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SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................ 4 2 DESCREVENDO SOBRE “ALFABETIZAÇÃO” E “LETRAMENTO” ........... 5 2.1 O que é letramento? ............................................................................. 8 2.2 Sociedade letrada/sujeito letrado ......................................................... 9 2.3 Alfabetizar letrado .............................................................................. 10 3 O PAPEL DO EDUCADOR NO LETRAMENTO ....................................... 11 3.1 Por que surgiu a palavra letramento? ................................................ 14 3.2 Como diferenciar o apenas alfabetizado do letrado? ......................... 16 3.3 O foco nas capacidades linguísticas da alfabetização ....................... 17 3.4 Uma questão terminológica ................................................................ 18 3.5 Os eixos ............................................................................................. 20 4 LÍNGUA E ENSINO DE LÍNGUA .............................................................. 22 4.1 Alfabetização ...................................................................................... 23 4.2 Letramento ......................................................................................... 24 5 ENSINO DA LÍNGUA ESCRITA ............................................................... 26 6 CAPACIDADES ........................................................................................ 32 6.1 Compreensão e Valorização da Cultura Escrita ................................. 32 6.2 Apropriação Do Sistema De Escrita ................................................... 33 7 Leitura ....................................................................................................... 34 7.1 Produção Escrita ................................................................................ 35 7.2 Desenvolvimento da Oralidade .......................................................... 36 8 ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO ESCOLAR E LETRAMENTO .............. 38 9 ATIVIDADES PERMANENTES ................................................................ 42 10 PROJETOS DIDÁTICOS ....................................................................... 45 11 ATIVIDADES SEQUENCIAIS ................................................................ 48 12 ATIVIDADES ESPORÁDICAS............................................................... 51 Jogos: ............................................................................................................. 53 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................... 58 BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR ................................................................ 60 4 1 INTRODUÇÃO Prezado aluno! O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos! 5 2 DESCREVENDO SOBRE “ALFABETIZAÇÃO” E “LETRAMENTO” Fonte: www.wp-content.com.br É sabido que uma das maiores riquezas de um país é a educação do seu povo e que uma boa educação começa nas séries iniciais com uma alfabetização de qualidade. Porém, processo de alfabetização inicial na maioria das escolas brasileiras muitas vezes tem tido como resultado o insucesso e uma defasagem muito grande, prejudicando a aprendizagem dos alunos que saem das séries iniciais do ensino fundamental. A realidade é que as escolas brasileiras, de modo geral, formam alunos que mal conseguem ler e escrever, que não sabem ao menos interpretar e produzir pequenos textos. Estudando a origem da alfabetização é possível constatar que devido às necessidades da comunicação do dia a dia da humanidade é que surgiu a escrita e a leitura, e que ao inventar a escrita, o homem também fez surgir a necessidade de que ela continuasse a ser usada e passada para as novas gerações. Devido a essa necessidade surgiu à alfabetização, ou seja, processo inicial de transmissão de leitura e escrita. Com relação à necessidade do surgimento da escrita para o dia a dia da humanidade, Cagliari (1998, p. 14, apud MARTINS, 2012, p.3) confirma que: De acordo com os fatos comprovados historicamente, a escrita surgiu do sistema de contagem feito com marcas em cajados ou ossos, e usados 6 provavelmente para contar o gado, numa época em que o homem já possuía rebanhos e domesticava os animais. Esses registros passaram a ser usados nas trocas e vendas, representando a quantidade de animais ou de produtos negociados. Para isso, além dos números, era preciso inventar os símbolos para os produtos e para os proprietários. O professor canadense Serge Wagner, em 1990, apresenta-nos conceitos muito interessantes, pois acompanham o termo “alfabetização” e tecem sentidos a este, refinando-o e, por isso, permitem trabalhos mais precisos junto com minoria linguística no âmbito do ensino, da pesquisa e da extensão. São eles: “analfabetismo de minorias”; “analfabetismo de opressão”; “analfabetismo de resistência”; e “alfabetização de afirmação nacional”. Para compreendermos as suas definições, é importante levarmos em consideração como este autor define “minoria linguística”, pela sua composição, a saber: Povos aborígenes: grupo de pessoas que se encontram no local há muito tempo e que podem ser considerados os “primeiros” habitantes da terra: indígenas no Brasil. Minorias estáveis: grupos que se estabelecem no local há muito tempo e que mantêm certas diferenças com a população local: Catalães na Espanha. Novas Minorias: grupos recém-chegados na nova localidade, chamados também de migrantes: nordestinos em São Paulo. Para Wagner (1990), quando uma minoria linguística se vê em contato com uma língua majoritária, dominante em determinado local, existem duas formas de manifestação do “analfabetismo”: o “analfabetismo de opressão” ou o “analfabetismo de resistência”. Este é uma reação de um grupo de pessoas, que recusa o processo de assimilação, ou, ainda, de aculturação proposto. Pontuamos que está “recusa” pode se dar do mais consciente até o inconsciente, com o objetivo de salvaguardar a cultura de origem da parte “mais fraca” da sociedade em questão. Nesta direção, quando ocorre esta modalidade de “alfabetização”, a pessoa, ou o grupo, pode reivindicar o direito de aprender à escrita e a leitura de sua própria língua, quando esta possui versão escrita; e caso esta língua não possua escrita, o grupo, ou pessoa, torna-se “duplamente analfabeto”, pois não pode aprender a língua que gostaria e não aprende a língua majoritária. Por outro lado, o “analfabetismo de opressão” tende a se desenvolver quando a minoria em questão é obrigada a aprender a língua do grupo dominante,seja pelo 7 sistema público de ensino, seja pela necessidade de inserção no mercado de trabalho. Para Wagner, neste caso, ao longo do tempo, a cultura da minoria, em processo de alfabetização na língua do outro, desaparece. Temos as minorias que frequentam escolas públicas, onde são “obrigadas” a aprender a língua do grupo social dominante. Tal situação de “obrigação” provoca, para o estudioso canadense, todos os tipos de efeitos pedagógicos. Dentre eles, destacamos: “o aluno pertinente à minoria fica defasado”; “o aluno perde sua língua de origem e aprende mal a língua dominante por meio da qual ele deve pensar, agir, trabalhar”, e, ainda, “um sujeito mal equipado do ponto de vista linguístico”. O outro conceito de Serge Wagner (1990) que destacamos é o de “alfabetização de afirmação nacional”, que significa o aceitamento do aprendizado de uma língua, que não é a sua língua materna, sabendo que este processo deve ocorrer para determinados fins de afirmação do seu país, e de si mesmo, porém, tal aprendizado não significa romper com suas raízes. Ou seja, é uma alfabetização que significa o “aprender mais uma língua”, que nada se relaciona com o abandono da sua própria. Wagner ressalta termos decorrentes desta situação social: “alfabetização de afirmação comunitária” e “alfabetização de afirmação individual”. Finalmente, não obstante está “aceitação”, caso estas minorias venham a manter sua língua materna, sempre em paralelo com a do grupo dominante, por meio de instâncias institucionalizadas, com o passar dos anos, uma situação de separatismo político- administrativo pode ocorrer. No artigo, O ser e as Letras: da voz à letra, um caminho que construímos todos, Biarnés (1998) afirma que cada um de nós constrói uma relação com o mundo das letras e, por meio desta relação, constrói-se a si mesmo. Ou seja, ninguém está fora deste mundo e, mais do que isto, ele atribui e re-atribui sentidos para esta relação ao longo da vida. Vejamos abaixo diferentes passagens deste artigo, que juntas nos dão clareza acerca da relação entre Homem e letra: A letra me permite encontrar o outro, encontrar a alteridade e, sobretudo, construir ‘meu outro’ em mim. A letra, objeto do outro se a leio, objeto para o outro se a escrevo, é um espelho mágico que me permite reconhecer-me, descobrindo-me outro. O problema do acesso à leitura, como o da iniciação à escrita, está aí. Para que, pela letra, eu possa conhecer-me outro, é necessário que eu possa antes reconhecer-me nela [...] Construir uma relação de funcionalidade com a letra é ser em vir a ser. Mas ser em vir a ser implica um duplo movimento: abandonar o presente e construir o