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CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI ARTE E PROCESSO DE CRIAÇÃO GUARULHOS – SP 2 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 4 2 PRINCIPAIS ABORDAGENS DA ARTE ................................................................. 5 2.1 Cultura e Arte ...................................................................................................... 9 3 A ARTE COMO UM REFLEXO DA CULTURA E DA SOCIEDADE ...................... 13 3.1 Funções da Arte ................................................................................................ 15 3.1.1 Função pragmática ou utilitária ......................................................................... 16 3.1.2 Função naturalista ............................................................................................ 17 3.1.3 Função formalista ............................................................................................. 18 3.1.4 Função interativa .............................................................................................. 20 4 O PROCESSO DE CRIAÇÃO ............................................................................... 22 4.1 O percurso do artista na construção do projeto artístico ................................... 23 4.2 O produto criativo .............................................................................................. 26 4.3 A pessoa criativa ............................................................................................... 26 4.4 Ideias correntes ................................................................................................ 28 4.5 Componentes do processo criativo ................................................................... 30 5 CONCEITOS FUNDAMENTAIS SOBRE O PROCESSO DE CRIAÇÃO .............. 31 5.1 Freud (1856 – 1939) ......................................................................................... 34 5.2 Lacan (1901 – 1981) ......................................................................................... 36 5.3 Platão (427-347 a.C.) ........................................................................................ 37 5.4 Aristóteles (384 – 322 a.C.) .............................................................................. 39 6 PERCORRENDO OS PROCESSOS DE CRIAÇÃO ARTÍSTICA ......................... 41 6.1 O processo de criação artística e a constituição da cultura .............................. 42 6.2 Documentos de processo ................................................................................. 43 6.3 Movimento permanente .................................................................................... 44 6.4 Tendências de processo ................................................................................... 45 6.5 Acaso ................................................................................................................ 46 6.6 Produção de conhecimento .............................................................................. 47 6.7 Poética .............................................................................................................. 48 6.8 Ação, pensamento, sensação ........................................................................... 49 6.9 Instrumentos e recursos ................................................................................... 50 6.10 Conhecimento da matéria ................................................................................. 51 3 7 A INFLUÊNCIA DO USO DE MÉTODOS NO PROCESSO DE CRIAÇÃO........... 52 7.1 Criatividade ....................................................................................................... 52 7.2 Invenção e Inovação ......................................................................................... 53 7.3 Imaginação no processo artístico ..................................................................... 55 7.4 As produções artísticas e seus contextos de produção .................................... 56 8 PROCESSOS DE CRIAÇÃO E ESTUDOS GENÉTICOS .................................... 57 8.1 Referências do processo criativo ...................................................................... 60 8.2 Aspectos Formativos das Redes de Criação .................................................... 61 9 AS ETAPAS DO PROCESSO CRIATIVO PROPOSTAS POR WALLAS ............. 61 9.1 Preparação ....................................................................................................... 62 9.2 Incubação ......................................................................................................... 63 9.3 Iluminação ........................................................................................................ 63 9.4 Verificação ........................................................................................................ 64 10 O PROCESSO CRIATIVO NA CONTEMPORANEIDADE .................................... 65 10.1 Historicidade e Contemporaneidade ................................................................. 66 10.1.1 Barroco ............................................................................................................69 10.1.2 Mudanças............. .......................................................................................... 71 10.2 Conhecimentos e habilidades do ser criativo .................................................... 73 11 O PROCESSO DE CRIAÇÃO COMO FERRAMENTA DE ENSINO .................... 73 11.1 Preparação e imaginação ................................................................................. 77 11.2 Processo criativo do docente ............................................................................ 79 11.3 Linguagem musical ........................................................................................... 80 11.4 Linguagem Teatral ............................................................................................ 82 11.5 Linguagem Visual ............................................................................................. 83 11.6 Linguagem da dança ........................................................................................ 83 12 EDUCAÇÃO EM ARTE ......................................................................................... 84 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 88 4 1 INTRODUÇÃO Prezado aluno! O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos! 5 2 PRINCIPAIS ABORDAGENS DA ARTE A história da arte está diretamente relacionada com a história humana, quando esta proporciona ao homem um enriquecimento de suas experiências, uma forma de fantasiar acerca dos aspectos mais corriqueirose cotidianos, e de estimular a vida de outros por meio das características e singularidades presentes em uma obra desenvolvida, o que faz com que a arte seja uma ferramenta indispensável para a vida dos homens. Alguns estudos existentes tentam definir o que é arte. No entanto, ao se analisar as diferentes concepções acerca de sua natureza, percebe-se a dificuldade desta tarefa, frente à manifestação de intermináveis conceitos, comumente antagônicos, contraditórios e divergentes entre si, fazendo com que muitos entendam que a natureza da arte seria incompatível com o engessamento de uma definição. Nesse sentido, a arte, necessariamente, deveria ter significados fluidos, flexíveis, mutáveis, pois apenas estes seriam condizentes com a sua natureza sempre tão maleável. (SANTOS, 2018). Ao longo da história, o homem sempre produziu inúmeros artefatos para o seu dia a dia, concebidos de forma harmoniosa, a partir da combinação de cores e texturas. Mas, além de produzir objetos cotidianos, ele criou obras para expressar os seus sentimentos diante da vida e a sua visão da realidade, nas mais diversas linguagens. A arte nasceu com o homem e deu a ele a consciência de sua capacidade de criar, de sua possibilidade de interpretar, imaginar e se comunicar. Assim, a necessidade de manifestar-se artisticamente acompanha a evolução humana desde a Pré-História. Desse período datam as primeiras manifestações estéticas, ainda relacionadas aos rituais de conquistas. Para o crítico inglês John Ruskin (apud PROENÇA, 2009, p. 6), “[...] as grandes nações escrevem sua autobiografia em três volumes: o livro de suas ações, o livro de suas palavras e o livro de sua arte”. Ele ainda acrescenta que “[...] nenhum desses três livros pode ser compreendido sem que se tenham lido os outros dois, mas desses três, o único em que se pode confiar é o último”. Partindo dessa colocação, você pode entender a arte como reflexo da sociedade, ou seja, como algo profundamente ligado à cultura e aos sentimentos de 6 um povo. É por isso que, aos olhos de Ruskin, o livro da arte é o mais confiável. Por meio da arte, o homem pode se manifestar expressivamente e registrar a sua vida em diferentes aspectos. Ele pode, por exemplo, retratar uma festa, um nascimento, um trabalho, uma manifestação religiosa, assim como momentos de ilusão, ou ainda devaneios, sátiras e críticas. Em geral, as atividades humanas em algum momento foram elementos de representação artística, nas mais diversas linguagens, temas e técnicas de produção. Fonte: https://www.magnusmundi.com/michelangelo-e-capela-sistina/ A palavra “arte” vem do latim ars e corresponde ao termo grego tékhne (“técnica”), que significa “[...] toda atividade humana submetida a regras em vista da fabricação de alguma coisa” (CHAUÍ, 2003 apud FERREIRA, 2011, p. 61). A arte é um meio de fazer, de produzir. Nesse sentido, ela pressupõe um conhecimento prévio inerente ao ser humano. Veja: A arte é muitas coisas. Uma das coisas que a arte é, parece, é uma transformação simbólica do mundo. Quer dizer: o artista cria um mundo outro — mais bonito ou mais intenso ou mais significativo, ou mais ordenado — por cima da realidade imediata [...]