volta ao meio social. Mas ao contrario disso tudo, o sistema penal sempre teve a idéia de repressão. “Esta corrente humanista conseguiu se introduzir, com êxito, na formulação das leis, sendo raros os códigos penais de hoje que não dizem que a pena tem por fim “a reinserção social do condenado”. Infelizmente, esta é apenas uma promessa piedosa: na prática, o sistema, enquanto tal, se manteve integralmente repressivo.”(p. 94)
A utilização de outro meios de penas, um exemplo é a intervenção médica, sempre foram colocadas em do chamado “autor”, assim o ser humano é sempre o grande causador do tal fato, e para muda isso seria necessário repensar os termos de “autor” e de “crime”. “a prática demonstra que não basta procurar uma solução mais social do que jurídica para o conflito; o que é preciso sim é questionar a noção mesma do crime, e com ela, a noção de autor.” (p. 95) 
33. VOCABULÁRIO
Todos nós sabemos da importância que as palavras apresentam em diferentes contextos. Se uma ideia for expressa da forma errada, por conta de palavras más utilizadas, todo o contexto nela inserido será alterado, podendo ditar o extremo contrário.
O caso é, quando qualificamos algo ou alguém de forma errônea, o significado do que queríamos passar pode até mesmo, se tornar preconceituoso. Um indivíduo comete um crime, independente da espécie, porque ele é um homem “mau”? Uma palavra muda todo o status social de uma pessoa.
Então, segundo Hulsman, a eliminação do conceito “crime” impõe uma necessidade completa de renovação de todo o discurso, ditando como primeira alteração, a mudança da linguagem. A lógica penal não será superada se os termos relacionados a ela ainda estiverem inseridos dentro do meio, refletindo a prioridade do sistema punitivo estatal. (p. 96)
34. UMA OUTRA LÓGICA
De que adianta mudar a linguagem, se o contexto em que ela está inserida, continua o mesmo? 
O primeiro questionamento a ser feito se refere a onde e pelo que o sistema penal deveria ser substituído, mas, mudando totalmente o enfoque, criando e apresentando novas ideias. Hulsman afirma que em muitos casos um comportamento pode deixar de ser crime, sem que qualquer pensamento velho venha a ser utilizado como substituição ao sistema penal. Mas, se o homossexualismo foi penalmente condenado no Estado moderno durante muito tempo, e ainda é em alguns países; a prostituição tendo um tratamento variado, sendo considerada desde como proibição total com ameaça penal até liberdade total, porque ainda assim, existem pessoas com medo de ouvir a palavra “descriminalização”? É como se retirar a punibilidade de um fato, encadeasse, necessariamente a um choque social de grande escala. (p. 97)
Retirar a pena, segundo o autor, não irá diminuir as ocorrências do fato, mas será criada a necessidade de se fornecer as informações a respeito. Os comportamentos que são descriminalizados apenas entram na categoria de atos da vida social livremente administrados pelas pessoas interessadas, sem serem submetidos ao poder maior de punição. Ainda, há alguns casos queé evidente que a descriminalização traz uma libertação às pessoas e grupos e um saneamento da vida social. Num país como a Espanha, onde, durante 40 anos, se reunir, se associar, expressar publicamente opiniões contrárias à ideologia oficial, foram atividades punidas como crimes e o desaparecimento dessas figuras no código penal foi comemorado como uma vitória da democracia. (p. 98)
35. CINCO ESTUDANTES 
Aqui, Hulsman afirma que chamar um fato de crime (ou delito) significa reduzir significativamente as possibilidades “de compreender o que aconteceu e providenciar uma resposta.” (p. 99).
Hulsman utiliza a parábola dos cinco estudantes que moram juntos. Em um certo momento, um deles vai de encontro à televisão que danifica, juntamente com alguns pratos que estavam próximos. Seus colegas não ficam isentos no caso, cada um com um olhar diferente para o ocorrido. 
O autor compara com a gama de reações possíveis diante de um acontecimento com o que pode ocorrer em situações de delito. No entanto, o sistema penal é cego ao chamar atos de crime ou delito, pois quando nos deparamos a uma situação, cada pessoa irá ter uma reação diferente uma da outra, ou seja, um mesmo acontecido pode ser visto de diferentes formas e ser resolvido de várias maneiras, ou seja, são empregados alguns estilos diferentes. Entre eles, o terapêutico, o conciliador e o punitivo. Se fosse considerado realmente um crime, muito provavelmente seria utilizado o estilo punitivo, e o que se entende é que o autor não vê a existência do crime. “Se as interpretações abstratas e redutoras que o sistema penal aplica aos acontecimentos fossem substituídas por interpretações naturais, nascidas dos indivíduos e não da estrutura sócio-estatal”. (p. 99)
36. O QUE É GRAVIDADE? 
Para Hulsman, a “gravidade” não é um bom critério para determinar a resposta social, principalmente se pararmos para pensar em nossa experiência de vida. Na maioria dos casos, o modelo imposto é mudado de punitivo para terapêutico ou o conciliatório, já que, se a reação ao modelo punitivo for contrária e não admitida, ele se torna ineficaz. Na vida cotidiana, este modelo é inoperante quando se trata de coisas sérias. A própria “gravidade” da situação obriga que seja definida outra maneira e inventada outras formas de resposta. (p. 101)
Mas, o que é possível no âmbito da liberdade, deixa de ser ao entrar no campo penal, se estivermos neste sistema, já não poderá ser alterada a reação. Afinal, acredita-se que nos casos “graves” não se pode prescindir do campo penal.