futuro, ‘fazer não ser o meu ser e ser um não-ser’ [...] A funcionalidade da letra não é saber preencher o formulário da Previdência, ou saber responder ao questionário 8 da assistente social, ou da apostila do professor. Propor esse tipo de exercício em um estágio de formação, ou na escola, é um non-sens? Se o exercício não servir de estímulo à leitura do livro. A funcionalidade da letra é ser capaz de descobrir o segredo contido no livro! Só se aprende ou se reaprende a ler nos livros! Foi isso, exatamente, que nos mostrou aquela pessoa que tinha "falado de literatura" com sua professora. Só a letra do livro pode deslocar o sujeito de sua aderência ao espaço-tempo de seu meio, daquela "imagem do mesmo", e abrir, então, o espaço do jogo onde a letra tem sentido. (Apud BIARNÉS, 1998, p. 3) 2.1 O que é letramento? Letramento é o estado em que vive o indivíduo que não só sabe ler e escrever, mas exerce as práticas sociais de leitura e escrita que circulam na sociedade em que vive. (SOARES, 2000). O termo letramento passou a ter veiculação no setor educacional há pouco menos de vinte anos, primeiramente entre os linguistas e estudiosos da língua portuguesa. No Brasil, o termo foi usado pela primeira vez por Mary Kato, em 1986, na obra "No mundo da escrita: uma perspectiva psicolinguística". Dois anos depois, passou a representar um referencial no discurso da educação, ao ser definido por Tfouni em "Adultos não alfabetizados: o avesso dos avessos". Segundo Soares (2003), foram feitas buscas em dicionários da língua portuguesa quanto ao significado da palavra e nada foi encontrado nem mesmo nas edições mais recentes dos anos de 1998 e 1999. Na realidade, o termo originou-se de uma versão feita da palavra da língua inglesa "literacy", com a representação etimológica de estado, condição ou qualidade de ser literate, e literate é definido como educado, especialmente, para ler e escrever. Assim como as sociedades no mundo inteiro, tornam-se cada vez mais centradas na escrita, e com o Brasil não poderia ser diferente. E como ser alfabetizado, ou seja, saber ler e escrever, é insuficiente para vivenciar plenamente a cultura escrita e responder às demandas da sociedade atual, é preciso letrar-se, ou seja tornar-se um indivíduo que não só saiba ler e escrever, mas exercer as práticas sociais de leitura e escrita que circulam na sociedade em que vive (Soares, 2000). 9 2.2 Sociedade letrada/sujeito letrado "Letrado" poderia ser, então, o sujeito - criança ou adulto - que, independentemente de (já) ter ido à escola e de ter aprendido a ler e escrever (ter sido alfabetizado?), usasse ou compreendesse certas estratégias próprias de uma cultura letrada. (KLEIMAN, 1995, p. 19, apud MELLO; RIBEIRO, 2004, p. 26). Para um sujeito ser considerado letrado não é necessário que tenha frequentado a escola ou que saiba ler e escrever, basta que o mesmo exercite a leitura de mundo no seu cotidiano, sendo um cidadão partícipe de sua comunidade, atuando em associações, clubes, instituições, igreja, entre outros. Quem é letrado [...] utiliza a escrita para escrever uma carta através de um outro indivíduo alfabetizado, um escriba, mas é necessário enfatizar que é o próprio analfabeto que dita o seu texto, logo ele lança mão de todos os recursos necessários da língua para se comunicar, mesmo que tudo seja carregado de suas particularidades. Ele demonstra com isso que conhece de alguma forma as estruturas e funções da escrita. O mesmo faz quando pede para alguém ler alguma carta que recebeu, ou texto que contém informações importantes para ele. (SOARES, 2003, p. 43 apud PEIXOTO et al, 2004). O sujeito analfabeto não compreende a decodificação dos signos, mas possui um determinado grau de letramento pela prática de vida que tem em uma sociedade grafo Centrica, ele é letrado, porém não com plenitude. Uma criança que mesmo antes de estar em contato com a escolarização, e que não saiba ainda ler e escrever, porém, tem contato com livros, revistas, ouve histórias lidas por pessoas alfabetizadas, presencia a prática de leitura, ou de escrita, e a partir daí também se interessa por ler, mesmo que seja só encenação, criando seus próprios textos "lidos", ela também pode ser considerada letrada. (SOARES, 2003, p. 43 apud PEIXOTO et al, 2004). Como Soares nos relata, este é um outro grau de letramento, e há ainda aquele indivíduo que, mesmo tendo escolarização ou sendo alfabetizado, possui um grau de letramento muito baixo, ou seja, é capaz de ler e escrever, mas tem dificuldade ao fazer o uso adequado da leitura e da escrita, não possuindo habilidade para essas práticas, não sendo capaz de compreender e interpretar o que lê assim como não consegue escrever cartas ou bilhetes. Por esse indivíduo ser alfabetizado mas não dominar as práticas sociais da leitura e da escrita, considera-se um sujeito iletrado. No entanto, em uma sociedade grafo Centrica, acredita-se que não há sujeito com grau "zero de letramento", ou seja, sujeito iletrado, pois os tipose os níveis de 10 letramento estão ligados às necessidades e exigências de uma sociedade e de cada indivíduo no seu meio social. 2.3 Alfabetizar letrado Fonte: www.profcm.pot.com.br Porque alfabetização e letramento são conceitos frequentemente confundidos ou sobrepostos, é importante distingui-los, ao mesmo tempo que é importante também aproximá-los: a distinção se faz necessária porque a introdução, no campo da educação, do conceito de letramento tem ameaçado perigosamente a especificidade do processo de alfabetização; por outro lado, a aproximação é necessária porque não só o processo de alfabetização, embora distinto e específico, altera-se e reconfigura- se no quadro do conceito de letramento, como também este é dependente daquele. (SOARES, 2003, p. 90 apud COLELLO, 2004). O processo de letramento inicia-se quando a criança nasce em uma sociedade grafo Centrica, começando a letrar-se a partir do momento em que convive com pessoas que fazem uso da língua escrita, e que vive em ambiente rodeado de material escrito. Assim ela vai conhecendo e reconhecendo práticas da leitura e da escrita. Já o processo da alfabetização inicia-se quando a criança chega à escola. Cabe à educação formal orientar esse processo metodicamente, mas, segundo Peixoto 11 (et al, 2004), não basta apenas o saber ler e escrever, necessário é saber fazer uso do ler e do escrever, saber responder às exigências de leitura e de escrita que a sociedade faz, pois: enquanto a alfabetização se ocupa da aquisição da escrita por um indivíduo, ou grupo de indivíduos, o letramento focaliza os aspectos sócio históricos da aquisição de uma sociedade. (TFOUNI, 1995, p. 20 apud COLELLO, 2004). Depois que iniciaram-se os estudos do letramento, o conceito de alfabetização foi reduzido à mera decodificação, ao simples ensinar a ler e escrever. Não devemos desmerecer a árdua tarefa, a importância de ensinar a ler e a escrever, pois a aquisição do sistema alfabético se faz necessária para o indivíduo entrar no mundo da leitura e da escrita. Na realidade, alfabetização e letramento, esses dois processos, caminham juntos, ou melhor o processo de letramento, como vimos, antecede a alfabetização, permeia todo o processo de alfabetização e continua a existir quando já estamos alfabetizados. Segundo Soares (2000) deve-se alfabetizar letrando: Alfabetizar letrando significa orientar a criança para que aprenda a ler e a escrever levando-a a conviver com práticas reais de leitura e de escrita: substituindo as tradicionais e artificiais cartilhas por livros, por revistas, por jornais, enfim, pelo material de leitura que circula na escola e na sociedade, e criando situações que tornem necessárias e significativas práticas de produção de textos. 3 O PAPEL DO EDUCADOR NO LETRAMENTO Fonte: www.conhecimentopratico.com.br 12 O educador que se dispõe a exercer o papel de "professor-letrador" considera que: [...] o ato de educar não é uma doação de conhecimento do professor aos educandos, nem transmissão de ideias, mesmo que estas sejam consideradas muito boas. Ao contrário, é uma contribuição "no processo de humanização". Processo este de fundamental papel no exercício de educador que acredita na construção de saberes e de conhecimentos para o desenvolvimento humano, e que para isso se torna um instrumento de cooperação para o crescimento dos seus educandos, levando-os a criar seus próprios conceitos e conhecimento. (FREIRE, 1990 apud PEIXOTO et al, 2004). Mas se faz necessário que o educador, principalmente o que já se encontra há anos exercendo o papel de professor-alfabetizador e que confia plenamente na mera aquisição de decodificação, aceite romper paradigmas e acreditar que as transformações que ocorrem na sociedade contemporânea atingem todos os setores, assim como também a escola e os saberes do educador, pois métodos que aprenderam há décadas podem e devem ser aprimorados, atualizados ou até mesmo modificados. O conhecimento não pode manter-se estagnado, pois ele nunca se completa ou se finda. Então, antes de o professor querer exercer esse papel de "professor-letrador" é necessário que ele se conscientize e busque ser letrado, domine a produção escrita, as ferramentas de busca de informação e seja um bom leitor e um bom produtor de textos. Mas para que se torne capaz de letrar seus alunos, é preciso que conheça o processo de letramento