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Bianca Cardoso e Santos FARMACODERMIAS São reações cutâneas adversas à fármacos. Possuem diversas apresentações clínicas. As reações de hipersensibilidade a drogas afetam mais que 7% da população. Os medicamentos mais frequentemente envolvidos nas reações de hipersensibilidade são os antibióticos e os antiinflamatórios não-esteroidais (AINEs). Classificação Previsíveis: comuns e relacionadas às ações farmacológicas da droga (efeitos colaterais e secundários, toxicidade e interações medicamentosas); Imprevisíveis: incomuns e não relacionadas à atividade farmacológica da droga, estão associadas à suscetibilidade individual (intolerância, idiossincrasia – susceptibilidade, e hipersensibilidade). As reações de hipersensibilidade podem ser: Alérgicas: possuem mecanismo imunológico desencadeante. Tipo I: Hipersensibilidade Imediata Reações do tipo I resultam da síntese de IgE específica. A interação dos antígenos com a IgE específica ligada aos mastócitos ou basófilos leva à liberação de mediadores pré-formados (histamina, triptase, etc) e neo-formados (prostaglandinas, leucotrienos, PAF, etc). Estas reações geralmente ocorrem imediatamente, em 20 a 30 minutos após a administração da droga e podem manifestar-se por urticária, edema laríngeo, broncoespasmo, hipotensão e colapso cardiovascular. Tipo II: Anticorpos Citotóxicos Determinados antígenos ligam-se à superfície das células sanguíneas ou do interstício renal, alterando- a e sendo identificados por anticorpos específicos IgG ou IgM. Esses anticorpos específicos ao interagirem com estes antígenos, determinam a ativação do sistema complemento e, consequentemente, lise celular. As manifestações clínicas incluem anemia hemolítica, trombocitopenia, granulocitopenia ou nefrite induzida por droga. Bianca Cardoso e Santos Tipo III: Reações por Imunocomplexos Anticorpos específicos das classes IgG e IgM podem formar complexos circulantes com os antígenos. Estes imunocomplexos, uma vez depositados no interior dos vasos, podem levar a fixação de complemento e se depositar em diversos tecidos. Clinicamente, manifesta-se por febre, erupções cutâneas, urticária, linfoadenopatia e artralgia que tipicamente surgem de uma a três semanas após a última administração da droga. Tipo IV: Hipersensibilidade Mediada por Células São reações mediadas por linfócitos T, os quais reconhecem antígenos e/ou porções da molécula carreadora através do receptor de células T (TCR), desencadeando a liberação de citocinas, recrutamento de outros tipos celulares e inflamação tecidual. Uma das apresentações clínicas mais clássicas é a dermatite de contato alérgica. Não-alérgicas: são mais comuns, não apresentam mecanismo imunológico como desencadeante. Reações a medicamentos podem se apresentar como urticária, angioedema, broncoespasmo, etc., porém sem ter a participação de IgE. Alguns fármacos podem se ligar de forma não covalente, diretamente ao receptor de linfócitos T e desencadear uma reação imunológico (conceito “p - i” - pharmacological interaction ou interação farmacológica com o receptor imune). Superdosagem: o organismo não consegue metabolizar nem excretar, gerando efeitos adversos; Fatores individuais: principalmente patologias hepáticas e/ou renais, cursando com alteração na metabolização e excreção dos medicamentos; Efeitos colaterais: já conhecidos dos medicamentos; Teratogênese: por uso de medicamentos. *As reações a medicamentos em sua maioria não são provocadas por mecanismo imunológico ( reações de hipersensibilidade não alérgica). Manifestações clínicas As reações alérgicas a medicamentos podem envolver qualquer órgão ou