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ENSINO DA PESSOA COM ALTAS HABILIDADES/ SUPERDOTAÇÃO Rosana Torma Miranda Cabral Altas habilidades/ superdotação: conceito Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Descrever como se construiu o conceito de altas habilidades/ superdotação. Identificar mitos relacionados às pessoas com altas habilidades/ superdotação. Reconhecer os alunos com altas habilidades/superdotação no campo da educação inclusiva. Introdução As discussões a respeito das altas habilidades/superdotação (AH/SD) envolvem curiosidade, mitos, desconhecimento, incompreensão, incer- tezas e contradições. Os escassos investimentos em pesquisas resumem a dificuldade em desenvolver profissionais para essa área do conheci- mento. Para que esses estudos possam obter a devida atenção, é preciso compreender o significado e as mudanças dessa temática ao longo do tempo. Longe de oferecer uma única perspectiva sobre o tema, este capítulo tem como objetivo fomentar a discussão, fazendo com que você se sinta envolvido a debater e discutir essa condição. Nesse capítulo, você vai estudar o conceito de altas habilidades/ superdotação, acompanhando sua construção ao longo da história e os mitos relacionados ao tema. Além disso, você vai conferir como re- conhecer os alunos com altas habilidades/superdotação no campo da educação inclusiva. 1 Histórico de altas habilidades/superdotação Caracterizadas pela elevada potencialidade de aptidões, talentos e habilidades, as AH/SD têm como característica principal o alto desempenho em diversas áreas do conhecimento, o que inclui matemática, artes e literatura. A capacidade psicomotora e intelectual destes indivíduos com extraordinárias aptidões faz com que se diferenciem dos demais. A temática é alvo de discussões em diversas áreas, incluindo no cinema. O filme O contador (2016) é um dos exemplos mais recentes de como a indústria cinematográfica aborda o tema. Apesar de ser essencialmente um suspense de ação, que mescla espionagem e ciberterrorismo, o filme apresenta um contador, Christian Wolff, que possui autismo associado às AH/SD. Em sua jornada, é possível perceber a busca pela perfeição em tudo o que faz, uma obsessão por concluir qualquer atividade iniciada, seja qual for. Essa condição dá ao personagem extrema habilidade para lidar com números, fazendo com que preste serviços de contabilidade fiscal para organizações criminosas e megacorporações ao redor do mundo. Suas habilidades matemáticas ao mesmo tempo que surpreendem seus clientes (nem sempre tão ortodoxos), não são suficientes para minimizar o sofrimento do personagem pela dificuldade de interação social. E esse é um dos pontos mais importantes evidenciados pelo filme: como lidamos com pessoas nessa condição? Esse texto não pretende responder essa problemática evidenciada, mas suscitar outros questionamentos e provocações a respeito de habilidades pe- culiares que acabam não recebendo a devida atenção, principalmente pelo fato de não serem de conhecimento da grande maioria da sociedade. Falar de AH/SD ainda é novo, uma área que demanda estudo, compreensão e diálogo nos mais diversos ambientes. Sejam acadêmicos sejam culturais, precisamos fomentar cada vez mais esse debate. O Ministério da Educação (MEC) publicou uma cartilha específica para orientar profissionais que trabalham com alunos com AH/SD (BRASIL, 2008). O MEC vem implementando ações focadas no atendimento educacio- nal especializado (AEE), o que inclui sujeitos com AH/SD. Este grupo é o público-alvo da educação especial e precisa que suas especificidades sejam percebidas, valorizadas e estimuladas. São considerados superdotados todos os alunos que apresentam um notável desempenho ou elevada potencialidade em qualquer dos aspectos a seguir: “[…] capacidade intelectual, aptidão acadêmica ou específica (por exemplo, aptidão matemática), pensamento criativo e produtivo, capacidade de liderança, talento para artes visuais, artes dramáticas e música e capacidade psicomotora” Altas habilidades/superdotação: conceito2 (FLEITH, 2006, p. 12). A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008, documento on-line) compreende que os alunos com AH/SD: “[…] demonstram potencial elevado em qualquer uma das seguintes áreas, isoladas ou combinadas: