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Gestação Alterações Fisiológicas As adaptações na anatomia, na fisiologia e no metabolismo maternos são fundamentais para que ocorra uma gravidez normal. Entretanto, por vezes, essas modificações, embora fisiológicas, podem provocar algum tipo de desconforto para a gestante. Algumas dessas alterações podem ser minimizadas com medidas posturais simples, mudança no comportamento ou no estilo de vida, uso de medicações, ou o profissional pode valer-se da orientação correta à gestante. Aparelho Genital e Mamas Útero As modificações no útero se iniciam desde o primeiro trimestre e continuam durante toda a gestação. Ao final da gravidez, ele pode ter sua capacidade volumétrica aumentada cerca de 500 a 1.000 vezes, e a presença do feto e dos anexos responde em parte pelo desenvolvimento do útero. Durante o início da gravidez, a parede uterina torna- se mais espessa; com o desenvolvimento da gestação, ela sofre afinamento progressivo, chegando a 1,5 cm de espessura na gravidez a termo (após 37 semanas). O aumento uterino não é simétrico; é mais pronunciado na região fúndica do órgão e no local onde ocorre o desenvolvimento placentário. O útero não gravídico e durante a gestação inicial é intrapélvico e tem formato piriforme. Por volta de 12 semanas, ganha a cavidade abdominal e é palpado acima da sínfise púbica. Entre 18 e 20 semanas de gravidez, o útero se apresenta globoso, assumindo forma ovoide após a 20ª semana, quando é palpado próximo à cicatriz umbilical. Na gravidez a termo, o útero é encontrado tangenciando o apêndice xifoide. Esse aumento promove uma discreta rotação do órgão para a direita. Colo Uterino Ocorrem hiperplasia e hipertrofia das glândulas cervicais que podem produzir alterações colposcópicas consideradas normais durante a gestação, especialmente representadas pela eversão do epitélio colunar, que se torna friável e sangrante ao menor traumatismo. Essa alteração tem o nome de ectopia fisiológica da gestação. O aumento de vascularização provoca edema no colo e o torna mais amolecido. O muco cervical torna-se mais espesso e viscoso e não se cristaliza quando desidratado. O aumento dos níveis de progesterona determina a diminuição das concentrações de sódio nas secreções cervicais, e é fundamental para que o muco apresente o padrão arboriforme quando desidratado. O canal cervical é obstruído por tampão mucoso, que é expelido nos dias que antecedem o parto em decorrência do afinamento e do encurtamento observados no colo. Tubas Uterinas Assim como no útero, ocorrem aumento da vascularização e hipertrofia das camadas musculares da tuba. Sua localização é alterada pelo crescimento do útero, deslocando-se em direção à cavidade abdominal. Observa-se uma diminuição da sua motilidade por ação da progesterona. Ovários O processo de maturação de novos folículos cessa. O corpo lúteo mantém-se funcionante por estímulo do hormônio gonadotrófico coriônico (hCG), produzido pelo sinciciotrofoblasto, e responde pela grande produção de progesterona observada nas primeiras 6 ou 7 semanas de gravidez, acontecimento essencial para a manutenção da gestação até o completo funcionamento placentário. Vagina A vagina aumenta seu comprimento e largura ao longo da gestação. As fibras do colágeno encontram- se mais separadas, possibilitando o afrouxamento do tecido conectivo. Modificações similares são observadas na musculatura do períneo e do assoalho pélvico. A secreção vaginal pode estar aumentada, e isso se deve ao aumento da vascularização e à maior atividade glandular, e assume aspecto leitoso por conter grande quantidade de células epiteliais descamadas. O pH vaginal é mais ácido em decorrência da ação dos lactobacilos sobre o glicogênio acumulado na parede da vagina, e a citologia vaginal é semelhante à da fase lútea do ciclo menstrual. Com a evolução da gravidez, passam a ser observadas células da camada intermediária (células naviculares) e os núcleos desprovidos de citoplasma (núcleos desnudos). Vulva Pode se apresentar com a coloração violácea. Os grandes e os pequenos lábios e o meato uretral se hipertrofiam. As ninfas tornam-se túrgidas e proeminentes. O tegumento perineal adquire intensa pigmentação ao longo da gestação. Mamas No início da gravidez, a partir de 5 ou 6 semanas, as mamas aumentam de volume e tornam-se dolorosas e túrgidas, causando mastalgia. Esse aumento ocorre por hiperplasia dos elementos glandulares com proliferação dos canais galactóforos e ramificações dos dutos mamários. Observam-se o surgimento de veias logo abaixo da pele (rede de Haller) devido o aumento da circulação venosa e o aumento da pigmentação dos mamilos. No segundo trimestre da gestação, a progesterona, os estrogênios e a prolactina provocam a expansão dos alvéolos a partir da árvore ductal; acontecem a hiperpigmentação da aruéola primária, o aparecimento da aréola secundária (sinal de Hunter) e a hipertrofia das glândulas sebáceas periareolares (tubérculos de Montgomery). Após os primeiros meses de gestação, pode-se observar a formação do colostro. Com o crescimento