Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
A mistura é uma operação unitária bastante empregada em processos de produção de medicamentos, seja em escala magistral ou industrial, e consiste da combinação de dois ou mais componentes de uma formulação. Os componentes sólidos, inicialmente estarão totalmente (ou parcialmente) segregados, e após o processo, essas unidades dos componentes (sejam partículas ou grânulos) deverão estar uniformemente distribuídos no material resultante. A mistura é uma das etapas mais importantes da produção de sólidos em geral, como por exemplo os pós farmacêuticos, grânulos, cápsulas e comprimidos, sendo considerada um ponto crítico do processo de produção. Um problema na mistura pode resultar em medicamentos com problemas de uniformidade no conteúdo, variações no peso médio, podendo gerar riscos sérios ao paciente. Para ilustrar o processo, vamos analisar as imagens abaixo. O primeiro quadro (a) refere-se a dois componentes hipotéticos (cubos coloridos brancos e cinzas) segregados, presentes em quantidades iguais, com partículas de tamanhos iguais e densidades iguais. O segundo quadro (b) ilustra o processo de mistura ideal. Nele, pode- se perceber que os componentes encontram-se homogeneamente distribuídos de forma perfeita na mistura. Esse processo é muito improvável de ser obtido na prática (na verdade é quase impossível), e em função disto, o grau de mistura de sólidos convencionalmente utilizado na prática refere-se à mistura denominada aleatória (c), em que a probabilidade de selecionar um tipo de partícula é a mesma em todos os pontos da mistura, e igual à proporção em que o dado constituinte entra na mistura, como ilustrado no terceiro quadro. Mistura de sólidos Mecanismos de mistura O processo de mistura pode ocorrer através dos mecanismos de cisalhamento, convecção e difusão. Cisalhamento: o processo de mistura se dá através da geração de camadas de deslocamento dos pós que se sobrepõe conforme o decorrer do procedimento. É uma técnica que permite deslocamento de grande quantidade de material, promovido pela alteração na posição do equipamento. Convecção: movimento de grupos grandes de sólidos de uma parte do misturador para outra através da utilização de lâminas, pás, parafuso helicoidal. Consegue atingir elevado grau de mistura de forma rápida. Entretanto, pelo fato de as partículas migrarem de local em conjunto, o mecanismo não é muito eficiente para mistura dentro do mesmo grupo de partículas. Difusão: movimento individual das partículas. Pode ser simplesmente pelo desabamento das partículas para ocupar os espaços vazios do equipamento ou por ação eletrostática das cargas de superfície das partículas. É necessário que ocorra dilatação do leito de pós para que as partículas isoladas consigam se difundir pelo leito de pós. A velocidade do processo de mistura acaba sendo mais lento do que os demais mencionados acima. É aceito normalmente que a mistura de sólidos se dá pela combinação de um ou mais destes mecanismos. Entretanto, o mecanismo predominante será determinado considerando o tipo de equipamento, as características do processo (como por exemplo a carga e a velocidade), e as características dos sólidos (forma, tamanho, densidade, etc.). Segregação de pós O principal problema relatado com mistura de sólidos é relacionado à possibilidade de segregação das partículas durante e após a etapa da operação. As partículas tendem a se segregar em função das diferenças nas características de tamanho, densidade, forma e a características inerentes a sua constituição. As variações fazem com que os sólidos com características parecidas tenham movimentos parecidos no leito de pós, criando microrregiões para sólidos com características parecidas, levando à segregação. A segregação poderá ter por consequências a elevada variação de peso e/ou conteúdo nas amostras retiradas. Dentre os parâmetros que influenciam a segregação, abordaremos a influência do tamanho, densidade e forma da partícula no processo de mistura/segregação. Tamanho das partículas A principal causa de segregação em pós se dá em função das diferenças de tamanho das partículas. As partículas com tamanho reduzido possuem maior facilidade em ocupar espaços entre as partículas maiores, o que gera o aumento da quantidade no fundo da mistura, em um processo chamado segregação por percolação. A percolação pode ocorrer em repouso, pela reorganização das partículas após o processo de mistura, ou quando ocorre algum tio de perturbação no sistema, como por exemplo por uma vibração ou agitação no equipamento, ou ainda quando existe a transferência do material misturado para outro equipamento (como por exemplo um granulador, uma encapsuladora ou compressora). Outro tipo de segregação em função do tamanho pode ocorrer é a chamada segregação de trajetória, que se dá pela possibilidade de deslocamento maior de partículas de maior tamanho comparada às de menor tamanho, visto que o fato de possuírem massa maior faz com que tenham