e que reconheça suas características e peculiaridades. E Soares (2000) pensa que: Os cursos de formação de professores, em qualquer área de conhecimento, deveriam centrar seus esforços na formação de bons leitores e bons produtores de texto naquela área, e na formação de indivíduos capazes de formar bons leitores e bons produtores de textos naquela área. Percebemos que a ineficácia na formação dos professores reflete na formação de um sujeito que seja um bom leitor e produtor de textos. Atualmente, temos recursos a que o próprio educador pode recorrer para aprimorar seu conhecimento. Mas ainda não são todos os que têm essa coragem de reconhecer que precisa aprender e aprender sempre. O professor, hoje em dia, tem a oportunidade de estudar os Parâmetros Curriculares Nacionais e cito aqui, em especial, o de Língua Portuguesa 13 que traz, em linguagem simples, o ensino da língua de forma contextualizada para auxiliá-lo em sua prática em sala de aula e em seu planejamento. Os estudos realizados por Peixoto (et al, 2004) sobre o papel do "professor- letrador, ao analisar a prática do letramento pelo professor, destacou alguns passos para o desempenho desse papel que considero relevante citar: 1) investigar as práticas sociais que fazem parte do cotidiano do aluno, adequando-as à sala de aula e aos conteúdo a serem trabalhados; 2) planejar suas ações visando ensinar para que serve a linguagem escrita e como o aluno poderá utilizá-la; 3) desenvolver no aluno, através da leitura, interpretação e produção de diferentes gêneros de textos, habilidades de leitura e escrita que funcionem dentro da sociedade; 4) incentivar o aluno a praticar socialmente a leitura e a escrita, de forma criativa, descobridora, crítica, autônoma e ativa, já que a linguagem é interação e, como tal, requer a participação transformadora dos sujeitos sociais que a utilizam; 5) recognição, por parte do professor, implicando assim o reconhecimento daquilo que o educando já possui de conhecimento empírico, e respeitar, acima de tudo, esse conhecimento; 6) não ser julgativo, mas desenvolver uma metodologia avaliativa com certa sensibilidade, atentando-se para a pluralidade de vozes, a variedade de discursos e linguagens diferentes; 7) avaliar de forma individual, levando em consideração as peculiaridades de cada indivíduo; 8) trabalhar a percepção de seu próprio valor e promover a autoestima e a alegria de conviver e cooperar; 9) ativar mais do que o intelecto em um ambiente de aprendizagem, ser professor aprendiz tanto quanto os seus educandos; e 10) reconhecer a importância do letramento, e abandonar os métodos de aprendizado repetitivo, baseados na descontextualização. Esses passos devem servir como norteadores à prática dos professores que buscam exercer verdadeiramente o papel de "professor-letrador". 14 3.1 Por que surgiu a palavra letramento? A palavra analfabetismo nos é familiar, usamos essa palavra há séculos, ela já está presente em textos do tempo em que éramos Colônia de Portugal. É um fenômeno interessante: usamos, há séculos, o substantivo que nega (recorde a análise da palavra analfabetismo na página 2: a(n) + alfabetismo = privação de alfabetismo),e não sentíamos necessidade do substantivo que afirmasse: alfabetismo ou letramento. Por que só agora, no fim do século XX, a palavra letramento se tornou necessária? Palavras novas aparecem quando novas ideias ou novos fenômenos surgem. Convivemos com o fato de existirem pessoas que não sabem ler e escrever, pessoas analfabetas, desde o Brasil Colônia, e ao longo dos séculos temos enfrentado o problema de alfabetizar, de ensinar as pessoas a ler e escrever; portanto: o fenômeno do estado ou condição de analfabeto nós o tínhamos (e ainda temos...), e por isso sempre tivemos um nome para ele: analfabetismo. À medida que o analfabetismo vai sendo superado, que um número cada vez maior de pessoas aprende a ler e a escrever, e à medida que, concomitantemente, a sociedade vai se tornando cada vez mais centrada na escrita (cada vez mais grafo Centrica), um novo fenômeno se evidencia: não basta apenas aprender a ler e a escrever. As pessoas se alfabetizam, aprendem a ler e a escrever, mas não necessariamente incorporam a prática da leitura e da escrita, não necessariamente adquirem competência para usar a leitura e a escrita, para envolver-se com as práticas sociais de escrita: não leem livros, jornais, revistas, não sabem redigir um ofício, um requerimento, uma declaração, não sabem preencher um formulário, sentem dificuldade para escrever um simples telegrama, uma carta, não conseguem encontrar informações num catálogo telefônico, num contrato de trabalho, numa conta de luz, numa bula de remédio... Esse novo fenômeno só ganha visibilidade depois que é minimamente resolvido o problema do analfabetismo e que o desenvolvimento social, cultural, econômico e político traz novas, intensas e variadas práticas de leitura e de escrita, fazendo emergirem novas necessidades, além de novas alternativas de lazer. Aflorando o novo fenômeno, foi preciso dar um nome a ele: quando uma nova palavra surge na língua, é que um novo fenômeno surgiu e teve de ser nomeado. Por isso, e para nomear esse novo fenômeno, surgiu a palavra letramento. 15 Fonte: www.pt.slideshare.net.com.br Compreendido o que é letramento, por que surgiu a palavra letramento, qual a origem da palavra letramento, pode-se voltar à diferença entre letramento e alfabetização: Alfabetização = ação de ensinar/aprender a ler e a escrever Letramento = estado ou condição de quem não apenas sabe ler e escrever, mas cultiva e exerce as práticas sociais que usam a escrita. Cultiva = dedica-se a atividades de leitura e escrita Exerce = responde às demandas sociais de leitura e escrita Precisaríamos de um verbo "letrar" para nomear a ação de levar os indivíduos ao letramento Assim, teríamos alfabetizar e letrar como duas ações distintas, mas não inseparáveis, ao contrário: o ideal seria alfabetizar letrando, ou seja: ensinar a ler e a escrever no contexto das práticas sociais da leitura e da escrita, de modo que o indivíduo se tornasse, ao mesmo tempo, alfabetizado e letrado. Alfabetizado e/ou letrado - uma nova pergunta se impõe. 16 3.2 Como diferenciar o apenas alfabetizado do letrado? Fonte: www.luis.com.br Ler é um conjunto de habilidades e comportamentos que se estendem desde simplesmente decodificar sílabas ou palavras até ler Grande Sertão Veredas de Guimarães Rosa. uma pessoa pode ser capaz de ler um bilhete, ou uma história em quadrinhos, e não ser capaz de ler um romance, um editorial de jornal. Assim: ler é um conjunto de habilidades, comportamentos, conhecimentos que compõem um longo e complexo continuum: em que ponto desse continuum uma pessoa deve estar, para ser considerada alfabetizada, no que se refere à leitura? A partir de que ponto desse continuum uma pessoa pode ser considerada letrada, no que se refere à leitura? Escrever é também um conjunto de habilidades e comportamentos que se estendem desde simplesmente escrever o próprio nome até escrever uma tese de doutorado. uma pessoa pode ser capaz de escrever um bilhete, uma carta, mas não ser capaz de escrever uma argumentação defendendo um ponto de vista, escrever um ensaio sobre determinado assunto. Assim escrever é também um conjunto de habilidades, comportamentos, conhecimentos que compõem um longo e complexo continuum: em que ponto desse continuum uma pessoa deve estar, para ser 17 considerada alfabetizada, no que se refere à escrita? A partir de que ponto desse continuum uma pessoa pode ser considerada letrada, no que se refere à escrita? Conclui-se que há diferentes tipos e níveis de letramento, dependendo das necessidades, das demandas do indivíduo e de seu meio, do contexto social e cultural. 3.3 O foco nas capacidades linguísticas da alfabetização A principal atenção deste volume se volta para fornecer subsídios para a apropriação, pelo aluno dos anos iniciais, do sistema de escrita alfabético e de capacidades necessárias não só à leitura e produção de textos escritos, mas também à compreensão e produção de textos orais, em situações de uso e estilos de linguagem diferentes das que são corriqueiras no cotidiano da criança. O desenvolvimento dessas capacidades linguísticas - ler e escrever, falar e ouvir com compreensão em situações diferentes das familiares não acontece espontaneamente e, portanto, elas precisam ser ensinadas sistematicamente. Sabe-se que os três anos iniciais da Educação Fundamental não esgotam essas capacidades linguísticas e comunicativas, que se desenvolvem ao longo de todo o processo de escolarização e das necessidades da vida social. Sabe-se, também, que o trabalho a ser feito nesses três anos iniciais não se esgotam na alfabetização ou no desenvolvimento dessas capacidades linguísticas. Mas elas são, como já se indicou, o foco desta Coleção, porque é na alfabetização e no aprendizado da língua escrita que vêm se concentrando os problemas localizados não apenas na escolarização inicial, como também em fracassos no percurso do aluno durante sua escolarização. Espera-se, por isso, que a consolidação dos princípios aqui definidos possa se combinar com propostas para os demais anos da Educação Fundamental, bem como com propostas das outras áreas de conhecimento pertinentes a esse nível inicial de nosso sistema de ensino, favorecendo uma abordagem curricular interdisciplinar. Um sistema de escrita é uma maneira estruturada, e organizada com base em determinados princípios, para representação da fala. Há sistemas de escrita que são logo gráficos (que representam o significado das palavras) e há aqueles que representam o aspecto sonoro da língua, sua "pauta sonora". São chamados de sistemas de escrita "fonográficos". Nosso sistema de escrita (chamado de "alfabético" 18 ou "alfabético-ortográfico") representa "sons" ou fonemas, em geral cada "letra" correspondendo a um "som" e vice-versa. É, portanto, um sistema de escrita ortográfico. Mas há sistemas de escrita logo gráficos que representam sílabas. Num sistema como esse, a palavra "apaixonado" poderia ser escrita APXAD (em que cada "letra" corresponderia a uma sílaba". 