. Naturalmente, esse mundo do outro que o artista cria ou inventa nasce de sua cultura, de sua experiência de vida, das ideias que ele tem na cabeça, enfim, de sua visão de mundo [...] (GULLAR apud FERREIRA, 2011, p. 61). A arte, apesar de ser um conceito subjetivo, pode ser compreendida como um saber. Ela alia conhecimentos teóricos e práticos de modo a expressar os sentimentos de um povo intrínsecos ao seu contexto social. 7 Para D’Arcy Hayman (1975, p. 19), a arte deve ser definida como uma experiência que, necessariamente, precisa ser compartilhada, sendo a forma pela qual o homem demonstra seus ideais e sentimentos, o que faz com que a arte seja “a própria essência de tudo que é humano e como tal dá forma à experiência do homem e às metas traçadas por ele”. As obras de arte apresentam diferentes temas. Você pode considerar que elas: Retratam elementos naturais, como é o caso das pinturas nas cavernas de Altamira, na Espanha; Fonte: https://www.historiadasartes.com/ Expressam os sentimentos religiosos do homem, tal como o quadro Natividade, do pintor renascentista Sandro Botticelli, ou A Máscara do Deus-Morcego criada por uma antiga civilização pré-colombiana do México; https://www.historiadasartes.com/ 8 Fonte: https://artrianon.com/ Retratam situações sociais, como A Família de Retirantes, do pintor brasileiro Candido Portinari; Fonte: https://www.culturagenial.com/ Sugerem diferentes impressões a quem as contempla, como as pinturas de Tomie Ohtake. https://artrianon.com/ https://www.culturagenial.com/ 9 Fonte: http://obviousmag.org/ 2.1 Cultura e Arte Arte e cultura são expressões que, não raras vezes, possuem suas definições confundidas entre si, equivocadamente tendendo a ser entendidas como sinônimas, portadoras de uma mesma concepção. Para que se possa romper essa perspectiva limitadora, deve-se invadir novos caminhos de estudos humanísticos e antropológicos, permitindo alcançar uma distinta visão de arte, não mais como sinônimo de cultura, mas como parte integrante desta. (SANTOS, 2018). A cultura, segundo o Dicionário Informal (2019, documento on-line), pode ser compreendida como um “[...] conjunto de manifestações artísticas, sociais, linguísticas e comportamentais de um povo ou civilização [...]”. Assim, fazem parte da cultura de um povo as atividades de teatro, música, danças, a arquitetura, as formas de organização das sociedades, os pensamentos, as criações, a língua falada e escrita bem como os rituais religiosos. Assim, pode-se afirmar que a cultura de um povo refere-se a expressão coletiva do homem em seu contexto social. Diante disso, observa-se que as manifestações de cultura na verdade são tipos de arte, pois a arte pode ser compreendida, segundo o Dicionário Informal (2019, documento on-line) como a “[...] aptidão ou habilidade para fazer alguma coisa [...]”, estando relacionada a culinária, às obras artísticas de uma época ou país, ao artesanato, entre outras áreas. http://obviousmag.org/ 10 A arte possui um caráter estético e está intimamente relacionada com as sensações e emoções dos indivíduos. [...] Vale salientar que a arte tem uma importante função social na medida que expõe características históricas e culturais de determinada sociedade, tornando-se um reflexo da essência humana (AIDAR, 2019, documento on-line). Enquanto a cultura vai sendo consolidada ao longo do tempo, levando em consideração diversos fatores, a arte faz parte da cultura e vai sendo produzida pelo homem conscientemente. Nesse sentido, a arte é uma forma de o ser humano expressar suas emoções através de diferentes maneiras. Portanto, as manifestações artísticas são o reflexo da história e da cultura de um povo e dessa forma fazem parte da cultura. Segundo Coli (1995, p. 8), “[...] somos capazes de identificar algumas produções da cultura em que vivemos como sendo ‘arte’ [...]”. É possível dizer que “[...] arte, são certas manifestações da atividade humana diante das quais nosso sentimento é admirativo, isto é: nossa cultura possui uma noção que denomina solidamente algumas de suas atividades e as privilegia [...]”. (COLI, 1995, p. 8). A arte está presente na humanidade desde a pré-história e advém da necessidade do homem em representar os seus anseios, registrar momentos, expandir sua criatividade e demonstrar suas visões de mundo. Sendo uma das formas de representação da cultura, a arte tem a capacidade de evoluir de acordo com contextos e estilos, causando diferentes efeitos. Ela pode ser dividida em plástica, cênicas e visuais. As artes plásticas estãorelacionadas a arquitetura, escultura, artesanato e artes gráficas. As artes visuais podem ser determinadas pelas representações artísticas as quais usa-se muito a imaginação, como por exemplo, a pintura. Já as artes cênicas envolvem o teatro, a música e a dança. Conforme Aidar (2019), Aristóteles afirmava que a arte poderia ser entendida como uma imitação da realidade. “Esse conceito, mais tarde, foi duramente refutado por diversas correntes artísticas que compreendiam que a arte não era somente baseada na imitação da realidade, e sim, na criação [...]” (AIDAR, 2019, documento on-line). Na Idade Média as artes foram divididas em artes manuais, conhecidas também como artes mecânicas, e artes liberais, nomeadas também como artes intelectuais. Nesse momento valorizava-se mais as artes intelectuais, justamente por seu caráter voltado ao intelecto. A arte, assim como a arquitetura, pode ser dividida através de diferentes períodos, que produziram formas de arte diversas e voltadas ao contexto histórico. 11 A arte vai além de ser uma forma de representação e expressão de cada indivíduo, ela serve também para comunicar significados, retratar a história, manifestar códigos, podendo envolver a todos e permanecendo viva diante do passar do tempo. Assim, as formas de arte são elementos que aproximam as pessoas, e colaboram para o reconhecimento de semelhanças e diferenças de cada visão, perspectiva e senso estético. Segundo Coli (1995), é muito difícil dizer o que é arte e o que não é. Atualmente existem diversos pesquisadores e estudiosos que podem atestar se uma produção criativa pode ser considerada como arte. Nossa cultura também prevê locais específicos onde a arte pode manifestar- se, quer dizer, locais que também dão estatuto de arte a um objeto. Num museu, numa galeria, sei de antemão que encontrarei obras de arte; num cinema "de arte", filmes que escapam à "banalidade" dos circuitos normais; numa sala de concerto, música "erudita", etc. Esses locais garantem-me assim o rótulo "arte" às coisas que apresentam, enobrecendo-as. No caso da arquitetura, como é evidentemente impossível transportar uma casa ou uma igreja para um museu, possuímos instituições legais que protegem as construções "artísticas" (COLI, 1995, p. 11). Ainda, mesmo que uma manifestação criativa não seja efetivamente rotulada como “arte”, ela consegue, da mesma forma, expressar as identidades de quem a criou, do povo, da origem, da história e das visões de mundo de uma pessoa e seu local. É também por meio das expressões artísticas que as pessoas conhecem outras realidades, expandem sua consciência e conseguem se inserir em outros contextos, compreendendo diferentes culturas e valorizando-as. Por isso que a arte faz parte de qualquer cultura, possuindo uma função muito importante dentro de cada região, comunidade ou povo, pois consegue construir e apresentar, através de diferentes formas de expressão e visões de mundo, conteúdos e história. (SCOPELL, 2018). Diante disso é evidente o quanto a arte e a cultura estão conectadas, pois a arte é um dos meios os quais pode-se apreciar, identificar e adquirir conhecimento de diferentes locais. Além disso, são os diversos tipos de arte que, juntamente com outros elementos, concebem e fazem parte de uma cultura, tornando-se únicas em cada local. Apesar de a relação entre arte e cultura ser bastante clara, é importante perceber que a cultura não é representada somente pelos diversos tipos de arte, mas é muito mais complexa que isso, abrangendo também os contextos históricos, os 12 hábitos de um povo, as técnicas passadas de geração em geração, as crenças e tradições, bem como os valores e símbolos de cada povo. (SCOPELL, 2018). Para a visão intelectual dos antropólogos, a cultura seria um gênero, um todo que englobaria os modos de pensar, valores morais, religiosos, sistemas de símbolos, incluindo a língua, a estética e as artes. Portanto, os antropologistas defendem uma visão de universalidade da cultura, pautada na ideia de que onde existir sociedade humana, existirão expressões culturais. Eles entendem que a arte se encontra englobada pela cultura, sendo um de seus aspectos, porém não o único. No entanto, os sociólogos tendem a questionar essa visão antropológica da arte e cultura que somente se destinaria para sociedades simples, homogêneas. Para sociedades complexas, como no caso das sociedades modernas, essas seriam mais amplas, pautadas na heterogeneidade, nas diferentes tradições, visões de mundo e distintas subculturas, coexistindo ao mesmo tempo apesar de seu antagonismo. (SANTOS, 2018). É preciso afirmar que ainda não existe um posicionamento claro de quais seriam os limites das fronteiras conceituais existentes entre arte e cultura, que pudesse ser aplicado em todas as distintas formas de sociedade, das mais simples e homogêneas, até as mais avançadas e heterogêneas. Assim sendo, é de se reiterar a presença de tão variados enfoques acerca da entrelaçada relação existente entre arte e cultura, manifestando-se correntes de pensamento que prestigiam aspectos distintos acerca dos domínios e da totalidade de cada expressão, inexistindo uma compreensão universal quanto aos pontos de variedade e integração presentes nas concepções de arte e cultura. (SCOPELL, 2018). Estão elencados abaixo alguns elementos que compõem a cultura. Conhecimentos: são informações que as pessoas vão acumulando, transmitindo e relacionando entre si, de acordo com sua vivência e seu cotidiano. Cada cultura privilegia um conjunto de conhecimentos para passar de geração a geração. Crenças: é algo em que se acredita como, por exemplo, a fé religiosa. Valores: podem ser objetos ou, como queremos destacar aqui, princípios e padrões que orientam o comportamento das pessoas. 