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MEDCURSO: Hepatologia 24/06/2020 Aula 3: Cirrose e suas complicações 1. Hipertensão porta a) Aspectos gerais A veia porta é formada pelas veias mesentéricas superior, inferior e veia esplênica. As veias gástricas também drenam para a veia porta, assim como as veias gástricas curtas, veia gastroepiploica, veias retais (plexos superior e médio), veia umbilical: na hipertensão porta, toda essa drenagem é prejudicada = congestão desses vasos. b) Achados da hipertensão porta · Varizes esôfago-gástricas · Esplenomegalia · Varizes retais · Cabeça de medusa por recanalização da veia umbilical · Sinal de Cruveilhier-Baumgarten = sopro/frêmito na circulação colateral (cabeça de medusa) · Encefalopatia Do ponto de vista vascular, tudo isso é uma tentativa do sangue de desviar da hipertensão porta, já que há grande dificuldade para passar. Pela formação de circulações colaterais (atalhos), há todas essas alterações vasculares. No entanto, quando o sangue foge do fígado as toxinas conseguem chegar ao SNC levando a encefalopatia. Ascite: tem que ter hipertensão sinusoidal (ou seja, hipertensão no capilar hepático). c) Classificação 1- Pré-hepática Para que haja trombose pré-hepática, é necessário que haja trombose de veia porta ou trombose de veia esplênica, sua tributária. · Trombose de veia porta: hipercoagulabilidade e em crianças infecção de cateter umbilical · Trombose de veia esplênica: pancreatite crônica 2- Intra-hepática Pode ser pré-sinusoidal, sinusoidal ou pós-sinusoidal. · Pré-sinusoidal: esquistossomose – quando houver uma infestação muito grande, reação granulomatosa que invade território sinusoidal ou quando há cirrose associada · Sinusoidal: cirrose – mais comum de todas, por lesão hepatocelular que pode provocar hipertensão sinusoidal · Pós-sinusoidal: trombose da veia centrolobular, quando há doença veno-oclusiva – doença enxerto-hospedeiro e doença do chá da Jamaica (“Bush Tea Disease”) 3- Pós-hepática · Doenças cardíacas: ICC, pericardite constritiva · Trombose da veia hepática: síndrome de Budd-Chiari – situações de hipercoagulabilidade · Obstrução de veia cava: trombose, neoplasia (rim, fígado) d) Diagnóstico 1- USG com doppler · Avalia o calibre da porta e o fluxo na circulação portal · Aumento do calibre da porta (n=12mm) e esplênica (n=9mm) · Fluxo hepatofugal 2- Elastrografia: ≥ 15-21 kPa 3- Gradiente pressório entre porta e VCI: mede-se a diferença de pressão entre eles · É uma exame invasivo · ≥ 6 = hipertensão porta · ≥ 10 = varizes · ≥ 12 = risco de maior ascite e de ruptura de varizes Obs.: questão – uma pessoa com hepatopatia por Schistossoma mansoni terá como achado clínico mais provável varizes esofagianas. 1.1 Abordagem das varizes a) Cenários 1- Nunca sangrou · Impedir o primeiro sangramento = profilaxia primária · Rastrear varizes de alto risco · Calibre médio ≥ 5mm · Calibre grosso ≥ 20mm · Cherry-red spots · Child B e C · Se presentes, iniciar profilaxia primária · Beta-bloqueador não seletivo VO: propranolol/carvedilol (na maior dose que o paciente puder aguentar) OU · Ligadura elástica por EDA (é melhor que a escleroterapia) Obs.: carvedilol é uma boa droga e é ótima para pacientes com IC + variz esofágica. 