maior energia cinética. Geralmente quando verte-se mistura de partículas de tamanhos diferentes em um recipiente, observa-se uma grande proporção de partículas de maior tamanho nas bordas do equipamento, enquanto as de menor tamanho permanecem em maior proporção no centro. Pode ocorrer também a chamada segregação por elutriação, que é a formação de uma camada de pó na superfície do leito de partículas pela sedimentação das partículas que estavam suspensas no ar. Densidade e fluxo Densidade: As partículas de maior densidade possuem tendência a se deslocar para a parte inferior do equipamento, visto a influência da gravidade. Entretanto, deve ser considerado o parâmetro de tamanho em conjunto para verificar se o efeito da densidade potencializará a segregação, ou se possivelmente anulará o efeito. Fluxo: O bom fluxo apresentado por um determinado pó, em geral, indica que este pode ser mais propício a sofrer segregação e isto se deve, prioritariamente, em função da menor coesividade que estes apresentam. Partículas esféricas são menos coesivas e possuem melhor fluxo, e com isso, conseguem se misturar de forma mais rápida, mas também podem segregar de forma mais fácil. Equipamentos que possuem mecanismo por cisalhamento como o predominante são bastante úteis para mistura de sólidos com boas propriedades de fluxo. Já as partículas não-esféricas são mais coesivas em função da sua elevada área superficial. Não são facilmente misturados, apresentando a tendencia de formar aglomerados. A coesividade é influenciada, além do formato das partículas, pela polaridade superficial, carga superficial e adsorção de substâncias pelo sólido. Equipamentos que possuem a convecção como o mecanismo predominante são bastante empregados para mistura de sólidos com propriedades de fluxo ruins. Técnicas de mistura em laboratórios magistrais A mistura de sólidos realizada em escala magistral costuma ser realizada utilizando as técnicas de trituração, espatulação ou equipamentos misturadores. A técnica de trituração é realizada através da utilização de gral e pistilo. Geralmente são realizados movimentos do centro para as paredes do gral. É uma técnica interessante, capaz de promover a mistura do material, bem como a redução do tamanho das partículas. Para a realização das operações de mistura de pós em gral e pistilo, costuma ser indicado o processo de diluição geométrica. Através desse método, o fármaco é misturado com uma quantidade próxima de excipiente. Após o primeiro processo de mistura, uma segunda porção de sólidos é adicionada e realizado novamente o processo. O processo é repetido com a adição de quantidades iguais de pós ao que consta no gral até que todo o pó esteja devidamente misturado. A técnica de espatulação é realizada para mistura de pequenas quantidades de pós, sendo realizada uma espátula farmacêutica e placa de mármore sobre a bancada. A técnica não é adequadapara fármacos potentes, pois não é assegurada a homogeneidade da mistura resultante. De acordo com o Formulário Nacional da Farmacopeia Brasileira 2º Edição (2012), são recomendadas as seguintes técnicas visando uma melhor homogeneidade no processo de mistura de sólidos: ♥ Devem ser misturados pós com tenuidades semelhantes e, caso preciso, deverá haver operação de trituração e tamisação para homogeneizar o tamanho de partícula; ♥ A mistura deve ser iniciada com o pó de menor quantidade na formulação, com os outros componentes sendo adicionados em ordem crescente de quantidade; ♥ Pode ser utilizado um corante permitido como indicador do grau de mistura quando houver necessidade de misturar fármacos em pequena quantidade com uma massa de excipiente elevada; ♥ Ainda no caso anterior, deve ser adotado o princípio da diluição geométrica para promover a mistura dos componentes; ♥ Os pós misturados devem ter tamanho calibrado (passar em tamis). Equipamentos de mistura Misturadores de volteadura São equipamentos de mistura que giram em torno do próprio eixo, a uma determinada velocidade. Conforme a rotação do equipamento, são criadas regiões de deslizamento em camadas com os sólidos, fazendo com que haja mistura através do mecanismo predominante de cisalhamento. Além disso, com a rotação ocorre dilatação do leito de partículas, fazendo com que seja possível a mistura através de difusão. http://antigo.anvisa.gov.br/documents/33832/259372/FNFB+2_Revisao_2_COFAR_setembro_2012_atual.pdf/20eb2969-57a9-46e2-8c3b-6d79dccf0741 Esse tipo de equipamento não é indicado para sólidos de tamanhos diferentes (podendo causar segregação após o processo), nem para sólidos muito coesos ou com fluxo ruim, pois o mecanismo de cisalhamento não é capaz de desfazer aglomerados de partículas. Existe uma grande diversidade em formatos dos misturadores deste tipo, com formato por exemplo em “V”, em “Y”, duplo cone, cúbico, oblíquo. Quanto mais assimétrica for a geometria do misturador, maior serão os planos para os quais as partículas se deslocarão e mais eficiente será a mistura. Alguns misturadores