Hulsman mostra sua opinião divergente a este ponto de vista, quando diz pensar que o que denominam de gravidade, é exterior ao indivíduo e não pode ser aplicado, já que ao dizerem que “o ato é grave quando o prejuízo é grande” e, “sua intenção de fazer mal, sua culpabilidade” não podem ser mensuradas, em vista que são pontos que não obtêm nada em comum. Vale lembrar, ainda, que nenhum desses elementos fornecem por si mesmos, para aqueles que irão decidir qualquer indicação útil do ponto de vista dos interessados. (p. 102)
37. CHAVES DE LEITURA 
Segundo a perspectiva de Hulsman, para resolver um caso seria importante olhar os dois lados envolvidos de frente um para o outro e, apenas depois disso, definir a solução possível.
Assim, o autor afirma: “O encontro cara-a-cara deveria ser sempre possível, pois as explicações mútuas, a troca das experiências vividas e, eventualmente, a presença ativa de pessoas psicologicamente próximas, podem conduzir, num encontro desta natureza, a soluções desta natureza, a soluções realistas para o futuro.” (p. 102)
Não tem como dizer qual seria a linha mais adequada para se resolver um conflito no contexto da obra, pois não é possível generalizar. Cada situação é única, e teríamos que ir a fundo desde o começo do problema, para tentar saber a real verdade sobre o caso, olhando para os dois lados. “A linha aplicável necessariamente varia de acordo com as características da situação-problema e das pessoas em questão, sendo forçoso reconhecer que cada situação é única.”(p. 103). É importante ressaltar também que deixariam de usar a palavra “crime”. 
38. BOA SAÚDE 
Afirma-se nesta seção que devemos admitir que certos problemas não serão resolvidos.(p. 103.)
Muitas pessoas pensam em ter uma vida sossegada, sem problemas e conflitos, ou seja, uma vida normal. Aqui se percebe a referência à “boa saúde”. 
No entanto, os conflitos e as dificuldades em geral de naturezas diferentes são inerentes à vida humana: “Nenhuma situação é idêntica a outra. Um acordo é sempre fruto de reconhecimento e aceitação mútua de diferenças.”(p. 104)
O autor afirma com muita ênfase que a intenção não é diminuir as tensões nem tampouco reduzir as diferenças. O que se deve é procurar vivê-las e conviver com elas. Em termos políticos, isso significa descriminalizar, organizar a sociedade para que os conflitos possam ser suportados, mas não acreditando que será possível evitá-los na sua totalidade. Sob a perspectiva do sistema penal estatal, tal enfoque teria suas melhores possibilidades.
39. UMA MELHOR ESCOLHA
O autor nesta seção afirma que em determinados casos, o desaparecimento do sistema penal deve contribuir para “revitalizar o tecido social”. Ao eliminar a referência à lei, é provável que será mais fácil enfrentar os verdadeiros problemas. (p.104)
Para ilustrar a sua afirmação, ele cita um caso ocorrido em um bairro de Rotterdam. Lá sempre houve prostituição, mas em certo momento surge uma forma mais moderna desta prática. Instituiu-se a prática do sex-club que chamou a atenção de clientes provenientes de outras localidades. Os moradores nativos, já acostumados à antiga prática, não aceitaram a nova condição. Com isso, os responsáveis pela nova forma de prostituição se fizeram acompanhar de seguranças. A população se sentiu ameaçada e resolveu se defender. Nesta situação, Hulsman destaca que os proprietários dos estabelecimentos protagonizaram a questão de segurança e não houve a intervenção do sistema penal estatal.
40. ESTRUTURAS PARALELAS 
A descriminalização deve-se muito ao modo com que é colocada em prática, ou um modo alternativo, onde não seria necessária a utilização do sistema penal. Mais uma vez, Hulsman utiliza como exemplo os Países Baixos em relação aos maus tratos contra crianças. Lá existem leis que incriminam lesões corporais, mas é utilizada uma forma alternativa de solução ou acompanhamento desse tipo caso, sem a intervenção do sistema penal e que se mostra muito mais eficaz “[..] pela colocação em prática de estruturas que tornem desnecessário o apelo ao sistema penal.” (p. 106). Há um aprofundamento no problema, tentando descobrir desde o começo, o por quê estar acontecendo esse fato, e o que há algo de errado.
Para ele, em um caso “[..]onde a atuação do sistema penal provocava dramas irremediáveis com total ineficácia, a colocação em prática de um enfoque diferente permitiu desaguar numa solução - e uma solução humana.”(p. 107) O sistema penal em ação provoca a exposição de qualquer pessoa que o aciona, pela sua maneira de colocar em prática suas ações, com total ineficácia.