3.4 Uma questão terminológica Seria possível falar das capacidades das crianças usando termos e conceitos similares, frequentemente empregados como sinônimos, tais como "competências", "procedimento" e "habilidades". Esses três vocábulos têm sido utilizados como equivalentes, nos documentos oficiais de orientação curricular e em muitos estudos teóricos no campo educacional. No entanto, optou-se, aqui, pelo uso do termo "capacidades", aliado, quando necessário, aos termos "conhecimentos" e "atitudes" Essa escolha por "capacidades" se deve ao fato de o termo ser amplo o suficientepara abranger todos os níveis de progressão, desde os primeiros atos motores indispensáveis à aquisição da escrita até as elaborações conceituais, em patamares progressivos de abstração, que possibilitam ampliações na compreensão da leitura, na produção textual e na seleção o de instrumentos diversificados para tais aprendizagens. Com essa escolha, pretende-se também evitar que a proposta de organização geral da alfabetização que aqui apresentamos seja vinculada exclusivamente a uma única teoria, considerando que as teorizações, em geral, são parciais e se restringem a um só aspecto do fenômeno que tentam explicar. Prefere- se, então, um termo mais genérico, não comprometido com um modelo teórico específico, para evitar qualquer distorção de interpretação que leve a uma compreensão fragmentada do campo cognitivo da criança. Busca-se, com isso, deixar claro que não devem ser subestimadas dimensões imprescindíveis à totalidade do processo de alfabetização. 19 Fonte: www.veja.abril.com.br Como se poderá observar, as capacidades serão descritas por procedimentos observáveis. Isso não significa, no entanto, que a proposta se reduza a uma taxonomia de objetivos comportamentais, a uma percepção imediatista de desempenhos ou a uma concepção estritamente empirista de ensino-aprendizagem. O que se valoriza aqui é a possibilidade de interpretação das capacidades da criança pelo professor, por meio de critérios capazes de sinalizar progressivos avanços no processo de alfabetização. Esses componentes "observáveis" deverão orientar as ações do professor na definição do tipo de abordagem que deve privilegiar no trabalho pedagógico. Em outras palavras, esses componentes podem auxiliar o professor a definir, tendo em vista as capacidades já desenvolvidas por seus alunos, o que ele deverá: Introduzir, levando os alunos a se familiarizarem com conteúdo e conhecimentos (ou retomar eventualmente, quando se tratar de conceitos ou capacidades já consolidadas em período anterior); Trabalhar sistematicamente, para favorecer o desenvolvimento pelos alunos; Procurar consolidar no processo de aprendizagem dos alunos, sedimentando os avanços em seus conhecimentos e capacidades. 20 É importante que esses tipos de abordagem das capacidades (Introduzir (I), trabalhar (T), consolidar (C), retomar (R)) sejam bem compreendidos, pois eles serão utilizados mais à frente, na distribuição das capacidades ao longo do período Supõe-se que a clareza de diagnósticos e avaliações do professor em relação a tais capacidades e abordagens propiciará a base para uma descrição dos desempenhos dos alunos e das condições necessárias à superação de descompassos e inconsistências em suas trajetórias ao longo dos três primeiros anos. Vê-se, aqui, mais uma vez, a importância que se atribui à sensibilidade e ao saber do professor no sentido de adequar a proposta à real situação de seus alunos. Espera- se que o docente em conjunto com toda a escola - alie acuidade e disposição positiva para implementar esta proposta, atentando para as efetivas circunstâncias em que deverá desenvolver seu trabalho. 3.5 Os eixos As capacidades selecionadas estão organizadas em torno dos eixos mais relevantes para a apropriação da língua escrita: 1) Compreensão e valorização da cultura escrita; 2) Apropriação do sistema de escrita; 3) Leitura; 4) Produção de textos escritos; 5) Desenvolvimento da oralidade. As capacidades associadas a tais eixos ou campos serão objeto de sistematização neste volume. Todas elas serão abordadas da mesma maneira. Inicialmente, apresentam-se, num quadro, as capacidades mais gerais a serem desenvolvidas, distribuídas de acordo com os três primeiros anos da Educação Fundamental. Veja o exemplo no quadro. 21 Fonte: www.images.slideplayer.com.br A gradação dos tons de cinza: O tom mais claro significa que a capacidade deve ser introduzida, para possibilitar a familiarização dos alunos com os conhecimentos em foco, ou retomada, se já tiver sido objeto de ensino-aprendizagem em momentos anteriores. O médio significa que a capacidade deve ser trabalhada de maneira sistemática, com vista ao domínio pelos alunos. O tom mais escuro significa que a capacidade, tendo sido trabalhada sistematicamente, deve ser enfatizada de modo a assegurar sua consolidação. As letras inseridas nas quadrículas: A letra I significa introduzir; a letra R, retomar; seu uso no quadro indica que a capacidade deve merecer ênfase menor, sendo ou introduzida ou retomada, conforme o caso (introduzir a novidade; retomar eventualmente o que já tiver sido contemplado). A letra T significa trabalhar sistematicamente. A letra C, consolidar. 22 4 LÍNGUA E ENSINO DE LÍNGUA Fonte: www.britishcouncil.sg.com.br Para compreender a língua é preciso saber como ela se constitui e como se origina na sua gênese. A língua não é apenas um sistema, [...] “no seu uso prático, é inseparável de seu conteúdo ideológico ou relativo à vida”. (BAKHTIN,1997, p. 96, apud SIMIONATO, 2016, p.9). A língua é um sistema discursivo, isto é, um sistema que tem origem na interlocução e se organiza para funcionar na interlocução (inter+locução = ação linguística entre sujeitos). Esse sistema inclui regras vinculadas às relações das formas linguísticas entre si e às relações dessas formas com o contexto em que são usadas. Seu centro é, pois, a interação verbal, que se faz através de textos ou discursos, falados ou escritos. Partindo dessa concepção, uma proposta de ensino de língua deve valorizar o uso da língua nas diferentes situações sociais, com sua diversidade de funções e sua variedade de estilos e modos de falar. Para estar de acordo com essa concepção, é importante que o trabalho em sala de aula se organize em torno do uso e que privilegie a reflexão dos alunos sobre as diferentes possibilidades de emprego da língua. Isso implica, certamente, a rejeição de uma tradição de ensino apenas transmissiva, isto é, preocupada em oferecer ao aluno conceitos e regras prontos, que ele só tem que memorizar, e de uma perspectiva de aprendizagem centrada em automatismos e 23 reproduções mecânicas. Por isso é que uma adequada proposta para o ensino de língua deve prever não só o desenvolvimento de capacidades necessárias às práticas de leitura e escrita, mas também de fala e escuta compreensiva em situações públicas (a própria aula é uma situação de uso público da língua). 4.1 Alfabetização Historicamente, o conceito de alfabetização se identificou como ensino- aprendizado da "tecnologia da escrita", quer dizer, do sistema alfabético de escrita, o que, em linhas gerais, significa, na leitura, a capacidade de decodificar os sinais gráficos, transformando-os em "sons", e, na escrita, a capacidade de codificar os sons da fala, transformando-os em sinais gráficos. A partir dos anos 1980, o conceito de alfabetização foi ampliado com as contribuições dos estudos sobre a psicogênese da língua escrita, particularmente com os trabalhos de Emília Ferreiro e Ana Teberovsky. De acordo com esses estudos, o aprendizado do sistema de escrita não se reduziria ao domínio de correspondências entre grafemas e fonemas (a decodificação e a codificação), mas se caracterizaria como um processo ativo por meio do qual a criança, desde seus primeiros contatos com a escrita, construiria e reconstruiria hipóteses sobre a natureza e o funcionamento da língua escrita, compreendida como um sistema de representação. Os termos "grafemas" e "fonemas” correspondem, aproximadamente, a "letra" e "som", usados na linguagem corrente. A conceituaçãode fonema e grafema é apresentada mais à frente. Além das contribuições da psicogênese da escrita, o conceito de alfabetização também foi ampliado em decorrência das necessidades da vida social contemporânea, que mostraram as limitações do conceito compreendido apenas como o domínio das "primeiras letras". Progressivamente, o termo passou a designar o processo não apenas de ensinar e aprender as habilidades de codificação e decodificação, mas também o domínio dos conhecimentos que permitem o uso dessas habilidades nas práticas sociais de leitura e escrita. O termo, alfabetizado, nesse quadro, passou a designar não apenas aquele que domina as correspondências grafo-fonêmicas, mas também utiliza esse domínio em situações sociais de uso da língua escrita. 