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374 ORTODONTIA· DIAGNÓSTICO E PLANEJAMENTO CLíNICO PARTE 11 PRINCíPIOS BIOMECÂNICOS o sistema de força empregado nos aparelhos ortodônticos deve respeitar alguns fundamentos mecânicos, válidos para o movimento de todos os corpos do universo. Estes fundamentos foram enunciados por Newton (1642 - 1727) a partir da observação de fenômenos da natureza e fo- ram denominados Leis da Dinâmica. A primeira lei afirma que os corpos tendem a se manter imóveis ou em movimento retilí- neo uniforme, se não houver uma força agindo sobre eles. Em ortodontia, podemos afirmar que os dentes tendem a permanecer em repou- so, a menos que sobre eles incida uma força. A segunda lei de Newton postula que o deslo- camento de um corpo ocorre no sentido da força aplicada e que é proporcional a ela e inversamen- te proporcional à massa do corpo. Adaptada à ortodontia, podemos afirmar que o dente se mo- vimenta no sentido da força sobre ele aplicada e, quanto maior o volume radicular do elemento dental, maior deverá ser a força utilizada para produzir sua movimentação fisiológica. A terceira e mais conhecida lei da dinâmica dos corpos, observa que para toda ação existe uma reação equivalente em sentido oposto. Na prática clínica esta talvez seja a característica que inspire mais cuidado, pois mostra que cor- respondendo a toda ação ortodôntica existe um efeito colateral. I -CONCEITOS BÁSICOS Por empregar uma série de termos não utili- zados no dia a dia do ortodontista, apresentare- mos cada um, juntamente com sua definição e aplicabilidade clínica. A- FORÇA A força pode ser definida como a ação de um corpo sobre o outro, em nosso caso, a ação de um dispositivo mecânico (fio, mola, elástico, etc.) sobre dentes ou ossos faciais. Diferentemente de outras grandezas, como o peso, a distância e a temperatura, que são medidas em escalas e, portanto conhecidas como grandezas escalares, a força é classificada como uma grandeza vetorial, tendo sua repre- sentação feita por vetores. O vetor é definido graficamente por uma seta (Fig. 18.12), na qual o corpo indica a direção da força (vestibulolingual, mesiodistal, ete.) , assim como sua linha de ação, isto é, por onde a força se prolonga. O sentido da força (de vestibular para lingual, de mesial para distal, de distal para mesial, ete.) é definido pela cabeça da seta. Ele também nos mostra a magnitude da força, que é proporcional ao comprimento do corpo da seta, e o ponto de aplicação da força, que é indicado pela origem ou cauda da seta (Fig. 18.12). Ponto de aplicaçãor--------~ Direção I I Sentido MAGNITUDE Fig. /8. /2 - O vetar é a maneira de se representar graficamente uma força. A direção da força é definida pelo corpo do vetar; seu sentido pela cabeça da seta; o ponto de aplicação da força é determinado pela origem do vetar e sua magnitude pelo comprimento do corpo da seta. A unidade de mensuração da força é o ewton (massa X aceleração), mas, de forma usual, empregamos o Grama (g). Nem sempre trabalhamos ortodôntica- mente com uma força única, somando fre- qüentemente dois ou mais elementos. Nestes casos podemos utilizar a Lei dos Paralelogra- mos, de modo a determinar a resultante de duas forças aplicadas sobre o mesmo ponto. A Fig. 18.13 mostra um incisivo central supe- rior submetido simultaneamente à força de retração e à ação de um elástico intermaxilar. Retração Fig. /8./3 - A lei do paraleogramo é utilizada para encontrar o vetor resultante de duas forças ortodônticas aplicadas simultaneamente sobre um incisivo (força de retração + força de um elástico intermaxilar de Classe li). BIOMECÂNICA DO MOVIMENTO DENTAL As duas forças formarão os lados do paralelo- gramo, e a diagonal representará a resultante das forças aplicadas. - Caso desejemos encontrar a resultante de três ou mais forças, sucessivos paralelogramos serão construídos