intelectual, acadêmicas, liderança, psicomotricidade e artes. Também apresentam elevada criatividade, grande envolvimento na aprendizagem, realização de tarefas em áreas de seu interesse.” O termo altas habilidades/superdotação surge com essa definição em 1994 com a Política Nacional de Educação Especial. Entretanto, não é incomum encontrar na literatura diversas nomenclaturas, como supernormais, bem- -dotados, talentosos, dotados até chegar na nomenclatura atual. Foi em 2001, com a Resolução CNE/CEB nº 2 e com as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, as AH/SD passaram a ser consideradas caracte- rísticas de sujeitos com “[…] grande facilidade de aprendizagem, que os leve a dominar rapidamente conceitos, procedimentos e atitudes” (BRASIL, 2001, p. 2). AH/SD e síndrome de savant não são sinônimos. Na síndrome de savant, a principal característica é uma habilidade excepcional em determinada área com deficit intelectual em outras áreas. A síndrome de savant é um distúrbio psiquiátrico relacionado a um desiquilíbrio no intelecto do sujeito e pode ser encontrada em alguns casos clínicos de autismo. 2 Mitos e verdades relacionados aos sujeitos com altas habilidades/superdotação Atualmente, encontramos ainda muitos mitos em nossa sociedade, em sua grande totalidade pela falta de conhecimento e estudo. Guenther (2006) afi rma que a difi culdade não está na negação da existência dos sujeitos com AH/SD, mas sim em como perceber isso efetivamente nas pessoas. A seguir estão alguns desses mitos: são perfeitos em tudo; possuem uma habilidade precoce; têm QI superior ao dos demais; 3Altas habilidades/superdotação: conceito nunca precisam de ajuda, pois têm talento excepcional; têm condição econômica privilegiada; são mimados, fazem tudo de forma habilidosa para chamar atenção; são alunos nota 10 em todas as áreas do currículo; são precoces em tudo desde a tenra idade (andar, falar, ler); não precisam de AEE; realizam todas as tarefas sozinhos, nunca pedem ajuda, pois têm pen- samento acelerado, rápido e eficaz. Olhar apenas para os mitos gera uma expectativa muito alta em relação ao aluno nessa condição, o que pode gerar também grande estresse e, consequen- temente, desmotivação para enfrentar as situações. Isso porque a exigência em relação a eles acaba sendo extraordinária e pode acarretar frustração e isolamento. O mito é considerado algo imaginário, sem nenhum embasamento teórico ou científico. Por isso, para compreender as pessoas com AH/SD, devemos nos voltar aos estudos científicos sobre o tema. Alguns materiais, baseados em pesquisas científicas, são construídos a fim de auxiliar os profissionais que trabalham com alunos com AH/SD, como é o caso dos Saberes e práticas da inclusão: desenvolvendo competências para o atendimento às necessidades educacionais especiais de alunos com altas habilidades/superdotação (BRA- SIL, 2006). A seguir estão listadas algumas das características mais evidentes em alunos com AH/SD, de acordo com esse material do MEC (BRASIL, 2006). Grande curiosidade a respeito de objetos, situações ou eventos, com envolvimento em muitos tipos de atividades exploratórias. Iniciativa, tendência a iniciar as atividades, buscando saciar seus in- teresses individuais. Originalidade de expressão oral e escrita, com produção constante de respostas diferentes e ideias não estereotipadas. Talento incomum para expressão em artes, como música, dança, teatro, desenho e outras. Habilidade para apresentar alternativas de soluções com flexibilidade de pensamento. Capacidade de enriquecimento com situações-problema, de seleção de respostas, de busca de soluções para problemas difíceis ou complexos. Capacidade para usar o conhecimento e as informações na busca de novas associações, combinando elementos, ideias e experiências de forma peculiar. Altas habilidades/superdotação: conceito4 Capacidade de julgamento e avaliação superiores, ponderação e busca de respostas lógicas, percepção de implicações e consequências, facilidade para tomar decisões. Produção de ideias e respostas variadas, gosto pelo aperfeiçoamento das soluções encontradas. Aprendizado rápido, fácil e eficiente, principalmente no campo de sua habilidade e interesse. Ao contrário do que possa parecer ao senso comum, pessoas com AH/ SD não pertencem a um grupo