13 Normas: são as regras, em geral não escritas, mas conhecidas por todos, que orientam como as pessoas devem agir cotidianamente para facilitar o convívio. Símbolos: são representações físicas ou sensoriais, com significados que o homem atribui de acordo com o momento histórico ou lugar. Por exemplo, uma bandeira é um símbolo, um gesto de mão pode ser um símbolo, um objeto pode ser um símbolo. Usos: padrões de comportamento reconhecidos e aceitos pelo grupo social de um mesmo país, estado ou região; embora bastante adotados, não são obrigatórios. Costumes: padrões de comportamento que o grupo social espera que seus integrantes adotem. Cada país, região e cidades possuem costumes diferentes que além dos aspectos sociais podem ser influenciados por outras questões como, por exemplo, aspectos geográficos. Leis: são regras de comportamento normalmente escritas, complexas, que cada sociedade (nem todas) adota como forma de organizar e facilitar o convívio. Tradições: é o conhecimento que se transmite oralmente de geração para geração; Hábitos: maneira de ser e agir que se repete com frequência, sem racionalização. Personagens: são pessoas que possuem uma representatividade histórica e/ou contemporânea, locais e regionais, ligados às artes, à literatura, à história e a política. 3 A ARTE COMO UM REFLEXO DA CULTURA E DA SOCIEDADE A obra de arte se situa entre o particular e o universal da experiência humana. Cada obra é tanto um produto cultural de determinada época quanto uma criação singular da imaginação humana, cujo valor é universal. A obra de arte revela para o artista e ao mesmo tempo para o espectador uma possibilidade de existência e comunicação, além dos fatos e relações habitualmente conhecidos. Dessa maneira, a criação artística pode se distinguir das demais modalidades de conhecimento por promover a comunicação entre os seres humanos, com a utilização particular das suas formas de linguagem. (SANTOS, 2018). 14 Para Arthur Schopenhauer (2003), filósofoalemão do século XIX, caberia à arte expor ideias e assim explorar o verdadeiro conteúdo do mundo. A arte, para ele, se definiria como a “exposição de ideias” ou o modo de consideração das coisas independentemente do princípio da razão. Ela seria o conhecimento cristalino dos graus de objetivação da vontade. Pela arte, o gênio, faculdade comum a todos em menor ou maior grau, intuiria “[...] o essencial propriamente dito do mundo, o conteúdo verdadeiro de seus fenômenos [...]” (SCHOPENHAUER, 2003, p. 15). Ou seja, para o filósofo, a arte seria a maneira mais efetiva de explorar o conteúdo do mundo. Além disso, a arte pode ser entendida como um modo privilegiado de conhecimento e aproximação entre indivíduos de diferentes culturas. Afinal, ela favorece o reconhecimento das diferenças e semelhanças, expressas nos produtos artísticos e concepções estéticas, num plano mais profundo que o do discurso verbal. Por meio da análise de objetos e imagens produzidas pelo homem no decorrer dos tempos, você pode, além de obter um retrato das transformações, ver os registros das descobertas proporcionadas pela ciência, sistematizadas pela geografia, registradas pela história, desenvolvidas pela matemática. Por meio da história da arte, é possível compreender a relação do homem com o seu tema e o seu espaço. As manifestações artísticas são exemplos da diversidade cultural dos diferentes povos, expressando a riqueza criadora dos artistas de todos os tempos e lugares. Os trabalhos de arte muitas vezes expressam as questões humanas, tais como problemas sociais e políticos, sonhos, medos, perguntas e inquietações das mais diversas. Também documentam fatos históricos e manifestações culturais particulares. Como afirma Ferreira (2011, p. 67): O artista, através de sua obra de arte autêntica, pode protestar contra as barbáries do mundo, transformando a submissão em ato de luta, buscando resgatar a dignidade humana, o ser humano pleno, rumo a uma sociedade melhor, mais justa e mais democrática, onde todos possam ter acesso aos bens culturais de consumo e ao lazer. Nesse sentido, a arte não se restringe a produzir o belo ou o útil, o prazer. Mas do que isso, a “[...] arte pode contribuir para a compreensão do mundo real e expressão da verdade” (FERREIRA, 2011, p. 67). 15 Fonte: http://www.eduardokobra.com/japao-rio/ 3.1 Funções da Arte A função da arte modificou-se ao longo da história humana desde a sua origem. O homem adequou à arte as mudanças ocorridas na sociedade, nos seus costumes, na sua religiosidade, na sua forma de fazer política, de conceber a ética. Na busca humana de fazer de seu espaço algo significativo, a arte sempre teve, desde o início da humanidade, um papel essencial na compreensão do universo, na relação dialética com a realidade, com os fenômenos e com a sua imaginação lúdica. O homem sempre teve necessidade da arte, visto que ela está extremamente ligada à sua humanidade. A arte está completamente impregnada do universo humano (FISCHER, 2002). Durante muito tempo, a validade da arte estava centrada na sua função na sociedade, ou seja, a obra de arte só tinha validade mediante a função que ela desempenhava dentro da sociedade. A arte emerge da vida e, por isso, vem carregada de funcionalidade, porém esta não afeta em nada sua suficiência, ou seja, sua autonomia. Fischer (2002) defende que a arte quer ser contemplada por leis que lhe são próprias, sem abdicar da totalidade dos seus valores espirituais, sociais e éticos, de forma que toda a plenitude de significado e de funções que a obra irradia advém, na verdade, da sua própria realidade de arte. Assim, a obra não adquire validade pela função, e sim possui uma função justamente por ser suficiente. Quando enfocamos, por exemplo, a arte clássica, observamos que ela era uma produção de arte que não era entendida em primeiro plano como arte, “[...] mas como formas que se encontravam no meio religioso ou também no mundano, como 16 decoração do próprio mundo em seus atos de destaque: o culto, a representação dos soberanos e outros” (GADAMER, 1985, p. 27). Ao longo da história da arte podemos distinguir quatro funções principais para a arte – a pragmática ou utilitária, a naturalista, a formalista e a interativa. A seguir, veremos brevemente cada uma delas. 3.1.1 Função pragmática ou utilitária A arte serve como meio para se alcançar um fim não artístico, não sendo valorizada por si mesma, mas pela sua finalidade. Segundo este ponto de vista a arte pode estar a serviço para finalidades pedagógicas, religiosas, políticas ou sociais. Não interessa aqui se a obra tem ou não qualidade estética, mas se a obra cumpre seu papel moral de atingir a finalidade a que ela se prestou. Uma cultura pode ser chamada pragmática quando o comportamento, a produção intelectual ou artística de um povo é determinada por sua utilidade. Na história antiga, no tempo das cavernas, o ser humano se expressava por meio da arte sem uma intenção artística propriamente dita, sua expressão tinha uma função mágica de dominar a natureza pela capacidade de criar imagens semelhantes a fatos reais, ou de simplesmente fabricar objetos com a finalidade específica de utensílio. Havia na época, uma estética natural de embelezamento, mas não com intenção artística como a denominamos hoje, Arte Rupestre. (OSBORNE, 1968). Aranha e Martins (2005, p.135) afirmam que o interesse pela arte era de função pragmática, ou seja, “a arte serve como meio para se alcançar um fim não-artístico, não sendo valorizada por si mesma, mas só pela sua finalidade”. As autoras explicam que, conforme o momento histórico vivido, a arte poderia ter finalidades: pedagógicas; políticas; sociais; religiosas ou de manufatura. Nessa perspectiva, a arte exercia uma função social, religiosa, mágica e educativa de aprimoramento do caráter moral do indivíduo em particular e da sociedade em geral. A arte não tinha uma função artística, mas sim utilitária de um conceito prático de apreciação como qualquer produto feito pelo homem, sendo avaliada “pela sua eficácia na promoção dos objetivos para os quais tinham sido feitas.” (OSBORNE, 1968, p.32). Seguindo as ideias de Osborne (1968), Aranha e Martins (2005, p.51) enfatizam que “até o século XVIII [...] as obras de arte eram para ser usadas e apreciadas pela 17 qualidade do trabalho e pela eficácia com que serviam aos fins para os quais haviam sido criadas.” A partir daí, passou-se a fazer a distinção entre artes aplicadas ou industriais e belas artes. Os critérios avaliativos das obras na função pragmática ou utilitária estavam de acordo com os critérios de moral e de eficácia da obra em relação a sua finalidade. Importava saber se a obra havia atingido os objetivos a que se propusera, não se preocupando com a qualidade estética da obra. (OSBORNE, 1968, p.39). 