até a obtenção de um só ve- tor. É importante realçar que esta regra só é válida quando as diversas forças são aplicadas sobre o mesmo ponto. Caso o ponto de aplicação das forças não seja o mesmo, nos guiamos pelo princípio de transmissibilidade em corpos rígidos, que afir- ma que o efeito da força aplicada sobre um corpo rígido independe do seu ponto de apli- cação, desde que esteja sobre a sua linha de ação (corpo do vetor). Como o dente e o osso podem ser conside- rados corpos rígidos - não se deformam sob a ação da carga aplicada - podemos empregar este princípio para a maioria das análises veto- riais ortodônticas, deslocando o vetor sobre sua linha de ação. Os paralelogramos permitem também de- compor uma força em seus componentes verti- cal e horizontal. Este recurso é de grande utili- dade para a definição de quanto há de tendên- cia à distalização e quanto há de tendência à extrusão em uma força oblíqua. A Fig. 18.14 mostra a decomposição de uma força aplicada por um aparelho extrabucal tipo KIoehn em um primeiro molar superior, reve- lando os componentes de extrusão e de distali- zação. B - CORPO Todo corpo tem um ponto conhecido como Centro de Massa. Este ponto, como diz o próprio nome, é o ponto central da massa deste objeto, quando livre de qualquer influ- Distalização Extrusão Fig. /8./4 - Podemos decompor uma (orça, como aquela produzida por um aparelho extra bucal do tipo Kloehn, em seus componentes vertical e horizontal. Isto permite detectar o quanto há de (orça de distalização e quanto há de extrusão. ência (por exemplo se estivesse livre da ação da gravidade). Pordefinicão, sempre que a linha de ação de uma força passar pelo centro de massa de um corpo livre no espaço, este corpo sofrerá transla- ção. Um exemplo disto seria uma bola chutada exatamente em seu centro (Fig. 18.15). A bola sofreria t:ranslação, movendo-se em linha reta sobre a linha de ação da força. 1IID8t--D•. Fig. 18. /5 - A translação é obtida sempre que a linha de ação de uma (orça "F" (corpo do vetar) passa sobre o Centro de Resistência de um corpo. Na ilustração, uma bola é chutada exatamente em seu centro, o que resulta em um deslocamento reti!íneo (D). Quando o corpo a ser movido, no caso o den- te, não está livre no espaço e sim rigidamente fixado em sua porção radicular pelo periodonto, um ponto correspondente ao centro de massa é utilizado: O Centro de Resistência. De forma aná- loga ao centro de massa, podemos afirmar que a força cuja linha de ação passar sobre o centro de resistência resultará em translação do dente. Com o auxílio de imagens holográgficas ge- radas por raio laser, Burstone e Pryputniewicz afirmam que nos dentes unirradiculares o cen- tro de resistência (CR) encontra-se entre o ter- ço oclusal e o terço médio da raiz, enquanto nos dentes multirradiculares o CR estaria 1 a 2 mm apicalmente à furca (Fig. 18.16). C-MOMENTO Como vimos anteriormente, sempre que a linha de ação de uma força passar sobre o CR de um corpo, este sofrerá movimento paralelo, ou translação. Fig. /8. 16 - Localização do Centro de Resistência em dentes unirradiculares - entre o terço oe/usal e o terço médio da raiz - e em dentes multirradiculares - I a 2 mm apicalmente à (urca. 375 -< ,:: .:.j~ ;:~i- .-.:........=-; .. _~ -. -.:" 376 ORTODONTIA· DIAGNÓSTICO E PLANEJAMENTO CLíNICO Entretanto, em muitas situações, a linha de ação da força passa distante do centro de resis- tência. Um exemplo deste fato seria um chute no qual a ponta da chuteira incidisse no canto da bola, conseqüentemente distante do CR (Fig. 18.17). Seria então gerada uma tendência de rotação (popularmente conhecida como "efeito"), o que faria com que seu movimento fosse uma combinação de translação e rotação. Esta tendência de rotação é denominada tecni- camente de Momento. Fig. 18.1 7 - Quando a linha de ação da força passa distante do centro de resitência, gera-se uma tendência de rotação no corpo, denominada Momento (M). O corpo desloca-se com uma combinação de rotação e translação (O). Podemos então afirmar que, sempre que a linha de ação de uma força passar distante do centro de resistencia, será gerada uma tendên- cia de rotação do corpo(ou momento). A mag- nitude do momento de rotação é tanto maior quanto maior for a intensidade da força e quanto mais distante do CR passar a linha de ação da força. Esta afirmação pode ser representada pela equação: /--./' / I I I I \ \ \ "' •...