sistema. A pele é o órgão mais frequentemente acometido e sabe-se que um mesmo fármaco pode estar envolvido em mais de um tipo de reação cutânea. Nas reações anafiláticas, além das manifestações cutâneas, ocorre comprometimento cardiorrespiratório e/ou gastrointestinal. Bianca Cardoso e Santos Outras formas de reações sistêmicas podem levar ao acometimento de membranas mucosas, linfonodos, rins, fígado, pleura, pulmões, articulações e outros órgãos e tecidos caracterizando quadros de intensa gravidade. Principais farmacodermias ERUPÇÃO MÁCULO-PAPULAR (exantema) (Mácula: lesão plana não palpável, com cor diferente da pele, menor que 1cm; Pápula: lesão palpável, sólida, avermelhada, menor que 0,5 cm.). Rash maculopapular, eritematoso e pruriginoso. Constitui o tipo mais frequente de reação a droga (70% dos casos). As lesões acometem o tronco e membros, geralmente poupando a face. Costuma ter curso benigno melhorando apenas com a retirada da medicação, mas em alguns casos pode persistir após a retirada. Pode surgir uma a duas semanas após a introdução do tratamento. Algumas vezes ocorre após a interrupção do medicamento (reação tardia). Bianca Cardoso e Santos Diagnóstico diferencial: os exantemas de etiologia viral, o que pode levar a uma interpretação equivocada de alergia ao medicamento. URTICÁRIA E ANGIOEDEMA: Presente em cerca de 25% dos casos de farmacodermias. Surgem de maneira imediata (30 min após a exposição) e manifesta-se clinicamente por urticas grandes (placas eritematosas, elevadas, edematosas, pruriginosas), geralmente permanecendo por poucas horas no mesmo local. Em 50% dos casos a urticária é acompanhada do angioedema (lábio, língua, periocular, glote) que pode evoluir para um choque anafilático. Entre as causas mais frequentes destacam-se os antibióticos com radical ß-lactâmico, especialmente as penicilinas, AINE. IECA pode induzir angioedema(edema da derme profunda) isolado. Tratada com suspensão da medicação e anti-histamínicos. Se choque anafilático: adrenalina 0,5 ml IM ou subcutâneo. ANAFILAXIA: São reações agudas, potencialmente fatais. Podem envolver o trato respiratório e também o sistema cardiovascular, além das manifestações cutâneas. A reação anafilática podem ser reações IgE mediadas ou anafilaxia não alérgica. O quadro clínico de ambas é semelhante e aparece poucos minutos após o contato com o agente causal. Urticária e angioedema podem ocorrer em 90% dos pacientes. Alguns pacientes apresentam cólicas abdominais, náuseas e vômitos, podendo chegar à liberação de esfíncteres e perda da consciência. As causas mais frequentes de reações anafiláticas são os analgésicos, AINEs e os antibióticos. DERMATITE DE CONTATO: Apresentam-se como lesões pápulo-vesiculares (elevações sólidas, menores que 1 cm e com conteúdo liquido no seu interior), produzidas por drogas de uso tópico ou por excipientes de formulações tópicas. As drogas mais comumente implicadas são: penicilina, anestésicos locais e anti-histamínicos tópicos. FOTODERMATITE: É morfologicamente semelhante à dermatite de contato. Acomete áreas expostas à luz solar (radiação solar). Pode ser: Fototóxica (medicação deixa a pele sensível – radiação leva a queimaduras ) ou fotoalérgica (a exposição ao sol converte a medicação à uma forma alérgena). ERUPÇÃO FIXA POR DROGAS (eritema pigmentar fixo): Bianca Cardoso e Santos Presente em cerca de 10% das farmacodermias. São lesões pápulo-eritematosas (elevações sólidas avermelhadas menores que 1 cm), violáceas que evoluem para a coloração acastanhada. Podem ser únicas ou múltiplas. A característica desta farmacodermia é a reativação das lesões, com ou sem surgimento de novas lesões, a cada nova