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ABDOME AGUDO PEDIÁTRICO PROBLEMA “A mãe de um menino de 12 meses telefona-lhe à meia noite dizendo que seu filho está chorando incessantemente nas últimas 6 horas. Suas crises de choro duram cerca de 20 minutos, e então desaparecem completamente por 15 minutos. Desde o início da tarde, a criança não está comendo muito e começou a vomita as pequenas quantidades de suco e leite que ingeriu. Decidiu telefonar porque o vômito agora é verde e as crises de choro parecem estar piorando. Na emergência, você lembra que o paciente não tem nenhuma história médica pregressa, nasceu a termo sem complicações e suas imunizações estão em dia. Ao exame, sua temperatura é de 37,7oC, FR de 40 irpm, pulso de 155 bpm, PA de 109/60 mmHg e peso de 10 kg. Ele chora inconsolavelmente por 15 minutos, puxando suas pernas até a altura do tórax, e depois se aquieta. Você nota que ele ainda produz lágrimas e suas mucosas estão úmidas. O exame do coração e pulmões é normal. O exame abdominal revela RHA acentuadamente diminuídos, com sensibilidade generalizada à palpação. Você sente uma massa em forma de salsicha no lado direito do abdome. Sua fralda apresenta um pouco de fezes sanguinolentas misturadas com muco. O restante do exame é normal”. DOR ABDOMINAL EM CRIANÇAS - A dor abdominal é uma situação frequente na infância e pode ser indício de afecções dos outros órgãos abdominais, de órgãos vizinhos da cavidade abdominal e mesmo de áreas extra-abdominais, particularmente do tórax ou crânio. As doenças que cursam com dor abdominal podem ser de tratamento clínico ou cirúrgico. Por conseguinte, sua interpretação rápida e correta constitui tarefa de grande responsabilidade, já que frequentemente se relaciona com decisões urgentes e inadiáveis. - Aspectos a serem enfatizados na anamnese da criança com dor abdominal, incluem: idade, comorbidades, cirurgias prévias, uso de medicações, quadro clínico de dor (fatores de melhora/piora, qualidade, local de início, irradiação, gradação, duração e repetição do quadro), febre, última refeição, hábito intestinal, diarreia, constipação, náuseas, vômitos e disúria. duração dos sintomas: ≤1 semana (dor abdominal aguda) ou >1 semana (dor abdominal não aguda); início agudo ou gradual, dor contínua ou em ataques, severidade e duração dos ataques (necessidade de manter-se em movimento), a frequência de ataques, localização da dor, irradiação da dor, aumento da dor durante transporte; episódios anteriores de dor abdominal e seu progresso; trauma abdominal recente; febre; sintomas gastrointestinais; queixas relacionadas à micção; em meninas na adolescência: ciclo menstrual, risco de gravidez ou de doenças sexualmente transmissíveis; evidências de uma infecção respiratória; púrpura, artralgia (púrpura de Henoch-Schönlein); cirurgia abdominal no histórico, presença de doença crônica como diabetes mellitus; dieta, ingestão de líquidos, ingestão de fibras; IntussuscepcA o intestinal OBJETIVOS: 1. Estudar os principais tipos de abdome agudo pediátrico, especialmente no lactente; 2. Compreender as manifestações clínicas principais de abdome agudo e diagnóstico, especialmente a intussuscepção intestinal; 3. Entender o manejo do abdome agudo pediátrico. padrão de defecatório, frequência, quando (escola, casa) e onde (fralda, pinico, vaso sanitário), adiamento da defecação, consistência das fezes, quantidade, incontinência; - Se dor abdominal não aguda, questionar ocorrência familiar de doença inflamatória intestinal (DII), doença celíaca ou febre familiar do Mediterrâneo; perda involuntária de peso, retardo de crescimento, atraso da puberdade; e distúrbios característico de DII como eritema nodoso, artrite, uveíte. - Se dor abdominal crônica ou recorrente (> 2 meses), para avaliar a gravidade, abordar o funcionamento cotidiano e prognóstico: as ideias da criança e dos pais/responsáveis sobre a causa da dor abdominal; frequência e gradação da dor abdominal, as consequências dos sintomas (comportamento, evasão escolar, a limitação das atividades diárias), outros sintomas (funcionais), condições adversas em casa ou na escola, sinais de abuso físico ou sexual, sintomas de ansiedade ou depressão na criança, problemas psiquiátricos ou funcionais em pai ou mãe. INTUSSUSCEPÇÃO INTESTINAL - Intussuscepção é uma das mais comuns causas de abdome agudo na infância. Depois da apendicite, é a segunda mais comum