24 É diante dessas novas exigências que surgiu uma nova adjetivação para o termo –alfabetização funcional – criada com a finalidade de incorporar as habilidades de uso da leitura e da escrita e, posteriormente, a palavra letramento, Com o surgimento dos termos letramento e alfabetização (ou alfabetismo) funcional, muitos pesquisadores passaram a distinguir alfabetização e letramento. Passaram a utilizar o termo alfabetização em seu sentido restrito, para designar o aprendizado inicial da leitura e da escrita, da natureza e do funcionamento do sistema de escrita. Passaram, correspondentemente, a reservar os termos letramento ou, em alguns casos, alfabetismo funcional para designar os usos (e as competências de uso) da língua escrita. Outros pesquisadores tendem a utilizar apenas o termo alfabetização para significar tanto o domínio do sistema de escrita e das correspondências grafo fonêmicas quanto os usos da língua escrita em práticas sociais. Nesse caso, quando sentem a necessidade de estabelecer distinções, tendem a utilizar as expressões "aprendizado do sistema de escrita" e "aprendizado da linguagem escrita". 4.2 Letramento Fonte: www.rioeduca.net.com.br É uma palavra recém-chegada ao vocabulário da Educação e das Ciências Linguísticas: é na segunda metade dos anos 1980 que ela surge no discurso de 25 especialistas dessas áreas, como uma tradução da palavra da língua inglesa literacy. Sua tradução se faz na busca de ampliar o conceito de alfabetização, chamando a atenção não apenas para o domínio da tecnologia do ler e do escrever (codificar e decodificar), mas também para os usos dessas habilidades em práticas sociais em que escrever e ler são necessários. Etimologicamente, a palavra literacy vem do latim littera (letra), com o sufixo-cy, que denota qualidade, condição, estado, fato de ser (como, por exemplo, em innocency, a qualidade ou condição de ser inocente. Ou seja: literacy é o estado ou condição que assume aquele que aprende a ler e escrever e faz uso dessas habilidades em práticas sociais. Implícita nesse conceito está a ideia de que o domínio e o uso da língua escrita trazem consequências sociais, culturais, políticas, econômicas, cognitivas, linguísticas, quer para o grupo social em que seja introduzida, quer para o indivíduo que aprenda a usá-la. Em outras palavras: do ponto de vista individual, o aprender a ler e escrever – alfabetizar-se, deixar de ser analfabeto, adquirir a "tecnologia" do ler e do escrever e, ao mesmo tempo, envolver-se nas práticas sociais de leitura e de escrita – tem consequências sobre o indivíduo, e altera seu estado ou condição. De um ponto de vista social, a introdução da escrita implicaria em novas formas de organização, de relação entre grupos e com o conhecimento, vale dizer, implicaria a construção de uma cultura escrita. É este, pois, o sentindo que tem letramento, palavra que criamos traduzindo "ao pé da letra" o inglês literacy: letra-, do latim littera, e o sufixo -mento, que denota o resultado de uma ação (como, por exemplo, em ferimento, resultado da ação de ferir). Letramento é pois, o resultado da ação de ensinar ou de aprender a ler e escrever, bem como o resultado da ação de usar essas habilidades em práticas sociais: o estado ou condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como consequência de ter-se apropriado da língua escrita e de ter-se inserido num mundo organizado diferentemente: a cultura escrita. Como os usos sociais da escrita e as competências a eles associadas são extremamente variadas (de ler um bilhete simples a escrever um romance), é frequente levar em consideração níveis de letramento (dos mais elementares aos mais complexos). Tendo em vista as diferentes funções (para se distrair, para se informar e se posicionar, por exemplo) e as formas pelas quais as pessoas têm acesso à língua escrita – com ampla autonomia, com ajuda de um professor ou mesmo por meio de alguém que escreve, por exemplo, 26 cartas ditadas por analfabetos –, a literatura a assume ainda a existência de tipos de letramento ou de letramentos, no plural. Em Portugal se prefere a palavra literária. Na produção acadêmica brasileira em parte das décadas de 1980 e 1990, o termo alfabetismo é utilizado como sinônimo de letramento. 5 ENSINO DA LÍNGUA ESCRITA Fonte: www.britishcouncil.uz.com.br A língua é sistema discursivo, que se estrutura no uso e para o uso, escrito e falado, sempre contextualizado. No entanto, a condição básica para o uso escrito da língua, que é a apropriação do sistema alfabético, envolve, da parte dos alunos, aprendizados muito específicos, independentes do contexto de uso, relativos aos componentes do sistema fonológico da língua e às suas inter-relações. Explicando e exemplificando: as relações entre consoantes e vogais, na fala e na escrita, permanecem as mesmas, independentemente do gênero textual em que aparecem e da esfera social em que ele circule; numa piada ou nos autos de um processo jurídico, as consoantes e vogais são as mesmas e se inter-relacionam segundo as mesmas regras. 27 O estágio atual dos questionamentos e dilemas no campo da educação nos impõe a necessidade de firmar posições consistentes, evitando tanto reducionismos quanto atitudes dogmáticas. Não há interesse, aqui, em assumir a defesa ou em colocar à prova concepções relacionadas a qualquer referencial ou ideário identificado como vanguarda pedagógica. Antes disso, pretende-se evidenciar que certas polarizações têm comprometido o avanço das práticas pedagógicas pertinentes à apropriação da língua escrita. Pender exclusivamente para um único polo sempre implica ignorar ou abandonar dimensões fundamentais da totalidade do fenômeno. Algumas questões conhecidas dos professores podem tornar mais acessíveis essas ponderações. A opção pelos princípios do método silábico, por exemplo, contempla alguns aspectos importantes para a apropriação do código escrito, mas supõe uma progressão fixa e previamente definida e reduz o alcance dos conhecimentos linguísticos, quando subtrai o valor de uso e as funções sociais da escrita. Da mesma forma, os métodos de base fônica, embora focalizando um ponto fundamental para a compreensão do sistema alfabético, que é a relação entre fonema e grafema, persistem em práticas reducionistas quando valorizam exclusivamente o eixo da codificação e decodificação pela decomposição de elementos que transitam entre fonemas e sinais gráficos. Fonte:www.mepoenahistoria.com.br 28 Por sua vez, os métodos analíticos, que orientam a apropriação do código escrito pelo caminho do todo para as partes (de palavras, sentenças ou textos para a decomposição das sílabas em grafemas/fonemas), apesar de procurarem situar a relação grafema/fonema em unidades de sentido, como palavras, sentenças e textos, tendem ase valer de frases e textos artificialmente curtos e repetitivos, para favorecer a estratégia de memorização, considerada fundamental. Essas três tendências podem ser consideradas perseverantes e coexistentes no atual estado das práticas escolares em alfabetização e da produção de livros e materiais didáticos em geral. As práticas fundamentadas no ideário construtivista, ao longo das últimas décadas, trazem como ponto positivo a introdução ou o resgate de importantes dimensões da aprendizagem significativa e das interações, bem como dos usos sociais da escrita e da leitura, articulados a uma concepção mais ampla de letramento. Mas, em contrapartida, algumas compreensões equivocadas dessas teorias têm acarretado outras formas de reducionismo, na medida em que relegam aspectos psicomotores ou grafo motores a um plano secundário, reduzindo-os a restritas noções de prontidão ou de maturação, desprezando o impacto desses aspectos no processo inicial de alfabetização e descuidando de instrumentos e equipamentos imprescindíveis a quem se inicia nas práticas da escrita e da leitura, o que prejudica sobretudo as crianças que vivem em condições sociais desfavorecidas e que, por isso, só têm oportunidade de contato mais amplo com livros, revistas, cadernos, lápis, etc., quando ingressam na escola. Outra questão controversa diz respeito à oposição do construtivismo ao ensino meramente transmissivo, que limita o aluno a apenas memorizar e reproduzir conceitos e regras que lhe são apresentados prontos, sem que ele tenha a oportunidade de analisar o fenômeno em estudo e formular o conceito ou descobrir a regra. O problema é que, em nome da crítica à abordagem transmissiva, algumas interpretações equivocadas do construtivismo têm recusado ao professor o papel de agregar informações relevantes ao avanço dos alunos, como se todos os conhecimentos pertinentes à apropriação da língua escrita pudessem ser construídos pelos próprios alunos sem a contribuição e a orientação de um adulto mais experiente. Mais um problema resultante de interpretações errôneas do construtivismo tem sido a defesa unilateral de interesses e hipóteses das crianças, o que acaba limitando a ação pedagógica ao patamar dos conhecimentos prévios dos alunos. 