exposição ao medicamento ou outros com reatividade cruzada. É um evento frequentemente associado aos AINE e às sulfas. VASCULITES: Manifestam-se por lesões purpúricas (manchas vermelhas na pele que não desaparecem quando são pressionadas) e petequiais (pontinhos hemorrágicos), principalmente nos MMII, podendo acometer pele e órgãos internos, (inflamação e necrose de vasos sanguíneos). Esta afecção desenvolve-se em torno de 7 a 21 dias após o inícioda medicação. São induzidas por diferentes categorias de medicamentos (procainamida e hidralazina, medicações anti- tireoideanas, minociclina). O hemograma não apresenta plaquetopenia. DERMATITE ESFOLIATIVA: Consiste na confluência de extensas áreas de descamação e xerose (ressecamento), acompanhadas de eritrodermia cutânea (pele vermelha). Pode haver manifestações sistêmicas como tremores e febre. ERITEMA MULTIFORME MINOR Presente em 5% das farmacodermias. Em 20% dos casos evolui para SSJ (Síndrome de Stevens- Johnson. São lesões eritematosas polimórficas (diversas morfologias). A lesão clássica é uma lesão em alvo, que evoluem das extremidades para o tronco. Lesão típica: lesão em alvo, com pele menos 3 anéis concêntricos de diferentes colorações e com as bordas elevadas. Atípica: não possui os 3 anéis ou não possuem as bordas elevadas. Tem curso benigno, regredindo em 2 semanas. MANIFESTAÇÕES EXTRA-CUTÂNEAS: Além das manifestações cutâneas podemos encontrar outros órgãos ou sistemas acometidos por reações de hipersensibilidade a medicamentos. Bianca Cardoso e Santos FARMACODERMIAS GRAVES: Síndrome de Stevens-Johnson Necrólise Epidérmica Tóxica (NET) DRESS (Drug Rash with Eosinophilia and Systemic Symptoms - DRESS syndrome) Pustulose Exantemática Aguda Generalizada (PEGA). SÍNDROME DE STEVENS-JOHNSON E NECRÓLISE EPIDÉRMICA TÓXICA (NET) Acometem pacientes de todas as idades, raças e sexo e estão relacionadas principalmente ao uso de fármacos. Fatores predisponentes: comorbidades múltiplas e uso de medicamentos para tratá-las, idade avançada, susceptibilidade genética e doenças com ativação imune. São consideradas a mesma doença no entanto com espectros diferentes. SSJ: forma mais leve, mais comum, desnudamento (necrose) em menos de 10% da superfície corporea. 5% de mortalidade NET: desnudamento em mais de 30% da superfície corpórea. Mais fatal (30%). (Entre 10-20%: overlap). Bianca Cardoso e Santos Patogênese: reação de hiperssensibilidade tardia (imunidade celular mediada por linfócitos T). Os fármacos e as neoplasias são associados mais frequentemente nos adultos. Em crianças são relacio- nadas mais frequentemente as infecções. Quadro clínico: As lesões se caracterizam como um rash maculopapular eritematoso, o centro das lesões pode ser purpuríco ou necrótico. Se formam bolhas hemorragicas. Surgem cerca de 15 dias após a exposição ao fármaco. O sinal de Nikolsky positivo (desnudamento da pele à leve funcção em regiões acometidas deixando a área mais suscetível à infecções secundárias). Sendo a lesão patognomônica em alvo, que podem evoluir e coalescer, ou aumentar de número. Na SSJ: a face, o pescoço e o tórax são geralmente mais afetados na SSJ; Na NET as lesões são mais disseminadas; a mucosa pode apresentar eritema, edema, ulceração e necrose. O envolvimento ocular pode estar presente em 39% a 61% dos casos apresentando complicações que incluem úlcera de córnea, uveíte anterior, panoftalmite. Diagnóstico: Não há nenhum teste de laboratório que estabeleça qual fármaco causou o eritema, sendo então o diag- nóstico empírico. Testes de provocação não são indicados considerando que a exposição ao agente pode desencadear novo episódio grave de SSJ/NET. Bianca Cardoso