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VOCABULÁRIO POLÍTICO E MAÇONARIA NA REVOLUÇÃO PERNAMBUCANA DE 1817 POLITICAL VOCABULARY AND MASONRY IN THE 1817 REVOLUTION Breno Gontijo Andrade1 Resumo: O presente artigo busca entender o vocabulário político utilizado pelos participantes da Revolução 1817, principalmente os termos “pátria”, “país” e “nação”. Demonstra a manobra política dos revolucionários ao utilizar o termo “pátria” para incorporar os portugueses habitantes de Pernambuco, que antes eram tratados como inimigos. Concomitantemente, evidencia a estreita ligação entre a maçonaria e a revolução de 1817, e seus empréstimos ideológicos para os termos estudados. Pa l av ra s - C h a ve : Revo l u ç ã o Pernambucana, Vocabulário Político, Maçonaria. Os termos que serão focados para entender o vocabulário político na Revolução Pernambucana de 1817, são, respectivamente, a pátria, o país e a nação. Porém, antes de destrincharmos o significado dos termos referidos, é preciso analisar um dos principais motivos da eclosão Abstract: This article try to understand the political vocabulary used by the participants of the 1817 Revolution in Pernambuco, Brazil. The main terms studied are “pátria” (homeland), country and nation. Also, the article focuses on the politics of the natives revolutionaries when they used some political terms to incorporate the Portuguese people that lived in Pernambuco, although, in the first moment, the natives addressed the Portuguese people as enemies. In the same time, the article analyses the connections between the freemasonry and the 1817 Revolution, and the influence of the freemasonry ideas to political terms used. Key-Words: 1817 Revolution, Political Vocabulary, Freemasonry _____________________________________________________ 1 Graduação em História pela UFMG; Mestrando na linha de História e Culturas Políticas pela UFMG. E-mail: brenohistoria@gmail.com OPSIS, Catalão, v. 10, n. 1, p. 169-186, jan-jun 2010 169 da revolução2: a rivalidade entre europeus3 e brasileiros4. Essas rivalidades originavam-se nos privilégios que os nascidos em Portugal desfrutavam em Pernambuco5, como serem beneficiados para ocupar altos cargos públicos, civis e militares. Por outro lado, os naturais da terra, diga-se de passagem, os membros da elite pernambucana, mesmo que ocupassem postos importantes e tivessem algum privilégio, ainda assim eram minoritários se comparados aos portugueses. Ao mesmo tempo, os pernambucanos sentiam-se historicamente vassalos especiais, diferentes dos de outras partes do Império Português, pois, sem ajuda de Portugal, expulsaram os holandeses invasores, no século XVII, e optaram por se submeterem a Portugal, que naquela época passava por um período conturbado, quando tentava reaver as colônias perdidas para os flamengos (BOXER, 2002, p.126). Por isso, julgavam que não poderiam ser tratados como nascidos em meras possessões da Coroa Portuguesa: seriam vassalos especiais, condição que lhes permitiria romper com o soberano quando este já não os satisfizesse mais. A expulsão dos holandeses pelos pernambucanos jamais foi esquecida, sendo reutilizada em 1817 como parte de um discurso que dizia que eles eram livres para romper com governo português, que agia de maneira despótica6, e escolherem outro governo para si. Além disso, essas rivalidades antigas entre elite portuguesa e elite nativa contaminaram a maçonaria pernambucana, no início do século XIX. Esta última fomentou-as, não permitindo a presença de qualquer _____________________________________________________ 2 Além da rivalidade entre portugueses e pernambucanos, havia também motivos de ordem econômica, como as secas que solaparam Pernambuco antes de 1817, os altos impostos cobrados pela Coroa em Pernambuco, o não pagamento das tropas pernambucanas compostas principalmente por naturais da terra; de ordem política, como a difusão pela maçonaria de idéias contra a monarquia absolutista portuguesa, o ideal de liberdade pregado pelas Revoluções Francesa e Americana, a insatisfação com a política da Coroa portuguesa instalada no Rio de Janeiro, que esquecia-se de outras regiões que não o centro-sul do Brasil, etc. Ressalto que esses motivos não estavam separados entre si, misturavam-se de tal sorte que é impossível comentar sobre um sem citar o outro (VILLALTA, 2003, p. 58-66). 