emergência abdominal na criança e consiste em uma invaginação do intestino proximal para dentro da luz intestinal distal. A porção invaginada é denominada intussuscepto e o intestino que o recebe é denominado intussuscepiente. - Doença característica do lactente saudável, que começa a apresentar irritabilidade e dor do tipo cólica. Epidemiologia: - Descrevem-se uma predominância masculina e uma prevalência sazonal definida em algumas regiões. Sua frequência é variável, com incidência de 1,5 a 4,3 casos para 1.000 recém-nascidos. Sessenta por cento dos casos ocorrem durante o primeiro ano de vida e 90% ocorrem até o final do segundo ano de vida. A incidência mais elevada ocorre nos lactentes com cinco a nove meses de vida. - Ocorre mais comumente do 3º ao 9º mês de vida. A forma mais comum é a invaginação íleo-ceco-cólica. O segmento de alça intestinal penetra no segmento distal, causando isquemia, distensão abdominal e massa palpável. Fisiopatologia: - A fisiopatologia da intussuscepção ainda é desconhecida, mas se supõe que irritantes dentro do lúmen intestinal ou qualquer lesão na parede do intestino podem alterar o padrão normal do peristaltismo, iniciando uma invaginação que levará a intussuscepção. Geralmente localiza-se entre segmentos que se movimentam livremente e segmentos retroperitoneais ou fixados por aderências. Quadro clínico: - A tríade clássica (dor abdominal em cólica, fezes em “geleia-de-framboesa” ou hematoquezia, e uma massa abdominal palpável) está presente em menos de 50% das crianças com intussuscepção, enquanto cerca de 20% dos pacientes podem não apresentar dor. - A dor abdominal é caracterizada pelo choro da criança e pela flexão das pernas em direção ao abdome. Os paroxismos de dor costumam acompanhar-se de esforços para defecar e as fezes em “geleia-de-framboesa”, de modo geral, aparecem nas primeiras 24 horas, mas em raras ocasiões surgem até dois dias após o início do quadro. - Ao exame físico, o sinal mais consistente é a presença de massa palpável, de aspecto tubular, no quadrante superior direito do abdome, podendo ser subcostal. Esta pode ser mal definida e de consistência amolecida. Um achado deste tipo em crianças associado a outros sinais clínicos de intussuscepção praticamente confirmam o diagnóstico. Classificação e topografia: - A intussuscepção pode ser classificada segundo a localização (alça delgada ou colônica) ou de acordo com a etiologia (neoplásica, não-neoplásica ou idiopática). - Vários níveis topográficos de intussuscepção têm sido descritos, destacando-se, em ordem decrescente de frequência: ileocólico, ileoileocólico, ileoileal, colocólico. A maior parte das intussuscepções pediátricas é ileocólica (75–95%). Intussuscepção entre alças delgadas na infância é incomum. OBS.: a região ileocólica é a única do TGI que é término-terminal, por isso se torna fragilizada. A válvula ileocólica termina na parte lateral do ceco, qualquer alteração no peristaltismo pode provocar a invaginação do íleo no cólon. - Quanto mais distal a intussuscepção, menor a taxa de redução terapêutica. Quando esta é encontrada no cólon ascendente, pode-se esperar taxa de redução de 75%; entretanto, apenas 25% das intussuscepções encontradas no reto podem ser reduzidas. - Mais de 90% das intussuscepções não apresentam um ponto inicial patológico (cabeça de invaginação). Estes casos “idiopáticos”, provavelmente, resultam de hipertrofia linfoidesecundária a infecção viral. Entre as intussuscepções causadas por um ponto inicial, a natureza deste depende da idade do paciente. Nas crianças com menos de dois anos, o ponto inicial é mais amiúde um divertículo de Meckel, enquanto na criança com cinco anos ou mais a causa mais frequente é linfoma ou linfossarcoma. Os recém-natos, que raramente apresentam intussuscepção, quando a fazem, geralmente têm como ponto inicial uma duplicação intestinal. Aos dois anos de idade, esta chance aumenta, e aos cinco anos, mais de 50% das intussuscepções são causados por um ponto inicial → A invaginação primária ocorre em 90% dos casos. A causa é desconhecida. Os casos de invaginação secundária são mais comuns após os 2 anos de idade. A “cabeça de invaginação” é secundária a uma doença. São comuns o divertículo de Meckel, os cistos enterógenos, o linfoma, os pólipos e os tumores do intestino delgado. - Seja qual for a causa da intussuscepção, o processo fisiopatológico resultante é semelhante. À