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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE - CCS INTEGRAÇÃO BÁSICO-CLÍNICO I - TURMA 108 CASO CLÍNICO 8 - DESCOLAMENTO PREMATURO DE PLACENTA (DPP) GRUPO: Daniel Siqueira Tosi, João Zanon Gomes, Rafael Torres Teixeira, Rebeca Pessanha Paes Rangel, Yasmin Cardoso Nóbrega. Identificação: Inêz Baptista Rodrigues, 26 anos, sexo feminino, casada, dona de casa, residente em Bairro de Fátima, Vitória-ES. Procurou o pronto socorro obstétrico do hospital Estadual Jayme dos Santos Neves. HObstétrica (HO): G2P1A0. 32 semanas de gestação. 1º Filho: sexo feminino, 3 anos e 2 meses, peso ao nascimento: 3,1 Kg, gestação sem intercorrências. Queixa principal: “Dor na barriga e sangramento vaginal”. HDA: Refere dor abdominal intensa e eliminação de sangramento vaginal escurecido, há 2 horas. Não relata perda de líquido amniótico. Informa ter realizado 2 consultas de pré-natal no início da gestação, depois ficou com receio de sair de casa, devido a pandemia do Coronavírus. Não realizou ultrassonografias (US) nas consultas realizadas. Recorda-se que na 2ª consulta foi informada que apresentava-se com pressão arterial aumentada (não recorda-se do valor aferido) e relata ter percebido da falta de movimento fetal há 3 dias. Exame físico: Bom estado geral. Lúcida, Orientada, Hipocorada (3+/4+), Nutrida, Hidratada, Apresentando sudorese de extremidades. PA 75 x 60 mmHg, FC 135 bpm, FR 26 irpm, Tax 36,1ºC. HPP: Nega outras doenças. HF: Pai: Hipertenso e diabético / Mãe: Hipotiroidismo. HS: Fumante (início aos 16 anos). Relata haver diminuído o número de cigarros durante a gestação, porém não conseguiu parar completamente (hoje 5 cigarros por dia, antes da gestação 1 maço por dia). Nega uso de substâncias ilícitas durante a gestação. HO: Especuloscopia: Volumoso sangramento vaginal. Toque vaginal: Colo uterino dilatado (8 cm) e bolsa amniótica protrusa. Ao US foi verificado que o feto não se movimentou adequadamente ao sinal sonoro. A médica ginecologista do pronto socorro obstétrico informou sobre a gravidade do problema para a paciente. Solicitou exames laboratoriais e informou sobre a necessidade da realização de uma cesariana de urgência para interromper a gestação. A médica também falou sobre a possibilidade da realização de uma transfusão sanguínea. Inês falou que não admitiria transfusão, pois é Testemunha de Jeová, e sua religião não permite. Ela pediu para a médica “garantir que não faria a transfusão”. A médica respondeu que faria tudo que fosse possível para evitar a transfusão e para salvar a vida da mãe e da criança. A cesariana foi realizada com sucesso, e, após o nascimento, a criança foi encaminhada para a UTI neonatal devido à prematuridade. Diagnóstico: Descolamento Prematuro de Placenta (DPP). TERMOS DESCONHECIDOS: ● Hipocorada: possui pouca coloração na pele, ou seja, baixa pigmentação; ● Tax: temperatura axial; ● Especuloscopia: O espéculo é feito de metal ou plástico, o médico vai introduzi-lo delicadamente para conseguir visualizar o canal vaginal e a cérvice (colo do útero). Após esse procedimento, o/a médico/a pode usar um palito de plástico e uma escova especial para, gentilmente, coletar algumas células da cérvice. Esse é o exame Papanicolau, que pode detectar mudanças na cérvice. RESUMO DO CASO: A paciente é uma jovem fumante na 32ª semana da segunda gravidez, que foi ao PS relatando dor na barriga, sangramento vaginal e falta de movimentação fetal há 3 dias. No exame físico, apresentou bom estado geral e sudorese nas extremidades. Já no exame ginecológico, foi observado colo uterino dilatado e bolsa amniótica protusa. Diagnóstico de descolamento prematuro da placenta. Foi encaminhada para uma cesariana de emergência, a qual foi bem sucedida. O bebê prematuro foi levado à UTI neonatal. Antes da cirurgia, a mãe