homogêneo formado por pessoas de capa- cidade sobrenatural: “Na verdade, trata-se de um grupo heterogêneo, com características diferentes e habilidades diversificadas; diferem uns dos outros também por seus interesses, estilos de aprendizagem, níveis de motivação e de autoconceito, características de personalidade e principalmente por suas necessidades educacionais” (VIRGOLIM, 2007, p. 11). Grandes nomes da música, da arte e da ciência eram pessoas com AH/SD. Mozart, por exemplo, entre os 5 e os 16 anos de idade, compôs mais de 140 obras musicais de vários gêneros. Leonardo da Vinci era conhecido principalmente por suas telas enigmáticas, como o famoso quadro da Monalisa. Além disso, na Idade Média, rascunhou protótipos de veículos modernos, como submarino e helicóptero, que seriam desenvolvidos somente séculos depois de sua morte. Nessa lista, ainda podemos citar nomes como Albert Einstein e Isaac Newton. 3 Altas habilidades/superdotação e processos interativos de inclusão Alvo de diversas discussões, o conceito de inteligência vem sofrendo algumas reformulações nos últimos tempos. Em algumas culturas, a inteligência é vista como o pensar, o abstrair e o processar da informação. Na maioria das vezes, a inteligência humana é compreendida como a capacidade intelectual de pensar, equivalente à racionalidade, uma manifestação humana que nos diferencia dos demais entes do mundo. A pessoa com AH/SD tem sido defi nida 5Altas habilidades/superdotação: conceito como mais inteligente em relação à média. Por isso, os estudos nessa área de conhecimento estão intimamente relacionados às pesquisas sobre inteligência. A identificação de AH/SD não se baseia em dados absolutos, pois não existem parâmetros pré-estabelecidos para um diagnóstico definitivo. As medidas mais precisas apontam prognósticos em função da complexidade e do envolvimento de diversas variáveis, entre as quais pode ou não existir uma habilidade. Com o objetivo de identificar alunos com AH/SD, em 2006, o MEC dis- ponibilizou um modelo de sondagem inicial, um material que possibilita que docentes identifiquem algumas características dos alunos com essa condição (BRASIL, 2006). Esse recurso, no entanto, não deve ser considerado um instrumento avaliativo, mas sim um mecanismo para embasar o encaminha- mento desse sujeito a uma avaliação mais detalhada e criteriosa. Essa fase pode ser realizada com testagens específicas de inteligência, que é o caso do psicólogo, por exemplo. É fundamental que os professores reconheçam as características dos sujeitos com AH/SD para encaminhá-los a uma avaliação específica. A confirmação facilitará as estratégias de aprendizagem a serem adotadas na escola. Nos Parâmetros Curriculares Nacionais, podemos encontrar diversas carac- terísticas: alto grau de curiosidade, memória elevada, atenção concentrada, per- sistência, independência, autonomia, liderança, iniciativa, vocabulário avançado para a idade, riqueza de expressão verbal, responsabilidade (BRASIL, 2006). Como agente social, a escola deve oferecer estímulos e orientações a fim de que todos os alunos possam se desenvolver de forma plena, propiciando um ambiente acolhedor, que compreenda e saiba atuar com as diferenças, além de potencializar as especificidades de cada um. Uma das tarefas do professor é estimular os talentos, o pensamento crítico e a reflexão, permitindo que o aluno possa demonstrar suas opiniões, desejos e preferências e desenvolva cada vez mais suas capacidades. Pensar nas AH/SD e os processos interativos é pensar em todo o cenário onde o educando transita. Por não ser uma habilidade muito comum, muitos profissionais não sabem como atuar com alunos com habilidades acima da Altas habilidades/superdotação: conceito6 média. É compreensível que o desconhecido provoque incertezas, dúvidas ou medos com relação a prática docente. No entanto, esse fato não pode ser um limitador para a busca de orientação e formação específica. Os estudos de Branco et al. (2017) revelam um olhar muito apurado com o cenário educacional, em especial no que se refere ao cuidado e preparo tanto da escola quanto dos docentes, sendo fundamental nesse processo inclusivo. As autoras afirmam: As AH/SD não é tema novo, muito menos atual. No entanto, para que esses alunos possam ser identificados e atendidos