3 Dentre as designações que os europeus recebiam em Pernambuco, estavam a de português e de marinheiro. 4 Os brasileiros também eram designados por naturais da terra ou pernambucanos. A palavra pernambucano, num momento posterior (que ainda veremos), porém, incorporava os portugueses. 5 Como também em outras partes do vasto Império Português. 6 Os revolucionários de 1817 disseminavam a idéia de que o governo português era despótico e fundava-se na tirania. Vide, VILLALTA, 2003, p. 78-81) OPSIS, Catalão, v. 10, n. 1, p. 169-186, jan-jun 2010 170 português maçom em seu meio. Isso acontecia pelo fato das lojas maçônicas pernambucanas seguirem ritos ingleses, enquanto as instaladas no Rio de Janeiro e Lisboa seguiam ritos franceses. As de influência inglesa apregoavam a proclamação da independência política7 em relação ao Reino de Portugal, enquanto as de influência francesa, com muitos adeptos portugueses, inclusive nobres da Corte instalada no centro-sul da América Portuguesa, ansiavam por uma monarquia constitucional (TAVARES, 1917, p.70-85). Essas diferenças faziam com que a maçonaria na América Portuguesa ficasse dividida: enquanto no norte, ela era a favor da emancipação política, no centro-sul, defendia uma monarquia constitucional. Os portugueses pedreiros-livres, em sua maioria, eram contra a emancipação política da América Portuguesa, ou de parte dela. Por isso, eles eram mal vistos nas lojas maçônicas pernambucanas. Ao que parece, o projeto dos pedreiros-livres de emancipação política é antigo, talvez anterior a 1801, quando houve a Conspiração dos Suassuna. Bernardo Teixeira Álvares de Carvalho, em carta a Tomás Antônio Villanova Portugal8, diz que soube pelo finado Jerônimo da Cunha que: Simão Pires Sardinha e um Padre José Luiz, ambos de Minas Gerais e assistentes em Lisboa convidavam os brasileiros para sua casa para imbuírem no sistema republicano e meios de o plantar no Brasil; e que um Manuel Arruda da Câmara e seu irmão Dr. Médico Francisco Arruda da Câmara vieram para Pernambuco com o mesmo projeto; os três primeiros morreram antes desta revolução, mas ainda é vivo o terceiro (DH, vol. CIV, 1954, p.156). De fato, Manuel Arruda Câmara fundou, pouco antes de 1800, o Areópago de Itambé, sociedade secreta, política e maçônica no espírito, que tinha como membros, além dos irmãos Arruda Câmara, os irmãos Suassuna, que foram acusados de conspirarem contra o governo real em 1801 (TAVARES, 1917, p.70). No Areópago de Itambé, provavelmente, discutiam-se idéias de teor emancipacionista, sobre livros, alguns deles proibidos, além das notícias da Europa. Em 1817, pouco antes da Revolução Pernambucana, o rompimento de Domingos José Martins e do Padre João Ribeiro com _____________________________________________________ 7 Não se especifica se seria a Independência da América Portuguesa ou de parte dela. 8 Carta de 30 de abril de 1818. Ambos são representantes das autoridades reais. OPSIS, Catalão, v. 10, n. 1, p. 169-186, jan-jun 2010 171 o Tenente-Coronel e Ajudante de Ordens Alexandre Tomás, português, e que provavelmente tinha mais afinidades com o rito maçônico francês, levou a uma denúncia mais séria ao governador Caetano Pinto de uma possível conspiração em Pernambuco contra os portugueses (MELLO, 2004, p.37). Essa denúncia culminou na ordem de prisão dos acusados, naturais da América Portuguesa (TAVARES, 1917, p. 88) e muitos deles maçons ligados à vertente inglesa. Além de fomentar as rivalidades entre os portugueses e pernambucanos, a maçonaria pernambucana empenhava-se em conquistar o clero e a oficialidade, composta por muitos naturais da terra (MELLO, 2004, p.36). Quando, em 1817, o governador Caetano Pinto ordenou a prisão de algunsacusados de conspiração, três eram capitães da artilharia: Domingos Teotônio Pessoa de Melo, José de Barros Lima e Pedro da Silva Pedroso9 (TAVARES, 1917, p.88). A própria reação à ordem de prisão se deu no quartel, quando o brigadeiro Manoel Joaquim Barbosa de Castro, português, encarregado de fazê-la cumprir, foi atacado e assassinado por José de Barros Lima. Os oficiais naturais da terra, que então estavam reunidos no quartel, “desembainharão as espadas” (TAVARES, 1917, p.91), manifestando-se em favor do agressor, enquanto dois oficiais portugueses fugiram. Essa reação de oficiais pernambucanos contra a ordem de prisão dada pelo governador desencadeou a revolução. Já