-~--""""----l / /' I I I I I \ \ \ -,,....• c M=FXd onde M = Momento F = Magnitude da força aplicada d ~ Distância perpendicular entre a li- nha de ação da força e o CR. A unidade para a grandeza Momento é g- mm (grama - milímetro) e sua represen tação gráfica é feita por uma seta curva que, em diagramas bidimensionais, pode ser desenha- da no sentido horário ou no sentido anti-ho- rário. Definiremos se o momento é em um sentido ou no outro prolongando o vetor da força em torno do CR. Momentos de maior magnitude terão setas curvas com raio maior (Fig. 18.18). Dois ou mais momentos podem ser soma- dos ou subtraídos para se obter um único mo- mento resultante, seja ele horário ou anti-horá- rio. A Fig. 18.19 mostra forças com diferentes magnitudes e direções, assim como os momen- tos resultantes (Fig. 18.19). D - BINÁRIO Tendências de rotação também podem ser obtidas quando se aplica, sobre um corpo, um binário. Definimos binário como duas forças paralelas (não coincidentes), de igual magnitu- de e sentido oposto. Este é o único sistema de forças capaz de produzir a rotação pura de um corpo, entendendo-a como a rotação do corpo em torno de seu CR. A Fig. 18.20A mostra forças paralelas de igual magnitude e sentido oposto sendo aplica- das sobre um corpo. Cada uma das forças gera /---\:--:~~( C I I I I \ \ \ "<, •..._-. Fig.18.IS - A representação gráfica do momento é uma seta curva, que pode ser desenhada no sentido horário ou anti-horário. Para a definição do sentido, prolonga-se (com a linha pontilhada) o vetor da força em torno do centro de resistência. BIOMECÂNICA DO MOVIMENTO DENTAL 377 A B c 500g/mm 500g/mm c c 500g/mm 1000g/mm Fig. /8./9 - As figuras A e B mostram forças com igual magnitude e com igual distância "d". Porém, pelo fato de apresentarem direções diferentes gerarão momentos com sentidos opostos (anti·horário em A e horário em B). Ao compararmos as figuras B e C notamos que, opesor de C ter sofrido metade da força sofrida por B, pelo fato de apresentar a distância "d" dobrada, o valor do momento é idêntico. Finalmente, se compararmos C e D que apresentam o mesmo valor "d", mas forças com magnitude distinta (50g para C e I OOg para D), notaremos que a magnitude do momento é o dobro do observado em C. um momento de 1000g-mm, que se somam for- mando um binário de 2000 g-mm no sentido horário. Em Ortodontia, esta situação seria comparável ao profissional empurrar o ápice radicular com um dedo, enquanto puxa a bor- da incisal com outro dedo. A situação apresentada na Fig. 18.20B in- dica que mesmo quando as forças compo- nentes do binário forem deslocadas para ou- tra região do corpo, seu efeito continuará sendo de uma rotação pura no sentido horá- rio. Este fato permite que, nos aparelhos or- todônticos fixos, produzam-se binários na coroa dental, cujo resultado seja uma rota- ção em torno do CR. Em outras palavras, graças ao aparelho fixo, o ortodontista tem um "ponto de apoio" para girar o dente no sentido vestibulolingual. a Fig. 18.21 evidenciam-se duas maneiras de se produzir um binário com aparelhos orto- dônticos. No caso A o binário se dará no plano oclusal, através do uso de dois alastics: um traci- onando a face vestibular de um premolar para distal e o outro tracionando a face lingual para mesial. O movimento resultante será uma rota- ção em torno do