e Santos Hemograma: leucocitose inespecífica, porém quando presente pode indicar infecção bacteriana sobreposta; Cultura de sangue, urina e ferida são indicadas quando há suspeita de infecção subjacente. Os níveis séricos do fator de necrose tumoral-alfa, receptor solúvel da IL-2, da IL-6, e da proteína C reativa estão tipicamente elevados nos pacientes com SSJ; no entanto, nenhum destes testes sorológicos é usado rotineiramente para diagnosticar SSJ. Biópsia da pele é exame complementar definitivo e são resultados da histologia: derme com mínimo infiltrado de células inflamatórias, predomínio de linfócitos T CD4+, e necrose da epiderme; a junção derme-epiderme mostra alteração vacuolar a bolhas subepidérmicas. O infiltrado dérmico é superficial e na maior parte perivascular e, na microscopia eletrônica, a conjuntiva revela metaplasia epitelial escamosa, rompimento vascular e reduplicação. Critérios de gravidade: SCORTEN: determina fatores preditores do prognóstico e risco de morte dos pacientes com SSJ e NET. Diagnóstico diferencial: as desordens que envolvem a descamação da pele, em particular a síndrome de hipersensibilidade ou o eritema induzido por fármaco com eosinofilia (DRESS), dermatite exfoliativa por psoríase, dermatite do linfoma, a linfadenopatia angio-imunoblástica, exantemas virais, sífilis secundária, gengivoestomatite herpética, síndrome da pele escaldada estafilocócica, doença enxerto versus hospedeiro e vasculite. Tratamento de Suporte: A mais importante ação é a retirada do fármaco. SSJ: devem ser internados para cuidados intensivos, se possível na unidade de queimados. Inicialmente são feitas medidas sintomáticas e de suporte: hidratação e reposição de eletrólitos, cuidado especial a vias aéreas, controle de temperatura ambiental (30-32ºC para reduzir perda calórica), mani- pulação cuidadosa e asséptica, criação do campo estéril, manutenção do acesso periférico venoso distante das áreas afetadas (nenhuma linha central quando possível!), nutrição oral precoce, anticoagulação (com heparina -tromboembolismo é importante causa de mortalidade), prevenção da úlcera de estresse e administração da medicação para o controle da dor e da ansiedade. Devido as sequelas oculares é necessária a avaliação diária pelo oftalmologista, lubrificação ocular (colírios). As lesões de pele são tratadas como queimaduras, podendo ser utilizados anestésicos tópicos. Bianca Cardoso e Santos Doenças subjacentes e infecções secundárias devem ser tradas. Não usar ATB profilático por risco de desenvolver nova farmacodermia. O S. Aureus é a bactéria principal nos primeiros dias, e as gram-negativas aparecem mais tarde. A profilaxia do tétano deve ser lembrada, considerando as lesões cutâneas “portas de entrada”. Prognóstico: As lesões de pele geralmente não deixam cicatrizes, mas lesões de mucosa podem ser uma complicação tardia, podendo causar sangramentos e estreitamentos dos locais afetados. Síndrome DRESS Reação a drogas com eosinofilia e sintomas sistêmicos. “síndrome de hipersensibilidade sistêmica a drogas”. É uma reação adversa rara e grave. Lesão ocorre mais tardiamente (1 mês). Fígado é o órgão mais acometido, seguido dos rins e pulmões. Caracteriza-se pelo rash morbiliforme (maculo-pápulas eritematosas), mal estar, febre e linfadenopatia generalizada dolorosa (75%). Hemograma apresentando eosinofilia e linfócito atípicos. Diagnóstico diferencial: linfoma, mononucleose. O tratamento é feito com suspensão imediata das medicações e uso de corticoide sistêmico. Bianca Cardoso e Santos Devem ser tomadas medidas de suporte e monitorização da função hepática, renal, cardíaca e tireoidiana e demais comprometimentos.