os clérigos, quase que unanimemente, posicionaram-se a favor dos pernambucanos. Muitos deles, estavam há anos envolvidos com idéias contrárias à unidade do Império Português. Prova disso é a interminável lista de eclesiásticos participantes da Revolução Pernambucana, não só oriundos de Pernambuco, como também nas demais províncias levantadas, desempenhando as mais diversas funções, desde emissários até chefes de guerrilha10. O seminário de Olinda, instituição local em que se educava parte das elites da região, era gerido pelo clero e também estava contaminado pela maçonaria. Era dessa maneira que muitos jovens abastados tinham _____________________________________________________ 9 Esses oficiais depois tiveram importante participação na revolução pernambucana. 10 O mais afamado entre eles foi o Padre João Ribeiro, discípulo do botânico Arruda Câmara, maçom, professor no seminário de Olinda e responsável pelo Hospital de Nossa Senhora do Paraíso. No governo instalado pela revolução, exerceu o importante cargo de membro da junta governativa. OPSIS, Catalão, v. 10, n. 1, p. 169-186, jan-jun 2010 172 contato com idéias nocivas à monarquia portuguesa. O clérigo Francisco Muniz Tavares autor de importante livro que remonta a história da revolução de Pernambuco, foi discípulo do Padre João Ribeiro, que, por sua vez, foi aluno de Arruda Câmara (TAVARES, 1917, p.4). Sobre os jovens paraibanos que estudaram no mesmo seminário, dizia Tavares em sua História da Revolução Pernambucana de 1817: eram os únicos que vinham mendigar no seminário de Olinda a instrução primária: felizmente dotados de espírito aproveitavam, e de retorno ao país natal levavam consigo sementes de liberalismo, e não deixavam de cultivar as relações de amizade que haviam contraído com os patriotas pernambucanos (TAVARES, 1917, p.125). Mais do que um lugar que instruía jovens de toda a região, o seminário de Olinda também criava laços de amizades entre os seus alunos, laços esses que seriam reavivados na Revolução Pernambucana, com o intento de unir, num primeiro momento, as províncias do norte contra a monarquia portuguesa instalada no centro-sul11. O seminário não foi, porém, o principal local que as elites da região usaram para se unir: as lojas maçônicas e as casas particulares ocuparam esse papel. Em verdade, as lojas maçônicas de rito inglês, ao longo do primeiro quartel do século XIX, se alastraram pelo norte da América Portuguesa12. Além de Pernambuco, espalharam-se pela Bahia, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará (TAVARES, 191, p.78). Essa orientação comum entre as maçonarias dessas províncias explica, em parte, sua adesão futura à Revolução Pernambucana, principalmente no caso da Paraíba e Rio Grande do Norte, posto que, na Bahia e no Ceará, mesmo com muitos pedreiros-livres, o apoio à Revolução Pernambucana não obteve êxito13. As rivalidades entre pernambucanos e portugueses, disseminadas pela maçonaria, seja por meio de contato com o clero e _____________________________________________________ 11 Os revolucionários também ansiavam pela participação de outras províncias no levante, mas esperavam apoio incondicional, principalmente das províncias vizinhas, isto é, as do norte. 12 A expansão da maçonaria para a Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará parece ter sido obra das lojas maçônicas de Pernambuco. 13 O padre Roma, emissário do governo provisório instalado no Recife, foi enviado para a Bahia, mas falhou em convocar os maçons baianos ao apoio a Revolução Pernambucana. No entanto, Muniz Tavares deixa claro que parte significativa da maçonaria instalada na Bahia estava em harmonia com a maçonaria pernambucana e que, se tivesse sido avisada a tempo, poderia ter participado da Revolução. OPSIS, Catalão, v. 10, n. 1, p. 169-186, jan-jun 2010 173 a oficialidade (compostos majoritariamente por membros da elite), seja pela educação de seus filhos, eram tão latentes, que mesmo nos primeiros dias da revolução, ao criar o governo provisório, havia entre os próprios revolucionários algumas sérias discordâncias de natureza política. Um dos principais participantes da Revolução Pernambucana, José Luiz de Mendonça14, pouco após a criação do Governo Provisório, propôs, para o bem da revolução, conservar-se novamente a bandeira real e enviar ao rei: um respeitoso memorial, expondo os justos