medida que o intestino se invagina para a luz distal, a compressão provoca graus variáveis de oclusão venosa. A menos que ocorra redução espontânea da intussuscepção, é inevitável o edema parietal intestinal com comprometimento arterial concomitante. A isquemia intestinal resulta em perda da integridade da mucosa, com consequente extravasamento de sangue e muco das superfícies mucosas. O edema intestinal progressivo acaba provocando oclusão vascular total, necrose isquêmica local e infarto intestinal. A perfuração leva a peritonite. Este processo final ocorrerá apenas nos casos em que uma intervenção, em tempo hábil, não seja efetuada. Diagnóstico: - Mediante um quadro clínico inespecífico e ocasionalmente contraditório, o diagnóstico baseado em métodos de imagem é requerido na maior parte dos casos, pois uma análise clínica isolada pode parecer problemática. Atualmente, o método diagnóstico por imagem de eleição é a ultrassonografia (US) abdominal. Este método é altamente preciso no diagnóstico da intussuscepção, com sensibilidade de 98% a 100% e especificidade de 88% a 100%. Todavia, ainda há uma considerável variabilidade na abordagem terapêutica, entre os mais variados centros hospitalares do mundo. Radiografia simples: - A realização de radiografias simples abdominais em crianças com suspeita de intussuscepção permanece controversa e sua aplicação engloba três principais tópicos: a) excluir obstrução intestinal ou perfuração; b) confirmar intussuscepção quando a suspeita é alta; c) tentar diagnosticar outros processos patológicos quando a suspeita de intussuscepção é baixa. - Alguns autores não recomendam a realização destas quando há alta suspeita clínica de intussuscepção. Todavia, quando os achados clínicos e os sintomas são imprecisos ou confusos, torna-se conveniente o uso de radiografia simples como um procedimento diagnóstico inicial. - A aplicação de radiografias simples abdominais com raios horizontais para identificar níveis hidroaéreos e gás livre intraperitoneal é questionada, pois os níveis hidroaéreos podem ocorrer em outras causas obstrutivas e o ar intraperitoneal nas crianças com intussuscepção é raro, devido aos baixos índices de perfuração. Nos pacientes com intussuscepção, a radiografia simples é normal em 25% dos casos. Portanto, deve-se enfatizar que radiografia simples normal não exclui este diagnóstico. - Dentre os sinais radiológicos, o mais comum é uma massa de partes moles frequentemente observada no quadrante superior direito, obscurecendo o contorno hepático adjacente. A ausência de gás ou fezes no cólon ascendente é um sinal sugestivo de intussuscepção e a exclusão desta forma ileocólica em radiografia simples abdominal é comumente baseada na presença destes conteúdos no ceco. Todavia, em 45% das crianças com cinco anos ou menos, o cólon sigmoide localiza-se no quadrante inferior direito do abdome e quando preenchido por gás e fezes pode ser erroneamente interpretado como “ceco normal”. - Outros sinais que podem ser vistos, dependendo da localização da intussuscepção, são: a) reduzida quantidade de gás ou ausência de gás intra-intestinal; b) ar em apêndice deslocado; c) sinais de obstrução do intestino delgado. - Os achados mais específicos são o sinal do “alvo” e o sinal do “menisco”. O sinal do “alvo” consiste em uma massa de partes moles contendo áreas circulares concêntricas de radiotransparência (completas ou não) determinadas pela gordura mesentérica do intussuscepto. Já o sinal do “menisco” consiste em um crescente de gás (radiotransparente) dentro do lúmen colônico delineando o ápice do intussuscepto, o qual aparece como uma massa de partes moles de limites precisos. Enema baritado: - O bário, tradicionalmente, é o contraste preferido para a investigação de intussuscepção porque proporciona excelentes detalhes das alterações, é barato e isosmolar. Sua principal desvantagem é a reação inflamatória que pode resultar no caso de perfuração intestinal e extravasamento para o peritônio. - Os sinais clássicos da intussuscepção obtidos por esse método são o sinal do “menisco” e o sinal da “mola espiralada” ou “em espiral”. O sinal do “menisco” no enema baritado é análogo ao visto nas radiografias simples e é produzido pelo ápice arredondado do intussuscepto projetando-se na coluna do meio de contraste baritado, que assume configuração em crescente. - O sinal da “mola espiralada” ocorre quando as pregas