solicitou a não realização de transfusão sanguínea por motivos religiosos. PALAVRAS-CHAVE: Sexo feminino, jovem casada, segunda gravidez (32 semanas), fumante, pronto socorro, dor abdominal intensa, sangramento vaginal, falta de movimentação fetal, bom estado geral, sudorese nas extremidades, toque vaginal, colo uterino dilatado (8 cm), bolsa amniótica protrusa, descolamento prematuro de placenta, cesariana de emergência, Testemunha de Jeová, nega transfusão sanguínea, bebê prematuro, UTI neonatal. PROBLEMAS PROPOSTOS Grávida de 32 semanas, Inêz realizou apenas duas ultrassonografias no início de sua gestação; a paciente explica que, por conta da pandemia, ficou com receio de ir às consultas. Tal relato exemplifica como o cenário pandêmico atual pode impactar, seja direta ou indiretamente, a saúde e o acompanhamento médico dos brasileiros. Outro fator relevante no caso é o aspecto religioso, uma vez que, por ser Testemunha de Jeová, a paciente nega receber uma possível transfusão sanguínea. Diante disso, há o questionamento de até que ponto o paciente possui autonomia de suas decisões médicas; além de como o médico deve agir, levando sempre em consideração o Código de Ética Médica. ANATOMIA 1. Cite os órgãos genitais externos femininos (pudendo): Os órgãos genitais externos femininos são o monte do púbis, os lábios maiores do pudendo (que circundam a rima do pudendo), os lábios menores do pudendo (que circundam o vestíbulo da vagina), o clitóris, os bulbos do vestíbulo e as glândulas vestibulares maiores e menores. 2. Explique o que é o vestíbulo da vagina. O vestíbulo da vagina é o espaço circundado pelos lábios menores do pudendo no qual se abrem os óstios da uretra e da vagina e os ductos das glândulas vestibulares maiores e menores. O tamanho e a aparência do óstio da vagina variam com a condição do hímen, uma prega anular fina de mucosa, que proporciona oclusão parcial ou total do óstio da vagina. Após a ruptura do hímen, são visíveis as carúnculas himenais remanescentes que delimitam a vagina e o vestíbulo. 3. Comente sobre a inervação do pudendo (N. Ilioinguinal, N. Genitofemoral, N. Cutâneo femoral posterior e N. Pudendo com os seus ramos). A face anterior do pudendo (monte do púbis, parte anterior dos lábios do pudendo) é inervada por derivados do plexo lombar: os nervos labiais anteriores, derivados do nervo ilioinguinal, e o ramo genital do nervo genitofemoral. A face posterior do pudendo é inervada por derivados do plexo sacral: o ramo perineal do nervo cutâneo femoral posterior lateralmente e o nervo pudendo centralmente (principal nervo do períneo). Seus nervos labiais posteriores (ramos superficiais terminais do nervo perineal) suprem os lábios do pudendo. Os ramos profundos e musculares do nervo perineal suprem o óstio da vagina e os músculos superficiais do períneo. O nervo dorsal do clitóris supre os músculos profundos do períneo e são responsáveis pela sensibilidade do clitóris. O bulbo do vestíbulo e os corpos eréteis do clitóris recebem fibras parassimpáticas via nervos cavernosos do plexo nervoso uterovaginal. A estimulação parassimpática provoca aumento das secreções vaginais, ereção do clitóris e ingurgitamento do tecido erétil nos bulbos do vestíbulo. 4. Localize os dermátomos do períneo feminino. O períneo feminino é compreendido pelos dermátomos T12 e L1 na região do monte do púbis, L1 e L2 na parte anterior dos lábios maiores do pudendo e os dermátomos S2, S3, S4 e S5 cobrem essencialmente os trígonos urogenital e anal. HISTOLOGIA e CITOLOGIA 5. Qual (is) os efeitos principais da fumaça do cigarro no funcionamento da placenta e no desenvolvimento fetal. O fumo na gravidez é responsável por diversos problemas não apenas associados à saúde da mãe, mas também com consequências severas para o desenvolvimento fetal. Como exemplo, a nicotina, psicoativo abundante