3.1.2 Função naturalista O que interessa é a representação da realidade ou da imaginação o mais natural possível para que o conteúdo possa ser identificado e compreendido pelo observador. A obra de arte naturalista mostra uma realidade que está fora dela retratando objetos, pessoas ou lugares. Para a função naturalista o que importa é a correta representação (perfeição da técnica) para que possamos reconhecer a imagem retratada; a qualidade de representar o assunto por inteiro; e o vigor, isto é, o poder de transmitir de maneira convincente o assunto para o observador. Esta função da arte está ligada intimamente com o avanço da ciência e tecnologia, na descoberta de novos materiais e invenção de novas técnicas que podem ser utilizadas na representação de um objeto artístico o mais próximo da realidade. Nesta função a arte é vista como trabalho de expressão e mostra que, desde que surgiu foi inseparável da ciência e da técnica. Assim, por exemplo, a escultura grega teria sidoimpossível sem a geometria; a pintura da Renascença é incompreensível sem a matemática e a teoria da harmonia e proporções. O naturalismo marcou profundamente a arte ocidental a partir do século V A.C. na Grécia Antiga até o final do século XIX. Na arte grega o uso da técnica estava no interesse de “produzir fac-símiles convincentes das aparências visíveis das coisas, em lugar das formas e caracteres que se lhes conheciam. ” (OSBORNE, 1968, p.52). A arte abrangia um rígido formalismo, com o objetivo de dar às figuras e esculturas a aparência real e verdadeira independente do tempo e espaço, criando uma ilusão da realidade utilizando técnicas revolucionárias para a época como o escorço e a perspectiva. 18 Esse conceito é revelado, segundo Osborne (1968, p. 69), pela mimese, nítida ideia do naturalismo, ou seja, a imitação da natureza. Assim, “a definição mais antiga da arte na filosofia ocidental, a de imitação, pretende subordinar a arte à natureza ou à realidade em geral”. (ABBAGNANO, 2007, p. 368). Osborne (1968, p.54) acrescenta ainda que se definirmos “o naturalismo estético como a ambição de colocar diante do observador uma semelhança convincente das aparências reais das coisas, o critério do êxito passará a ser a verossimilhança ilusionística. ” Fonte: https://www.christies.com/ 3.1.3 Função formalista Atribui maior qualidade na forma de apresentação da obra preocupando-se com seus significados, valores e motivos estéticos. A função formalista trabalha com os princípios que determinam a organização da imagem – os elementos e a composição da imagem. Com o formalismo nas obras, o estudo e entendimento da arte passaram a ter um caráter menos ligado às duas funções anteriores importando-se mais em transmitir e expressar ideias e emoções através de objetos artísticos. Esta função baseia-se que a obra deve sustentar-se por si mesma e que o juízo da arte pode ser isolado de outras considerações tais como as éticas e sociais. Foi só a partir do séc. XX que a função formalista predominou nas produções artísticas através da arte moderna, com novas propostas de criação. Na discussão da relação 19 entre arte e sociedade existem duas concepções opostas que surgiram da função formalista – uma que afirma que a arte só é arte se for pura, isto é, se não estiver preocupada com as circunstâncias históricas, sociais econômicas e políticas – a “arte pela arte” – em que a perfeição da forma que conta e não o conteúdo da obra. E outra concepção que afirma que o valor da obra de arte decorre de seu compromisso crítico diante das circunstâncias presentes. A arte como função formalista preocupa-se com significados e motivos estéticos, se preocupa em transmitir e expressar ideias e emoções através de objetos artísticos (AZEVEDO JÚNIOR, 2007). Segundo Fischer (1983, p. 01) cabe a arte: Papel de clarificação das relações sociais, ao papel de iluminação dos homens em sociedades que se tornavam opacas, ao papel de ajudar o homem a reconhecer e transformar a realidade social. Uma sociedade altamente complexificada, com suas relações e contradições sociais multiplicadas, já não pode ser representada à maneira dos mitos. Trata-se da “arte engajada” na qual o artista toma posição diante de sua sociedade. Luta para transformá-la e melhorá-la, e para conscientizar as pessoas sobre as injustiças e opressões do presente. A “mensagem”, segundo essa concepção, é o que conta mesmo que a forma da obra seja precária, descuidada, repetitiva e sem força inovadora. No entanto, podemos dizer que uma obra de arte é grande e duradoura quando nela a perfeição da forma e a riqueza de seu conteúdo são inseparáveis, estão articuladas numa unidade harmoniosa que a constitui como única. A função ou interesse formalista visa à forma de apresentação da obra de arte em si, e principalmente a valorização da experiência estética desta obra propiciando um conhecimento concreto e sensível do mundo, cujo “objetivo [...] não é pensar o mundo e nem agir sobre ele; mas tão somente, senti-lo na sua profundidade. ” (ARANHA; MARTINS, 2005, p. 137). Assim sendo, desde o impressionismo quando os artistas davam importância à valorização das propriedades formais da obra de arte, como o uso das variações de luz, deixaram de ser importantes: o interesse pelo assunto ou o tema; a questão do realismo ou idealismo; os valores expressivos, sociais ou religiosos da obra, entre outros, que eram tão fortes no naturalismo e passam a fazer parte de um segundo plano. A obra de arte apresenta sua própria realidade autônoma e individual, isto é, é organizada com a finalidade de apreciação estética. (OSBORNE, 1968). 20 Fonte: https://artecomoarte.wordpress.com/ 3.1.4 Função interativa Já na metade do séc. XX muitos artistas de vanguarda questionavam os motivos e valores estéticos produzidos em suas obras e, com o advento das tecnologias de comunicação em massa, as facilidades em obtenção de materiais e o avanço tecnológico de produção, fez com que os criadores repensassem seu papel na sociedade e a maneira de como o observador não fosse um expectador passivo, mas sim participante e integrante da arte, em algumas vezes tornando-se até mesmo colaborador criativo e ativo. (OSBORNE, 1968). Obras que exigem do observador a sua manipulação manual, o seu posicionamento corporal espacial, a interferência gestual ou a simples presença física para despertar o gatilho estético da obra de arte faz com que a função interativa seja uma das mais atraentes para o público no séc. XXI. A mídia impressa (revistas e jornais), o rádio, o cinema, a televisão deram início de certa forma a essa função com a massificação da comunicação e, mais recentemente, o advento dos computadores pessoais domésticos, notebooks, máquinas fotográficas digitais, tablets, smartphones com leitores de realidade ampliada e QR Code (Quick Response – um código de barras bidimensional) e a internet possibilitaram uma multiplicação do fazer criativo e na divulgação no campo da arte o que, por um lado, é extremamente positivo no sentido de democratizar o 21 acesso a bens culturais a massa, por outro, pode ocasionar manifestações cujo valor artístico são questionáveis em termos de relevância social e histórica. Fonte: http://g1.globo.com/ Atualmente a arte é fortemente presente nas manifestações artísticas de massa como cinema em 3D que possibilita uma ilusão espacial ao expectador “colocando-o” dentro da ação ou os videogames, com desenvolvimento de história, personagens, cenários e objetos que possibilitam uma imersão do jogador naquele mundo fictício criado. Estas novas tecnologias demandam novos profissionais criativos no mercado que atuam em design gráfico, escultores 3D, arquitetos de cenários e ambientes virtuais, programadores de softwares, engenheiros de sistema e informática, etc. Para Roy Ascott (1991), a arte interativa designa um amplo espectro de experiências inovadoras que se utilizam de diversos meios, sob a forma de performances e experiências individuais em um fluxo de dados (imagens, textos, sons), ainda com diversas estruturas, ambientes ou redes cibernéticas adaptáveis e inteligentes de alguma forma, de tal maneira que o espectador possa agir sobre o fluxo, modificar a estrutura, interagir com o ambiente, percorrer a rede, participando, assim, dos atos de transformação e criação. 