mucosas edemaciadas do intussuscepto são delineadas pelo meio contraste no interior do lúmen colônico, o qual se insinua entre as paredes do complexo intussuscepto- intussuscepiente, gerando um aspecto em espiral. - Quando não é possível ou desejável reduzir uma intussuscepção, tais como em pacientes com mais de cinco anos de idade (que provavelmente tem um ponto inicial) e alguns pacientes com obstrução intestinal grave e prolongada, também é indicada a realização do enema diagnóstico. Desta forma, descartam-se outras causas clínicas simuladoras de intussuscepção (colite infecciosa, síndrome hemolíticourêmica e púrpura de Henoch-Schönlein) e que não são tratadas cirurgicamente. Ultrassonografia: - A avaliação por US normalmente é realizada com transdutores de alta-resolução (5–10 MHz) usados para melhorar a definição da imagem, com penetração satisfatória do feixe sonoro. - Os primeiros estudos com US na caracterização da intussuscepção descrevem o sinal do “alvo/rosquinha” e o sinal do “pseudo-rim”. Estes sinais não são patognomônicos de intussuscepção podendo ser observados em outras condições, tais como espessamento inflamatório/edematoso da parede intestinal, hematoma, enterocolite, vólvulo e até mesmo impactação fecal no colón. - Enfatizamos que a aparência da intussuscepção nas tomadas axiais de US varia dependendo de três fatores: 1) comprimento da intussuscepção (quanto maior o comprimento, maior a quantidade de mesentério); 2) o nível avaliado (variação mesenterial do ápice à base; 3) alterações isquêmicas, que reduzem a diferenciação das camadas da parede intestinal. Assim, na região apical praticamente não há porções de mesentério, cuja quantidade progressivamente aumenta em direção à base da intussuscepção, de forma que a US mostra, no ápice, um anel externo hipoecóico, separado de um centro hipoecóico por um fino anel hiperecóico central. - O “sinal do alvo” e o sinal do “pseudo-rim” são definidos como uma orla hipoecóica margeando um centro predominantemente hiperecóico, em tomadas transversal e longitudinal ao eixo da intussuscepção, respectivamente. O sinal do “pseudo-rim” ocorre se a intussuscepção está curvada ou é observada obliquamente, de modo que o mesentério é demonstrado apenas em um dos lados da parte central da intussuscepção. - Recentemente, outros aspectos característicos da intussuscepção também têm sido descritos. Estes incluem o sinal dos “anéis concêntricos múltiplos”e o sinal do “crescente” (obtidos em tomadas axiais), bem como o sinal do “sanduíche” e o sinal do “garfo” (obtidos em planos longitudinais). - Próximo ao ápice, notamos o sinal dos “anéis concêntricos múltiplos”, onde há dois anéis hipoecóicos separados por um anel hiperecogênico. Na base, onde a quantidade de mesentério é máxima, o resultado é um anel externo hipoecóico com um centro hiperecóico em forma de crescente (sinal do “crescente”). - Se a porção média da intussuscepção for avaliada no eixo longitudinal, observamos o sinal do “sanduíche”, em que três bandas hipoecóicas paralelas (paredes intestinais em aposição) estão separadas por outras duas bandas hiperecogênicas quase paralelas (conteúdo mesenterial). O sinal do “garfo” é uma variante do sinal do “sanduíche”, observado no ápice da intussuscepção, onde áreas hipoecóicas representam as pontas do garfo, separadas por bandas hiperecogênicas mesenteriais. Diagnósticos diferenciais: - A apendicite aguda na fase inicial deve ser considerada. Os elementos que devem ser considerados são: dor, contínua e de intensidade crescente na apendicite aguda; vômito, mais frequente na invaginaçao intestinal; tumoração, geralmente ausente na apendicite aguda; hipertermia; com aparecimento nas fases tardias da invaginação intestinal, constitui elemento bastante frequente e precoce na invaginação intestinal e na apendicite aguda; idade; a apendicite aguda é mais raramente observada abaixo de 2 anos de idade, época na qual predomina a invaginação intestinal. - A enterocolite é excluída devido à eliminação de muco sanguinolento misturado com fezes, vômito, hipertermia e instalação precoce e intensa de choque, ocasionado pela rápida desidratação e pelo desequilíbrio eletrolítico, desencadeados pelo vômito e diarreia. - A púrpura de Henoch, com manifestação abdominal, é excluída pela presença de hemorragias cutâneas e articulares. O hematoma da parede intestinal pode simular a tumoração da invaginação. - A