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CLÍNICAS V cap.39 (Dor: Princípios e práticas) Fibromialgia (SFM): A síndrome fibromiálgica (SFM) é uma condição dolorosa crônica difusa do sistema musculoesquelético, com duração de pelo menos 3 meses, não-articular, caracterizada pela presença de dor à palpação em locais predeterminados denominados pontos dolorosos. É geralmente associada à fadiga persistente, rigidez, sono leve não reparador, estresse emocional e vários outros sintomas. Não há uma patologia de tecido específico, e as queixas incluem dor articular, lesão muscular, inflamação e dor visceral. Estímulos térmicos tônicos com intensidade insuficiente para gerar dor elevam o limiar de dor, causada por estímulos elétricos em indivíduos saudáveis, mas não nos pacientes com SFM, fenômeno que sugere que haja deficiência do sistema do controle inibitório da nocicepção. Anormalidades similares frente ao calor e ao frio também são observadas. O processamento sensorial é anormal nos doentes com SFM. Observou-se que há redução da tolerabilidade à dor mediante estimulação elétrica; frequentemente, ocorre sensação disestésica persistente ao redor do local estimulado, durando 10 a 20 minutos, após o término da estimulação, e difusamente distais e proximalmente ao estimulador em casos da SFM. A atividade da substância P (sP) aumenta 3x no líquido cerebrospinal em doentes com SFM. A sP reduz o limiar da excitabilidade sináptica, resultando em ativação de sinapses normalmente silenciosas, sensibilizando os neurônios espinais de 2ª ordem. A hiperalgesia é caracterizada pela sensibilização central, que depende, em parte, da ativação dos receptores NMDA e da liberação de sP e pelos aferentes nociceptivos primários da medula espinal. A disfunção serotoninérgica parece exercer um papel importante em casos de SFM. O nível sérico de serotonina e do seu precursor, o L-triptofano, está significativamente reduzido em doentes com SFM. Essa depleção da serotonina ocasiona uma diminuição do sono não-REM e um aumento de queixas somáticas, depressão e percepção à dor. A redução da atuação de serotonina nos receptores serotoninérgicos do SNC encefálico e espinal pode ocasionar redução na produção de hormônios do eixo hipotálamo-hipofisário-adrenal, do sono delta e da sP no encéfalo. O aumento da sP na medula espinal relaciona-se com a alodinia e hiperalgesia difusa. É possível que a hipoatividade desses neurotransmissores justifique a ocorrência da dor em casos de SFM. Parece ocorrer aumento da atividade de NT excitatórios, em especial da sP, e deficiência, principalmente da serotonina, da atividade dos neurotransmissores inibitórios poderiam implicar na percepção alterada dos estímulos nociceptivos. Foi observado que 68 a 100% dos doentes com fibromialgia apresentaram PGs miofasciais. Em cerca de 40% dos doentes com fibromialgia, há necessidade do tratamento dos PGs pelas diversas técnicas de inativação. A sensibilização dos nociceptores é responsável pelo dolorimento localizado a digitopressão e contribui para o mecanismo da dor referida. A dor referida, em grande parte, é devida à sensibilização dos neurônios sensitivos da substância cinzenta do corno posterior da medula espinal que apresentam ampliação de seus campos receptivos e tornam-se reativos aos estímulos nociceptivos e não-nociceptivos. Ocorrem anormalidades neuroendócrinas no eixo hipotálamo-pituitário-adrenal em doentes com SFM. A dor e a fadiga associadas à fibromialgia são estressantes. A resposta Karolina Cabral Machado - P5 2021.2 CLÍNICAS V ao estresse está relacionada ao sistema de estresse que inclui o ACTH , a noradrenalina, o sistema nervoso neurovegetativo, o locus ceruleus, o sistema nervoso periférico e o eixo hipotálamo-hipofisário-adrenal. O hipotálamo é o principal centro regulador do eixo hipotálamo-hipofisário-adrenal. Sua ativação aumenta