29 Essa limitação gera fracassos, porque compromete a proposição e a avaliação de capacidades progressivas e acaba sendo usada, pela própria ação pedagógica, como justificativa para o que não deu certo. Do mesmo modo que as opções pelos métodos silábico, fônico ou global e as práticas inspiradas no construtivismo, algumas orientações inadequadas fundadas no conceito de letramento valorizam de forma parcial importantes conquistas como o prazer pelo ato de escrever e a inserção nas práticas sociais da leitura e da escrita, mas fragilizam o acesso da criança ao sistema alfabético e às convenções da escrita, deixando em segundo plano a imprescindível exploração sistemática do código e das relações entre grafemas e fonemas. Como consequência, dissociam, equivocadamente, o processo de letramento do processo de alfabetização, como se um dispensasse ou substituísse o outro, ou como se o primeiro fosse apenas ou um período de preparação ou um acréscimo posterior à tarefa restrita de alfabetizar. Para selecionar as capacidades analisadas neste volume, entende-se alfabetização como o processo específico e indispensável de apropriação do sistema de escrita, a conquista dos princípios alfabético e ortográfico que possibilita ao aluno ler e escrever com autonomia. Entende-se letramento como o processo de inserção e participação na cultura escrita. Fonte:www.mepoenahistoria.com.br 30 Trata-se de um processo que tem início quando a criança começa a conviver com as diferentes manifestações da escrita na sociedade (placas, rótulos, embalagens comerciais, revistas, etc.) e se prolonga por toda a vida, com a crescente possibilidade de participação nas práticas sociais que envolvem a língua escrita (leitura e redação de contratos, de livros científicos, de obras literárias, por exemplo). Esta proposta considera que alfabetização e letramento são processos diferentes, cada um com suas especificidades, mas complementares e inseparáveis, ambos indispensáveis. A fonte de muitos equívocos e polêmicas quanto aos conceitos de alfabetização e letramento é a não-compreensão de que os dois processos são complementares, e não alternativos. Explicando: não se trata de escolher entre alfabetizar ou letrar; trata-se de alfabetizar letrando. Quando se orienta a ação pedagógica para o letramento, não é necessário, nem recomendável, que, por isso, se descuide do trabalho específico com o sistema de escrita. Noutros termos: o fato de valorizar em sala de aula os usos e as funções sociais da língua escrita não implicam deixar de tratar sistematicamente da dimensão especificamente linguística do "código", que envolve os aspectos fonéticos, fonológicos, morfológicos e sintáticos. Fonte: www.institutoaruana.com.br 31 Do mesmo modo, cuidar da dimensão linguística, visando à alfabetização, não implica excluir da sala de aula o trabalho voltado para o letramento. Outra fonte de equívocos é pensar os dois processos como sequenciais, isto é, vindo um depois do outro, como se o letramento fosse uma espécie de preparação para a alfabetização, ou, então, como se a alfabetização fosse condição indispensável para o início do processo de letramento. O desafio que se coloca para os primeiros anos da Educação Fundamental é o de conciliar esses dois processos, assegurando aos alunos a apropriação do sistema alfabético-ortográfico e condições possibilitadoras do uso da língua nas práticas sociais de leitura e escrita. Considerando-se que os alfabetizandos vivem numa sociedade letrada, em que a língua escrita está presente de maneira visível e marcante nas atividades cotidianas, inevitavelmente eles terão contato com textos escritos e formularão hipóteses sobre sua utilidade, seu funcionamento, sua configuração. Excluir essa vivência da sala de aula, por um lado, pode ter o efeito de reduzir e artificializar o objeto de aprendizagem que é a escrita, possibilitando que os alunos desenvolvam concepções inadequadas e disposições negativas a respeito desse objeto. Por outro lado, deixar de explorar a relação extraescolar dos alunos com a escrita significa perder oportunidades de conhecer e desenvolver experiências culturais ricas e importantes para a integração social e o exercício da cidadania. Assim, entende-se que a ação pedagógica mais adequada e produtiva é aquela que contempla, de maneira articulada e simultânea, a alfabetização e o letramento. Fonte:www.institutoaruana.com.br 32 6 CAPACIDADES Fonte:www.perpetualstudent.net.com.br 6.1 Compreensão e Valorização da Cultura Escrita São considerados, neste eixo, alguns fatores e condições necessários à integração dos alunos no mundo letrado. Trata-se do processo de letramento, que deve ter orientação sistemática, com vista à compreensão e apropriação da cultura escrita pelos alunos. Indicam-se aqui, em verbetes, conhecimentos gerais e capacidades a serem adquiridos e sugerem-se, rapidamente, procedimentos pedagógicos que podem ser adotados para a realização desses objetivos. Como já foi dito no verbete Ensino da língua escrita, ressalta-se que o trabalho voltado para o letramento não deve ser separado do trabalho específico de alfabetização. É preciso investir nos dois ao mesmo tempo, porque os conhecimentos e capacidades adquiridos pelos alunos numa área contribuem para o seu desenvolvimento na outra área. Buscando a visualizaçãodisso foi feita a gradação dos tons de cinza do Quadro. O conhecimento e a valorização da circulação, dos usos e das funções da língua escrita na sociedade são capacidades que devem ser trabalhadas com vista à consolidação, nos três anos considerados, ainda que isso se faça com estratégias didáticas diferenciadas a cada ano. Já as capacidades 33 necessárias para o uso dos materiais de leitura e escrita especificamente escolares devem ser tratadas sistematicamente e consolidadas logo na chegada das crianças e mantidas, retomadas, sempre que necessário, até o fim do período. 6.2 Apropriação Do Sistema De Escrita Esta seção trata dos conhecimentos que os alunos precisam adquirir para compreender as regras que orientam a leitura e a escrita no sistema alfabético, bem como a ortografia da língua portuguesa. São apresentadas aqui algumas capacidades importantes para a apropriação do sistema de escrita do português e que devem ser trabalhadas de forma sistemática em sala de aula. Fonte: www.images.slideplayer.com.br 34 7 LEITURA Fonte: www.static.businessinsider.com Nesta seção estão focalizadas as capacidades específicas do domínio da leitura. A concepção de leitura que orientou a elaboração desta seção foi a de que se trata de uma atividade que depende de processamento individual, mas se insere num contexto social e envolve disposições atitudinais, capacidades relativas à decifração do código escrito e capacidades relativas à compreensão, à produção de sentido. A abordagem dada à leitura, aqui, abrange, portanto, desde capacidades necessárias ao processo de alfabetização até aquelas que habilitam o aluno à participação ativa nas práticas sociais letradas, ou seja, aquelas que contribuem para o seu letramento. Por isso, o Quadro 3 e os verbetes que se seguem retomam e desdobram alguns itens das seções anteriores, acrescentando a eles a indicação e descrição de capacidades particularmente necessárias à compreensão dos textos lidos. 35 Fonte: www.bpp.spot.com 7.1 Produção Escrita Esta seção trata especialmente das capacidades necessárias ao domínio da escrita, considerando desde as primeiras formas de registro alfabético e ortográfico até a produção autônoma de textos. A produção escrita é concebida aqui como ação deliberada da criança com vista a realizar determinado objetivo, num determinado contexto. A escrita na escola, assim como nas práticas sociais fora da escola, deve servir a algum objetivo, ter alguma função e dirigir-se a algum leitor. Assim como foi feito na seção dedicada à leitura, o Quadro 4 e os verbetes relativos à escrita retomam e desdobram alguns itens tratados nas seções "Compreensão e valorização dos usos sociais da escrita" e "Apropriação do sistema de escrita", acrescentando a eles a indicação e descrição de capacidades específicas 36 do domínio da escrita na produção de textos. Também como foi feito com relação à leitura, incluem-se aqui desde capacidades de escrita a serem adquiridas no processo de alfabetização até aquelas que proporcionam ao aluno a condição letrada, possibilitando-lhe a participação ativa nas práticas sociais próprias da cultura escrita. Fonte: image.slidesharecdn.com 7.2 Desenvolvimento da Oralidade Esta seção focaliza um ponto que só há pouco tempo passou a integrar as responsabilidades da escola: o desenvolvimento da língua oral dos alunos. Só recentemente a Linguística e a Pedagogia reconheceram a língua falada, de importância tão fundamental na vida cotidiana dos cidadãos, como legítimo objeto de estudo e atenção. No entanto, vem em boa hora essa novidade, agora incorporada nos documentos oficiais de orientação curricular. 