obstipação crônica, de duração variável e com acúmulo de fezes que pode ser confundida com a tumoração da invaginação, é excluída pela falta de eliminação de muco sanguinolento e pelo bom estado geral da criança. - O prolapso anal, lembrado nos casos em que a tumoração se exterioriza pelo ânus, é facilmente diagnosticado pela introdução do dedo entre o orifício do ânus e a tumoração; no caso de prolapso verificamos que a passagem muco- cutânea se faz ao nível do ânus. Tratamento: - O manejo da intussuscepção tem evoluído desde um tratamento exclusivamente cirúrgico até um enfoque multidisciplinar em que a maioria dos casos é resolvida por técnicas de redução sob controle radiológico, por meio de enemas de bário, solução salina ou ar. O método ecográfico vem sendo usado como método de observação preferido em vários centros clínicos no mundo. - Sempre o tratamento deve consistir, inicialmente, na estabilização hemodinâmica e hidroeletrolítica do paciente, seguida pela redução propriamente dita. - Os tratamentos não cirúrgicos são, atualmente, a conduta de eleição, essencialmente por sua alta taxa de êxito (80% com bário e 95% com ar) e sua baixa taxa de morbimortalidade, bem como pela curta duração da hospitalização pós- redução. Estes procedimentos possuem dois componentes: um método de observação (US ou fluoroscopia) e um meio de contraste (ar, bário ou solução salina). - Este tipo de redução evita a morbidade da anestesia e da cirurgia em crianças com intestino viável e sem ponto inicial. Outros argumentos a favor das reduções não cirúrgicas são o aspecto emocional e o econômico, assim como o risco de infecção em estadias pós-cirúrgicas prolongadas, que sempre devem ser considerados nesses casos. - Também enfatizamos que alguns casos de intussuscepção podem ter resolução espontânea. Recentemente, Kornecki et al. reportaram que, entre 50 casos pediátricos de redução espontânea, 43 eram de alças delgadas sem ponto inicial identificável. Em pacientes com lesões nesta topografia e praticamente assintomáticos, os autores recomendam uma abordagem conservador. A resolução espontânea provavelmente ocorre mais comumente do que pensamos e sua documentação foi facilitada com o uso da US. Devemos ser prudentes e lembrar que nem todas as intussuscepções diagnosticadas na US ou na TC requerem redução terapêutica. - A cirurgia fica reservada para os casos em que a redução por enema está contraindicada (peritonite, choque e perfuração), quando se encontra uma causa anatômica de invaginação ou quando a redução por enema fracassa. O achado de ar livre no exame em decúbito dorsal sugere abdome cirúrgico e contraindica a redução não cirúrgica. Enema baritado (terapêutico): - É a forma mais difundida de redução não cirúrgica. O bário é o contraste preferido porque, como já referido, proporciona excelentes detalhes das alterações, é barato e isosmolar. Antes da redução com bário, as seguintes providências devem ser tomadas: a) Solicitar parecer da equipe cirúrgica, pois é essencial comprovar a ausência de sinais de perfuração ou peritonite, bem como a necessidade de redução; b) puncionar uma veia periférica e iniciar a hidratação; c) pré-medicação analgésica é dada quando há indicação, ou seja, em criança moderadamente agitada ou que esteja chorando, pois o aumento da pressão intraabdominal dificulta a redução. - Um cateter de borracha macio, calibroso, não lubrificado e com um orifício na ponta é introduzido. A maioria dos radiologistas pediátricos prende as nádegas com esparadrapo para evitar que o cateter seja arrancado. Acredita-se que a vedação conseguida através de um balão de cateter de Folley aumente a possibilidade de perfuração intestinal; portanto, seu uso deve ser desencorajado. - Uma forma consagrada de redução hidrostática com contraste baritado é conhecida como “regra dos três”, utilizando solução de contraste baritado a 60% e consistindo nos seguintes tópicos: a) Bolsa com contraste baritado colocada em um suporte a três pés acima da mesa (> 90 cm); b) fazer até três tentativas de redução; c) permite-se até três minutos de pressão prolongada a cada tentativa. - O objetivo do enema terapêutico é atingir um nível seguro e constante de pressão intraluminal que empurre a porção invaginada ao seu local normal. Para reduzir de forma bem sucedida uma intussuscepção, promove-se refluxo até o íleo (alguns centímetros). Se não houver refluxo até o íleo