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1 Beatriz Almeida – Medicina UFCG Turma 78 Anemia Falciforme Introdução: • Síndromes falciformes: Hemoglobinopatias hereditárias, monogênicas e autossômicas; • Ocorre substituição do ácido glutâmico pela valina na posição 6 da cadeia de β-globina gera a hemoglobina S; • A condição faz com que surjam hemácias afoiçadas que levam à hemólise e à oclusão microvascular, além de inflamação sistêmica com disfunção endotelial crônica afetando vasos de todos os calibres, e também gera hipercoagulabilidade; • Anemia Normocítica, Normocrômica e Hiperproliferativa; • Incidência aumentada na raça negra e em países que sofreram influência hereditária; Genética: • Todo ser humano possui 2 alelos do gene β-globina; • Indivíduos que possuem homozigose para o gene βs desenvolvem a anemia falciforme → • Indivíduos que herdam apenas uma cópia do βs em associação com outro alelo qualquer, possuem a variante falcêmica/traço falciforme → heterozigotos para o gene βs; Doenças Falciformes Anemia Falciforme (BhSS) Homozigose para o gene βs Doença mais grave Traço Falcêmico (HbAS) Heterozigose com o gene βa (normal) Manifestações sutis Hemoglobinopatia SC ou SD Heterozigose com o gene βc ou βd Gravidade intermediária HbS/β-talassemia Heterozigose com β- talassemia (β0 ou β-) Gravidade intermediária HbS/HPFH Heterozigose com o gene HPFH Assintomático Fisiopatologia: • A troca do ácido glutâmico pela valina resulta em perda de eletronegatividade e ganho de hidrofobicidade → tendência à autoagregação que pode resultar em formação de polímeros de hemoglobina S no interior do citoplasma (perda de solubilidade); • Esses polímeros constituem fibras alongadas e rígidas, alterando o formato da célula → afoiçamento; • Os polímeros de HbS não carreiam oxigênio; • Exacerbação do afoiçamento das hemácias pelo aumento da polimerização: o Hipóxia: transforma a oxi-HbS em desoxi-Hbs; o Acidose: reduz a afinidade da hemoglobina pelo oxigênio (efeito Bohr); o Desidratação celular: aumenta a CHCM, aumentando a concentração de desoxi-HbS; Resolvidos tais fatores, os polímeros de HbS se desfazem e as hemácias podem retomar seu formato original, porém as vezes isso não acontece, gerando as Irreversibly Sickled Cells; • A HbS é uma molécula instável, pois ela tende a sofrer oxidação com mais facilidade do que a hemoglobina normal; • O contato com os fosfolipídeos da membrana plasmática exacerba a instabilidade da HbS, aumentando o estresse oxidativo intracelular, acometendo até as hemácias bem oxigenadas e não afoiçadas; • A membrana plasmática sofre dano cumulativo, com a formação de microvesículas, com o tempo (7-30 dias) a célula se torna tão frágil que sofre lise osmótica ou mecânica no próprio compartimento intravascular → anemia hemolítica (componente de hemólise intravascular); • O transporte iônico é afetado, favorecendo o influxo de cálcio e saída de potássio e água → desidratação da hemácia; • Ocorrem modificações antigênicas na membrana que aumentam a eritrofagocitose pela estimulação de autoanticorpos anti-banda 3, como também, há exposição da fosfatidilserina que tem propriedades pró-inflamatórias → lesão endotelial difusa e estimula à resposta inflamatória; 2 Beatriz Almeida – Medicina UFCG Turma 78 • Quando as hemácias falcêmicas são destruídas no interior da corrente circulatória, ocorre liberação de seus conteúdos para o sangue; • A hemoglobina S e suas moléculas desnaturadas exercem uma série de efeitos negativos sobre o endotélio; • Dentre elas está a depleção do óxido nítrico, uma substância importante com propriedades vasodilatadoras, antitrombóticas e anti-inflamatórias; • Há estimulação de macrófagos e monócitos para produzir e secretar citocinas pró-inflamatórias, como TNF-α e interleucinas; • Tais fatores contribuem para um estado de inflamação sistêmica crônica, que por sua vez, potencializa a disfunção endotelial; • O falcêmico é um paciente constantemente inflamado; • Evolui