41. E A VIOLÊNCIA?
É frequente para o autor ouvir que a abolição do sistema penal seria “[..] deixar o campo livre para os malfeitores”. (p.107) Estes comentários o levaram a duas possíveis respostas. Os crimes, as agressões, os homicídios ou os roubos, fazem parte da minoria dos casos em geral de infrações cometidas. “Em primeiro lugar, tal observação tende a limitar o campo de nossa problemática a uma parte bem pequena de delinquência: estamos pensando em homicídios, em agressões na ruas, em roubos. Ora, estes fatos são relativamentes raros. [..] Em segundo lugar, a afirmação de que a eliminação do sistema penal implicaria na multiplicação de atos violentos pressupõe que, de um lado, se prove tal sistema protege eficazmente contra esta espécie de risco e, de outro lado, que se prove ser ele o único mecanismo capaz de garantir tal proteção.” (p. 107)
As pessoas pensam, conforme a obra, que sem o sistema penalteríamos um agravamento na violência e que viveríamos se segurança, mas, para o autor, isso é um equívoco. Para ele, o sistema penal não impede o ato de nenhum desses crimes. Ao contrário, pode exacerbar os eventos com sua repressão e violência, determinando mais violência e aumentando a gravidade dos crimes. Para ele, “[..] nenhuma destas duas proposições jamais foi cientificamente demonstrada. Qualquer um pode constatar que a existência do sistema penal de forma nenhuma impede os homicídios, os roubos à mão armada, ou os furtos em residências.”(p. 108) Até hoje nunca foi comprovado que o sistema penal realmente diminui a criminalidade e a violência e que seria a única forme de proteção.
42. ESTATÍSTICAS
É inevitável falar de estatísticas sem que o sentimento de insegurança apareça na população. O sentimento psicológico é praticamente incontrolável e se espalha de uma forma incrivelmente rápida. 
Diferentemente do que todos imaginam, Hulsman afirma que as estatísticas policiais, em nenhum caso, representam a medida de criminalidade de um país. Inicialmente, coloca que os números fornecidos pela polícia não correspondem aos “crimes” ou aos “delitos”, e sim à quantidade de inquéritos encaminhados ao superior, o que é bem diferente. Este volume é muito maior, porque inclui os inquéritos que serão arquivados e o número de processos que serão inocentados. (p. 110)
Mas, a pergunta é: por que ainda sim a população alastra esse medo da insegurança? O caso é que estas estatísticas são apresentadas com suma importância, transformando algo que seria apenas como um método da polícia avaliar os casos em sim, em algo nacional, como se a criminalidade e os delitos tivessem aumentado monstruosamente com ocorrências reais. O que não faz parte da realidade.
Uma das observações de Hulsman é a de que a polícia não se utiliza da mesma classificação considerada pelo Ministério da Justiça, que reporta às condenações, classificando-as a partir da divisão legal em crimes, delitos e contravenções. Isso torna impossível a comparação entre as estatísticas judiciárias e as policiais, já que aquela publicada pela polícia não corresponde à noção de “gravidade” que o público tem em mente. A polícia enquadra na “grande criminalidade” a “criminalidade violenta com lucro”; na “criminalidade comum” a “criminalidade sem lucro”; e na “delinquência”, todo o resto. Disto resultam classificações às vezes espantosas. (p. 111)
Com isto, poderiam ser feitas outras observações a respeito das estatísticas policiais, que viriam a afirmar que elas não se destinam a avaliar “a criminalidade” em si. Sendo assim, seria equivocado transformá-las numa fonte confiável. Divulgá-las atribuindo um valor que elas não têm só deve servir para desenvolver e aumentar a angústia e estimular o medo da população.
Contudo, para Hulsman, isto não se trata de negar a existência de situações de risco, mas, ao invés de aterrorizar as pessoas com estatísticas de significado distorcido, seria bem mais conveniente fazê-las refletir sobre a situação e os riscos reais que enfrentam.
43. LIBERDADE E SEGURANÇA
Em relação aos riscos reais de enfrentamentos e violência, Louk Hulsman diz-se convencido que a abolição do sistema penal num país determinado “[..] não aumentaria ali os riscos reais de graves enfrentamentos ou violências. De um lado, porque as situações em questão passariam a ser examinadas a partir de uma aproximação humana. Por outro lado, por que a perspectiva abolicionista reconhece a necessidade de manutenção de mecanismos de urgência a que se deve recorrer em tempos, ou intervalos, de crise.” (p. 113)
Para ele, “uma coisa é suprimir a mecânica penal. Outra coisa é excluir toda coerção. É preciso dar à polícia, no âmbito da manutenção da paz pública, a possibilidade de prender um indivíduo que está atacando outro, ou que se recusa a deixar determinadas situações - como ela faz em outras circunstâncias, numa atuação de emergência.” (p. 113)
O sistema penal procura não somente defender o cidadão e seus direitos individuais, mas também a ordem, e para um juiz é muito difícil conciliar ambos os papéis. Hulsman diz que se um juiz tivesse apenas a missão de garantir as liberdades individuais num sistema não-penal poderia dar a esse papel renovado toda uma outra dimensão. 
44. O LADO DAS VÍTIMAS: AUTODEFESA
Há quem diga que o sistema penal substitui a vingança privada e que esta reapareceria se ele desaparecesse. Mas, ocorre, segundo Hulsman, que “[..] o renascimento das milícias e justiças privadas, agindo sob a forma de autodefesa punitiva, se dá precisamente em contexto onde o sistema penal funciona fortemente. Não há razões para se pensar que o fenômeno se ampliaria se houvesse a descriminalização, total ou parcial, dos comportamentos indesejáveis”. (p. 114)
Nesta seção, Hulsman afirma que a ideia de apelar à manutenção do sistema penal é estéril, já que as vítimas da criminalidade, ou pessoas que se sentem diretamente ameaçadas, pedem uma ajuda e proteção eficientes, o que o próprio sistema não pode oferecer.