motivos que forçaram os pernambucanos ao excesso que tiveram e ao mesmo tempo pedindo-lhe alívio de alguns impostos que tanto pesavam sobre o povo, e bem a reforma de certas leis que reprimissem os abusos da autoridade (DH, vol CV, 1954, p. 96-97). Isso porque, segundo Muniz Tavares, essa ruptura tão brusca com o Império Português, naquele momento precipitado, poderia estar fadada ao fracasso (TAVARES, 1917, p.110). Melhor seria esperar para instruir e armar o povo, tendo a possibilidade de se ter mais sucesso no desfecho de uma revolução. Porém, Domingos José Martins, em conluio com Pedro da Silva Pedroso, além de rechaçar a proposta de José Luiz de Mendonça, chamou-o de traidor e tentou matá-lo. A proposta de José Luiz de Mendonça15, ao que parece, soava traiçoeira para eles, pois implicava a defesa da monarquia portuguesa e refutava a emancipação política. É possível que, Domingos José Martins e Pedro da Silva Pedroso interpretaram a proposta de Mendonça como idéia peculiar aos ditames de uma maçonaria afrancesada defensora de uma monarquia constitucional. A própria tropa contaminada se levantou contra José Luiz de Mendonça, querendo matá-lo, por se lembrar de mudar a bandeira branca, ou seja, a bandeira dos revolucionários, para uma _____________________________________________________ 14 Negociou em favor dos rebelados a capitulação do governador e Capitão General Caetano Pinto e usou de sua palavra, em que o governador muito confiava, para forçar uma capitulação mais rápida. Disse que o povo estava ansioso pela liberdade, por sacudir o jugo português. Ainda assim, Caetano Pinto julgou que a rapidez da revolta provinha de um plano maior, combinado em toda a América Portuguesa. Julgando que sua derrota era certa, resolveu capitular. Mendonça também exagerou na quantidade de rebeldes que estavam contra o governo de Caetano Pinto, levando-o, certamente, a tomar essa decisão (TAVARES, 1917, p. 100-101). 15 Oliveira Lima, em nota a Muniz Tavares, compara José Luiz de Mendonça aos Girondinos e Domingos José Martins aos Jacobinos (TAVARES, 1917, p. 140). OPSIS, Catalão, v. 10, n. 1, p. 169-186, jan-jun 2010 174 bandeira real (DH, vol CIV, 1954, p.37), um dos principais símbolos da monarquia portuguesa. A criação do governo provisório pelos revolucionários, para os portugueses que viviam em Pernambuco, certamente, trazia consigo enorme temor. Pela existência de rivalidades, eles mesmos temiam perder suas vidas. Muitos deles ou se esconderam quando o governo real caiu, ou fugiram para os portos, ou formaram efetivos de resistência em luta dentro de Santo Antônio do Recife. Todavia, apesar de existirem as citadas rivalidades em Pernambuco, foi notória a participação dos próprios portugueses na Revolução Pernambucana. Desde a tenra gestação da revolução de 1817, quando discutiam em conciliábulos secretos ou em jantares16 idéias desfavoráveis à monarquia portuguesa, até seu fim, houve calorosa participação dos lusitanos, quando já tinham aconselhado o novo governorevolucionário, comandado e participado de suas tropas, oferecido os mais diversos recursos entre outras importantes ações. O próprio governo instalado pelos revolucionários, intitulado governo provisório, mesmo que quisesse, não poderia se apartar dos portugueses, simplesmente porque eles estavam ligados a todos os tipos de atividades, desde as burocráticas até as comerciais, além de serem, naturalmente, parte da sociedade pernambucana. Os revolucionários, se não tinham parentesco com algum português, ao menos compartilhavam elos de amizade com os mesmos. Desse modo, se se excluísse os portugueses, o governo provisório não teria o almejado apoio da sociedade pernambucana e se enfraqueceria politicamente. Se em um primeiro momento, antes da revolução, a aversão aos portugueses era utilizada para justificar o início da Revolução Pernambucana, posteriormente, os revolucionários perceberam que excluir os portugueses seria condenar o seu próprio governo. Assim, era necessário incluí-los na construção daquele novo tempo de ruptura com o governo monárquico, ainda que houvesse uma aversão tácita aos marinheiros. Os revolucionários conseguiram realizar essa façanha, por meio do uso de uma palavra que, embora fosse antiga, começava a trazer consigo novos significados. Essa palavra era pátria. _____________________________________________________ 16 