possuem palhetas rotativas e chicanas, fazendo com que, além da mistura ser realizada através dos mecanismos mencionados acima, pode ocorrer mistura por convecção. A velocidade convencional de rotação dos equipamentos de volteadura costuma variar entre 30 e 100 rpm. Caso a velocidade seja elevada, a força centrífuga sob as partículas fará com que elas sejam direcionadas às paredes do equipamento. Caso a velocidade esteja baixa, não serão formadas camadas de deslizamento capazes de misturar os sólidos. Vale lembrar que o método de mistura de sólido para produção industrial de medicamentos deve ser validada. Outro parâmetro muito importante para um processo de mistura adequado é o ajuste da quantidade de sólidos a serem misturados. Usualmente os sólidos devem ocupar o máximo de 2/3 do volume total do misturador. A utilização de quantidades acima desta também irá prejudicar a formação das camadas de deslizamento, bem como a dilatação do leito de pós (para que ocorra a difusão das partículas). Misturador-granulador de alta velocidade São equipamentos capazes de misturar sólidos e granular em um único equipamento, reduzindo, dessa forma, a possibilidade de segregação por não haver mudança de equipamentos entre as operações de mistura e granulação, simplificando o processo de produção. Misturadores de agitação São equipamentos que utilizam pás para promover a mistura de grupos de partículas. O principal mecanismo envolvido no processo é de mistura por convecção, sendo de grande utilidade para sólidos com propriedades de fluxo ruins, além de promover menor possibilidade de segregação. Avaliação do grau de mistura A ferramenta de avaliação do processo se dá através do índice de grau de mistura, que, além de conseguir informar numericamente o grau/extensão da mistura, tem capacidade de acompanhar o processo de mistura, determinar quando o processo de mistura chegou a nível considerado adequado, avaliar a eficiência do misturador, e estabelecer tempo de mistura apropriado para a produção de determinado medicamento. Existem alguns modelos matemáticos que descrevem o índice de mistura (M). O mais usual considera o desvio-padrão do conteúdo das amostras retiradas do equipamento (SACT) com o desvio-padrão do conteúdo da amostra de uma mistura aleatória calculada de forma teórica (SR). 𝑀 = 𝑆𝑅 𝑆𝐴𝐶𝑇 Nota-se que no início do processo de mistura o desvio-padrão da mistura (SACT) poderá ser bastante elevado, e conforme o aumento do tempo da operação (ou número de rotações do equipamento), o valor tenderá a reduzir, até que se iguale ao desvio- padrão do conteúdo da amostra calculado de forma teórica (SR). Nesse momento (M = 1) a mistura será considerada aleatória. Vale destacar que a forma da curva de desvio-padrão da amostra dependerá das propriedades dos pós, bem como do misturador a ser utilizado. Em caso de mistura de pós com características segregáveis, deve ser considerado o intervalo de tempo capaz de fornecer mistura adequada, bem como o intervalo de tempo ótimo da mistura, conforme a figura abaixo. O valor a ser utilizado na amostragem para o cálculo do índice de mistura será o de dose unitária na mistura, que é o valor que dará a garantia de que, após o processo de mistura, o material subdividido (em grânulos, cápsulas, comprimidos, por exemplo) terá a dosagem dentro dos limites de variação aceitáveis pelos compêndios oficiais nas unidades produzidas. As amostras são retiradas de diversos locais do equipamento e a metodologia validada. Incompatibilidades Durante o processo de mistura de sólidos podem ocorrer situações de incompatibilidades entre as substâncias. As de maior importância são a mistura eutética e a mistura explosiva. Mistura eutética é um tipo de incompatibilidade entre substâncias sólidas que, ao se misturarem, ocasionam o abaixamento do ponto de fusão das substâncias, fazendo com que ambas liquefaçam ou formem uma pasta. Observe atentamente o gráfico abaixo de temperatura x composição para dois sólidos (A e B). Podem ser observados os limites entre as fases líquida e sólida, bem como o ponto eutético (E) da mistura. Substâncias que podem formar misturas eutéticas Ácido acetilsalicílico Fenol Ácido salicílico Hidrato de cloral Aminopirina Mentol Antipirina B-naftol Benzocaína Resorcina Cânfora Timol Para contornar essa situação, uma alternativa bastante empregada é a adição à mistura das substâncias incompatíveis de substâncias absorventes de ponto de fusão elevado. Substâncias absorventes Amido Fosfato tricálcilo Carbonato de magnésio Lactose Caulim Óxido de magnésio Dióxido de silício coloidal Talco Fosfato de cálcio Ao triturar substâncias oxidantes fortes com redutores fortes utilizando gral e pistilo, pode ocorrer formação de mistura explosiva, que é outro tipo de incompatibilidade farmacêutica. Agentes oxidantes Agentes redutores Ácido nítrico Glicerina Bromo Taninos Cromatos Óleos essenciais Iodo Tiossulfatos Nitrato de potássio Enxofre Nitritos Iodetos Peróxidos Enxofre Sais de prata Sulfitos
Compartilhar