para hiperplasia e fibrose na parede dos vasos de maior calibre, com obstrução do lúmem, e hipercoagulabilidade facilitando o surgimento de tromboses; Vaso-Oclusão Capilar: • A vaso-oclusão aguda justifica as crises álgicas, de forma crônica, causa uma disfunção orgânica lentamente progressiva → pequenos infartos teciduais cumulativos; • Adesão de hemácias ao endotélio + Impactação e empilhamento de hemácias; • A isquemia tecidual produz focos de necrose nos órgãos envolvidos; Nível Fenômeno ou alteração Molecular e celular • Mutação da hemoglobina • Polimerização da Hb desoxigenada • Falcização • Alterações de membrana Tecido e órgãos • Adesão celular ao endotélio • Hipóxia local – isquemia • Inflamação • Lesão microvascular • Ativação da coagulação • Depleção de NO Organismo • Dor • Anemia hemolítica • Insuficiência de múltiplos órgãos Genótipo Hb (g/dl) HbS HbA HbA2 HbF HbC AS normal <40% >60% <3,5% <1% 0 SS 6-9 >90% 0 <3,5% <10% 0 Sβ0 7-9 >80% 0 >3,5% <20% 0 Sβ+ 9-12 >60% 10-30% >3,5% <20% 0 SC 9-14 50% 0 <3,5% <1% 45 Diagnóstico Laboratorial básico: Queda leve a moderada da hemoglobina e do hematócrito Anemia normocrômica – HCM normal Reticulocitose: entre 3-15% Hiperbilirrubinemia indireta Aumento de LDH Queda da haptoglobina Aumento “artificial” do VCM (os reticulócitos possuem maior tamanho que as hemácias maduras) Leucocitose e Plaquetose Proteína C Reativa aumentada A velocidade de hemossedimentação (VHS) é baixa Esfregaço de sangue periférico: Hemácias irreversivelmente afoiçadas Hemácias em alvo Eritroblastos circulantes Policromasia Corpúsculos Howell-Jolly – sinal de asplenia • Hiperplasia eritroide na medula óssea – sinal de hemólise; • A confirmação é feita através da eletroforese de hemoglobina, outros: cromatografia líquida de alta performance (HPLC) e a análise genética; Rastreio: • Pré-natal: pode-se realizar a biópsia de vilo coriônico, coletada entre 8-10 semanas de gestação e submetida a análise genética; • Neonatal: Teste do pezinho (2-30 dias de vida) – o uso diário de penicilina V oral até a idade de 5 anos é capaz de reduzir a morbimortalidade. Ele é repetido aos 6 meses de idade pois no período neonatal é normal haver predomínio da hemoglobina F; 3 Beatriz Almeida – Medicina UFCG Turma 78 Manifestações Clínicas: • Variável; • Decorrentes da anemia hemolítica crônica, da vaso- oclusão e da inflamação; • Recém-nascidos não apresentam manifestações clínicas significativas, pois apresentam níveis elevados de HbF; • Principais órgãos-alvo da doença: baço, ossos, rins, cérebro, pulmões, pele e coração; • A expectativa de vida dos falcêmicos é inferior a da população geral, girando em torno de 42 anos para os homens e 48 para as mulheres; Complicações: Complicações agudas Complicações crônicas Crive vaso-oclusiva Necrose asséptica Síndrome torácica aguda Úlceras MM I I Acidente vascular encefálico Retinopatia Crise Aplástica Litíase biliar Sequestro esplênico Doença renal crônica Priapismo Insuficiência cardíaca Infecções Hipertensão pulmonar Crise vaso-oclusiva ou álgica: a hipóxia tecidual leva a crises álgicas, desencadeados por desidratação, infecção, extremos de temperatura, estresse físico ou emocional; • Uma das primeiras manifestações da anemia falciforme, ainda na infância, é a dactilite (dedos de salsicha), com episódios agudos de dor e edema em região dorsal de mãos e pés, ocorrem em aproximadamente 50% das crianças entre os 6 meses e os 2 anos de idade; • Responsável por 90% das internações nos falciformes, identificar e tratar agressivamente o fator desencadeante; • Somente uma minoria desses indivíduos apresenta crises álgicas muito frequentes; • A dor geralmente acomete região dorso-lombar, tórax, extremidades e abdome. • Deve-sehidratar adequadamente por via oral ou endovenosa + utilização de analgésico para aliviar a dor: crises leves (paracetamol, dipirona, AAS ou ibuprofeno), crises moderadas: (associar codeína ou tramadol), crises graves (morfina); • Dor crônica: os