na fumaça do cigarro, causa a vasoconstrição dos vasos do útero e da placenta, reduzindo o fluxo sanguíneo e a oferta de oxigênio e nutrientes para o feto, podendo comprometer o crescimento do feto. O contato com tal substância tem sido relacionado a alterações da cognição, e do desenvolvimento psico-motor e sexual da criança. Além disso,a neurotoxicidade da nicotina (que interage com os receptores nicotínicos colinérgicos) prejudica a neurogênese e a sinaptogênese. Gilliland et al. evidenciaram que a exposição fetal aos compostos do tabaco afeta a formação dos pulmões e reduz as pequenas vias aéreas, o que provoca alterações funcionais respiratórias crônicas. Assim, o risco futuro de doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), câncer de pulmão e doenças cardiovasculares torna-se indubitavelmente maiores. A combustão incompleta inerente à queima do cigarro produz o monóxido de carbono, gás venenoso que também causa uma série de efeitos no funcionamento da placenta e no desenvolvimento fetal. A alta afinidade do CO com a hemoglobina fetal causam altas concentrações de carboxihemoglobina no sangue, que por sua vez provocam hipóxia tecidual, (estimulando a eritropoiese e causando uma elevação do hematócrito) hiperviscosidade sangüínea, aumento do risco de infarto cerebral no neonato, e mau desempenho da placenta. Essa toxina também pode gerar lesões neurológicas ou a elevação da frequência cardíaca e hipertrofia miocárdica. Segundo estudos, consequências comuns do tabagismo são o comprometimento do sistema imunológico, ruptura prematura de membranas subsequente a rupturas focais, déficit de vitamina C no líquido amniótico (atuam na defesa imunológicas e na formação do colágeno), redução transporte de aminoácidos pela placenta (atrapalha a síntese proteica e contribui para o mau desenvolvimento da membrana amniocoriônica) e redução da síntese placentária de óxido nítrico (forte relaxante do miométrio cuja baixa concentração está relacionada aos abortamentos). EMBRIOLOGIA 6. Quais as principais causas do DPP? O descolamento prematuro de placenta (DPP) pode ser ocasionado tanto por questões traumáticas quanto por não-traumáticas. Dentre as principais causas traumáticas internas, destaca-se o cordão curto; a celeridade excessiva no escoamento de polidrâmnio; o excesso de movimentação fetal; a hipertonia uterina (primária ou por abuso de ocitócicos); em caso de gêmeos, a retração uterina pós-parto do primeiro filho. Segundo dados do Ministério da Saúde, o principal fator responsável pelo DPP traumático são acidentes automobilísticos. Por sua vez, no que tange às causas não-traumáticas de DPP, as quais são as principais responsáveis pela ocorrência de DPP, destacam-se os ditos fatores predisponentes. Dentre eles, podem ser destacados como os principais: a hipertensão arterial (presente em cerca de 75% dos casos, conforme a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia); o estado socioeconômico da mãe; situações de multiparidade (dar à luz, simultaneamente, a vários filhos); gravidez em idades avançadas; problemas obstétricos prévios; histórico de ocorrência de DPP; realização de cesariana em gestação anterior; restrição do crescimento intrauterino; situações que provocam a sobredistensão uterina (gravidez gemelar, polihidrâmnio etc); diabetes mellitus; corioamnionite; tempo prolongado de rotura de membranas; uso de drogas recreativas, como tabaco, álcool e de drogas ilícitas (principalmente, a cocaína). 