terminal, deve-se pressupor que a criança tenha uma forma irredutível de intussuscepção. - Atualmente, outros meios de contraste têm sido empregados, mostrando-se satisfatórios ou mesmos superiores ao bário. Em várias instituições, o enema com ar tem substituído o enema hidrostático para a avaliação e o tratamento da intussuscepção nas crianças. Enema com gás: - Teoricamente, o ar é considerado o contraste ideal porque proporciona visualização suficientemente boa para reduzir a intussuscepção e por nada custar. Todavia, a redução com gás orientado por fluoroscopia usa radiação ionizante e pode não revelar pontos iniciais e uma intussuscepção ileoileal (devido a uma válvula ileocecal continente). - Enema com gás é um procedimento efetivo, seguro e higiênico para o diagnóstico e tratamento da intussuscepção pediátrica, com alta taxa de sucesso. Uma dose de radiação mais baixa em uma pneumorredução resulta em tempo de fluoroscopia mais curto, bem como miliamperagem e quilovoltagem mais baixas, comparativamente aos contrastes hidrostáticos. - Uma pressão intracolônica pode ser mantida mais efetivamente com ar do que com enemas hidrostáticos, porque o gás é insuflado por uma bomba unidirecional, impedindo o fluxo retrógrado. A área de maior resistência é a válvula ileocecal, sendo frequentemente necessária insuflação gasosa adicional, com pressão igual ou superior a 100 mmHg, para uma redução completa. - Há doiscritérios para uma completa pneumorredução: acentuado refluxo de ar para o interior do intestino delgado e desaparecimento da massa de partes moles. Após a pneumorredução, achados à fluoroscopia e à radiografia pós- descompressão incluem espessamento da válvula ileocecal, edema parietal cecal e espessamento do íleo terminal. Tentativas tardias e repetidas de pneumorredução têm melhorado as taxas de sucesso, provavelmente porque reduções parciais podem diminuir a congestão venosa e o edema parietal, permitindo redução subseqüente de um intussuscepto residual menos congesto. - Deve-se ressaltar que possíveis eventos de perfuração ocorrem menos frequentemente na redução com gás que com enemas hidrostáticos. Adicionalmente, os resultados experimentais confirmam que enemas com ar produzem bem menos contaminação fecal do peritônio que com enemas realizados com meios de contraste baritados ou hidrossolúveis. Também os pontos de ruptura nas alças são menores com este método. Redução pneumática guiada por US: - Alternativamente à redução guiada por fluoroscopia, pode ser feita pneumorredução guiada por US, que não requer exposição à radiação. - Os critérios usados para determinar uma redução completa incluem: (1) desaparecimento dos anéis múltiplos do intussuscepto, que se torna um (2) anel concêntrico único (íleo terminal edemaciado), bem como a (3) presença de uma transição abrupta entre o íleo edemaciado e a alça ileal proximal normal (em tomadas obtidas ao longo do maior eixo do íleo). Tais achados têm boa correspondência com os achados cirúrgicos pós-redução da intussuscepção. - Comparativamente à redução hidrostática guiada por US, a redução pneumática parece ser tecnicamente preferível porque há menos extravasamento anal do contraste, a pressão é mantida mais facilmente e pode ser aferida com manômetro. Todavia, a presença de grande quantidade de ar pode interferir nas avaliações ecográficas subsequentes. Portanto, a confirmação da redução deve ser feita apenas após deflação do ar. Atenção deve ser dada para não confundir a válvula ileocecal com massa residual, após redução. Redução hidrostática com US: - A realização de um enema com solução salina guiada por US para redução hidrostática da intussuscepção foi inicialmente descrita por Kim et al. em 1982. Trata-se de uma técnica promissora que vem sendo adotada gradativamente como opção terapêutica. - Embora taxas elevadas de sucesso terapêutico tenham sido descritas na literatura, esta nova modalidade terapêutica ainda não tem seu uso aplicado de forma generalizada no mundo. Suas vantagens também englobam a ausência de exposição à radiação dos pacientes e examinadores, bem como é possível a detecção do ponto inicial da invaginação. - Mesmo não se utilizando radiação, as principais desvantagens do uso de água ou solução salina para redução guiada por US seriam as mesmas que com qualquer meio líquido: rupturas colônicas maiores e contaminação peritoneal mais extensa, se a perfuração