exagerado da mama, surgem as estrias gravídicas, provável consequência do estiramento das fibras de colágeno e da hiperdistensão da pele. Componentes Hematológicos Volume Plasmático O volume plasmático cresce marcadamente (cerca de 40-50%) com início no primeiro trimestre da gestação e se acentua ao longo do segundo trimestre, atingindo seus valores máximos em torno de 30 a 34 semanas. Provavelmente, esse aumento decorre da ação da aldosterona e de outros hormônios e acarreta hipervolemia e diminuição da viscosidade sanguínea. É uma resposta às demandas uterinas aumentadas e compensa a queda do retorno venoso por compressão da veia cava inferior. Hemácias O volume total de hemácias apresenta incremento de 20 a 30%, refletindo o aumento da demanda de oxigênio materno-fetal. Esse crescimento da massa de hemácias é precedido por aumento na produção de eritropoietina, o que justifica a presença de reticulocitose discreta após 20 semanas de gestação. Devido à desproporcional subida do volume plasmático, quando comparado com a massa de hemácias, o hematócrito cai 1 ou 2 pontos, 5 constituindo quadro conhecido como anemia fisiológica da gestação. Nos últimos meses da gestação, o aumento do volume plasmático se dá de forma mais lenta, e a queda do hematócrito é menos significativa, principalmente em gestantes que receberam suplemento de ferro. Existe um aumento das necessidades de ferro durante a gestação; caso este não seja reposto, pode haver um quadro de anemia. Portanto, é recomendada para toda gestante uma suplementação dietética de 30 a 60 mg de ferro elementar por dia durante o segundo e o terceiro trimestres de gestação e também durante toda a lactação ou por 2 a 3 meses nas não lactantes. Se o volume sanguíneo tiver subido de forma adequada durante a gestação, podem ser toleradas perdas durante o parto de até 1.000 mL sem provocar queda significativa na concentração de hemoglobina. A maior parte do sangue é perdida na primeira hora após o parto, e aproximadamente 80 mL são perdidos pela via vaginal durante as 72 horas seguintes. As pacientes com atonia uterina, episiotomia ampliada ou lacerações terão, evidentemente, perdas muito maiores. O volume globular, o hematócrito e a hemoglobina retornam aos valores iniciais em aproximadamente seis semanas após o parto. Leucócitos Observa-se leucocitose, especialmente no segundo e terceiro trimestres, secundária ao número aumentado de neutrófilos segmentados. Após 38 semanas de gestação, a quantidade de leucócitos decresce. Existe tendência à monocitose e à progressiva diminuição de basófilos e eosinófilos.A contagem de leucócitos é aceitável entre 8.000 e 12.000 por mm3 e retorna aos valores basais em aproximadamente quatro semanas. Ocorre uma diminuição da função quimiotáxica e de aderência dos leucócitos após o segundo trimestre, aumentando a suscetibilidade a processos infecciosos e a uma relativa supressão da imunidade humoral e celular. Por esse mesmo motivo, em algumas gestações, ocorre melhora do quadro clínico de algumas doenças autoimunes. As respostas cutâneas e de anticorpos estão seletivamente diminuídas, assim como os processos celulares de inflamação. As células secretoras de imunoglobulinas aumentam, a resposta inflamatória diminui, as proteínas plasmáticas se alteram, e os imunocomplexos circulantes podem estar presentes. Os níveis dos complementos (C3 total, C4 ou CH50) estão iguais aos pré-gravídicos ou sofrem discreta elevação. Plaquetas A contagem de plaquetas se encontra relativamente inalterada. Pode ocorrer quadro de trombocitopenia (5-7% das gestações) que, em sua maioria, é uma variação da normalidade, mas é recomendável excluir outras causas de trombocitopenia. Coagulação A gestação é acompanhada de grandes modificações dos sistemas coagulativo e fibrinolítico, que já podem ser detectadas a partir do terceiro mês de gravidez. Ocorre aumento acentuado de alguns dos fatores de coagulação (principalmente VII, VIII, IX e o fator de Von Willebrand), de fibrinogênio (aumento de até 50%) e, em geral, dos agentes pró-coagulantes. Há diminuição da resistência dos anticoagulantes endógenos e diminuição da proteína S e do cofator da proteína C. A atividade fibrinolítica do plasma permanece baixa, inclusive durante todo o processo de parturição, voltando ao normal em até 24 horas após a saída da placenta. A rápida volta à normalidade da atividade fibrinolítica sugere que a inibição da fibrinólise seja intermediada pela placenta. O tempo de coagulação, a antitrombina III, o fator V e a proteína C não se alteram durante a gravidez. Essas modificações, junto com o aumento do volume sanguíneo, ajudam a combater os riscos de hemorragia na dequitação placentária. Em contrapartida, produzem estado de vulnerabilidade à coagulação intravascular, manifestando-se clinicamente como situações que variam desde tromboembolia até hemorragia por coagulação intravascular disseminada. Fatores Hemodinâmicos A síndrome hipercinética caracteriza o sistema circulatório da grávida. As alterações mais expressivas ocorrem no débito cardíaco (DC) e na redistribuição de fluxos