Muitos sabem que o atual sistema repressivo não funciona, já que não traz a ajuda e proteção necessárias, então, não há dúvidas de que as pessoas pedem por uma mudança na situação atual. O maior exemplo desta ineficácia está na mudança espontânea na prática da vida dos indivíduos, para reduzir uma parte dos riscos corridos (reais ou superestimados), ou para encontrar ajuda. O fenômeno da autodefesa punitiva não passa de um pequeno aspecto de um movimento que se generaliza. (p. 115) 
Também reforça a ideia de que diante das falhas do sistema penal, alguns grupos reivindicam um reforço do enfoque punitivo. Mas, será que não o fazem exatamente por estarem dominados pelo discurso que a própria instituição penal dissemina na sociedade? Está mais do que comprovado que as pessoas possuem um medo gigantesco, tanto por conta do sentimento de insegurança, quanto pelo saber de que o sistema atual não funciona como deveria funcionar. Então, por que não acreditariam e se agarrariam em ideias novas para aumentar a segurança, propostas pelo próprio sistema penal?
O enfoque abolicionista se aproxima das pessoas, quando estas reconhecem que o sistema penal é falho e não protege e nem ajuda ninguém.
45. VÍTIMAS E PROCESSO PENAL 
Uma citação importante nesta seção se refere ao sistema penal de Nova York. Um dos institutos em Nova York que é responsável pelo sistema penal constatou a falta de interesse das vítimas em querer testemunhar sobre o acontecido. Deram então início as pesquisas para explicar a razão da ausência dos mesmos. Foram então organizados serviços para transportar as vítimas no dia e a hora de sua convocação, mesmo assim elas não iam. “Diziam: esquecemos de ir... nos fizeram esperar muito... isto nos custa dinheiro...” (p.117)
O que levou eles a compreender que “a vítima não sente necessidade de um procedimento penal” (p.117)
Segundo Hulsman, “Neste sistema, os sem gravidade terminam por si mesmos, por falta de autores. Em tal contexto, a persecução penal só se exercia se a vítima, depois desta tentativa de solução de conflito fora do sistema penal, requeresse a instauração do processo. E, se constatou que, numa boa parte dos casos, a vítima não requeria que se precedesse à persecução penal.” (p. 117)
46. AS VÍTIMAS: SUAS EXPECTATIVAS
Desde 1980, em Paris, funciona um serviço de atendimento a vítimas e testemunhas, que oferece um campo para analisar o comportamento das mesmas. Após dar início a esse serviço, os responsavéis perceberam que os atendidos não diferenciavam uma questão civil de uma questão penal. 
Mas, o que as vítimas querem, não é saber a diferença do sistema penal ou civil, mas reencontrar sua paz, procurando “alguém que as escute” com paciência. Elas não procuram este tipo de serviço para se vingar, procuram apenas para explicar o “prejuízo sofrido” e para recuperar seu dinheiro, se esse for realmente o caso. (p.118) 
47. A DIMENSÃO SIMBÓLICA DA PENA 
Louk Hulsman acredita que seria melhor e mais favorável canalizar a violência diferentedo que acontece no atual sistema punitivo. “Mas, afirmo que se apostamos na possibilidade de deter encadeamento do mal indefinidamente reproduzido, todas as renovações são possíveis.” (p. 119)
Há duas formas no sistema punitivo, a primeira, são os níveis mezzo ou micro em que as pessoas vivem ligações pessoais, ou seja, são encontradas formas punitivas humanas. Porém, a segunda forma, existe quando as pessoas recorrem à justiça macroestatal, que funciona sob o modo cível, este tipo de procedimento, aos olhos do demandante, significa retribuição satisfatória.
Já na Idade Média, os conflitos eram resolvidos em marcos compensatórios, quando as pessoas queriam se vingar, faziam no interior deste sistema. “A história e a antropologia permitem ainda que se afirme que não são a duração ou o horror do sofrimento infligido que apaziguem aqueles que eventualmente clamam por vingança, mas sim a dimensão simbólica de pena, ou seja, o sentido de reprovação social do fato que lhe é atribuído.” (p. 120)
48. E OS COLARINHOS BRANCOS? 
Entende-se que nos campos ainda não criminalizados, é preciso tentar evitar ao máximo a criminalização.
“Coloquemos na prisão - dizem eles - os que enganam o fisco ou os consumidores, remetem seu capital para o exterior, poluem o ambiente, se recusam a instalar em suas empresas dispositivos de segurança que reduziriam os acidentes do trabalho.” (p. 121) Hulsman diz que o sistema penal usa dois pesos e duas medidas, dependendo da categoria social, que existe uma grande desigualdade, onde uma minoria não sofre o mesmo rigor de penalidade do que a grande maioria de categorias sociais inferiores, e se fosse para buscar a igualdade no tratamento a todos, então que seja dado aos chamados pés-de-chinelo o tratamento conciliatório.
Hulsman afirma: “Da minha parte, creio que, nos campos ainda não criminalizados, se deveria evitar a qualquer preço a criminalização. No que diz respeito à busca de igualdade de tratamento para todos, eu preferia que se estendessem àqueles que costumam ser chamados de “delinquentes pés-de-chinelo” os procedimentos conciliatórios que existem para os “grandes” ” (p. 121)
Diz também que em questão de pessoas jurídicas são usados procedimentos de regulamentação diferentes do penal,e acabam sendo muito eficaz, ao invés de ameaças penal outra forma onde atinge o comercio direto com o estado. “O que falta não são procedimentos não-penais de controle, mas sim uma vontade política clara e decidida no sentido de aplicá-los.