22 4 O PROCESSO DE CRIAÇÃO A concepção de uma obra sofre constantes alterações e vai ser modificada a cada momento de reflexão ou discussão, sem o limite e a preocupação de concluir um trabalho para a sua apresentação ao público, pois o processo de criação continua e não pode ser algo predefinido, pode ser interrompido a qualquer momento ou então mudar de rumo dentro do que tinha sido proposto pelo artista: “A obra que chega ao público não é consideradacomo uma completude necessária que resulta de sua elaboração, mas como uma possibilidade de um processo que não se completa nunca, mas pode se interromper.” (SALLES, 2008, p. 11) As relações entre os documentos e o processo de criação do artista se transformam em uma rede relacional, que proporcionará material para a pesquisa crítica que será trabalhada concomitantemente à produção de um trabalho artístico. Nessa troca de experiências, o pensamento artístico e a interação entre crítico, demais interlocutores e artista, que ocorrem agora preferencialmente no ateliê, têm a finalidade de refletir sobre o processo artístico, e esse conjunto de fatores vai ser denominado de estética do processo. Existe uma infinidade de definições de criatividade. Podemos perceber que tais conceitos foram mudando com o passar dos tempos. Inicialmente, a criatividade era um dom divino, um “presente dos céus” digno de poucas pessoas. No século XVI, os indivíduos que se manifestavam de forma diferente dos demais, fugindo do padrão de normalidade da época, eram considerados pessoas ameaçadoras e acabavam por serem isolados dos demais (OLIVEIRA; NAKANO; WECHSLER, 2016). Buscando um conceito com base na origem da palavra, criatividade tem relação com “criar”, que vem do latim creare e significa “[...] dar existência, sair do nada, estabelecer relações até então não estabelecidas pelo universo dos indivíduos, visando determinados fins” (PEREIRA; MUSSI; KNABBEN, 1999, p. 4). Já nos dias atuais, buscando por criatividade no Dicionário Aurélio (2018, documento on-line), ela tem o seguinte significado: “[...] capacidade de criar, inventar; qualidade de quem tem ideias originais, de quem é criativo; capacidade que o falante de uma língua tem de criar novos enunciados sem que os tenha ouvido ou dito anteriormente”. 23 Mouchiroud e Lubart (2002, apud BRITO; VANZIN; ULBRICHT, 2009, documento on-line) resumem a criatividade como: “[...] um conjunto de capacidades que permitem uma pessoa comportar-se de modos novos e adaptativos em determinados contextos”. Já, para o publicitário Tadeu Brettas, da Ynner Treinamentos, ser criativo é ser capaz de criar conexões incomuns (SIMBER, 2017). E você sabe o que Albert Einstein dizia sobre criatividade? Para ele, “a criatividade é a inteligência divertindo-se”. Vários autores conceituam criatividade de maneira diferente e autoral. No entanto, a criatividade tem muito mais relação com a imaginação, a prática da ação e a novidade. Não só em criar um fato, um produto, um serviço novo, mas também em divulgar alguma coisa já sabida e conhecida, de uma forma nova, diferente, inovadora, criativa. (CONSTANTE, 2018). O processo de criação e associação de ideias é formado, basicamente, pela combinação de dois itens: imaginação e memória. Com base nisso, é importante citar que, para os gregos, existem quatro formas/técnicas de associação das ideias, que auxiliam a despertar a sua criatividade. 1. Contiguidade: a proximidade entre duas palavras e a relação que fazemos entre elas. Por exemplo: estrela lembra céu; peixe remete ao mar. 2. Semelhança: o caso de duas imagens que se superpõem. Por exemplo: um cachorro lembra um lobo; um gato lembra um tigre. 3. Sucessão: uma ideia que vem em consequência de outra. Por exemplo: remédio/cura, relâmpago/chuva. 4. Contraste: é o uso dos antônimos e de expressões que contrastam entre si. Por exemplo: amor lembra ódio; frio lembra calor; cachorro lembra gato. Uma combinação de vários outros estímulos pode gerar várias outras ideias. Simplificadamente, é assim que nosso cérebro funciona. (CONSTANTE, 2018). 4.1 O percurso do artista na construção do projeto artístico O artista estabelece uma linha de pensamento registrado em seus documentos, como: esboços, diários, anotações, rascunhos, projetos, etc. Pensamento esse, em construção durante o processo de criação que dará suporte ao crítico genético para melhor entender o que impulsiona o gesto criador. 24 Salles (2008) oferece às pessoas interessadas no processo de produção, uma forma detalhada de analisar e entender a trajetória percorrida pelo artista desde a ideia inicial até a obra entregue ao público. A autora acaba por registrar uma ruptura dos antigos moldes pensamento sobre como a obra de arte era criada, já que o artista era tido como um único sujeito criador atuante e não se percebia que por trás daquele objeto de arte existe uma história de arte, um contexto sociocultural e econômico, também com lembranças, memórias e percepções e, além disso, muito estudo teórico e prático para viabilizar uma mensagem por meio da obra (SALLES, 2008). À medida que o artista se relaciona com agentes num contexto, forma alguns conceitos, que irão aliar-se aos seus pensamentos relacionados à cultura, a espaço, tempo, memória, percepção do cotidiano e esses conceitos formarão rede, uma rede de conexões que vai surgir diretamente ligada ao processo de produção artística. Conforme, acontece essa interação do artista com o meio e o contexto, as propostas de produção artística também vão se modificando, o processo vai ser muito dinâmico e a cada ação tomada o objeto criado vai se transformando em outro e assim sucessivamente. Portanto pode-se afirmar que essa memória criadora em constante mobilidade gera o conceito de inacabamento. (SALLES, 2008). O artista possui uma linha de pensamento que pode ser identificada como uma tendência do processo, mas trabalha com as incertezas, com escolhas que terá que fazer, com os erros e acasos, ou a interação com elementos internos ou externos, tudo isso poderá a qualquer momento se revelar e fazer com que o objeto seja transformado ou até mesmo inutilizado ou descartado para ser revisto em outro momento futuro. Portanto, o artista poderá optar por representar seu entorno, o que faz parte de sua vida cotidiana, sem separar emoções, sentimentos, conceitos, memórias, espaço, tempo social, troca de informações e, consequentemente, tudo que for percebido por ele e estiver ao seu alcance durante o processo de produção da obra será de alguma forma reaproveitado, isto se denomina processo relacional. Por isso, as anotações do artista podem servir como balizadores da análise do processo de criação. A matéria-prima a ser utilizada na obra vai ser parte importante do processo, com a escolha da materialidade, o artista irá passar o tempo necessário para realizar testes e verificar como se adapta ao seu projeto. 25 Esse percurso não tem tempo para acabar, o tempo é indefinido, é reversível e retroativo, pois o artista estará sempre à espera do material e vice-versa e esta espera representa o tempo do inacabamento, aguardando o gesto que também é inacabado, pois poderá retornar o processo do começo, ou continuar de onde parou e ainda se quiser pode parar ali mesmo. Fonte: http://carlosdamascenodesenhos.com.br/ A criação tem uma mistura de lembranças, percepção, imaginação e esquecimento, pois poderá servir para esquecer de alguns fatos, abrir caminho para lembrar e guardar outros na memória, que aliados a imaginação mostram o caminho em direção ao desconhecido, aos universos ficcionais. Mas, para esse processo funcionar, tudo tem que ser registrado, o ato de anotar as lembranças e acontecimentos faz com que o artista se envolva profundamente com o processo e perceba que sem esse hábito dificultará a conquista do seu objetivo (SALLES, 2008). Com o passar do tempo, o artista passa a registrar mais umas coisas do que outras, desenhar ou escrever sobre um motivo apenas, isto se deve a memória e a percepção serem seletivas nas pessoas. Assim, o artista passa também a fazer escolhas e ter preferências por esses detalhes que se destacam em seus documentos, e desta forma ele irá estipulando critérios de trabalho e a história da obra vai se escrevendo. Oprocesso de criação depende também do ambiente que o artista está inserido e de suas memórias, pois será a partir desses fatores que seu pensamento criativo, 26 sua imaginação e seu gesto criador se desprenderão dentro de uma linha de tendências que ele segue e dentro dos nexos da rede relacional que ele construiu durante o processo de produção da obra. Processo este que pode ser o tema da obra de arte ou até mesmo a própria obra de arte, conforme a tendência da arte contemporânea. 4.2 O produto criativo A criatividade pode ser reconhecida e analisada na observação do produto criativo, como uma obra de arte. Teoria, crítica e história da arte situam e desenvolvem parâmetros do que é considerado criativo e inovador nas artes conforme a época em que vivemos. Quando Picasso pinta Guernica, nos meses de maio a junho de 1937, o faz num processo criativo profundamente arraigado a realidade, pois a obra se refere ao bombardeio que matou civis na cidade espanhola do mesmo nome, neste ano. O fato confere a obra um tom de denúncia, com imagens que impressionam e ao mesmo tempo aproximam o público, como se o artista desejasse quebrar o paradigma da representação estabelecido pela obra de arte. O significado das formas apresentadas, sua expressividade particular, sua relação com o caráter da imagem, “que é mensageira do significado tanto no sentido poético quanto no da realidade cotidiana. Estamos imaginando e contemplando por meio da obra objetos identificados, que conhecemos e com referência aos quais temos ideias e interesses”. (SCHAPIRO, pg. 197, 200). 