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CONSTITUIÇÃO EM HESSE Com base na leitura de HESSE, Konrad; MENDES, Gilmar Ferreira. A força normativa da Constituição . Porto Alegre: Fabris, 1991. O texto “A Força Normativa da Constituição” se baseia na aula inaugural de Konrad Hesse na Universidade de Freiburg, em 1959. Hesse se contrapõe ao pensamento de Lassalle , uma vez que busca demonstrar que um embate entre os fatores reais de poder e a Constituição não necessariamente terminará em desfavor da última - Hesse compreende que ela não é mais fraca. Hesse não enxerga a Constituição como um mero pedaço de papel . Para ele, há uma série de pressupostos realizáveis que, em caso de confronto, asseguram sua força normativa. Uma vez que os pressupostos não puderem ser satisfeitos, aí sim, ocorrerá a conversão de questões jurídicas em questões de poder. O jurista não descarta a importância dos fatores históricos, políticos e sociais para a força normativa da Constituição: Hesse trabalha com a chamada vontade de Constituição . A Constituição se transforma em força ativa se existir a disposição de orientar a própria conduta segundo a ordem nela estabelecida, se a vontade de poder e a vontade de Constituição se fizerem presentes na consciência geral. A tese de Lassalle afirmava que as questões constitucionais não são questões jurídicas, mas sim questões políticas, e que a Constituição de um país expressa as relações de poder que nele se mostrassem dominantes. A força ativa, que determina as leis e instituições de uma sociedade é construída, surge das relações entre os fatores reais do poder. Na visão de Lassalle, a Constituição jurídica é um pedaço de papel, que sucumbirá diante dos fatores reais de poder. A concepção de Lassalle é dotada de aparente simplicidade e evidência, base calcada na realidade e aparente confirmação pela experiência histórica. Entende-se que o poder da força afigura-se sempre superior à força das normas jurídicas, que a normatividade submete-se à realidade fática. Em suma, o pensamento de Lassale conduz à ideia de que só é efetiva a norma que está em conformidade com a realidade. Contudo, para Hesse, essa ideia desperta uma negação da Constituição Jurídica. O direito constitucional negado, implica na negação de seu valor enquanto ciência jurídica. Hesse ainda ressalta que, sendo uma ciência normativa, o Direito Constitucional difere da sociologia e da ciência política, enquanto ciências da realidade. Se o Direito Constitucional estivesse unicamente voltado às relações fáticas altamente mutáveis, se tornaria uma ciência jurídica na ausência do direito - não estaria a serviço de uma ordem estatal justa, apenas justificando as relações de poder dominantes. FERNANDA CAUS PRADO TEORIA CONSTITUCIONAL 22 Uma vez que a Constituição real é admitida como decisiva, ocorre a descaracterização como ciência normativa - se converte em uma ciência do ser , bem como sociologia ou ciência política. O significado da ordenação jurídica na realidade e em face dela somente é apreciado quando realidade e ordenação forem consideradas, em condicionamento recíproco . Se considerarmos apenas a ordenação jurídica, a norma "está em vigor" ou "está derrogada". Se considerarmos apenas a realidade política e social, o problema não é percebido em sua totalidade ou o significado da ordenação jurídica será ignorado. No passado, o pensamento constitucional era marcado pelo isolamento entre norma e realidade, fato que podemos constatar no positivismo sociológico de Carl Schmitt. Como supracitado, tal radicalização conduz a uma norma despida de qualquer elemento da realidade ou de uma realidade esvaziada de qualquer elemento normativo - é necessário encontrar um caminho entre ambos os elementos. A existência da norma constitucional não é autônoma em face da realidade, sua essência reside na sua vigência - o que lhe confere eficácia. As normas devem de fato contemplar as condições naturais, técnicas, econômicas, e sociais, bem como as concepções sociais concretas do povo. Contudo, a pretensão de eficácia de uma norma constitucional não é sinônimo das condições de sua realização - a pretensão de eficácia se associa às condições como elemento autônomo . Dessa maneira, a Constituição não expressa apenas o “ser”, mas também o “dever ser”. Mais do que refletir a realidade, a Constituição imprime ordem e conformação à realidade política e social. Ela é determinada pela realidade social, ao mesmo tempo que determina a realidade social . Não é possível separar a força condicionante da realidade e a normatividade da Constituição. A força normativa da Constituição é adquirida na medida em que a mesma logra realizar a pretensão de eficácia. Apenas a Constituição que se vincule a uma situação histórica concreta e suas condicionantes , ao mesmo tempo que seja provida de uma ordenação jurídica orientada pela razão , se desenvolverá efetivamente. Isso se dá pois a razão dá forma à matéria disponível, enquanto a natureza das coisas produz substâncias novas. De acordo com Hesse, a norma constitucional somente logra atuar se procura construir o futuro com base na natureza singular do presente . Quando