ocorrer. Porém, estas complicações são raras. - Quatro critérios podem ser usados como evidência de redução completa: a) desaparecimento do intussuscepto; b) visualização do refluxo de água com bolhas gasosas do ceco e cólon ascendente pela válvula ileocecal; c) demonstração da distensão do íleo pelo líquido; d) ausência de intussuscepto à US pós-evacuação do líquido. DIVERTÍCULO DE MECKEL - O divertículo de Meckel (DM) é formado por todas as camadas da parede intestinal e é um divertículo intestinal verdadeiro. Origina-se de falha na obliteração e absorção do ducto onfalomesentérico (ducto vitelino) durante o primeiro trimestre de vida fetal. - Localiza-se na borda antimesentérica do íleo a aproximadamente 90 cm da válvula ileocecal. Em aproximadamente 50% dos casos possui tecidos ectópicos, sendo os mais encontrados aqueles de origem gástrica e pancreática. Apresenta-se, em geral, como divertículo curto, de base larga, com suprimento sanguíneo próprio, proveniente de um ramo terminal da artéria mesentérica superior que cruza o íleo até o divertículo. - O DM representa causa relevante de sangramento gastrintestinal baixo na população pediátrica. Apesar de acometer igualmente ambos os sexos, predomina no sexo masculino. - A maioria dos indivíduos com DM permanece assintomática por toda a vida. O surgimento de sintomatologia sugere complicações como hemorragia digestiva, mais comum em crianças; e fenômenos obstrutivos, inflamatórios ou neoplásicos, mais comuns em adultos. Suas principais complicações são a diverticulite aguda, que deve ser detectada no diagnóstico diferencial da apendicite aguda. Estima-se em 4 a 6% a probabilidade de a doença se tornar sintomática em algum momento da vida. - Excluídos os casos de achado incidental durante cirurgias, o diagnóstico de DM depende da ocorrência de complicações e baseia-se fundamentalmente em exames de imagem. Epidemiologia: - As malformações gastrintestinais correspondem a cerca de 6% do total de malformações congênitas. O DM é a anomalia gastrintestinal congênita mais comum, com prevalência que varia de 1 a 4% na população geral. É duas vezes mais comum em homens do que em mulheres e, usualmente, localiza-se a 60 cm da válvula ileocecal. - O DM é a causa mais frequente de sangramento gastrintestinal baixo na criança. Parece ter incidência aumentada em recém-nascidos com outras anomalias - fenda palatina, útero bicorno, pâncreas anular, atresia de esôfago e atresia anorretal ou malformações dos sistemas nervoso central e cardiovascular. Quadro clínico: - O DM apresenta-se, predominantemente, de forma assintomática e seu diagnóstico costuma ser feito durante laparotomia e laparoscopia indicadas por outros motivos. Sangramento digestivo alto ou baixo, alteração do hábito intestinal e/ou dor abdominal sugerem alguma complicação associada ao DM. - Em crianças, o sangramento é a complicação mais frequente (45-50%), seguido de obstrução e infecção. Episódios de hemorragia ocorrem especialmente abaixo dos dois anos de idade, possivelmente associados à ulceração de mucosa heterotópica gástrica (60-65%) ou pancreática (5%). Secreções ácidas gástricas e alcalinas pancreáticas causariam ulceração na mucosa ileal adjacente, o que pode explicar os episódios de sangramento. - A obstrução diverticular é o achado mais comum em adultos. Pode ser devido à formação de enterólitos; a hérnias internas; torção axial do pedículo diverticular; volvo; inversão do DM simulando um pólipo pedunculado, com obstrução da luz intestinal; bridas inflamatórias; além de intussuscepção intestinal e obstrução meconial em crianças. A apresentação clínica inclui dor abdominal, vômitos e constipação intestinal. Na intussuscepção intestinal, a palpação abdominal característica e as fezes "em geleia de framboesa" são pistas diagnósticas importantes. A obstrução, quando não abordada cirurgicamente, pode evoluir com necrose e peritonite. - A diverticulite aguda, inflamação súbita do divertículo, é verificada em 13-31% dos casos que evoluem com complicação, com maior incidência na quarta e quinta décadas de vida. É de difícil diagnóstico e tem como principal diagnóstico diferencial a apendicite aguda. Deve-se pensar em DM complicado quando um apêndice aparentemente normal é encontrado em paciente com suspeita clínica de apendicite aguda. A diverticulite do DM pode ser desencadeada por enterólito, corpo estranho ou parasita, que ocasiona obstrução