37 Coexistem, em nossa sociedade, usos diversificados da língua portuguesa. É justo e necessário respeitar esses usos e os cidadãos que os adotam, sobretudo quando esses cidadãos são crianças ingressando na escola. Os alunos falantes de variedades linguísticas diferentes da chamada "língua padrão", por um lado, têm direito de dominar essa variedade, que tem prestígio e é a esperada e mais bem aceita em muitas práticas valorizadas socialmente; por outro lado, têm direito também ao reconhecimento de que seu modo de falar, aprendido com a família e a comunidade, é tão legítimo quanto qualquer outro e, portanto, não pode ser discriminado. Fonte: www.bp.gspot.com 38 8 ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO ESCOLAR E LETRAMENTO Fonte: www.mg-aws.ehowcdn.com “Ensinamos língua para que o aluno aprenda a problematizar o cotidiano através da linguagem, para que possa interagir de forma intensa e consciente nas diferentes esferas de participação social”. É nessa perspectiva que trataremos sobre a organização da prática pedagógica e sobre os fenômenos interdisciplinares com os quais obrigatoriamente lidamos quando encaramos o ensino da língua numa abordagem sociointeracionista. As propostas curriculares que vêm sendo construídas a partir da década de 80 do século passado têm alguns aspectos em comum, oriundos das tentativas de aproximação desse princípio básico que acima explicitamos: Tomam como núcleo central do ensino da língua portuguesa o desenvolvimento das capacidades de compreensão e de produção de textos; Afirmam a necessidade de utilização de textos autênticos e pertencentes a diversos tipos e gêneros textuais; Propõem práticas de ensino que aproximem as atividades escolares dos usos e funções da linguagem nos ambientes extraescolares, entre outros. Para atender a esses postulados, essas propostas têm, na maior parte das vezes, delimitado os objetivos didáticos em quatro eixos básicos: prática de leitura; produção de textos escritos; análise linguística e língua oral. O fundamental, nesse 39 contexto, é entendermos que esses eixos não são independentes, e que diferentes dimensões da língua se entrecruzam nas práticas de produção e compreensão de textos orais e escritos, exigindo de nós, agentes nesses processos interlocutivos, diferentes habilidades, conhecimentos e atitudes ante os eventos de interação mediados pela língua. É papel da escola ajudar os alunos a desenvolver tais habilidades, conhecimentos e atitudes. Na verdade, todos esses eixos, quando tratados na perspectiva que estamos defendendo, visam à ampliação do grau de letramento dos alunos. Quando tratamos do ensino da língua portuguesa nas séries iniciais, essa proposta parece, às vezes, incompatível com as possibilidades reais dos alunos nesses graus de escolaridade. A pergunta geralmente feita é: como ler e produzir textos sem saber ler nem escrever? Percebendo a complexidade dessa questão, muitas vezes negligenciada por autores que tratam da alfabetização, propomos que tenhamos que, como primeira tarefa, delimitar os objetivos principais do ensino da língua portuguesa, de modo a não termos a impressão de que precisaremos “dar conta de tudo” nos anos iniciais de escolarização. Nossa proposta é que centremos nossa atenção na apropriação do sistema alfabético e na capacidade de produção e de compreensão de diversos gêneros orais e escritos, levando os alunos a atentar para as diferentes finalidades que orientam nossas atividades de leitura, escuta, fala e escrita. Alertamos, portanto, que não nos detenhamos em conteúdos ligados à definição, classificação, identificação de classes gramaticais, nem em conhecimentos relativos à análise sintática ou à memorização de partículas formadoras de palavras (prefixos e sufixos, por exemplo) em turmas que não tenham de fato desenvolvido a capacidade básica de leitura e de produção de textos. Assim,estamos defendendo que, no eixo da análise linguística, priorizemos aspectos/objetivos que auxiliem os alunos a produzir/ compreender textos, tais como: sistema alfabético, ortografia, pontuação, paragrafação, concordância, coesão, estruturação dos períodos, sempre numa perspectiva de criar condições para que os alunos produzam e compreendam textos. Os objetivos ligados à reflexão sobre os gêneros textuais, que também vêm permeando as salas de aula, podem, nesse bojo, também ser considerados nessa mesma concepção. Ou seja, a reflexão sobre os gêneros deve servir muito mais para que os alunos pensem sobre aspectos 40 sociodiscursivos dos textos do que para aprender a definir, a classificar, a identificar textos. Nosso esforço em delimitar tais objetivos, como foi dito acima, advém da clareza que temos de que a aprendizagem do sistema alfabético é muito complexa e que aliar isso ao ensino da leitura e produção de textos, também dotado de alto grau de complexidade, é tarefa que exige planejamento, atenção, apropriação de saberes pelos professores, que não podem se sentir solitários diante de tais demandas. Por isso, neste capítulo, tentaremos compartilhar alternativas didáticas discutidas e vivenciadas por professores que encontraram, coletivamente, muitas respostas ao como conciliar o ensino da escrita alfabética ao ensino da produção e compreensão de textos orais e escritos. Sabemos que muito temos ainda para aprender, mas vamos compartilhar o que já construímos até agora. Na introdução deste capítulo, falamos da necessidade de delimitar os objetivos principais do ensino nas séries iniciais para que não nos dispersemos, uma vez que, centrando atenção no que é essencial, temos mais chances de conseguir atingir as nossas metas. Essa delimitação leva-nos a perceber que o que queremos, como objetivos principais, é levar os alunos a produzir e a compreender textos e que, para isso, eles precisam apropriar-se do sistema alfabético e de normas ortográficas básicas; desenvolver capacidades de localizar informações em textos; elaborar inferências; estabelecer relações intertextuais; estabelecer relações sintático-semânticas entre partes do texto; organizar sequencialmente informações em um texto, atendendo à finalidade proposta e adequando o texto aos seus destinatários; revisar textos quanto ao conteúdo, quanto à clareza, quanto à coesão textual (uso de articuladores textuais, pontuação, paragrafação) e quanto ao atendimento a normas cultas básicas (estruturação de períodos, concordância); conhecer diferentes gêneros textuais, lendo e produzindo exemplares desses gêneros; entre outras ações linguísticas. E tudo isso precisa ser abordado ao mesmo tempo, desde a educação infantil. Dessa forma, estamos querendo evidenciar a necessidade de organizarmos o tempo pedagógico, de modo a garantirmos que essas habilidades, conhecimentos, atitudes possam ser de fato inseridos no ensino da língua. Assim, acreditamos que, através da atividade de planejar, podemos refletir sobre nossas decisões, considerando as habilidades e os conhecimentos prévios dos alunos, e podemos 41 conduzir melhor a aula, prevendo dificuldades dos alunos, organizando o tempo de forma mais sistemática e avaliando os resultados obtidos. Para realizarmos planejamento no sentido acima exposto, precisamos desenvolver atitudes de registro e armazenamento de material, possibilitando-nos reaproveitar ideias e repensar o que já foi feito. Magalhães e Yazbek (1999, p. 37), a esse respeito, afirmam que: São as observações, os registros de situações e as reflexões sobre essas observações que lhe possibilitam (o professor) distanciar-se de seu fazer e compreendê-lo de forma mais ampla, não mais como simples agir, mas como uma ação didática possível de ser generalizada e transferida para novas situações. Sem uma ação reflexiva, suas experiências, por melhores que sejam, mantém-se no âmbito da vivência, circunscritas àquele grupo e momentos únicos em que foram concebidas. Assim, o planejamento assume um papel também de auto formação profissional, na medida em que permite que retomemos o que fizemos e pensemos sobre o que faremos em outras situações, possibilitando-nos replanejamentos contínuos e sistemáticos. Em suma, o que queremos é salientar o quão importante é essa etapa do ensino e o quanto temos a ganhar quando desenvolvemos boas estratégias de planejamento e registro do nosso dia-a-dia. A seguir, haveremos de nos deter em reflexões relativas às diferentes maneiras de organizar as atividades de sala de aula quando fazemos nossos planejamentos. Para pensarmos sobre a organização das atividades didáticas, fizemos uma classificação dos tipos de situação de sala de aula que temos encontrado em nossas observações. As modalidades de organização que serão expostas com base nos exemplos dos professores são: 1. Atividades permanentes; 2. Projetos didáticos; 3. Atividades sequenciais; 4. Atividades esporádicas, e 5. Jogos. 42 9 ATIVIDADES PERMANENTES Fonte: www.bp.gspot.com.br A leitura faz parte da rotina de sala de aula da turma de Infantil VI (alfabetização) que ensino. Todos os dias, após a colocação da data no quadro, realizamos leituras de textos diversos (poemas, contos, parlendas, história em quadrinhos, entre outros). Os alunos ficam muito ansiosos por esse momento. A princípio era eu que levava o material que ia ser lido para a sala (do acervo da escola ou do meu acervo pessoal). Levava dois ou três para eles escolherem qual gostariam de ler naquele dia, mas sempre dizia que quem tivesse em casa podia trazer para a gente ler. Depois de um tempo, os alunos foram se empolgando cada vez mais e faziam questão de participar, trazendo materiais que tinham em casa, como livrinhos de conto de fadas, gibis e histórias bíblicas. Notei que com esses momentos meus alunos despertaram mais para a leitura. Já conseguem perceber, entre outras coisas, se o texto lido se trata, por exemplo, de um conto, de uma poesia ou de uma história em quadrinhos. Vários vezes os vi ensaiando leituras de livrinhos e mesmo que ainda não tenham muito domínio não ficam desestimulados. Isso tornou bem mais fácil o trabalho com a leitura na sala de aula. (Leila Nascimento da Silva, turma: Infantil VI (alfabetização), Escola Municipal Santa Catherine Labouré, em Jaboatão dos Guararapes). 