determinada pelo princípio da necessidade, a Constituição se converte na ordem geral objetiva do complexo de relações da vida . Ao mesmo tempo, a Constituição jurídica busca converter-se em força ativa, que se assenta na natureza singular do presente. A constituição, por si só, não realiza nada, mas impõe tarefas. Uma vez que essas tarefas sejam efetivamente realizadas , num cenário em que há disposição para FERNANDA CAUS PRADO TEORIA CONSTITUCIONAL 23 orientar-se segundo a ordem estabelecida e vontade para concretizá-la , a Constituição se transforma em força ativa . Em suma, o que torna a Constituição força ativa, é a presença da vontade de Constituição na consciência geral , especialmente na consciência dos principais responsáveis pela ordem constitucional. A vontade de Constituição, no que lhe concerne, se origina de três vertentes. Compreensão da necessidade e do valor de uma ordem normativainquebrantável, que proteja o Estado contra o arbítrio desmedido e disforme. Compreensão de que essa ordem constituída é mais do que uma ordem legitimada pelos fatos (necessita estar em constante processo de legitimação). Consciência de que, ao contrário do que se dá com uma lei do pensamento, essa ordem não logra ser eficaz sem o concurso da vontade humana. Essa ordem adquire e mantém sua vigência através de atos de vontade , logo, os indivíduos estão permanentemente convocados a dar conformação à vida do Estado, assumindo e resolvendo as tarefas por ele colocadas. Os limites e pressupostos que permitem à Constituição desenvolver sua força normativa são decorrentes da natureza das coisas . Quanto mais o conteúdo da Constituição corresponder à natureza singular do presente , mais seguro será o desenvolvimento de sua força normativa. Do mesmo modo, a Constituição deve estar em condições de se adaptar a uma eventual mudança dos condicionantes . Para garantir a manutenção de sua força normativa, não pode se assentar numa estrutura unilateral . O desenvolvimento da força normativa não depende somente do conteúdo, mas também da práxis: deve haver respeito à Constituição . A estabilidade é condição fundamental da eficácia da Constituição , logo, a frequente revisão constitucional pode ser perigosa à força normativa, uma vez que abala a confiança na sua inquebrantabilidade. A interpretação constitucional também tem significado decisivo para a consolidação e preservação da força normativa. A interpretação deve contemplar as condicionantes, relacionado-as com proposições normativas da Constituição, concretizando o sentido da proposição normativa dentro das condições reais dominantes . A Constituição jurídica não é apenas a expressão de uma dada realidade, graças ao elemento normativo, ela ordena e conforma a realidade política e social. Seu objetivo é conferir forma e modificar a realidade . A intensidade da força normativa da Constituição apresenta-se como uma questão de vontade normativa, de vontade de Constituição. FERNANDA CAUS PRADO TEORIA CONSTITUCIONAL 24 Se em tempos difíceis, nos quais haja condições de violar a Constituição, as forças optarem por homenageá-la, ela se mostrará verdadeira força viva capaz de proteger a vida do Estado . Tal linha de pensamento se cruza com o de Schmitt, segundo o qual o estado de necessidade configura ponto essencial para a caracterização da força normativa da Constituição. Em suma, Hesse compreende que a Constituição não está desvinculada da realidade histórica concreta do seu tempo, todavia, ela não está condicionada , simplesmente, por essa realidade. No que diz respeito ao Direito Constitucional , Hesse afirma que esse deve preservar, modestamente, a consciência dos seus limites . A força normativa da Constituição é apenas uma das forças que resulta a realidade do Estado, e também é limitada. Dessa forma, o Direito Constitucional deve almejar concretizar plenamente a força normativa . Nas palavras de Hesse, compete ao Direito Constitucional realçar, despertar e preservar a vontade de Constituição, a maior garantia da força normativa. Na modernidade, a política interna encontra-se, em grande medida, "juridicizada”. A discussão acerca da Constituição adquire relevância tanto na relação entre a União e os Estados, quanto na relação entre diversos órgãos estatais e suas diferentes funções. Até mesmo as forças que imprimem movimento e direção à vida política estão submetidas à ordem constitucional. Os princípios basilares da Constituição não podem ser alterados mediante revisão constitucional, fato que confere proeminência ao princípio da Constituição jurídica sobre o postulado da soberania popular. De forma análoga, as Cortes Constitucionais estão autorizadas a proferir a última palavra sobre os conflitos constitucionais. Ainda assim, cabe ressaltar que a força normativa da Constituição depende da satisfação de determinados pressupostos, que ainda não foram totalmente satisfeitos. Hesse pontua que a separação entre o Direito Constitucional e a realidade ameaça um elenco de princípios basilares da Constituição, especialmente o postulado da liberdade. FERNANDA CAUS PRADO TEORIA CONSTITUCIONAL 25
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