4.3 A pessoa criativa A criatividade também pode ser estudada através da pessoa criativa, neste caso o artista, identificando habilidades que estariam ligadas ao pensamento criativo, conforme Guilford aponta: fluência, flexibilidade, originalidade e espontaneidade. Pesquisadores estudam as características que identificam o indivíduo criativo, buscando compreender atitudes, comportamentos e sentimentos que podem levar a uma alta produtividade criativa na vida adulta. As pesquisas relacionam quatro enfoques principais: biografias de pessoas reconhecidamente criativas, observações 27 e julgamentos de especialistas, testes de escala para avaliação do potencial criativo e características da produção criativa. (WESCHLER, 2002). Fonte: http://lounge.obviousmag.org/ Ao analisar a vida e os processos de criação de Picasso, Gardner destaca uma característica atribuída a pessoas criativas e particularmente presentes nos artistas, que é a capacidade de criar imagens de longo alcance que traduzam a cultura de uma sociedade, capazes de estabelecer signos e revelar significados importantes (1996). O artista também pode sentir-se ligado a movimentos na arte, por afinidade de ideias, por sentir apoio ou desprezo de seus pares nas questões estéticas que propõe, ou ainda por acontecimentos externos a arte, como guerras e descobertas científicas. Picasso viveu e produziu muito, atravessando períodos com momentos culturais diferentes, que se refletiram em fases distintas de seu trabalho (GARDNER, 1996 e SCHAPIRO, 2002). Sternberg et al. (1985) analisou a criatividade, com o objetivo de identificar a opinião e as crenças dos sujeitos acerca da mesma. Importava observar o grau de distinção que os sujeitos faziam entre três conceitos: “inteligência”, “sabedoria” e “criatividade”. Emergiram as seguintes propriedades dos indivíduos criativos: ● Ausência de convencionalismos (ter o espírito livre, ser pouco ortodoxo); ● Integração (ser capaz de integrar informações distintas, de relacionar ideias díspares ou teorias não relacionadas); 28 ● Gosto estético e Imaginação (apreciar as expressões artísticas, escrever, compor músicas, pintar, ter “bom gosto”); ● Flexibilidade e Decisão (ser capaz de tomar decisões depois de avaliar prós e contras, capacidade de mudar de direção); ● Perspicácia (saber estar, conhecer as normas sociais de relação); ● Motivação e Interesse pelo reconhecimento dos outros (ser enérgico, querer que os outros reconheçam a obra, ter objetivos claros). 4.4 Ideias correntes Foi Csikzentmihalyi (1996) quem pensou o conceito de flow, o fluir de ideias correntes, que a nosso entender, se compatibiliza perfeitamente bem com o processo criativo do artista. Depoimentos de artistas visuais reconhecidos publicamente em diferentes épocas e países distantes, mostram características comuns na construção de suas obras, com se o processo criativo envolvesse o artista e uma espécie de transe, um fluir de ideias correntes: A obra de arte nasce como um mundo que se organiza: é sempre criadora de mundo. O material trabalhado faz-se forma objetivada desta nova realidade. Partindo ou não de um ser natural, chega o momento em que me deixo arrebatar pelas cores, pelos ritmos, pelas figuras que nascem sobre a tela. Então, persigo a verdade que intuo, mas que não posso precisar aprori (IBERÊ CAMARGO em diálogo com SALZSTEIN, 2003.) Neste estudo entendemos o conceito de flow como um fluir de ideias artísticas. O fluir seria uma possibilidade de organização do processo criativo, um estado que facilitaria a combinação de ação e consciência, e neste sentido é integrador: Em algumas atividades criativas, onde as metas não estão claramente definidas de antemão, uma pessoa deve desenvolver um forte significado pessoal com aquilo que deseja fazer. O artista pode não ter uma imagem visual de como será sua pintura, mas quando o quadro já progrediu até certo ponto, deve saber se é o que ou não. Um pintor que desfruta de uma pintura deve ter interiorizado critérios para saber o que é bom ou mau, para que depois de cada pincelada possa dizer: sim, isso funciona; não, isso não funciona. Sem tal guia interno é impossível experimentar o flow. (CSIKZENTMIHALYI, 1996, pg. 92). Na vivência do processo criativo, o tempo flui conforme as necessidades aparecem, num constante movimento de transformação. Uma das características 29 mais interessantes do fluir de ideias correntes é a ausência de tempo marcado, definido e planejado. O artista cria focado no presente imediato, sem ver o tempo passar, perdendo a noção da hora, num transe criativo. Mas tempo não definido não significa inconsciência total, como a expressão transe criativo poderia sugerir; é mais um deixar-se levar, naquele momento esquecer-se de tudo a sua volta, pensando apenas em solucionar a questão estética à frente da qual se colocou. Ao contrário, o artista pode usar o tempo com absoluta clareza mental, consciente do que é preciso fazer e de como isto pode ser feito, outra característica observada no estado de fluir. (CSIKZENTMIHALYI, 1996). O processo criativo é um estado de profunda concentração, quando a consciência está bem ordenada. Os pensamentos, as intenções, os sentimentos e todos os sentidos enfocam a mesma meta geral. Quando elabora a teoria do fluir, Csikzentmihalyi (1996), propõe formas de estimular este estado, de eliminar barreiras para permitir que isto aconteça. Uma habilidade facilitadora ao fluir, encontrada frequentemente em artistas visuais, é a capacidade de surpreender-se vendo algo interessante onde ninguém está vendo, mesmo nas situações mais inusitadas. É como se uma pessoa pudesse entrar no fluir involuntariamente, porque, de repente, viu ou sentiu algo que gostou muito, uma coincidência feliz que motiva o artista. Leonardo da Vinci surpreendeu-se com as imagens que viu num muro: Não deixarei de dizer, entre meus preceitos, uma nova invenção da teoria, ainda que pareça mesquinha e quase ridícula, porque ela é muito apropriada e muito útil para predispor o espírito às mais variadas invenções. Eis do que se trata: se você olha certos muros cobertos de manchas e construídos com pedras mescladas, supondo que tenha alguma obra, poderá ver sobre esse muroos simulacros de países diversos, com suas montanhas, seus rios, suas rochas, suas árvores, suas lendas, os grandes vales, as colinas e outros aspectos diversos. Poderá ver nele batalhas e vivos acontecimentos de figuras, rostos estranhos, roupas e mil coisas mais que poderá reduzir às formas precisas e úteis. Vi nuvens e velhos muros que sugeriram belas e varadas composições e estas imagens enganosas, ainda que privadas de toda perfeição formal, não carecem de outro gênero de perfeição, no sentido de movimento, sob outros aspectos (CARREIRA, pg.70, 2000). O fluir leva o indivíduo ao estado ótimo de experiência interna, ou seja, quando há ordem na consciência, quando há informação intencionalmente ordenada. Isto acontece quando se utiliza a energia psíquica para obter metas realistas e quando as 30 habilidades se encaixam com as oportunidades para atuar, encontrando um equilíbrio entre dificuldades e destrezas. (CSIKZENTMIHALYI, 1996). 4.5 Componentes do processo criativo Para maior penetração no contexto criativo, estudiosos norte-americanos como Raymond e outros (1987) elaboraram os componentes da criatividade que são: as capacidades, o estilo cognitivo, as atitudes e as estratégias. a) Capacidades: significam habilidades específicas que os sujeitos devem possuir considerando seu campo de atuação. Referentes às capacidades criativas destacam-se: fluidez de ideias, associados remotos e a intuição. A fluidez de ideias diz respeito à capacidade de produzir grande número de ideias com rapidez e desembaraço. Os associados remotos se referem à capacidade criativa reflexa como recuperação de uma informação remotamente associada com o problema que se tem nas mãos. A intuição consiste na capacidade de se adquirir sólidas conclusões a partir de uma evidência mínima. b) Estilo cognitivo: diz respeito àquilo que as pessoas são ou não são capazes de fazer considerando-se os hábitos de processamento de informação. Existem diferentes estilos cognitivos, tais como: detectar o problema, pensamento janusiano, dependência/independência do campo. Detectar o problema: após verificar o problema, surge a tendência a explorá-lo em profundidade. Pensamento Janusiano se refere à habilidade de os sujeitos partirem de uma ideia ou concepção e saltarem a outra oposta ou ao polo conceitual contrário; isto significa pensar em termos contrapostos. Dependência/independência de campo é a capacidade de se perceber coisas pertencentes a um contexto e parcialmente escondidas por este. Isto poderia fomentar o pensamento inventivo das pessoas a descobrirem padrões ocultos. c) Atitudes: são reações comportamentais perante a criatividade. Pode-se considerar a retroalimentação como atitude nas pessoas criativas que não são solitárias, como tem sido estigmatizado. d) Estratégias: são maneiras estabelecidas que podem favorecer o pensamento criativo: as grandes buscas, a analogia e a explosão de ideias. As 31 grandes buscas consistem em buscar as mais variadas alternativas antes de se elaborar uma conclusão em definitivo sobre algum aspecto criativo. A analogia é a busca de uma unidade existente entre semelhanças ocultas. A explosão de ideias consiste em formar uma lista de opções e escolher uma delas, após o que estimula os participantes a construírem ideias com os demais. 