49. UM OLHAR ATRAVÉS DA HISTÓRIA
A história da França apresenta momentos em que eram válidos procedimentos não penais de resolução de conflitos. Como exemplo, Hulsman cita os indicativos dessa prática em documentos como em um regulamento datado de 1671. Nele são mencionadas assembleias ocorridas em Paris em que deveriam “pacificar os contendores”. Eram compostas por nobres (duque, condes etc) e membros de entidades de destaque, como advogados, procuradores, abades e fidalgos. (p. 124)
No regulamento se pode observar passagens que indicam a preocupação tanto da ordem civil quanto da ordem religiosa em evitar as instâncias oficiais. Por exemplo, “[..]através de editais, nossos reis convocaram todos os seus súditos a encerrar seus processos amigavelmente, submetendo-os a seus árbitros.” Ainda, demonstrando não haver naquele momento a separação entre a Igreja e o Estado, “Nosso Príncipe felizmente reinando também ordenou, através de cartas circulares aos Bispos, marechais da França e governadores de província, que impedissem, os duelos e pacificassem as contendas que os provocam.” (p.125)
Essa mescla de composição dos tomadores de decisão, ora religiosos, ora civis, determinava uma mudança no processo de mediação das contendas. Em algumas situações, os envolvidos nos conflitos eram convidados a passar de um tipo de mediador para outro.
Segundo os documentos citados por Hulsman, a Igreja tomava para si situações de injúrias, de inimizade proveniente de “causa ligeira” e pequenos processos. A mediação se fazia no intuito de que as partes aceitassem os “expedientes que lhes são propostos”. Caso não fossem aceitos, eram previstos procedimentos de arbitragem que se davam até que as partes estivessem inteiramente de acordo. (p. 125)
As práticas desenvolvidas na França à época impressionam Hulsman, em especial pela insistência em selar um acordo amigável entre os sujeitos e pela “paciência e perseverança com que se tenta levar as pessoas a este acordo”.
O autor destaca ainda que se surpreende com o grande número de voluntários que se dispõem a convencer as partes que se recusam a aceitar a conciliação, o que deveria ocorrer sem a força. 
As seções promovidas para a arbitragem e conciliação eram promovidas de modo que as partes estivessem presentes, juntamente com os que se propunham a ajudar. O objetivo das operações era sempre de “evitar a justiça oficial”. (p.125)
50. LEVIATÃ E SOCIEDADE
Para Louk Hulsman, muitos afirmam que o “ancoradouro” da vida social seria o sistema estatal. No entanto, mesmo no Ocidente e no século XX, a sociedade não deve ser confundida com o Estado e as suas instituições. (p. 126) 
Seu questionamento segue o sentido do porquê em deixar o Estado com a responsabilidade de resolver os problemas determinados pelas nossas relações mais pessoais. Hulsman destaca que a sociedade se constrói individualmente pelos seus vínculos pessoais, suas relações profissionais, seus interesses compartilhados, entre outros. Sendo assim, porque delegar ao estado a resolução dos problemas gerados no convívio pessoal? Extremamente oportuna, aqui, a referência à Leviatã, criatura mitológica e que frequentemente é associada ao poder de um Estado (HOBBES, 1983). (p. 126) 
Para Louk Hulsman, é possível que algumas contendas devem permanecer sob a tutela do Estado, em grande medida, em muitos campos os problemas devem ser tratados pelos próprios envolvidos ou por organizações com certa afinidade. (p.126)
De qualquer modo, Hulsman deixa claro que o Estado não pode ser alheio em totalidade dos conflitos. Essa ausência em certos campos não significa que as pessoas não possam recorrer a ele. Assim deve ser, por exemplo, a possibilidade de acesso à “jurisdição capaz de decidir que determinados meios de coerção sejam postos à disposição de tais pessoas implicadas num conflito interpessoal. Mas a aplicação destes meios de coerção - nos limites postos pela lei e da jurisdição - deveria depender da vontade daquele que pediu a intervenção da jurisdição para resolução do seu conflito”.
51. OS CAMINHOS DA CONCÓRDIA 
Um importante passo para a concórdia, por Hulsman, é o respeito às estruturas, ideologias fundamentais, mentalidades e princípios de sociedades primitivas ditas “subcivilizações” por não alcançarem o nível ocidental. O olhar de comiseração para estas sociedades na tentativa de trazê-las para nossos padrões sociais é, para Hulsman, um engano. 
O que se teria a fazer é aprender ou “reaprender” (p.127) com essas sociedades em “dimensões de convivência” que ainda não desvendamos.
Na sequência, o autor relata a fala do antropólogo Michel Alliot que afirmava ser a nossa noção de “crime” desconhecida das civilizações primitivas. Por exemplo, na mentalidade de uma sociedade africana (bantu), quando um membro mata outro, ele repara o dano trabalhando para a família da vítima. As consequências do homicídio para a sociedade bantu são civis (e não criminais), “vindo a concórdia não do castigo, mas da reparação”. (p. 127)
52. COMPANHEIRISMO
Em conflitos em comunidades naturais, as relações interpessoais são, muitas vezes, preponderante para a sua mitigação e, segundo Hulsman, as soluções nos contextos privados acontecem com mais frequência do que possamos imaginar.