CR do dente. No exemplo B, vemos o binário no plano sagital sendo realiza- do por um fio retangular de um aparelho fixo no interior do canal de encaixe do braquete. Este binário é transmitido ao dente, geran- do nele uma tendência de rotação. O binário vestibulolingual produzido no interior do bra- quete por um fio retangular é denominado TORQUE. O torque será, como veremos a se- guir, imprescidível para a realização de alguns tipos de movimentos, pois dará ao profissional a sensação de estar trabalhando com "dois de- dos" sobre o dente. E - FULCRO Como havíamos mencionado na Fig. 18.17, o "chute com efeito" - força que, por ter sua linha de ação distante do CR, gera um momen- to - provoca uma combinação de translação e rotação. Pode-se observar na Fig. 18.22 o resultado da força F sobre o incisivo central superior, gerando a retração e inclinação para lingual do elemento dental. Se traçarmos linhas cor- respondentes ao longo eixo do dente na si- tuação original e na sua posição após a movi- mentação, teremos um ponto onde as linhas se cruzarão. Este ponto é denominado FUL- CRO e representa o centro de rotação do movimento dental. O fulcro pode, como ve- remos a seguir, ser controlado pelo ortodon- tista, e é ele que define o tipo do movimento dental. 378 ORTODONTIA • DIAGNÓSTICO E PLANEJAMENTO CLÍNICO A 100g_____~º~_~ J I I ~ r---1Õ~~----- 100g 1000g/mm o 1000g/mm B 100g _____ ~Qf!1~ J I o --5~~--t 100g ,----- 500g/mm "r----, o 500g/mm Fig. /8.20 - A ilustração apresenta dois tipos de binário sendo aplicados em um mesmo corpo. No caso A, as (orças estão eqüidistantes do CR, o que gera dois momentos horários de 1000 glmm. Os momentos se somam, criando uma grande tendência de rotação de 2000 glmm. O exemplo B mostra que, ao se deslocar o binário para uma das extremidades do corpo, perde-se eftciência, mas, ainda assim, haverá uma rotação pura em torno do CR. BIOMECÂNICA DO MOVIMENTO DENTAL 379 .21A 18.21B Fig. /8.2/ - Os binários são freqüentemente utilizados na clínica ortodôntica. Na figura A, ele se dá pelo ação de dois oiastics que tracionam um segundo premolar com forças paralelas de igual magnitude, mas com pontos de aplicação distintos e sentido oposto. O exemplo B mostra outra forma de se produzir um binário. Um fio retangular torqueado (torcido) é colocado de forma justa no interior do canal de encaixe de um braquete. A torção do fio faz com que ele pressione simultaneamente a porção anterosuperior e posteroinferior do braquete, gerando um binário no sentido sagital. O correto uso desta modalidade de binário (torque) será essencial na escolha do tipo de movimento dental. 2 - TIPOS DE MOVIMENTO DENTAL Controlando a localização do fulcro, a par- tir da correta utilização das forças, momentos e binários, o ortodontista pode definir o tipo de movimento dental a ser realizado. Para maior clareza, dividiremos os movi- mentos ortodônticos em quatro tipos: A - INCLINAÇÃO DESCONTROLADA É o tipo de movimento dental mais facil- mente obtido pelo profissional. Também pode ser denominado movimento pendular e origi- na-se da somatória da ação de uma força sim- ples ("um só dedo" na coroa dental) aplicada distante do CR, e do momento de rotação re- sultante desta força. Neste caso, o fulcro se lo- caliza bastante próximo do centro de resistên- Fig. 18.22 - O fulcro do movimento é definido no cruzamento do longo eixo do dente antes e depois de seu deslocamento. cia (segundo Stephens, ligeiramente mais para apical que oCR). A inclinação descontrolada ocorre sempre que uma força simples (sem torque) é aplicada na coroa de um dente. Podemos citar como exemplos clínicos as diversas molas de apare- lhos removíveis (molas recuperadoras de espa- ço, redutoras de diastemas, verticalizadoras de canino, molas digitais para vestibularização, etc.). Também produzem movimento pendular os aparelhos expansores e planos