7. Dentre as manifestações clínicas da gestante, qual delas pode estar associada ao DPP? O quadro clínico característico do DPP são as dores abdominais, em conjunto ou não, com o sangramento vaginal. Quanto às dores abdominais, normalmente, ocorrem no fundo do útero, surgindo de modo repentino e intenso, porém também podem ser lombares em situações de inserção de placenta posterior. Já em relação aos sangramentos, deve-se ressaltar que os mesmos nem sempre são observáveis. Segundo dados do Ministério da Saúde, em até 20% dos casos, é possível que ocorram a infiltração intramiometrial de sangue e a formação de coágulo retroplacentário. Este sangramento oculto, pode ocasionar a formação de um quadro conhecido como “útero de Couvelaire". Tal condição é uma importante causa da hemorragia pós-parto. Mesmo nos casos em que há externalização de sangue pela vagina, deve-se ressaltar que a causa primordial da lesão são os rompimentos vasculares que ocorrem nas arteríolas espiraladas da decídua, culminando na formação de área hemorrágica intraplacentária. Caso esse quadro hemorrágico seja volumoso, é possível que ocorra o rompimento das membranas placentárias aderidas ao útero com o consequente extravasamento sanguíneo pelo canal vaginal. Além disso, outras manifestações também podem estar presentes, como a hipertonia uterina e, por motivos óbvios, a hipovolemia da paciente. 8. No caso apresentado houve sangramento pela via vaginal, porém nem sempre isso acontece. Comente outras apresentações do caso clínico. No caso de DPP, há condições para sufusão de sangue na decídua basal formando área hemorrágica dentro da própria placenta. Essa hemorragia pode tornar-se mais profusa, culminando com o descolamento prematuro da placenta. O sangue pode ficar retido atrás da placenta, cujas bordas permanecem aderidas à parede uterina. A placenta também pode se apresentar completamente destacada, mas mantendo as membranas acoladas ao útero. O sangue coletado ainda pode romper as membranas e penetrar na câmara âmnica (hemoâmnio), ou ainda descolar as membranas e se exteriorizar pela vagina. À exceção desta última, a hemorragia é dita oculta ou interna. MEDICINA SOCIAL 9. Qual a diferença entre autonomia da vontade e manifestação da vontade? O conceito de autonomia de vontade, no contexto clínico, se refere à opção do paciente em aderir a uma forma de tratamento ou, até mesmo, ao não tratamento. Um exemplo dessa autonomia é um indivíduo continuar fumando, mesmo tendo ciência de seus problemas pulmonares. Já a manifestação da vontade está muito relacionada ao consentimento, já que é quando o paciente torna público e legal sua vontade. Como exemplo dessa manifestação, pode-se citar a assinatura de termos médicos, em que o indivíduo declara que está ciente dos riscos e mesmo assim deseja realizar um determinado tratamento/intervenção. 10. Diante da recusa em permitir uma transfusão de sangue, qual deve ser a conduta médica com base no Código de Ética Médica? Em caso de haver recusa em permitir a transfusão de sangue, o médico, obedecendo a seu Código de Ética Médica, deverá observar a seguinte conduta: - Se não houver iminente perigo de vida, o médico respeitará a vontade do paciente ou de seus responsáveis. - Se houver iminente perigo de vida, o médico praticará a transfusão de sangue, independentemente de consentimento do paciente ou de seus responsáveis. 11. Qual o limite entre a autonomia de vontade do paciente e o dever de agir do médico? O limite entre a autonomia de vontade do paciente e o dever de agir do médico é o risco de morte. O Código Penal, 13 no artigo 146, estabelece como crime contra a liberdade pessoal: "Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda". A exceção diretamente relacionada à atuação médica está no parágrafo 3 do mesmo artigo: "Não se compreendem na disposição deste artigo: a intervenção médica ou cirúrgica, sem o consentimento do paciente ou de seu representante legal, se justificada por iminente perigo de morte". Logo, se a transfusão sanguínea for necessária para salvar a vida do paciente, não pode ser considerada uma violação da autonomia de vontade da testemunha de Jeová.
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