Hulsman sintetiza esta ponderação afirmando que os mecanismos naturais de regulamentação social são empregados a todo instante e constituem “fatores de desalienação”. Para ele, “o fato de não estarmos mais sozinhos diante de um problema torna tal problema mais suportável. Procurar uma solução junto com os outrosjá constitui, em si, uma atividade libertadora.’’ (p. 129)
53. EM VOLTA DE UMA CHURRASQUEIRA
Na presente seção, Hulsman comenta sobre o hábito que apresentam alguns bairros nos Países Baixos que formam comitês para discutir e buscar solução para conflitos. Mas o que mais chama a sua atenção é que esta dinâmica é natural. As pessoas se reúnem para que se conheçam e naquele ambiente aparam qualquer indício de conflitos entre os seus moradores.
Uma situação vivenciada por Hulsman ocorreu em um comitê de bairro no centro da cidade de Dordrecht. Ali a comunidade é formada por perfis bastante diversos. São, em geral, de classe média: comerciantes, engenheiros, aposentados e artistas. Mas há uma rua totalmente ocupada por “jovens intelectuais abonados”. Já um pouco mais afastado, uma rua reúne “trapeiros, imigrantes pobres (especialmente marroquinos e turcos) e estudantes sem dinheiro” e que ocupam construções abandonadas. (p.128)
Em um certo momento, jovens dessa rua “antissocial”, rótulo não compartilhado por Hulsman, cometeram atos de vandalismo em moradas dos intelectuais mais abastados. Um deles chamou a polícia. 
A indignação foi geral, já que não havia esse costume de repassar à polícia o poder de resolver problemas dessa natureza: “Como pessoas que vivem juntas em um bairro podem chamar a polícia umas contras as outras?”
Em caráter de urgência, o Comitê se reuniu e, naquele momento, o queixoso compreendeu o que se passava com os moradores do bairro. E convidou os jovens para um “churrasco”.
Essa passagem deixa claro o pensamento de Hulsman no que se refere à interação social deve, sim, buscar a solução de conflitos dessa natureza, sem a intervenção da força policial e, consequentemente, do Estado.
54. RETRIBUIÇÃO E SISTEMA CÍVEL
O “sistema oficial de justiça” (p. 131) é invocado pelas partes sempre que, por qualquer razão, elas não chegam a uma solução para os seus conflitos. Hulsman reitera aqui que, mesmo sendo o papel dos tribunais reorientar as relações interpessoais e aplicar o direito em situações de conflito, não há razão alguma para “se acrescentar um poder de punir a tribunais repressores, a fim de que, em determinados conflitos, escolhidos de maneira discutível, algumas pessoas sejam tratadas como culpados que devem ser castigados”. Ou seja, pela linha hulsmaniana. o caráter punitivo para os conflitos não deve ser considerado em certas categorias de conflitos. Para ele, os tribunais cíveis podem, ou deveriam ter o poder de intervir nas situações conflituosas de modo mais direto e eficaz do que o atual sistema penal (p. 131)
No que Hulsman observa, não se pode atribuir caráter punitivo e repressor tão somente ao sistema penal. Os sujeitos se valem também do sistema cível para provocar e punir aquele que considera responsável pelo problema.
No âmbito cível, os mecanismos exercem o papel de atribuir ao réu a obrigação de compensar a vítima por perdas e danos, por custos eventuais. Além disso, o julgador afirma que não tinha razão, isto tudo como forma de satisfazer as vítimas. Hulsman, por sua vez, afirma não fazer apologia a sentimentos violentos e de vingança, mas as desvantagens do enfoque cível são inferiores às inconveniências do sistema penal. (p. 132)
55. A ORGANIZAÇÃO DE ENCONTROS “CARA-A-CARA” 
Havia, à época da escrita do livro, estudos que buscavam relacionar formas organizadas de mediar e resolver conflitos sem a participação de sistemas jurídicos e que complementassem os mecanismos naturais de controle. (p.132)
Uma das tentativas nesse sentido foi nos Estados Unidos, durante o governo Carter. Um membro da Bar Association e Ministro da Justiça promoveu uma lei destinada a financiar todo tipo de experiências associadas a estabelecer formas de resolução de problemas sem o envolvimento dos sistemas jurídicos. No entanto, deixou a administração antes da expedição dos decretos executivos e o trabalho foi esquecido.
Algumas tentativas estavam em fase de experimentação, mas, na visão de Hulsman, são de resultado mínimo e se voltam mais para desafogar o sistema penal do que na essência do problema em si. É, por exemplo, o procedimento estabelecido para casos de pequena monta, onde a polícia promove um confronto entre as partes para que reflitam se querem de fato que o seu problema entre no sistema penal. (p. 133)
Hulsman questiona a significância desse sistema de confrontos. Comparando este com o que ocorre nos Países Baixos, ele observa que as questões nas quais o sistema é aplicado seriam, de qualquer forma, objeto de arquivamento. Obviamente, ele ressalta que são situações que não devem ser desprezadas já que é um mecanismo legítimo de apaziguamento de conflitos, mas ainda assim, em reduzidíssima escala.
Um outro mecanismo a ser considerado é a arbitragem, no qual questões são encaminhadas diretamente a um conciliador, mesmo que seja da vontade dos envolvidos ou até mesmo por solicitação de órgãos de assistência social. Os conciliadores são treinados para intervir em situações conflituosas.