pacientes possuem uma causa anatômica para a dor, como fraturas vertebrais, osteonecrose da cabeça do fêmur ou úmero, úlceras cutâneas persistentes, nesses pacientes é indicado o uso de analgésicos a longo prazo. Síndrome torácica aguda: 2ª causa mais comum de hospitalização nos pacientes com síndrome falciforme. • Infiltrados novos no Raio X de tórax, dor torácica, febre, tosse, taquipneia, sibilância e hipoxemia; • Principais desencadeantes: vaso-oclusão capilar pulmonar e infecção; • Tratamento: antibioticoterapia, oxigênio inalatório se saturação abaixo de 92%, transfusões simples nos casos moderados, transfusão de troca nos casos graves; Acidente Vascular Encefálico: uma das piores complicações das síndromes falciformes, é mais comum em pacientes HbSS; • AVE isquêmico por oclusão trombótica de um grande vaso intracerebral é a forma mais comum de AVE nos falcêmicos – 70-80%; • A vaso-oclusão demicrocirculação cerebral pode levar ao surgimento de microinfartos “silenciosos” do parênquima, causando déficit cognitivo progressivo; • A AF predispõe o surgimento de AVE hemorrágico, principalmente pela ruptura de aneurismas, devido ai processo multifatorial de enfraquecimento da parede vascular; • Tratamento: exsanguíneo-transfusão, manter HbS <30%; • Os pacientes não tratados 67% vão apresentar recidiva entre 12 e 24 meses após o primeiro episódio e 80% nos três primeiros anos; • Prevenção de recorrência: esquema transfusional a cada 3 a 4 semanas; • Estudo STOP: importância do screening ultrassonográfico das a.a. cerebrais na profilaxia primária do evento isquêmico; Crise aplástica: acomete cerca de 30% dos falciformes, é mais comum em crianças; • É uma interrupção transitória na proliferação dos precursores eritrocitários na medula óssea, cursando com queda súbita nos níveis de hemoglobina acompanhada de reticulocitopenia; • Está associada a infecção pelo parvovírus B19, uso de drogas imunossupressoras ou deficiência de ácido fólico; 4 Beatriz Almeida – Medicina UFCG Turma 78 • Caracterizada por queda da hemoglobina com redução dos Reticulócitos; • Tratamento: transfusão de hemácias + suporte; Sequestro esplênico: complicação muito frequente na infância; é muito grave e tem alta mortalidade; • Ocorre obstrução aguda da rede de drenagem microvascular devido a vaso-oclusão local, culminando em represamento de sangue no interior do órgão; • Aumento no volume do baço • + queda de hemoglobina + reticulocitose; • Sintomas de anemias e hipovolemia; • Tratamento agudo: hidratação cuidadosa e transfusão; após quadro agudo: esplenectomia; • A maioria dos pacientes maiores de 5 anos já sofreram autoesplenectomia, devido a destruição do parênquima esplênico em decorrência de múltiplos infartos teciduais cumulativos; Pode haver Sequestro Hepático (hepatomegalia aguda dolorosa) ou Sequestro Pulmonar (hemorragia alveolar e insuficiência respiratória); Priapismo: ereção peniana sustentada e não relacionada ao desejo sexual; • Ocorre em até 100% dos homens com doença falciforme. • Há um aprisionamento de hemácias falcizadas, causando vaso-oclusão nas veias de drenagem no corpo cavernoso; • Processo doloroso que pode acontecer entre 30min e 4h, mas em alguns casos chega até mais; • Tratamento: hidratação venosa e analgesia, >4h deve-se realizar a aspiração percutânea dos corpos cavernosos, abordagem cirúrgica no priapismo prolongado; Infecções: aumento do risco de infecções por germes encapsulados pois o baço representa uma importante proteção contra esses microrganismos, déficit de opsonização relacionado à auto-esplenectomia; • O falcêmico tem perda da habilidade em remover bactérias que atingem a circulação sistêmica, além de uma queda na capacidade de sintetizar e secretar opsoninas; • Antibioticoprofilaxia e avaliação rotineira contra pneumococo, meningococo e Haemophilus influenzae b; • Infecção pneumocócica invasiva: incidência de até 3% nas crianças falciformes; • Infecções mais comuns: pneumonia, otite média (pneumococo), meningite (pneumococo e H. influenzae), ostemielite em até 12% (Salmonela, Sthaphylococcus e gram negativos entéricos); • Vacinação antipneumocócica e uso profilático de penicilina V oral iniciada no 2º mês de vida; Complicações obstétricas: abortos espontâneos, crescimento intrauterino restrito, infecções, fenômenos tromboembólicos, pré-eclâmpsia; Doença renal crônica: disfunção tubular e medular – dificuldade para concentração urinária; • A medula renal é um ambiente altamente propício à ocorrência de afoiçamento por ser uma região pouco polarizada; • Pode haver necrose de papila; • Hipostenúria: perda da capacidade de concentração urinária máxima, o paciente perde muita água pela urina, podendo desidratar com maior facilidade, culminando em hipernatremia e hipovolemia; • Defeitos na concentração urinária e acidificação → microalbuminúria → proteinúria → glomeruesclerose → falência renal; Crise Hiper-hemolítica: reação hemolítica tardia, em que aloanticorpos que teriam desaparecido da circulação com o tempo são novamente produzidos diante da reexposição ao sangue incompatível. Ocorre uma queda inexplicada dos níveis de hemoglobina após 4 a 10 dias da hemotransfusão, surgem sinais laboratoriais de agravamento da hemólise. • As hemácias do próprio paciente também podem ser destruídas, o que resulta em uma anemia ainda mais severa. Úlcera de membros inferiores: costumam ser bilaterais e predominarem sobre as eminências maleolares; risco para osteomielite; tratamento: debridamento + agentes tópicos; Retinopatia: é mais comum nos pacientes SC; todo falcêmicos deve realizar fundoscopia anual para acompanhamento; Litíase biliar: por cálculos de bilirrubinato de cálcio – 70% dos falcêmicos a desenvolvem, podem estar presentes a infância. 5 Beatriz Almeida – Medicina UFCG Turma 78 Manifestações cardíacas ocorre um aumento sustentado do débito cardíaco resultando em dilatação das câmaras cardíacas → cardiomegalia e sopros de regurgitação mitral e tricúspide; Insuficiência cardíaca Congestiva Hipertensão pulmonar: sua prevalência aumenta em função da idade. Está relacionada com a depleção do ácido nítrico endotelial secundária à hemólise intravascular contínua, que gera hiperplasia dos vasos pulmonares; Tratamento: Suplementação com ácido fólico – 5mg/dia; Hidroxiureia – promove aumento da hemoglobina fetal; Profilaxia e tratamento de infecções (principalmente nos menores de 5 anos); Tratamento das crises dolorosas vaso-oclusivas e outras complicações; Terapêutica transfusional; Transplante de células tronco hematopoiéticas – feita em crianças; Suplementação de Folato: o estado hemolítico crônico acelera a produção de hemácias pela medula óssea, podendo levar a um rápido esgotamento das reservas endógenas de folato, levando a uma crise megaloblástica. Por esse motivo, todo falcêmico deve fazer reposição contínua de 1mg/dia de ácido fólico. Hidroxiureia: age aumentando os níveis de HbF; • Indicações: episódios frequentes de dor (3 ou mais internações em 12 anos), história de síndrome torácica aguda, anemia grave (Hb < 6g/dl), outra complicação vaso-oclusiva grave (priapismo, hipertensão pulmonar); Hemotransfusão: transfusão simples (deve chegar no máximo em Hb 10g/dl e Ht de 30%, para não produzir hiperviscosidade) e Transfusão de troca parcial (parte das hemácias falcêmicas são removidas em troca de hemácias normais). Principais complicações transfusionais: aloimunização (30% dos falcêmicos), sobrecarga de ferro, infecções virais hemotransmissíveis. Em pacientes que fazem hemotransfusãocom frequência, deve-se realizar a quelação do ferro, para não haver hemocromatose secundária. Principais quelantes de ferro: deferoxamina e deferasirox. Transplante de medula óssea alogênico: única terapia curativa, necessita de doador HLA idêntico, é considerada em crianças e adolescentes menores de 16 anos que tiveram complicações graves decorrentes da doença falciforme;
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