5 CONCEITOS FUNDAMENTAIS SOBRE O PROCESSO DE CRIAÇÃO A primeira concepção de arte é entendida como “fazer”. Sabe-se, no entanto, que nem todo “fazer” é arte. Com o romantismo, a ênfase recai no sentido do belo. Concebido, não como adequação a um modelo exterior, mas pela coerência das figuras artísticas, com o sentimento que as inspirava e suscitava. No renascimento, a concepção de arte era comprometida com a de visão da realidade – ora da realidade sensível, ora de uma metafísica, superior ou de uma realidade espiritual mais íntima, profunda, emblemática. Em 1984, Pareyson faz uma aproximação do conceito de arte através da articulação – exprimir, conhecer, fazer. Nenhuma dúvida há, de que a arte é expressiva, simbólica; enquanto forma, é um ser que vive por conta própria e contém tudo o que deve conter. A forma é expressiva, enquanto ser é um dizer. Ela não tem um significado, mas é um significado. Por isso, é também um conhecer, pois ao revelar um sentido das coisas, o faz de modo particular, apontando para uma nova maneira de perceber a realidade. É um novo olhar que se prolonga no fazer, como o olho do pintor, cujo ver já é um pintar. (PAREYSON, 1984). A especialidade do fazer artístico consiste num fazer tal que, enquanto faz inventa o por fazer e o modo de fazer. Invenção e execução caminham paralelamente, simultaneamente e de modo inseparável. Para Merleau Ponty, os primeiros desenhos das cavernas instauravam como um mundo a pintar ou desenhar. Quer tratemos do desenho na caverna, quer da pintura, o suposto é uma operação reflexiva, que funda a unidade da pintura e que na pintura se amplifica. Por ser diferente dos outros seres, por seu corpo, o homem se situa numa relação problemática com a própria imagem, relação que o leva a se 32 retocar, a fazer tatuagens, cirurgia plástica, tão em voga em nossos dias. Para o autor, nessa tendência autoplástica, talvez, esteja a raiz vital da própria arte. Sobre o homem, Michel Thevoz (1984) comenta: O homem necessita, desde os primórdios, de uma proteção artificial, proteção esta que não é apenas física, mas simbólica. O homem é exposto num duplo sentido: aos perigos e aos olhares. Ele é, com certeza, o único animal que faz de sua pele uma superfície a pintar, na qual se inscreve a sua identidade, que, por exemplo, a tela, epiderme ultrassensível, através da pintura e de toda a arte irá ampliar. Berman (1986) pontua a força que ganha a arte em nossos dias, ao quebrar totalmente os seus compromissos com os valores religiosos, éticos ou sociais, para poder expressar uma relação mais profunda e mais originária do homem consigo mesmo e com o mundo. Acresce-se que, a tudo isso, questões se lhe apresentam no momento atual – o olhar e o desejo, o imaginário e o real conferindo-lhe uma função e uma força insubstituíveis. A produção literária, por ser igualmente simbólica, como as artes plásticas, utiliza como matéria prima, na sua criação, um material essencialmente simbólico – a palavra. Tanto quanto a tela e a tinta do pintor, o escritor, ao escrever, constrói uma pele imaginária de palavras, da mesma forma que o brincar da criança pequena, que, com água, areia ou tinta vai construindo a superfície da pele. A necessidade de escrever, tanto quanto de pintar, de esculpir, de fazer música, tanto pode seguir a vivência de um luto, não necessariamente de uma perda concreta (aponta a psicanálise) mas, captação de um vazio qualquer, como diz Ana Cecília, professora de Psicologia da UFMG, escritora e psicanalista: “Por exemplo, a tentativa de um desvelamento, de um não dito, do deciframento de um enigma, de um segredo ou de um mito, que, pela sua própria natureza, comporta inúmeras versões”. Razão porque, uma mesma temática, a nível artístico, pode ser trabalhada e representada inúmeras vezes por um mesmo artista e outros. A produção literária traduz bem essa posição de “nomear o inominável”, de dar sentido ao que não tem sentido, de representar uma ausência, de substituir aquilo que se foi, recuperando-o em um outro registro. Melanie Klein vê na criação, a reparação do objeto destruído ou danificado pelo sujeito, na posição depressiva. Quando passamos a falar do processo criativo em si, temos o conceito do neurocientista Daniel Goleman (1995), que o separa em quatro fases distintas, descritas a seguir. 33 Definição do problema: neste primeiro momento, você vai encarar o desafio de frente. É a hora de fazer perguntas e começar a traçar um caminho para decifrá-lo. Mergulho: hora de ir o mais fundo possível, buscando informações, bibliografias, fazendo pesquisas, vendo vídeos e tudo que possa ser fonte e base de ajuda para a resolução do problema. Relaxamento: aquele momento para deixar a questão um pouco de lado e ouvir uma música, ler um livro, dar uma volta ou, simplesmente, não fazer nada. Essa é a hora de libertar-se do problema. É a hora de deixar o cérebro trabalhar. Estamos à espera do insight. Execução: é a hora de realizar a sua ideia. Você teve o insight e é hora de colocar em prática a sua teoria. Um dos momentos mais delicados, já que, muitas vezes, boas ideias não são bem executadas. Fonte: http://www.culturamix.com O ato de criar implica em perda e sofrimento, já o dissemos. Sem sofrimento não há arte. É a arte um processo masoquista? Antônio Ribeiro, emérito psicanalista mineiro, pondera que no sintoma, no processo masoquista, o sujeito está alienado ao gozo do Outro. No processo criador, o artista se rebela contra esta alienação e não se conformando em ficar preso e alienado ao Outro, aposta em si mesmo, assumindo certo risco a procurar uma posição diferente em relação ao Outro. Esta posição seria a da separação. 34 O ato de criar implica necessariamente no aparecimento do novo, consequentemente, uma mudança de posição em relação ao antigo. Não que ao criador lhe seja facultado resolver a falta e a impossibilidade. Mas na sua criação, torna possível o impossível, elimina limites e assim a configuração de uma forma particular de lidar com a falta. A criação artística é um processo, é um devir sempre, ao contrário da doença que parece ser a interrupção e a parada no processo. 5.1 Freud (1856 – 1939) Em 1911, no texto “Dois princípios do funcionamento psíquico”, Freud fala especificamente do artista e diz que o artista, para fugir da frustração que a realidade impõe, refugia-se na criação, mas que, depois ao buscar o reconhecimento, cai de novo no princípio de realidade. (FREUD, 1911). Já no Projeto, em 1835, Freud se refere ao primeiro ato de criação do ser humano. Antes mesmo de se constituir como sujeito, o recém-nascido diante da impossibilidade, cria um objeto alucinatório. E assim, o homem cria uma condição única, que é somente encontrada na espécie humana – o desejo. Não estaria a produção artística vinculada a essas primeiras experiências de satisfação? No Capítulo VII da Interpretação dos Sonhos, sabe-se que o desejo move o aparelho psíquico e é em torno dele que guiará o processo de criação. Desejo que é sempre desejo do outro e sempre já marcado pela sua realização impossível. Concluída a obra, os segredos mais recônditos estão ali, as impossibilidades. A singularidade do estilo. E já não é mais do autor. Está pronta para seguir o seu destino, como filhos “edípicos e parricidas”. Nada mais narcísico do que se eternizar numa obra de arte. E do ponto de vista pulsional, é a vitória de Eros sobre Thanatus. De algum modo, a morte foi driblada; a existência do artista, de finita, passa a ser infinita, através da obra, que o presentifica sempre. Não há obra de arte sem o espectador; nas artes plásticas e artes dramáticas, e sem o leitor na produção literária, e sem ouvinte, na música. Em Escritores Criativos e Devaneios, Freud tenta explicar o efeito que a obra de arte provoca no espectador; para ele, o artista, como o devaneador, fantasia para lidar com o princípio do prazer - desprazer. “Ele cria um mundo de fantasia, no qual pode satisfazer seus desejos inconscientes”. Nesse aspecto, diz Freud, o artista se aproxima mais das crianças que, quando brincam utilizam e moldam o mundo externo aos seus desejos. 35 Sabemos que as obras de arte, os romances querem dizer algo, querem dizer alguma coisa e somos impelidos a interpretar porque são intrigantes e por isso, interessantes. No entanto, não é a compreensão ou a explicação que faz surtir um efeito. Se dermos um sentido, tudo se fecha e a pulsão não se desprende. Freud (1914), no texto intitulado O Moisés de Michelangelo, diz: “Não sou conhecedor de arte, mas simplesmente um leigo. Tenho observado que o assunto ‘obras de arte’ tem para mim uma atração mais forte que suas qualidades formais e técnicas, embora, para o artista, o valor delas esteja, antes de tudo, nestas”. Freud continua: “a meu ver o que nos prende tão poderosamente só pode ser a intenção do artista, até onde ele conseguiu expressá-la em sua obra e fazer-nos compreendê-la”. Ele descarta a questão da compreensão intelectual, pontuando: “o que o artista visa é despertar em nós a mesma atitude emocional que nele produziu o ímpeto de criar”. E porque a intenção do artista não poderia ser comunicada e compreendida em palavras, como qualquer outro fato da vida mental? Freud irá dizer que somente um outro discurso, um outro saber para tentar dizer da intenção do artista. Nem a própria obra o diz. Michelangelo foi, em suas criações, até o limite máximo do que é possível exprimir em arte. Freud também, aos limites da interpretabilidade: “Os sonhos bem- sucedidos são aqueles dos quais não lembramos”. Trago-lhes aqui a articulação que Gilda Vaz faz dos conceitos de Freud e Lacan: “A psicanálise cujo campo vai sempre no avesso da cultura, detém sua atenção para o além das formas congeladas, onde ali, algo está em suspenso. Freud chega à conclusão do que Lacan vai postular mais adiante – ‘A verdade não é dita toda’”. Freud privilegia no Moisés de Michelangelo o momento antes de Moisés erguer e arremessar as Tábuas por Terra e desencadear a sua cólera. O instante antes do ato. A psicanálise se ocupa exatamente, não onde o movimento termina, mas onde ele se inicia e do movimento em si. Freud, em seu percurso para criar a psicanálise fez muitas referências à arte, algumas diretamente relativas ao artista e ao processo artístico, outras se preocupando mais especificamente com a própria obra, havendo também estudos dirigidos aos efeitos que estas produzem em quem é tocado por elas. Podemos ainda encontrar