Além dessas formas de organização, há uma terceira que, no entendimento de Hulsman, é a melhor. Trata-se dos Community boards. São grupos formados por conciliadores que, por sua vez, formam grupos ad hoc (avaliadores) escolhidos pelas pessoas que solicitam a intervenção a Community Board. Essas pessoas devem ter relação próxima com os envolvidos. Hulsman cita, como exemplo, que se o problema envolve portorriquenhos e mexicanos, deve haver um membro de cada uma destas nacionalidades na comissão.
Uma das intenções nesta estratégia é agregar uma estreita proximidade da comissão com os implicados no conflito. Além disso, outra ideia não menos importante é treinar os conciliadores para “não propor soluções” e sim mediar a o processo, fazendo que as pessoas se comuniquem, ouçam umas às outras e cheguem a um denominador comum. É importante destacar que Hulsman descreve esse mecanismo mas nunca viu uma Community Board em ação, mas leu relatórios e conversou com pessoas que participam deste organismo, o que o levou a concluir que parecem funcionar bem. Um detalhe que ele cita ser importante é a rotatividade dos membros da comissão. Eles não podem permanecer por mais de dois anos e, com isso, a população está sendo treinada para a função de conciliadores. Isto traz um ganho significativo, já que a comunidade estando preparada para conciliador está, de certa forma, resolvendo seus conflitos sem atribuir responsabilidade ao sistema penal. (p.134)
56. PROXIMIDADE
O título desta seção não poderia ser mais adequado. O sistema penal, segundo Hulsman, está acorrentado burocraticamente a um “empreendimento de morte” e não à busca por uma aproximação psicológica de transformação de mentalidade em um sistema de justiça amplamente reestruturado. (p.135)
A reestruturação a qual se refere Hulsman passa pela supressão da máquina que reprime, todo juiz passaria a juiz cível ou administrativo com papel expressamente voltado para a proteção dos direitos do homem e suas garantias individuais. A sua intervenção ocorreria nos casos de interesse das partes por falha das “vias intermediárias de controle” ou por questionamento expresso delas. (p.135)
Essa proposição evitaria, também, a sobrecarga do sistema jurídico com questões particulares. Além disso, a força policial resgataria a sua vocação primeira de “agentes da paz” suportados por experiências locais significativas.
Um caso ocorrido em um bairro pobre da cidade de Dordrecht mostra para Hulsman uma situação clara de reflexão do estado de espírito que deveria se manifestar e desenvolver por toda a parte. Lá, todas as manhãs os vidros das janelas das escolas apareciam quebrados. A intervenção do Comissário foi requerida pelo Serviço da Prefeitura que diariamente recolocava os vidros danificados.
A Comissão chamou os agentes para monitorar o movimento no sentido de capturar os desordeiros, que, sabia-se tratar de jovens. Ao invés de prendê-los, um dos agentes conversou com os responsáveis pelo serviço comunitário para que fornecessem a relação de escolas atingidaspelos jovens. Com a informação em mãos, identificou a relação direta e inversa entre o número de escolas atingidas e a existência de locais de recreação. O agente concluiu, então, que para reduzir o número de janelas quebradas, é necessário implantar medidas de urbanismo.
57. O CRIME IMPOSSÍVEL 
No ponto de vista do autor, há de se considerar uma reorganização “social e legal” em especial em setores onde se identifica a reiteração dos atos nocivos.
Medidas preventivas são estabelecidas e, de fato, tendem a reduzir o número e a gravidade dos delitos. No entanto, deveria haver uma reflexão no sentido de que não só algumas espécies de crimes desapareçam. Para o Hulsman, isso também deve ocorrer para que a sua “própria ideia desapareça”. Citando o autor, “algumas reformas estruturais só são realmente viáveis quando se parte de uma nova visão sobre os vínculos interpessoais que sustentam tais estruturas”. (p.137)
Sob a ótica do abolicionismo, deve se r um objetivo político prioritário que se busque uma reorganização das estruturas jurídicas e sociais que não deixem espaço nem mesmo para o “conceito de infração”, perpassando pela revalorização do papel de cada pessoa em todos os tipos de relações interpessoais. (p.137)
58. DESDRAMATIZAR 
Historicamente, o homem foi criando maneiras diversas para resolver os conflitos. Além disso, os próprios conflitos foram tomando proporções e formas diferentes de percepção, ou seja, alguns antes inaceitáveis passam a ser encarados sob outro olhar. 
Essa “tolerância oficial”, assim chama Hulsman, não ocorre de uma hora para outra. Ao contrário, esse é um processo que normalmente é precedido da implantação de outras práticas em setores e comunidades que detém certa influência sobre o processo legislativo. Na medida em que se deseja intervenção oficial e a considerando um marco regulatório ou legal, o que Hulsman chama marco jurídico, é essencial “evitar o efeito dramático próprio do sistema penal”. (p.138)
Importante destacar que lhe é evidente, na sua perspectiva abolicionista, a influência do poder político sobre o “contexto psicológico e simbólico” onde ocorrem os fatos. (p. 138) Em ambientes de descriminalização, há maior possibilidade de desenvolver atitudes de tolerância para com comportamentos que não seguem padrões tradicionais, o que deve ampliar a capacidade de agir em situações de conflito. (p.138)
59. POR UM TECIDO VIVO 
Enfaticamente, Hulsman afirma que rejeitar a noção de crime implica no repensar a noção de “prevenção” (grifo do autor”. (p. 139)
Nesta linha de pensamento, ele refuta a noção de prevenção da delinquência compartilhada por criminólogos e governantes, que afirma combatê-la por meio de ações no âmbito econômico, urbanístico, cultural e social. Com isso, eles estariam admitindo implicitamente que o que reconhecemos como crimes e delitos hoje constituem, na verdade, “fatos imputáveis a causas complexas e coletivas”. (p.139)
Hulsman acredita que se deve ir mais além do que esse posicionamento e provocarmos mudanças de atitude. Apenas com novo olhar aos problemas de sempre é que incitamos mudanças. Ele afirma não gostar da expressão “prevenção” por entender que ela está presa a esquemas antigos e que deveríamos, isso sim, nos voltar a novas estruturas e mentalidades sociais, buscando condições para que o homem do nosso tempo possa ter condições de enfrentar e assumir suas responsabilidades.