inclinados; o arco vestibular da placa de Hawley, quando uti- lizado na lingualização de dentes anteriores, assim como os aparelhos fixos com fios redon- dos, na realização de movimentos vestibulolin- guais (Fig. 18.23A) A reabsorção óssea se dará do mesmo lado que a força, na região alveolar situada apical- mente ao fulcro, e do lado oposto à aplicação 380 ORTODONTIA· DIAGNÓSTICO E PLANEJAMENTO CLÍNICO Fig. /8.23A·A inclinação descontrolada é o tiPo de movimento dental realizado pelos aparelhos removíveis (em todas as situações)ou pelos aparelhos fixos com fios redondos (em deslocamentos no sentido vestibulolingual). Neste caso o dente tem o fulcro próximo ao centro de resistência, o que faz com que o ápice radicuar movimente-se para o lado oposto ao deslocamento da coroa. Na figura acima, uma força simples (sem torque) levou a coroa do incisivo para lingual, enquanto o ápice migrou para vestibular. da carga ortodôntica, na porção alveolar volta- da para oclusal (Fig. 18.23 B). Este fato merece especial atenção do orto- dontista, principalmente na área de incisivos, onde o movimento no sentido vestibulolingual poderá jogar o ápice radicular contra a cortical FULCRO PRÓXIMO AO CR. TORQUE PRÓXIMO DE ZERO FORÇA INDEPENDE DE SUA MAGNITUDE TIPO DE APARELHO REMOvíVEL OU FIXO MAIS INDICADO óssea, provocando reabsorção radicular. As in- clinações descontroladas na direção mesiodis- tal podem acarretar o pressionamento do ápice radicular em dentes vizinhos, o que também provocaria reabsorção de raiz (Fig. 18.23A e Fig. 18.23B). Fig. /8.238 - A radiografia periapical mostra claramente o padrão de reabsorção óssea decorrente de um movimento de inclinação descontrolada. Como o fulcro está próximo do centro de resistência, quando a coroa desloca-se para a direita, estiram-se os ligamentos periodontais apicais ao fulcro do lado direito e comprimem-se os do lado esquerdo. No segmento radicuar oclusal ao fulcro, há estiramento ligamentardo lado esquerdo e compressão do lado direito. Nas regiões onde os ligamentos são distendidos, há deposição óssea e naquelas onde os ligamentos são comprimidos, há reabsorção alveolar. BIOMECÂNICA DO MOVIMENTO DENTAL 381 o caso clínico apresentado na figura 18.24, mostra claramente como as coroas dos incisivos centrais superiores migram para mesial, impul- 18.24A 18.24C sionadas por um aparelho removível redutor de diastemas, alterando seu longo eixo até fica- rem quase paralelas (Fig. 18.24). 18.24B 18.240 Fig. 18:24 - Paciente portador de diastema interincisal, com grande divergência das coroas dentais. Indicou-se um aparelho removível que, com movimento pendular (inclinação descontrolada), reduziu o espaço e melhorou o posicionamento radicular. B - INCLINAÇÃO CONTROLADA Na inclinação controlada o ortodontista move todo o dente, mantendo o ápice radicu- lar imóvel. Portanto o fulcro do movimento dental coincide com o final da raiz. É o tipo de movimento necessário quando a coroa está má posicionada, mas o mesmo não ocorre com a região apical. Um exemplo clássi- co deste tipo de movimento é a retração da bateria anterior em pacientes com protusão dental e que foram submetidos à extração de quatro premolares. Empregando-se a inclina- ção controlada não há risco de vestibularização do ápice radicular. A inclinação controlada no sentido vetibulo- lingual somente é possível quando parte da tendência de rotação do dente (momento), decorrente da aplicação da força ortodôntica de retração, é anulada por um binário. Apesar de alguns outros métodos poderem ser utiliza- dos para a aplicação deste binário, na moderna ortodontia ele é produzido por um fio de sec- ção retangular torqueado e amarrado de forma justa ao braquete. Na Fig. 18.25 observamos que a leve força de retração do incisivo induz à formação de um momento de rotação no sentido horário. Quando encaixamos no braquete um fio retan- gular suavemente torqueado (torcido sobre o seu eixo), este produzirá um binário no inte- rior do canal de encaixe do braquete que, por ter sentido anti-horário, anulará em parte a tendência do incisivo rotacionar em torno do seu C.R. O resultado é a mudança na posição do fulcro para o ápice dental. Clinicamente constatamos a utilidade deste tipo de movimento dental. O paciente da Fig. 18.26 apresentava, no início do tratamento uma grande vestibularização dos incisivos, so- r rI .. ' - .