trabalhos onde ocorrem mesclas de todas essas preocupações. Não é inverdade dizer que, em muitas ocasiões, a arte entra como mero exemplo ilustrativo. E também não é nenhuma novidade, já que esta evidência é bastante comentada, que 36 há nas observações de Freud relativas à arte, uma profunda ambiguidade, ou até um desencontro (VAZ, 1996). Fonte: https://www.revistabula.com/ 5.2 Lacan (1901 – 1981) Lacan, ao falar sobre as artes plásticas, interroga como o que ele chamou de “chuva de pincel”. Será que se um pássaro pintasse, não seria deixando cair suas penas, uma serpente suas escamas, uma árvore se desfolhar e fazer chover suas folhas? Não será isso o que o artista faz quando cria novos objetos? Lacan desloca nosso ponto de atenção para fora da linha, para a existência de uma temporabilidade- espacialidade, que não está no objeto, na representação, mas além dele. É ainda no Seminário XI, sobre o tema em questão, que ele vai inverter a relação do ato de pintar com a obra, deslocando a nossa atenção enquanto analistas para um outro campo da verdade. (RODRIGUES, 2018). Para a Psicanálise, essas formas são da mesma ordem das formações do inconsciente estampadas nos objetivos. É da ordem do que Lacan chama de semblante que cumpre a função de enganar a verdade, que mobiliza o gesto, ou seja, o vazio do objeto feminino ou a morte. O inconsciente é puro furo, não é o semblante. Lacan a define a pulsão de morte como: vontade de destruição, vontade de recomeçar com novos custos, vontade de outra coisa. Essa é a pulsão de morte como potência criadora, criação ex-nihilo a partir do nada. Gilda Vaz Rodrigues articula a posição do artista como “fonte de algo que pode passar ao real e a que o tempo todo, https://www.revistabula.com/ 37 nós, seres comuns nos recuamos”. E situa oolhar num ponto chave do fazer do artista. O sujeito humano, diz ela, “joga com as formas, joga com a máscara a partir desse mais além que há além do olhar. O ser se decompõe entre o ser e o semblante, entre si mesmo e o que se dá a ver. O que dá de si mesmo e o que recebe dos outros é sempre máscara, invólucro. Só existem semblantes”. A única coisa que talvez não faça semblante é a morte. É um saber que só se tem nessa hora, de forma radical. (RODRIGUES, 2018). As formas servem para obturar esse buraco. O campo da sublimação é uma operação acionada de um lugar específico da estrutura do sujeito. A criação artística é da ordem da sublimação e, portanto, não passa pelo recalque. Quando Miró foi ameaçado pela ditadura de Franco de não poder mais pintar, reagiu: “Eliminem as tintas, destruam os pincéis, as telas, eu continuarei pintando através das baforadas do meu charuto”. É no mais além das formas que seu discurso se situa, pois, ele sabe da coalescência destas e continuará pintando porque o que interessa para o artista, e também para o analista, é o ato de pintar e não as formas onde o ato se petrifica. Fonte: https://zahar.com.br/ 5.3 Platão (427-347 a.C.) Se falar numa teoria estética de Platão tem suscitado inúmeras problemáticas, a questão da criação artística levanta igualmente numerosas reflexões, e está 38 intimamente ligada as suas ideias sobre a arte, sobre o belo, sobre a inspiração e a imaginação ou, por certo contraponto, sobre a experiência artística, o prazer e as sensações. Em Platão encontram-se praticamente todas as ideias, questões e interesses que estiveram na base da construção de um conjunto de princípios e reflexões a que se denominou estética. Uma vez que as suas ideias sobre beleza e arte se integravam num pensamento filosófico abrangente e global, torna-se muito mais complexa a sua “descodificação” e hermenêutica, porque estão dependentes de uma teoria das ideias, da alma, da política e da moral, ou seja, de um sistema idealista e moral. Na obra de Platão poucas referências explícitas existem relativamente à criação artística, situação compreensível numa época em que os artistas não possuíam esse estatuto nem as obras de arte eram valorizadas da mesma forma que passaram a ser desde há uns séculos. No Banquete ou Do Amor, o diálogo entre Sócrates e Diotima é extremamente significativo na exaltação desse conceito, e pode alargar a concepção que aparentemente muitos têm sobre a relevância e a importância dada por Platão e pelos gregos ao processo de criação artística: A ideia de criação ou poesia é algo muito amplo, pois toda e qualquer passagem do não-ser ao ser se efectua por um acto de criar; de tal sorte que, mesmo as obras produzidas na totalidade dos ofícios são criações, como criadores ou poetas são todos os seus artífices. (...). Apenas uma parte delimitada do acto de criar (a que se liga às artes e ao ritmo) recebe o nome do todo. Só a este ramo especifico damos o nome de poesia e identicamente só aos que dele se ocupam chamamos de poetas. (PLATÃO, 371 a.C) A criação artística, mas sobretudo a interpretação artística, só é possível verdadeiramente se houver uma sintonia entre o artista e a obra, se esta tocar o coração ou a alma daquele se houver algo em comum que provoque a “magnetização”. O poeta não é capaz de poetar “se antes não se tiver inspirado e se não perder o tino, se antes não tiver perdido a mente”. Este magnetismo, este entusiasmo, esta loucura (mania) do poeta, transmite-se ao interprete do poema, ao rapsodo, que por sua vez, a passa ao receptor. (PLATÃO, 371 a.C). 39 Fonte: https://www.comshalom.org/ 5.4 Aristóteles (384 – 322 a.C.) Textos antigos mencionam tratados ou livros sobre teoria da arte da autoria de Aristóteles que se perderam: Dos Poetas, Problemas homéricos, Sobre a beleza, Sobre a música, Problemas da Poética. Somente a primeira parte da Poética sobreviveu até os dias de hoje. Nestes textos, descrevem-se meticulosamente princípios, modos, processos da estrutura e da linguagem poética que o criador deve usar, mostrando não só um conhecimento aprofundado do método, da ars poética1, mas uma reflexão psico- filosófica que implicou uma análise profunda e inovadora da arte, da estética, e mesmo da psicologia do criador e do espectador. A estética e os problemas da arte ocuparam muitos dos livros de Aristóteles, mesmo de forma pontual, como na Metafísica, na Política, na Física ou na Ética Nicomaqueia. Apesar de se ocupar sobretudo da poética, a sua análise e as suas ideias podem ser aplicadas à arte em geral. Relativamente a Platão, este pensador conferiu às suas ideias estéticas e artísticas, um caráter mais sistemático, organizado, metodológico, tendo por base a ideia de “conhecimento através da arte”, por esta ser, em si mesma, conhecimento. 1 Na Poética, Aristóteles embora fazendo referências às artes figurativas, trata essencialmente da mousiké – tragédia que inclui música, poesia – propondo uma ars poética com princípios claros para um fazer ou compor de acordo com as regras, especificando os elementos constitutivos dessa arte dramática e polimétrica. https://www.comshalom.org/ 40 A arte pode ser uma produção, mas nem toda a realização se constitui num objeto artístico; só é arte, segundo Aristóteles, “uma produção consciente, baseada no conhecimento”. Arte não era considerada apenas uma produção que se baseie no instinto, na experiência ou na prática, tinha de se fundamentar no conhecimento de regras e nos domínios dos meios para atingir os fins. Mas ainda, é necessária uma capacidade permanente para criar que implica habilidade – que se desenvolve com a prática e, logo, pode ser aprendida – e disposição criativa inata. A capacidade de criação, de gênesis, do “passar a ser”, está, em Aristóteles, ligada à mudança, ao movimento, ao devir constante; não há verdadeira criação no sentido da passagem do não-ser ao ser; a criação e a destruição são dois aspectos complementares da transformação da substância em substância; este é um dos princípios da sua filosofia da natureza que se aplica à criação artística. “Tanto na produção natural como na artística deve preexistir uma parte do produto. ” A criação artística nasce da alma do artista e desenvolve-se no contato, na modelagem do material, numa relação produtiva e construtiva entre a ideia de arte e a matéria. “A arte necessita sempre da matéria”, ou seja, há uma relação íntima e imprescindível entre a forma artística e a estruturação da matéria. Na criação artística, o pensar ou o conceber um projeto, antecede o fazer ou a aplicação. (ARISTÓTELES, 301 a.C) Fonte: http://lounge.obviousmag.org/ http://lounge.obviousmag.org/ 41 6 PERCORRENDO OS PROCESSOS DE CRIAÇÃO ARTÍSTICA A maior parte das pesquisas na área das artes visuais tem contemplado a leitura da produção artística através de inúmeras abordagens: questões sobre a imagem, a problemática histórica da obra e seus significados, a consideração dos aspectos socioculturais, as linguagens existentes ou em elaboração, entre muitas outras. Poucos estudos, especialmente em nosso país, têm-se detido no processo do fazer, isto é, naquilo que ocorre durante a elaboração do trabalho artístico e que, posteriormente, pode ser identificado na obra concluída. (CORRÊA, 2018). Entre as inúmeras variáveis que compõem o processo de produção artística, encontram-se os estudos da invenção, da confecção da obra, do acaso, das técnicas e procedimentos, dos materiais e instrumentos, dos sistemas de formas, da temática, das motivações e condicionamentos culturais, entre muitos outros aspectos. Algumas pessoas veem a criatividade como uma atividade relativamente não estruturada de pular em torno de ideias até se deparar com a ideia certa. Embora isso
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