Como alternativa, propõe que o poder político se volte para as pequenas coletividades urbanas e rurais, em detrimento do uso da força. Com isso, estimularíamos o fenômeno associativo. Com isso, “estaremos entrando num caminho mais fecundo”. (p.139)
60. RENOVAÇÃO
Para Hulsman, apenas através da abolição do sistema penal que a resolução de conflitos estará transformada desde seu interior. Esta abolição não afastaria as situações problemáticas, porém traria milhares de soluções para a resolução destes impasses, já que haveria mais autonomia para chegar em uma elucidação.
“Se afasto do meu jardim os obstáculos que impedem o sol e a água de fertilizar a terra, logo surgirão plantas de cuja existência eu sequer suspeitava. Da mesma forma, o desaparecimento do sistema punitivo estatal abrirá, num convívio mais saio e mais dinâmico, os caminhos de uma nova justiça.” (p.140)
POSFÁCIO
O pensador Louk Hulsman inseriu o posfácio citando alguns elementos considerados destaque por mele em sua obra e, em especial, por acontecimentos em debates promovidos sobre o abolicionismo ocorridos especialmente na América Latina.
Introdução
Hulsman aborda nesse posfácio alguns avanços sobre a justiça criminal, os quais serão: como se desenvolveu a criminalização no mundo central, o que aconteceu com os debates sobre a criminologia e a política criminal e como o abolicionismo aconteceu, especialmente na América Latina.
O movimento abolicionista organiza duas vezes por ano, desde 1983, uma conferência internacional (a ICOPA). A conferência foi realizada pela primeira vez na América Latina, em São José na Costa Rica. Este encontro começou com um seminário que introduzia o abolicionismo ao público num painel apresentado por Ruth Morris, Mônica Plaket e Hulsman.
O autor preparou no seminário um material abrangente sobre o abolicionismo destacando sua posição sobre as “alternativas”, que irá ser explicado na segunda e última parte deste posfácio.
Seu colega e amigo Juan Bastos Ramirez, escreveu um prólogo para o livro “La abolición del Sistema Peñal” de Mauricio Martinez, e questiona se esse programa que o abolicionismo propõe, no lugar da justiça criminal, é real.
De acordo com Focault, na definição dos acadêmicos sobre estes assuntos, o papel do “profeta-intelectual” consiste em dizer às pessoas o que elas têm que fazer, e lhes determinar os moldes de pensamento, objetivos e meios. Ao invés disso, o papel do acadêmico é: (a) mostrar como as instituições realmente funcionam; (b) quais são as consequências do seu funcionamento nos diferentes segmentos da sociedade, que ainda precisa ser desvendada; (c) os sistemas de pensamento que sustentam essas instituições e suas práticas; (d) deve trabalhar em conjunto com os diretamente envolvidos e com profissionais.
Mas, os novos programas só podem ser desenvolvidos localmente junto com os envolvidos diretamente e os praticantes. Antes que alguém possa começar a cooperar para desenvolver nos programas, esta pessoa tem que se libertar da ideia de que situações criminalizáveis extremamente diversas têm algo em comum. Alguém tem que redefinir cada campo problemático, unir independentemente das definições da justiça penal. Tal redefinição nesse campo frequentemente mostrará que uma mudança estrutural se faz necessária para influenciar, de maneira sensível. 
Capítulo I. Desenvolvimento da justiça criminal desde 1982
1. Criminalização e os debates sobre criminologia e política criminal
Em muitos países do mundo central, temos visto um desenvolvimento explosivo da justiça criminal desde 1982, as fontes tem sido transferidas para este sistema e mais particularmente as formas rígidas apresentam crescimento mais rápido. No discurso oficial o aumento das atividades da justiça criminal e da população carcerária está geralmente apresentado como uma resposta para o crescimento do crime.
O presente crescimento nas atividades da justiça criminal é em muitos países um argumento forte para uma abordagem abolicionista. Mais interessantes são os desenvolvimentos realizados nos debates sobre criminologia. Tomemos como um indicador os três congressos mundiais da sociedade de criminologia. No congresso de Viena em 1983, a conferência de Hamburgo em 1988 e a conferência de Budapeste que ocorreu em agosto de 1993.
2. No desenvolvimento do abolicionismo 
São organizadas duas vezes ao ano uma conferência abolicionista internacional, neste estudo trata-se da questão de que até que ponto a criminologia crítica influencia os assuntos que não estão na agenda da política oficial do crime do momento, é feito uma distinção entre três formas de criminologia crítica atuantes,

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