> tI' -. ? r - ;~ C ' .. ::..J (o"..•. , 382 ORTODONTIA· DIAGNÓSTICO E PLANEJAMENTO CLíNICO Fig. , 8.25 -Movimento de inclinação controlada, onde o fulcro está no ápice radicular. Sua indicação reside nos casos em que a inclinação é desejada, porém não se necessita mover a extremidade apical. Obtém- se inclinação controlada conferindo-se ao fio retangular um leve torque, que contrabalançará parte do momento de rotação causado pela força de retração. freu extrações de quatro premolares e, graças ao preciso controle da relação entre a força de retração e torque, teve o longo eixo de seus incisivos verticalizado sem projeção dos ápices radiculares. Este movimento é possível somen- 18.26A FULCRO NO ÁPICE TORQUE SUAVE FORÇA LEVE TIPO DE APARELHO FIXO COM FIO MAIS INDICADO RETANGULAR te quando se utiliza aparelho fixo com fio re- tangular, pois é necessário um torque suave que anule parte da tendência de rotação de- corrente da força de retração (Fig. 18.25 e Fig. 18.26). Fig. , 8.26 - Cefalogramas inicial e final de um paciente submetido à correção ortodôntica com extração de quatro premolares. Os incisivos, inicialmente protuídos, faram reposicionados predominantemente com inclinação controlada. c -TRANSLAÇÃO Translação, ou movimento de corpo, é aque- le deslocamento em que o dente não sofre alte- ração de seu longo eixo. Na translação dizemos que o fulcro está no infinito, pois os prolonga- mentos do longo eixo do dente antes e depois do movimento são paralelos ou coincidentes. Serão coincidentes quando o dente se mover no sentido de intrusão ou extrusão e serão para- lelos nos deslocamentos horizontais ou oblíquos. Dos movimentos verticais, a extrusão é a de mais fácil obtenção, pois produz poucas áreas de compressão do ligamento periodon- tal. Assim há pouco risco de hialinização, e o organismo necessita apenas depositar tecido ósseo para preservar a implantação dental. Na prática clínica, é muito difícil obter so- mente a extrusão, sem uma ligeira rotação. Na intrusão ortodôntica, comprime-se gran- de parte dos ligamentos periodontais, assim como o feixe vasculonervoso que atinge a pol- 18. 18.27A BIOMECÂNICA DO MOVIMENTO DENTAL 383 pa. A reabsorção óssea ocorrerá em torno do ápice. Destes fatos deduz-se que a intrusão deve ser lenta e produzida por forças de baixa inten- sidade, para que não provoque danos teciduais (Fig. 18.29). A translação propriamente dita - movimen- to horizontal ou oblíquo que preserva a incli- nação do longo eixo do dente - é um dos movi- mentos ortodônticos mais complexos. Sua ob- tenção é possível sempre que a linha de ação da força cruzar o centro de resistência, ou quando a tendência de rotação decorrente de uma força distante do CR for totalmente anula- da por um binário (torque). No primeiro caso, podemos citar como exemplo os braços de alavanca (ganchos presos aos braquetes) que permitem que a linha de ação da força passe sobre o centro de resistên- cia. Haverá translação dental na direção mesio- distal (Fig. 18.27A). Para obtenção de translação vestibulolingual necessitamos um binário que anule por comple- to o momento provocado pela força de retração. Mais uma vez este binário seria possível através do torque em um fio retangular. A magnitude do torque deverá ser de 8 a 10 vezes a força de retração (por exemplo, para uma retração com 100g de força, um torque de 800 a 1000 g-mm). Clinicamente estas grandezas não são mensu- ráveis, mas vale o conceito que a retração incisal com movimento de corpo só ocorrerá com fios ortodônticos de secção retangular e aplicando- se forças leves e torque acentuado (Fig. 18.27B). Na translação, propriamente dita, o liga- mento periodontal do lado oposto à força será comprimido em toda sua extensão (Fig. 18.28 A), gerando uma grande área de estresse e alto ris- co de hialinização. Este é mais um motivo para se produzir retração com forças de baixa inten- sidade (Fig. !8.29 B). 