do divertículo e determina inflamação da mucosa ileal. - O DM é revestido internamente por mucosa ileal e pode conter tecido heterotópico em 30 a 40% dos casos. Entre os tipos de tecido heterotópico destacam-se os tecidos gástrico, pancreático ou ambos. Entretanto, há relato de achados esporádicos de mucosa colônica, endometrial e tecido hepatobiliar. A incidência de complicação nos divertículos com mucosa ectópica é maior. Os DMs commucosa gástrica evoluem, via de regra, com gastrite leve a moderada do tecido ectópico, podendo levar a inflamação, sangramento ou perfuração. O tecido ectópico pancreático, por sua vez, pode complicar-se com inflamação ou obstrução por formação de nodulações no fundo do divertículo. - A ocorrência de transformação maligna em mucosa diverticular é extremamente rara. Quando presente, o prognóstico costuma ser reservado e a histopatologia indica os tumores carcinoides e adenocarcinoma. Diagnóstico: - O DM é de diagnóstico difícil e permanece como grande desafio da prática médica. A maioria dos exames complementares evidencia alterações decorrentes das complicações, como diverticulite, obstrução da luz intestinal, hemorragia ou perfuração. Alguns exames, aliados às manifestações clínicas, auxiliam no diagnóstico correto, como: ultrassonografia abdominal, tomografia computadorizada de abdome, cintilografia e angiografia abdominais. Radiografia simples de abdome é em geral inespecífica. Em caso de inflamação podem-se observar sinais de peritonite. O pneumoperitônio é facilmente identificado nas incidências com raios horizontais, se houver perfuração diverticular. Na obstrução por divertículo invertido para o interior da luz intestinal observam-se sinais de obstrução do intestino delgado ou de invaginação intestinal. No estudo do trânsito de intestino delgado o achado característico é de saculação na parede do ileoterminal, com padrao irradiado na uniao das mucosas ileal e diverticular. Em alguns casos podem ser identificadas rugosidades gástricas no interior do divertículo. A ultrassonografia é bom método para diagnosticar complicações do DM, especialmente processos inflamatórios e intussuscepção intestinal. É útil em sangramentos retais com cintilografia negativa, quadros sugestivos de abdome inflamatório ou atípicos; entretanto, não existem dados para indicar a ultrassonografia como método superior à cintilografia com tecnécio 99, considerada padrão-ouro por muitos autores. o Nos casos de intussuscepção pode-se visualizar imagem de dupla intussuscepção: do divertículo no íleo e do íleo no colo através da válvula ileocecal. Nota-se uma estrutura tubular cega com conteúdo líquido e que pode ser bastante similar aos achados ultrassonográficos de apendicite aguda, quando existe diverticulite sem obstrução. Na obstrução diverticular, é possível observar estrutura tubular distendida, com conteúdo líquido, conectada à cicatriz umbilical. A tomografia computadorizada habitualmente não é útil no diagnóstico, a menos que haja processo inflamatório ou obstrutivo associado, pois é praticamente impossível diferenciar a alça intestinal de um DM, a menos que este esteja conectado à cicatriz umbilical. A cintilografia com tecnécio 99 (T99) é o método mais utilizado para diagnóstico de DM. Baseia-se na propriedade de marcação de mucosa gástrica pelo tecnécio 99. O exame tem acurácia em torno de 90% em pacientes pediátricos. Mostra-se, no entanto, pouco útil em adultos, devido à reduzida frequência de mucosa gástrica diverticular heterotópica nesse grupo. Apresenta alta especificidade (95-100%), porém sua sensibilidade gira em torno de 85%. A arteriografia pode ser empregada para detectar algum foco de sangramento ou anomalia arterial. Por ser invasiva, sua indicação deve se restringir apenas a casos selecionados ou quando os exames anteriores forem normais. Mostra-se bastante útil quando o paciente tem sangramento ativo ou sangramento intermitente e cintilografia normal; e, quando positiva, visibiliza-se uma artéria anômala nutrindo o divertículo e extravasamento de contraste nos casos de sangramento ativo. Podem ser úteis a colonoscopia e endoscopia digestiva alta para afastar outras causas de sangramento intestinal. A videolaparoscopia exploradora é considerada método eficaz na inspeção da cavidade e tem a vantagem de realizar simultaneamente o diagnóstico e sua correção.
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