Na devassa da Revolução Pernambucana, muitos revolucionários eram acusados de frequentarem clubes, jantares ou casa de particulares, lugares esses sinônimos de trama e discussão de idéias contra a monarquia portuguesa. OPSIS, Catalão, v. 10, n. 1, p. 169-186, jan-jun 2010 175 A nova acepção da palavra pátria, construída pelos revolucionários, era a de um novo governo, escolhido e exercido pelo povo17, e que, talvez mais importante, negava a vassalagem à metrópole interiorizada (DIAS, 1982, p.164, 171-173) no centro-sul18 da América Portuguesa e ao Reino Unido, em uma palavra, à monarquia portuguesa. No entanto, a palavra pátria trazia significados ainda vinculados à sua antiga acepção, de “terra, Villa, Cidade ou Reyno, em que se nasceo; ama cada hu a sua pátria, como origem do teu ser, & centro do seu descanço” (BLUTEAU, 1716, p.320). Todavia, esses significados não se excluíam, pelo contrário, se somavam, convivendo-se a idéia de pátria como o lugar de nascimento ou lugar de habitação com a de pátria como reunião de território, povo e organização política soberana (VILLALTA, 2003, p.82). Esse novo significado do termo pátria permitia unir pernambucanos e portugueses, justamente porque ambos habitariam aquele território, fariam parte de sua sociedade e apoiariam sua nova organização política. Empenhados em incluir os portugueses na pátria, os governadores do bispado de Pernambuco, no dia 8 de março de 1817, receberam ordem do governo provisório para pregar que entre brasileiros19 e europeus20 não havia indisposições. Segundo essa ordem, deveriam dizer que entre eles reinaria o amor recíproco, pois sem isso seria impossível gozar das vantagens oferecidas pelo governo patriótico (DH, vol CI, 1953, p.9-10). No dia 9 de março, o governo provisório proclamava aos “habitantes de Pernambuco”, ou seja, aqueles que lá residiam, sendo seus naturais ou não, que já não havia distinções entre “brasileiros e europeus”, que todos eram descendentes da mesma origem, habitantes do mesmo país, que a pátria era a mãe comum de todos os que habitavam Pernambuco (DH, vol CI, 1953, p.14-16). No dia 11 de março, o Deão Bernardo Luiz Ferreira Portugal reiteraria a ordem do governo _____________________________________________________ 17 Contudo, o governo provisório, não foi escolhido estritamente pelo povo, mas por membros da elite pernambucana que se diziam seus representantes. 18 Um dos motivos alegados pelos revolucionários para sua revolução foi os altos impostos pagos para o Rio de Janeiro, com pouquíssimos benefícios para Pernambuco. 19 É comum encontrar na documentação o uso do termo brasileiro, para se referir aos naturais de Pernambuco, da região revolucionada da Paraíba e Rio Grande do Norte, ou mesmo da América Portuguesa. Essa palavra não tinha o significado que hoje lhe é atribuído, i.e, os nascidos no Brasil. 20 Na documentação, é comum referir-se aos portugueses do Reino como “europeus”. OPSIS, Catalão, v. 10, n. 1, p. 169-186, jan-jun 2010 176 provisório, incentivando os párocos do bispado a confirmar o amor entre brasileiros e europeus, posto que os europeus, no levante, também protegeram a causa da pátria, e junto com os pernambucanos “formam uma mesma família” (DH, vol CI, 1953, p.17-18). No dia 12 de março, o governo provisório, em carta ao presidente dos Estados Unidos, também deixaria claro a idéia de que brasileiros estavam unidos aos europeus, que com eles habitavam, para derrubar o governo da casa de Bragança. Dia após dia, como a documentação atesta, os revolucionários se esforçavam para criar uma comunidade imaginária (ANDERSON, 2005, p.12), onde juntassem portugueses e brasileiros. José Luiz de Mendonça, em proclamação, dizia que o primeiro cuidado do governo provisório era: desabusar os nossos compatriotas de Portugal dos medos e desconfianças (...), recebendo a todos com abraços e ósculos, segurando suas famílias, pessoas e propriedades, de toda a sorte de injúria, fazendo-o continuar em seu comércio, tráfegos e ocupações com maior liberdade que dantes proclamando enfim por um bando os sentimentos do governo e do povo, e não haver mais daqui por diante, diferença nos brasileiros e europeus, mas deverem todos ser tidos em conta de uma só e a mesma herança, que é a prosperidade geral de toda esta província (DH, vol CV, 1954, p.98-99). Os revolucionários esforçaram-se para criar elementos