43 Leila deu um exemplo de uma atividade permanente que realizava: leitura diária. Os jovens alunos da professora mostraram interesse pelos textos que ela levava para a sala de aula. Interessante observar, no relato da docente, que, aos poucos, os próprios alunos começaram a levar textos para a sala. Esse relato leva- nos a perceber que muitas vezes nós subestimamos nossos alunos, quando dizemos que não podemos fazer tal solicitação em escolas públicas porque os alunos não dispõem de livros de literatura. Na verdade, em grande parte dos lares isso se confirma, mas, na medida em que um ou outro aluno traz esses livros, podemos verificar que existe a possibilidade, que não pode ser desperdiçada, de conhecermos melhor o que nossos alunos dispõem em casa ou em outros ambientes nos quais eles circulam, e que nós não sabemos. A leitura diária na escola já vem sendo apontada como uma das estratégias mais eficazes para inserir os alunos no mundo da literatura, da mídia, do humor. Participando dessas situações, os alunos se familiarizam com variados gêneros textuais e ampliam seus repertórios de textos, o que pode levá-los a querer ter acesso a outros textos do mesmo gênero, ou do mesmo autor, ou do mesmo tema. Entre outros “ganhos”, podemos citara ampliação do vocabulário, que, sem dúvida, gera mais compreensão em textos de diferentes gêneros. Purcell-Gates (2004, p. 33) salienta a esse respeito que: foi demonstrado que a prática de leitura influi no aumento de vocabulário. A leitura de contos provoca a aprendizagem de palavras novas, introduzindo palavras de baixa frequência no repertório léxico do menino ou da menina. Por exemplo, Crain-Thoreson e Dale (1999), em um estudo sobre a leitura de contos, concluíram que a frequência de leitura de contos aos 2 anos de idade era um dos melhores indicadores do domínio posterior da linguagem, medido em conhecimento de sintaxe e vocabulário aos 12 anos. Além da ampliação do vocabulário e do aumento do grau de letramento, como maior familiarização com os diferentes gêneros textuais, os alunos aprendem sobre as características da linguagem escrita. O melhor argumento, no entanto, para realizarmos atividades permanentes de leitura de textos é a construção de uma identidade leitora, em que diferentes finalidades de leitura constituam práticas permanentes desses alunos, incluindo-se, aí, as práticas de leitura para fruição, para deleite. O fundamental é que os alunos gostem / queiram ler cada vez mais. 44 Lembramo-nos, ao falar sobre tal tema, da crônica “Concertos de leitura”, de Rubem Alves (1996), quando ele se refere a sua professora de infância: “Foi Dona Iva – não sei se ela ainda vive – quem me ensinou que ler pode ser delicioso como voar ou como patinar. Ela lia para nós. Não era para aprender nada. Não havia provas sobre os livros lidos. Ela lia para que tivéssemos o prazer nos livros. Era pura alegria. Poliana, Heidi, Viagem ao céu, O saci. Ninguém faltava, ninguém piscava. A voz de dona Iva nos introduziu num mundo encantado. O tempo passava rápido demais. Era com tristeza que víamos a professora fechar o livro.” Apesar de ser uma das mais citadas e mais importantes, a leitura diária não é a única atividade permanente que encontramos nas escolas. Hora da conversa, chamada, hora da música, hora da arte são outros tipos de atividade permanentes que também são ótimas para desenvolver capacidade de compreensão e produção de textos dos alunos. Mas, o que são atividades permanentes realmente? Entendemos que as atividades permanentes são intervenções pedagógicas realizadas com alta frequência, através de certa repetição de procedimentos, num intervalo de tempo, orientados por objetivos atitudinais (relativos ao desenvolvimento de atitudes e valores) e/ou procedimentais (relativos ao desenvolvimento de estratégias de ação, ao “como fazer”). Na hora da leitura, por exemplo, busca-se construir uma identidade leitora, aumentando o repertório de textos a que os alunos têm acesso, ajudando-os a desenvolver o gosto pela literatura, pela música ou pela leitura de jornal, entre outras, dependendo do material escolhido para ser lido. Na hora do desenho, podemos ter como objetivo procedimental fazer com que os alunos desenvolvam estratégias de representar de diferentes modos a realidade, diversificando as técnicas de desenho ou pintura. 45 10 PROJETOS DIDÁTICOS Fontes: www.photos.projects-abroad.org.com A professora Zidinete combinou com as demais professoras da escola que iriam realizar um projeto sobre o índio para apresentação no Dia do Índio. Zidinete decidiu propor aos alunos que eles abordassem o tema “O que mudou na vida dos índios nos últimos 500 anos?” Assim, o problema a ser investigado era a vida dos índios no período em que os portugueses chegaram ao Brasil e no período atual (2002), procurando identificar o que mudou e o que permaneceu apesar do tempo. O produto final foi um livro a ser doado à Biblioteca no dia da comemoração do Dia do Índio. Juntamente com os alunos, definiu que as etapas do projeto seriam: levantamento bibliográfico sobre o tema, leitura dos materiais conseguidos (dois textos por aula, fazendo sempre esquemas dos textos em cartazes), discussões sobre o tema a partir das informações colhidas nos materiais, produção de texto individual (que seria a apresentação do livro - cada aluno teria a sua cópia do livro com a sua apresentação), produção coletiva do relato histórico a partir dos esquemas produzidos. A professora comentou como fez levantamento bibliográfico: “Eu pedi pra que eles pegassem os livros e procurassem ver quais livros estavam falando sobre o Índio. Aí foram. Depois que eles pegaram os livros, aí eu selecionei seis livros e aí foram lidos de dois em dois. 46 Segunda, quarta e sexta é aula de Português, aí eu pegava, lia os livros e fazia um esquema. Foram três esquemas que eu fiz com a leitura de dois livros”. O apoio da figura, segundo a professora, era importante porque muitos ainda não sabiam ler. Esses alunos escolhiam os livros que tinham figuras de índios. Os esquemas eram feitos coletivamente, após a leitura dos textos. A professora lia o texto e perguntava quais informações eram importantes para o que eles estavam pesquisando. Os alunos destacavam as informações mais importantes dos textos do dia e ela ia escrevendo em uma cartolina em forma de esquema, que deixou expostos na sala. Ela falou de sua função enquanto mediadora do processo de produção de textos: “Eu estava observando [...] Vendo quem estava fazendo... Por que não estavam... Todos fizeram, entendeu? [...] Foram 32 alunos que conseguiram fazer”. (Zidinete Maria Alves Caribé, 1ª série, Escola Municipal Marcelo José do Amaral, Camaragibe - PE). Zidinete forneceu um ótimo exemplo de projeto didático. Durante um mês, os alunos trabalharam junto à professora para elaborar o livro sobre os índios, que foi combinado por eles desde o início do processo. De fato, os projetos didáticos são excelentes modos de levar os alunos a planejar e a executar um plano de ação para chegar a um produto estabelecido no grupo. Os PDs, tal como propõe Leite (1998), implicam intencionalidade; busca de respostas autênticas e originais para o problema levantado pelo grupo; seleção de conteúdos em função da necessidade de resolução do problema e da execução do produto final (conhecimento em uso) e a coparticipação de todos os envolvidos nas diversas fases do trabalho (planejamento, execução, avaliação). Essa forma de trabalho favorece, de maneira dinâmica, a construção do pensamento científico e de atitudes de pesquisa. Assim, vários objetivos procedimentais são visados nos projetos didáticos. Muitos desses procedimentos que são desenvolvidos na execução de um projeto didático são os que pesquisadores utilizam na construção do conhecimento científico. García-Milà (2004, p. 133) assinala que a construção do conhecimento científico envolve processos estratégicos de dois tipos: básicos e integrados. Segundo a autora: Os processos estratégicos básicos são observar, classificar, comunicar, tomar medidas, fazer estimativas e predizer. Os processos estratégicos integrados requerem uma combinação dos anteriores e representam os processos de investigação científica: identificar, controlar e operacionalizar variáveis, formular hipóteses, projetar experimentos, compilar, representar e 47 interpretar dados, projetar modelos, fazer inferências, argumentar conclusões, e, finalmente, elaborar informes científicos. Essa mesma autora defende que: Ao aprender ciências, desenvolvem-se formas para compreender o mundo; para isso, os meninos e as meninas têm de construir conceitos que os ajudem a conectar experiências. São também desenvolvidas estratégias para adquirir e organizar informação e aplicar e comprovar ideias, ao mesmo tempo em que se adquirem atitudes científicas. Tudo isso contribui para dar sentido
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