a secreção do ACTH, que, por sua vez, estimula a secreção do cortisol pelo córtex adrenal. O cortisol, por mecanismo de feedback negativo, inativa o hipotálamo, a hipófise e outros centros do SNC que regulam a função hipotálamo-hipofisária-adrenal. Em casos de SFM, há reação exagerada ao ACTH e ao CRH e reação adrenal ao ACTH. A fadiga está relacionada ao sono não-reparador, ao descondicionamento físico, à escassez de estratégias de enfrentamento e às disfunções endócrinas envolvendo o eixo hipotálamo-hipofisário-adrenal, incluindo a deficiência de GH. A liberação do GH ocorre principalmente nos estágios 3 e 4 do sono não-REM. A secreção inadequada de GH pode estar relacionada à disfunção do sono não-REM em casos de SFM. Fatores psicológicos que influenciam os sistemas de percepção e modulação da dor também parecem estar relacionados à SFM. O diagnóstico é fundamentalmente clínico com as suas características. Não há evidências de anormalidades laboratoriais ou nos exames de imagem. Os critérios diagnósticos (1990) da fibromialgia sugeridos pelo CAR são: 1. História clínica: dor generalizada localizada no hemicorpo direito e esquerdo, acima e abaixo da cintura, além do eixo axial (região cervical, face anterior do tórax, dorso e região lombar) com duração superior a 3 meses. 2. Exame físico: dor à palpação digital com 4 kg/cm² em áreas denominadas pontos dolorosos (tender points) em 11 ou mais dos seguintes pontos (bilateralmente): • Inserção dos músculos suboccipitais na nuca • Ligamentos dos processos transversos da quinta à sétima vértebra cervical • Bordo rostral do trapézio • Músculo supra-espinal • Junção do músculo peitoral com a articulação costocondral da segunda costela • 2 cm abaixo do epicôndilo lateral do cotovelo • Quadrante látero-superior da região glútea, abaixo da espinha ilíaca • Inserções musculares no trocanter femoral • 2 cm rostralmente à linha articular do côndilo medial do fêmur *Quando o número de pontos dolorosos < 11, mas há concomitância de outros sintomas e sinais, o diagnóstico de fibromialgia também pode ser realizado! Karolina Cabral Machado - P5 2021.2 CLÍNICAS V Os critérios diagnósticos a partir de 2010 são índice de dor generalizada (IDG) e a escala de gravidade dos sintomas (EGS): Classifica-se como fibromialgia se as 3 condições estiverem presentes: → IDG ≥ 7 e EGS ≥ 5 ou IDG 3-6 e EGS ≥ 9; → Sintomas estáveis e presentes por pelo menos 3 meses; → Não haver outra causa/explicação para a dor; O tratamento inclui o controle da dor e da fadiga, melhora do padrão do sono, o controle das anormalidades do humor, a melhora da funcionalidade e a reintegração psicossocial, ou seja, há necessidade de interação interdisciplinar. Prevenção da recorrência dos sintomas e melhora ou manutenção da qualidade de vida também é fundamental na reabilitação dos pacientes com SFM. Embora os antidepressivos tricíclicos sejam a pedra angular do tratamento, outros agentes têm se revelado igualmente eficazes, como os AINES, os miorrelaxantes, os ansiolíticos, os sedativos e os opióides. Alguns desses agentes podem ser usados como terapia primária, e outros, com papel adjuvante, corrigindo anormalidades do sono, ansiedade, depressão e fadiga. Dentre o tratamento não medicamentoso, temos exercícios musculoesqueléticos, que devem ser realizados 2x por semana. Aeróbicos podem ser benéficos para alguns pacientes de forma individualizada e moderadamente intensa. Alongamento e programas de fortalecimento muscular também podem beneficiar alguns portadores, bem como reabilitação e fisioterapia ou relaxamento. A terapia cognitivo-comportamental pode beneficiar muitos pacientes, bem como outros tipos de suporte psicoterápicos. Já pilates, RPG, homeopatia e outras terapias alternativas não se mostraram eficazes. Karolina Cabral Machado - P5 2021.2
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