que unissem portugueses e pernambucanos, apelando para o fato de terem a mesma herança, viverem no mesmo quinhão de terra, formarem uma só família e que, assim, juntos trariam prosperidade geral para si. Na construção da nova acepção para o termo pátria, portanto, deve-se considerar o esforço do governo provisório para incorporar os portugueses como seus componentes. Esse sentido construído pelos revolucionários lembra, de forma esmaecida, o significado da palavra nação defendida por Benedict Anderson para o século XIX, como comunidade política imaginada, limitada e soberana (ANDERSON, 2005, p.23). Esse significado de nação seria construído ao longo do século XIX, assim como o sentimento de nacionalismo, até então nunca experimentado pela humanidade. Em relação à nova acepção do termo pátria, sem agora enfatizar a inclusão dos portugueses, consideremos José Carlos Mayrink da Silva OPSIS, Catalão, v. 10, n. 1, p. 169-186, jan-jun 2010 177 Ferrão21, personagem que exerceu cargos burocráticos antes, durante e após a revolução (tanto no governo real quanto no governo provisório). Diante da acusação de ser revolucionário, em sua defesa especificava o que pensava sobre a natureza da pátria: A minha pátria não são os penhascos de Vila Rica que me viram nascer, a minha pátria eu o digo e entendo é o meu Governo, é a Constituição da Monarquia Portuguesa, a que pertenço e a que pertenceram os meus maiores, a este corpo moral que chamo pátria (DH, vol CVII, 1955, p.199). Mayrink, portanto, movimentou-se conscientemente entre diferentes significados da palavra pátria, defendendo um significado que o aproximava dos revolucionários, ainda que o fizesse em apoio à monarquia: preterindo os “penhascos de Vila Rica” em favor do governo monárquico português. Se para ele, a pátria era o seu governo, para os patriotas22, grupo ao qual evitava ser atrelado, a pátria seria o governo provisório. Ademais, a palavra pátria, em sua nova acepção, era utilizada nas discussões secretas dos revolucionários, antes mesmo da revolução eclodir, na medida em que os dois principais movimentos que os inspiraram, a independência da América Inglesa e a Revolução Francesa23, já a utilizavam com novos significados. Em suma, o uso do termo pátria em Pernambuco foi diferenciado. A acepçãoantiga da palavra pátria, de nascimento ou habitação de uma determinada região, em alguns casos, esteve ligada com a idéia de uma liberdade política avessa à relação súdito-rei. O uso da nova acepção relacionou-se ao esforço político do governo provisório de incluir os portugueses em sua comunidade imaginada, para o que concorreu a maçonaria. Ainda que em construção, esse novo significado suscitou sentimentos arrebatados nos patriotas mais envolvidos com o levante, inspirando produções poéticas, afinadas com a nova acepção do termo O sentimento pela pátria parece que, com o decorrer da revolução, deixava de pairar somente sobre a esfera pública, para abarcar a esfera _____________________________________________________ 21 José Carlos Mayrink da Silva Ferrão era irmão da afamada Marília de Dirceu. 22 Os patriotas seriam os partidários do governo provisório. 23 Em seu artigo, Márcia Regina Berbel, nos revela que a pátria, na Revolução Francesa, se associava ao que era público e a valores como a liberdade política, em detrimento da relação dos súditos com seu rei (BERBEL, 2001, p.4) OPSIS, Catalão, v. 10, n. 1, p. 169-186, jan-jun 2010 178 privada, levando alguns patriotas a extremadas paixões. O soneto atribuído a Domingos José Martins, escrito enquanto ele aguardava sua sentença de morte pode nos demonstrar isso: Meus ternos pensamentos, que sagrados Me fostes quase a par da Liberdade! Em vós não tem poder a iniqüidade; À Esposa voai, narrai meus fados! Dizei-lhe, que nos transes apertados, Ao passar desta vida à eternidade, Ela n’alma reinava na metade; E com a Pátria partia-lhe os cuidados. A Pátria foi o meu Nume A esposa depois o mais querido Objeto de desvelo verdadeiro; E, na morte, entre ambas repartido, Será da outra o último gemido, Será de uma o suspiro derradeiro. (os grifos são meus) Pelos grifos, é evidente que Domingos José Martins cultivava tanto sentimento por sua pátria, que ela foi seu nume24, enquanto o sentimento por sua esposa25, ao que parece, era pouco menor que aquele que nutria por sua pátria. De qualquer forma, sentia-se com