2- Está sangrando 1) Estabilizar a hemodinâmica = 1ª conduta · Cristaloides + “prazol” · Na suspeita de sangramento varicoso: terlipressina ou octreotide (= vasoconstritores esplâncnicos) + ceftriaxone para profilaxia de PBE · Pode ser necessário hemácias, plaquetas, complexo protrombínico ou plasma · Hb < 7g/dl: iniciar transfusão de hemácias · Plaquetopenia < 50.000 se sangramento grave: indicação de transfusão · Complexo protrombínico: quando INR > 1,7 2) Descobrir fonte e tratar · Endoscopia: ligadura elástica (de escolha) – ideal para varizes esofágicas, mas não é ideal para sangramento varicoso gástrico · Se varizes gástricas: cianoacrilato · Balão · Indicado se o paciente não parou de sangrar com droga e terapia endoscópica = sangramento incontrolável por EDA + drogas · Balão de Sengstaken-Blakemore: insufla-se o balão + tração e se não melhorar, inflar o balão esofágico também · Pode ficar entre 24-36/48h · TIPS: shunt portossistêmico intra-hepático transjugular · Em casos de hemorragia refratária ao balão · Faz uma descompressão da pressão portal: o sangue começa a seguir pelas veias hepáticas · Vantagem: “ponte” para transplante · Desvantagem: encefalopatia (-/+ 30% dos casos) · Contraindicação: IC direita grave, doença cística · Cirurgias (urgência) · Shunts não seletivos 3- Já sangrou · Impedir o segundo sangramento = profilaxia secundária · Beta-bloqueador + ligadura elástica · Se refratário: TIPS ou shunt esplenorrenal distal (seletivo) – assistir aula do prof Felipe para descompressão do sistema porta 2. Ascite 2.1 Abordagem da ascite a) Paracentese · Sítio de punção: determinado através de uma linha traçada da cicatriz umbilical até a crista ilíaca antero-superior esquerda, dividindo-a em 3 partes e o encontro do terço distal com o médio é o sítio de punção · Pode ser diagnóstica ou terapêutica · Contraindicações: CIVD e hiperfibrinólise b) Diagnóstico 1- GASA A partir do líquido ascítico, é feita a análise d o GASA: gradiente albumina soro – albumina ascite 1) GASA ≥1,1 · Proveniente de hipertensão porta · Proteína < 2,5g/dl: paciente com “pouca proteína” = cirrose · Proteína > 2,5g/dl: ICC, Budd-Chiari 2) GASA < 1,1 · Neoplasia, BK, pâncreas, nefrótica · Proteína < 2,5g/dl: síndrome nefrótica · Proteína > 2,5g/dl: neoplasia, BK, pâncreas Obs.: se BK = pedir ADA 2- Pedir análise do líquido 1) Aspecto macroscópico · Seroso: cirrose · Hemorrágico: neoplasia · Turvo: infecção 2) Citometria/citologia · Contagem de polimorfonucleares · PMF ≥ 250: peritonite bacteriana (PBE ou PBS) 3) Bioquímica · Diferenciação entre PBE x PBS · Proteína total, glicose e LDH · Triglicerídeos > 1000: fala a favor de ascite quilosa (neoplasia, trauma) 4) Gram e cultura c) Tratamento 1- Restrição de sódio: 2g Na (4-6g de SAL)/dia 2- Restrição hídrica: 1-1,5L/dia se Na < 125 3- Diuréticos (VO): relação E/F = 100:40 · Espironolactona: iniciar com 100mg (máx.: 400mg/dia) · Furosemida: iniciar com 40mg (máx.: 160mg/dia) · Aumentar doses a cada 3-5 dias se o paciente não estiver respondendo: a análise é feita através do peso · Objetivos: perder 0,5kg/dia ou 1kg/dia com edema 4- Paracentese de alívio: se ascite sintomática/muito tensa 2.2 Ascite refratária · Ocorre em +/- 10% dos casos · Falência, recorrência ou azotemia, Na < 120, K > 6 · Refratária porque não respondeu ao diurético ou porque não pode ser usado a) Tratamento inicial · Observar se o paciente está usando alguma droga que atrapalhe a ação dos diuréticos: suspender beta-bloqueador (controverso) · Midodrina VO: muito eficaz b) Em caso de falha · Paracenteses terapêuticas seriadas: retirar todo o líquido do abdome – esses casos implicam na realização de uma paracentese de grande volume (> 5-6 litros) · A cada litro retirado, é necessário fazer a reposição de albumina: 6-8/10g de albumina por litro retirado · TIPS 3. Peritonite Bacteriana Espontânea = PBE a) Etiologia · Infecção do líquido ascítico que acontece do nada · Infecção normalmente