no contexto escolar, há que se promover mecanismos técnicos e científicos que rompam e desmistifiquem as crenças errôneas voltadas para modelos únicos, padronizados e estereotipados do funcionamento cognitivo, social, emocional e educacional desse segmento populacional. A garantia de direitos aos alunos com AH/SD deve estar funda- mentada no princípio da diversidade humana, com vistas a oferecer políticas que visem ao respeito pela singularidade e ao desenvolvimento desse alunado. E, é por meio do que preconizam as políticas que essa população começa a ganhar visibilidade e destaque nas ações a serem contempladas junto a esse campo de diversidade (BRANCO et al., 2017, p. 37). A discussão que envolve as AH/SD não é nova. Ao logo do tempo e das múltiplas ressignificações da temática, o entendimento para as habilidades foi sendo aprimorado. O olhar do profissional com base em estudos, pesqui- sas e formação na educação especial foi sendo mais apurado para perceber talentos além do esperado para a faixa etária. A partir daí, investiu-se mais em um atendimento educacional de qualidade para garantir o direito do pleno desenvolvimento dos alunos. Segundo Virgolim (2007), habilidade superior, precocidade, prodígio, genialidade e superdotação são gradações de um mesmo fenômeno. Confira nos links a seguir algumas leituras e discussões sobre a inclusão de alunos com AH/SD. https://qrgo.page.link/xAVFG https://qrgo.page.link/tnLph 7Altas habilidades/superdotação: conceito BRANCO, A. P. et al. Breve histórico acerca das altas habilidades/superdotação: políticas e instrumentos para a identificação. Revista Educação, v. 7, n. 2, p. 23-41, jan./jun. 2017. Disponível em: http://www.ppgees.ufscar.br/documentos/breve-historico-artigo. Acesso em: 19 fev. 2020. BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Especial. Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Brasília: MEC/SEESP, 2008. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/politicaeducespecial.pdf. Acesso em: 19 fev. 2020. BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Básica. Resolução CNE/CEB n. 2, de 11 de setembro de 2001. Institui Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica. Brasília, DF, 2001. Disponível em: http:// portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CEB0201.pdf. Acesso em: 19 fev. 2020. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Saberes e práticas da inclusão: desenvolvendo competências para o atendimento às necessidades educa- cionais especiais de alunos com altas habilidades/superdotação. 2. ed. Brasília: MEC/ Secretaria de Educação Especial, 2006. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seesp/ arquivos/pdf/altashabilidades.pdf. Acesso em: 19 fev. 2020. FLEITH, D. S. Educação infantil: saberese práticas da inclusão: altas habilidade/super- dotação. 4. ed. Brasília: MEC/Secretaria de Educação Especial, 2006. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/superdotacao.pdf. Acesso em: 19 fev. 2020. GUENTHER, Z. C. Capacidade e talento: um programa para a escola. São Paulo: EPU, 2006. O CONTADOR. Direção: Gavin O’Connor. Produção: Mark Williams e Lynette Howell Taylor. Intérpretes: Bem Affleck, Anna Kendrick, J. K. Simmons, Jon Bernthal, Jeffrey Tambor e John Lithgow. Roteiro: Bill Dubuque. Los Angeles: Warner Bross, 2016. 1 disco blu-ray (127 min). VIRGOLIM, A. M. R. Altas habilidades/superdotação: encorajando potenciais. Brasília: MEC/Secretaria de Educação Especial, 2007. Leitura recomendada MANI, E. M. J. Altas habilidades ou superdotação: políticas públicas e atendimento edu- cacional em uma diretoria de ensino paulista. São Carlos: UFScar, 2015. Disponível em: https://repositorio.ufscar.br/bitstream/handle/ufscar/7824/DissEMJM.pdf?sequence=1. Acesso em: 19 fev. 2020. Altas habilidades/superdotação: conceito8 Os links para sites da web fornecidos neste capítulo foram todos testados, e seu fun- cionamento foi comprovado no momento da publicação do material. No entanto, a rede é extremamente dinâmica; suas páginas estão constantemente mudando de local e conteúdo. Assim, os editores declaram não ter qualquer responsabilidade sobre qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links. 9Altas habilidades/superdotação: conceito
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