a alma dividida entre essas duas paixões. A palavra nação, nas poucas vezes em que aparece, tanto usada pelos revolucionários, quanto pelo governo real, remete à acepção encontrada no dicionário de Raphael Bluteau: conjunto de súditos da Coroa Portuguesa, apontando para a unidade do império português (VILLALTA, 2003, p.79). A unidade da nação está na figura do rei, que uniria as mais diversas partes de seu império. O uso do termo nação também serve para designar os povos estrangeiros, ainda que nem sempre traga a idéia de súditos do mesmo rei, mas apenas de povos externos _____________________________________________________ 24 No dicionário de Raphael Bluteau, Nume significa termo usado dos poetas quando fallão em Deos ou fabulosas deidades. Já o dicionário contemporâneo Houaiss, traz o significa além de divindade, deidade, o sentido: inspiração poética advinda do poder divino, sentimento íntimo, afeiçoamento. 25 Casou-se alguns dias após a revolução, sob as benção do Deão Bernardo Luiz Ferreira Portugal. OPSIS, Catalão, v. 10, n. 1, p. 169-186, jan-jun 2010 179 ao império português. Por último, vez ou outra, a palavra nação está acompanhada de idéias econômicas da época, o que nos leva a pensar que a mesma palavra esteja associada a postulados do livro “An Inquiry into the Nature and Causes of Wealth of Nations” de Adam Smith ou à idéia dos fisiocratas. É bem comum encontrar na documentação algumas fórmulas para que a nação se enriquecesse, ora melhorando a agricultura, ora o comércio e a indústria. Em 1817, a documentação não nos permite dizer que a palavra nação tivesse o significado de comunidade imaginada, soberana e limitada. A palavra que se aproxima disso, mesmo que de maneira opaca é pátria. Quanto ao termo país, na documentação sobre 1817, ele ainda conteve a significação geográfica utilizada no dicionário de Raphael Bluteau, delimitando desde regiões menores, como estritamente a província de Pernambuco, a regiões bem maiores, como é o caso do Reino Unido de Portugal. De qualquer forma, tanto patriotas quanto vassalos reais, sempre que quiseram remeter à província de Pernambuco ou qualquer outra região, independente de sua extensão geográfica, fizeram uso do termo país. Já o termo patriota26, isto é, o adepto da causa da pátria, remetia ao sujeito que se integrava ao novo governo revolucionário, independente de onde houvesse nascido dentro do Império Português. O que unia um patriota a outro, além da aceitação do novo governo, seria a aversão contra um inimigo comum: ao rei de Portugal e à Corte instalada no centro-sul da América Portuguesa. O governo provisório da Paraíba, em édito ao povo para conservar o gado nos pastos do interior, faria essa ligação do termo patriota ao termo pátria: Heia patriotas, entrai nos vossos verdadeiros interesses, nos interesses da Pátria em comum. O vosso governo provisório atendeu a todas estas razões, este governo é a vossa Pátria, vós sois Pátria27, é a Pátria quem assim o quer, nós todos devemos querer (DH, vol CI, 1953, p.62). _____________________________________________________ 26 No dicionário de Bluteau, não foi encontrado o termo patriota, o que pode nos revelar que tal termo era escassamente utilizado. 27 Apesar deste artigo não ser espaço para discussão desse tema, percebe-se que, se antes o povo delegava poder para um rei os governar e este tinha que governar respeitando o povo, neste trecho percebemos que o povo delega a ele próprio esse poder, cabendo ao povo somente o exercício de sua governança. OPSIS, Catalão, v. 10, n. 1, p. 169-186, jan-jun 2010 180 A abnegação contra esse suposto inimigo comum, como vimos, foi disseminada pela maçonaria nascente em Pernambuco, e era de conhecimento tão público, que logo após a instalação do governo provisório em Pernambuco, a província da Paraíba e o Rio Grande do Norte também depuseram seus governadores reais e instalaram governos provisórios aos moldes daquele instalado em Pernambuco. Entretanto, o anseio dos patriotas de levantar não só Pernambuco, mas outras partes da América Portuguesa era tão manifesto, que para convencer os habitantes da Alagoas28 e Atalaia, diziam que estas regiões não obedecendo o governo provisório provocavam desunião e poderiam fazer a pátria desgraçada, pois tinham toda a capitania de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande, Ceará, Maranhão, Pará, Parnaíba, Mato