monobacteriana: E. coli, Klebsiella b) Clínica · Assintomática ou · Febre, dor abdominal, encefalopatia c) Diagnóstico = ascite com PMN ≥ 250/mm3 d) Tratamento · Excluir PBS + retirar beta-bloqueador · Antibioticoterapia: cefotaxima 5 dias e) Profilaxia da síndrome hepatorrenal = albumina 1,5g/kg 1º dia e 1g/kg 3º dia 4. Peritonite Bacteriana Secundária = PBS a) Etiologia · Nesse caso, é polibacteriana = abdome cirúrgico · É uma apendicite, uma diverticulite, entre outros b) Diagnóstico = ascite com PMN ≥ 250/mm3 · + proteína, glicose e LDH · Dois ou mais dos seguintes: proteínas > 1g/dl / glicose < 50mg/ LDH elevado c) Tratamento · Antibioticoterapia com 2 ATBs: cefalosporina de 3ª geração + metronidazol · TC + cirurgia ou drenagem Outras infecções: · Ascite neutrofílica: ≥ 250 mm3 + cultura negativa – tratamento: antibiótico (= PBE) · Bacterascite: < 250 mm3 + cultura positiva – é como se fosse uma bacteriúria assintomática, tratando quando for sintomática 5. Encefalopatia hepática a) Fisiopatologia O sangue com toxinas que deveria passar pelo fígado, mas que desvia pela circulação colateral ou passa pelo mesmo que por estar insuficiente não consegue retira-las, chega ao SNC – a principal é a amônia, proveniente do contato das bactérias colônicas com o bolo alimentar-fecal. Essa produção é aumentada quando aumenta-se o conteúdo do cólon e se houver sangue no mesmo. b) Etiologia · Hemorragia digestiva, infecção (PBE/PBS): + importantes · Constipação c) Manifestações clínicas · 1ª alteração: alteração no padrão do sono · Desorientação · Coma · Flapping d) Tratamento · Reduzir a quantidade de bolo fecal/alimentar · Diminuir a absorção da amônia · Lactulona: é capaz de deixar o pH do intestina mais ácido, transformando amônia em amônio que tem uma maior dificuldade de ser absorvido pelo intestino, além de ser catártico/laxativo · ATB: rifaximina, neomicina, metronizadol · Pacientes muito agitados: haloperidol 6. Síndrome Hepatorrenal a) Fisiopatologia = vasodilatação periférica + vasoconstrição renal Esse paciente já apresenta uma vasodilatação sistêmica, o que consequentemente leva a uma diminuição da perfusão renal. Como forma de compensar, o rim faz uma vasoconstrição além do necessário (o rim é absolutamente normal) e ao exagerar na vasoconstrição = injúria renal aguda. b) Clínica e diagnóstico · É um diagnóstico de exclusão: pensar em hipovolemia, uso excessivo de diuréticos, sangramento · Paciente hepatopata grave + injúria renal aguda ou creatinina > 1,5 · Sem hipovolemia / infecção / droga nefrotóxica e · USG normal c) Tratamento · É necessário melhorar a perfusão renal · Albumina (para manter líquido dentro do vaso) + nodradrenalina ou terlipressina +/- hemodiálise se necessário · Se não der certo: transplante de fígado 7. Síndrome Hepatopulmonar a) Fisiopatologia Nesse caso, a vasculatura pulmonar acompanha a vasodilatação = vasodilatação periférica + vasodilatação pulmonar b) Clínica e diagnóstica · Hepatopata grave com hipertensão portal · Platipneia: paciente que faz dispneia com a ortostase – quando ele levanta, a dispneia começa · Ortodeóxia: dessaturação com a ortostase – quando ele levanta, a saturação cai Como há vasodilatação, as hemácias passam longe do alvéolo e não conseguem capitar o oxigênio – elas passam na parte debaixo do capilar. Quando o paciente está deitado, o sangue espalha pelo pulmão, aumentando a área de troca. Quando ele fica em pé, por gravidade, a área de troca reduz = dispneia e dessaturação. c) Tratamento · Prognóstico ruim · Transplante hepático
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