18.27B Fig. , 8.27 - A - O braço de alavanca fixo ao braquete permite que a linha de ação da força passe sobre o CR. Com isto o dente se deslocará sem inclinação de seu longo eixo. O movimento pode ser paralelo (como o da figura) ou oblíquo. B - Oesquema demonstra como podemos transladar um incisivo de vestibular para lingual. Aplica·se simultaneamente: força de retração suave e torque acentuado. Este tipo de movimento só ocorrerá mediante um bom controle mecânico do aparelho fixo com fio retangular. FULCRO NO INFINITO TORQUE . ACENTUADO FORÇA LEVE TIPO DE APARELHO MAIS INDICADO FIXO COM FIO RETANGULAR 18.28A .'-~ 18.28B 384 ORTODONTIA· DIAGNÓSTICO E PLANEJAMENTO CLÍNICO Fig. I8.28A - Radiogra(ta periapical demonstrando o posicionamento da raiz no interior do alvéolo necessário para a obtenção de trans/ação. Notar que os ligamentos periodontais são comprimidos em uma face e distendidos em toda extensão da face oposta . Fig. 18.288 -Imagens clínicas que ilustram a translação dos dentes anteriores após a remoção de quatro premolares. Somente o preciso controle de força e torque no (to retangular possibilitam tal movimento. BIOMECÂNICA DO MOVIMENTO DENTAL 385 D - CORREÇÃO RADICULAR É O movimento de eleição para promover a mudança do longo eixo do dente, sem alterar a posição da borda incisal. O fulcro estará, por- tanto, na porção mais oclusal da coroa. Indica-se a correção radicular no sentido vestibulolingual para os casos de classe II divi- são 2', onde os incisivos superiores têm sua porção incisal bem posicionada e a raiz vesti- bularizada, assim como após a retração incisal que incidentalmente, lingualizou excessiva- mente a coroa dos dentes anteriores (Fig. 18.30). O movimento é obtido com a execu- ção de um binário acentuado na coroa (tor- que) e força de retração igualou próxima de zero. O torque· vai sendo aumentado progres- sivamente até que o dente atinja o posiciona- mento normal. Fig. /8.30 - Método biomecônico de se obter o movimento de correção radicular (movimento de raiz sem o deslocamento da borda incisal) no sentido vestibulolingual. Produz-se um severo binário, através do torque com pouca ou nenhuma força de retração. Este tipo de movimento é praticamente impossível sem o auxílio do fio retangular encaixado de forma justa no canal de encaixe de um braquete. Fig. /8.29 - Atenção especial deve ser tomada nos movimentos de extrusão e intrusão: o primeiro por sua facilidade e velocidade; o segundo por promover a compressão de quase todo o ligamento periodontal, assim como do feixe vásculo nervoso que nutre o canal radicular, devendo também ser executada com o mínimo de força. Mesmo assim há risco de perda de vitalidade pulpar ou reabsorção radicular. Os movimentos de intrusão e de extrusão também são considerados movimentos de corpo, pois não há alteração do longo eixo do dente. Existe a possibilidade de se executar o movi- mento de correção radicular no sentido mesio- distal. Este se dará com aparelhos fixos, utilizan- do-se tanto fios redondos como fios retangula- res. A Fig. 18.31 A mostra a formação do binário quando o fio pressiona a aleta distogengival de um braquete para cima e a aleta mesioclusal para baixo, gerando um movimento de correção radicular. Movimento similar a este é executado na técnica de Tweed, quando das dobras artísti- cas ou na confecção de DDs (dobras