Grosso como um só corpo, e Minas levantada estava prestes a unir-se a ele (DH, vol CIV, 1954, p.93). O padre José Inácio de Brito, acusado pela devassa de benzer as bandeiras dos rebeldes e orar em favor da pátria, era também acusado de festejar a notícia do levante de Minas, Rio Grande do Sul 29e outras partes do Brasil (DH, vol CIV, 1954, p.57). Embora a Revolução Pernambucana ansiasse pela participação de outras partes da América Portuguesa, para que formassem um único corpo contra a monarquia portuguesa, há indícios que ela não se restringiu somente aos limites da América Portuguesa. No dia 10 de março de 1817, quatro dias após tomarem o governo, os revolucionários enviaram uma carta pelo brigue americano Sally Dana (DH, vol CI, 1953, p. 16), para José Francisco de Paula Cavalcante de Albuquerque30, governador de Moçambique naquela época, e considerado importante pedreiro-livre por tentar aproximar o Grande Oriente de França com o Grande Oriente Lusitano (MELLO, 2004, p.25) _____________________________________________________ 28 Na época da Revolução Pernambucana, o território do atual Alagoas fazia parte da província de Pernambuco, conseguindo se separar dela somente depois de 1817, como prêmio pela sua fidelidade ao rei português. 29 Província que exportava corriqueiramente carne de sol para alimentação de escravos e da gente pobre em Pernambuco. 30 José Francisco de Paula Cavalcante de Albuquerque e seus irmãos Suassuna carregavam as acusações de serem os principais participantes da Conspiração dos Suassunas de 1801, movimento aindanão totalmente esclarecido, mas que buscava a liberdade sob a ajuda da França (DH, vol CX, 1955, p.20). No início do XIX, José Francisco seria o contato dos Suassunas na Europa, para tentar obter, por meio de conexões maçônicas que dispunha em Paris, apoio de Napoleão Bonaparte para tal liberdade (MELLO, 2004, p.25) OPSIS, Catalão, v. 10, n. 1, p. 169-186, jan-jun 2010 181 nos primeiros anos do século XIX. Os realistas conjecturavam que o brigue se destinava a trazer o dito governador de Moçambique para Pernambuco (DH, vol CI, 1953, p.179), para que participasse da revolução, assim como participaram seus dois irmãos, também implicados na conspiração dos Suassuna de 1801. No entanto, aventa- se a hipótese de que mais importante que trazer José Francisco para Pernambuco, para os patriotas, seria revolucionar o próprio Moçambique em apoio a Pernambuco e contra a monarquia portuguesa, pois, com automatismo, o governo provisório já vinha tentando revolucionar as províncias na América Portuguesa, principalmente aquelas com quem cultivavam preciosos contatos, seja por meio da maçonaria, seja pela proximidade geográfica. Inclusive, o governador do Rio Grande do Norte, José Inácio Borges, amigo íntimo do Padre João Ribeiro, e que em 1801 era tido como assíduo freqüentador da casa dos conspiradores Suassuna, recebeu uma carta do governo provisório, antes da revolução chegar até lá, dizendo que: era chegada a ocasião de mostrar sem rebuço a liberalidade de seus sentimentos; que a pátria reclamava dos seus filhos os maiores serviços, e que nenhum mais do que ele os podia prestar pelo elevado posto que ocupava (TAVARES, 1917, p.131). Assim, como na carta recebida pelo governador José Inácio Borges, o governador de Moçambique, mais influído contra a monarquia de Bragança do que o primeiro, mesmo no oceano Índico, poderia escutar os reclames da mãe pátria aos filhos patriotas, podendo prestar a ela os maiores serviços, justamente pelo posto que ocupava. Mas, enquanto a carta enviada para Moçambique não era respondida31 o amálgama da pátria ainda estaria na união dos patriotas da América Portuguesa contra a monarquia portuguesa, embora, ao que parece, tivessem intenção de unir outras partes de além-mar ao seu favor. _____________________________________________________ 31 Nem mesmo sabe-se se a carta chegou ao seu destino e se, ainda hoje, ela existe. OPSIS, Catalão, v. 10, n. 1, p. 169-186, jan-jun 2010 182 Referências Fontes BIBLIOTECA NACIONAL. Documentos Históricos: Revolução de 1817. Apresentação de José Honório Rodrigues. 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Artigo recebido em 08/04/2010 e aceito para publicação em 02/09/2010 OPSIS, Catalão, v. 10, n. 1, p. 169-186, jan-jun 2010 186
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