distais). Quando acompanhamos a migração de um dente durante o tratamento ortodôntico, nota- mos que raramente ele se move de acordo com apenas um dos quatro tipos de movimentos descritos acima (inclinação descontrolada, in- clinação controlada, translação e correção radi- cular). Em geral combinam-se duas ou até três modalidades de movimento dental, até a com- pleta correção ortodôntica (Fig. 18.31B). FULCRO NA BORDA INCISAL TORQUE SEVERO E PROGRESSIVO FORÇA PRÓXIMA DE ZERO OU ZERO TIPO DE APARELHO FIXO COM FIO MAIS INDICADO RETANGULAR 386 ORTODONTIA· DIAGNÓSTICO E PLANEJAMENTO CLíNICO Fig. /8.3/ A - Os movimentos de correção radicular no sentido mesiodistal são factíveis tanto empregando·se fios redondos, como os fios retangulares. No exemplo, o fio empurra para cima a aleta superior direita e para baixo a inferior esquerda de um braquete gerando o binário. Voltamos a frisar que os aparelhos acrílicos removíveis realizam apenas a inclinação des- controlada, ou movimento pendular. Os apare- lhos fixos são capazes de produzir, quando com fios redondos, o movimento pendular (in- clinação descontrolada) e, apenas no sentido mesiodistal, correção radicular. Já os aparelhos fixos, com fios retangulares ou quadrados, por sua atuação de dupla força no interior do braquete, podem satisfazer ple- namente o ortodontista, executando qualquer um dos quatro tipos de movimento, tanto no sentido mesiodistal como no sentido vestibulo- lingual. Estes motivos justificam o emprego de fios retangulares ou quadrados nas mais sofisti- cadas técnicas ortodônticas atuais. PARTE 111 PROPRIEDADES MECÂNICAS DOS FIOS ORTODÔNTICOS Até o início dos anos 30, os ortodontistas em- pregavam unicamente os metais nobres - ouro, platina e paládio - na confecção dos fios ortodôn- ticos. A partir desta época, com a recessão econô- mica e os elevados custos destes metais, a classe se viu obrigada a buscar materiais alternativos. O aço inoxidável, por seu baixo custo e alta tolerân- cia tecidual, foi rapidamente aceito e adotado. Desde então, outras ligas metálicas desen- volveram-se, na procura de resultados clínicos mais fisiológicos e previsíveis. Objetivamos aqui descrever as principais ca- racterísticas físicas dos fios metálicos e quais os A ~B c Fig. /8.3/ B -A migração dental, em geral, resulta dasomatória de dois ou mais tipos de movimento. Nesta figura o dente, a partir de sua posição original (A), sofre simultaneamente movimento de translação e movimento de inclinação descontrolada (B), o que determina a nova posição dental (C). fatores queinterferem em seu comportamento mecânico. I -CARACTERíSTICAS FíSICAS DOS FIOS METÁLICOS Podemos definir metal como aquele ele- mento químico que, em solução, forma Íons positivos. Em geral os metais apresentam cons- tituição sólida em temperatura ambiente, su- perfície lisa e polida, conduzindo bem o calor e a eletricidade. A camada de elétrons mais externa do átomo metálico é chamada camada de valên- cia, pela facilidade com que são liberados do átomo. Os átomos dos metais organizam-se em for- ma de uma grade cristalina, ou seja, um arran- jo espacial, de forma que todo átomo esteja se- melhantemente localizado em relação a todos os demais. A grade cristalina da maioria dos metais empregados em Ortodontia tem a for- ma de um cubo, podendo apresentar caracte- rísticas de cubo simples, cubo de corpo centra- do (quando um átomo posiciona-se no centro do cubo) ou cubo de face centrada (um átomo rio centro de cada face). Estes átomos da grade cristalina são uni- dos entre si graças à força de atração pro- porcionada pela nuvem de elétrons que cir- cunda os íons positivos. Esta ligação é co- nhecida por ligação metálica. Gradientes térmicos, ou campos elétricos, fazem com que a nuvem de elétrons se desloque das áreas de maior para as de menor energia,
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