sanguíneos regionais, sendo menores as repercussões na frequência cardíaca e na pressão arterial. A maior parte dessas modificações ocorre no primeiro trimestre da gestação. Coração A frequência dos batimentos do coração materno aumenta em 10 a 15 bpm, sendo importante para a manutenção do DC. O diafragma se eleva e desloca o coração para a esquerda e para cima, e seu ápice é movido lateralmente, aumentando a silhueta cardíaca na radiografia de tórax. Um discreto derrame pericárdico pode aparecer em gestação normal, contribuindo para o aumento da área do coração e dificultando a identificação de moderados graus de cardiomegalia pela radiografia de tórax. Parece não haver alterações significativas na contratilidade miocárdica durante a gravidez. Sopros sistólicos são frequentes, provavelmente decorrentes da síndrome hipercinética e da redução da viscosidade sanguínea. Extrassístoles e desdobramento de bulha são também comuns. Em geral, o eletrocardiograma não se altera, embora ocorra discreto desvio do eixo elétrico cardíaco para a esquerda decorrente da posição alterada do coração. Débito Cardíaco Na gravidez, espera-se diminuição da pressão arterial e da resistência vascular periférica, assim como crescimento do volume sanguíneo, do peso e do metabolismo basal. Como consequência, após 10 ou 12 semanas de gestação, o DC aumenta, alcançando o seu máximo entre 20 e 24 semanas (aumento de 30- 40%), mantendo-se, a partir daí, relativamente constante até o termo. Ao final da gravidez, o DC é maior com a paciente em decúbito lateral esquerdo, uma vez que, na posição supina, o útero aumentado de tamanho comprime a veia cava inferior e dificulta o retorno venoso. O DC também é maior durante o trabalho de parto, pois as metrossístoles e a redução volumétrica uterina no secundamento e no puerpério inicial provocam auto-hemotransfusão e aumento do retorno venoso. Resistência Vascular Periférica Na gravidez, a resistência vascular sistêmica (RVS) diminui de modo considerável, mais acentuadamente no início do que próximo ao termo, provavelmente como consequência da circulação uteroplacentária e da ação de progesterona, prostaglandinas, estrogênio e óxido nítrico sobre a parede dos vasos, com início já nas primeiras semanas de gestação. Um nível mínimo da resistência vascular periférica (RVP) é alcançado até a 20ª semana de gestação, com retorno gradual até o termo. Entretanto, permanece 20% menor em comparação com os níveis pré- gravídicos. Pressão Arterial A PA é o produto do DC pela RVP. Como os fatores envolvidos no cálculo da PA marcadamente se alteram, há significativas mudanças nos valores da PA materna. PA decresce expressivamente no primeiro e segundo trimestres da gestação, em especial o seu componente diastólico (queda de 10-15 mmHg). A pressão sistólica apresenta uma diminuição mais discreta, porque a queda da RVP é compensada pelo aumento do DC (queda de 3-4 mmHg). No trabalho de parto, observa-se aumento de 15 a 25 mmHg na pressão diastólica, em especial durante as metrossístoles. Essa queda ocorre em virtude de causas diversas, incluindo alterações do sistema renina-angiotensina- aldosterona e, também, devido às flutuações hormonais. Pressão Venosa O útero da gestante comprime as veias pélvicas e a cava inferior, dificultando o retorno venoso e aumentando em cerca de três vezes a pressão venosa nos membros inferiores. Essas alterações são as principais responsáveis pelo surgimento de edema dos membros inferiores, varicosidades vulvares e hemorroidas, iniciando-se no segundo trimestre e sendo mais frequentes na gestação avançada. Hipotensão Supina Na segunda metade da gravidez, o útero aumentado de tamanho comprime a veia cava inferior quando a grávida assume o decúbito dorsal; isso dificulta o retorno venoso, reduz o DC e provoca queda da pressão sistólica superior a 30%. Após 4 ou 5 minutos, nessa posição, ocorre bradicardia, sinal indicativo de reflexo vagal. Essa associação entre hipotensão e bradicardia reduz em até 50% o DC e responde por episódios de lipotimias. Ao conjunto desses acontecimentos dá-se o nome de síndrome da hipotensão supina, que rapidamente é corrigida quando a gestante se posiciona em decúbito lateral esquerdo, liberando o fluxo sanguíneo na veia cava inferior. Outros Parâmetros Hemodinâmicos A resistência vascular pulmonar sofre redução de 34% na gestação, e a pressão capilar da artéria pulmonar diminui 28%. A pressão venosa central não se altera. Sistema Gastrointestinal Boca Embora encontradas com frequência na gestação, as cáries dentárias e as periodontites não surgem nem pioram em decorrência direta da gravidez. A gengivite gravídica (edema e sangramento da gengiva) é consequência da saturação gestacional por estrogênio, progesterona e hCG sobre o tecido conectivo e se acentua no segundo trimestre da gestação. O ptialismo, produção excessiva de saliva, tem como causas hipertonia vagal, fatores psíquicos e estímulos do segundo e terceiro ramos do nervo trigêmeo. Estômago e Esôfago O crescimento uterino desloca o estômago, elevando seu fundo e provocando uma leve dextrorrotação. O aumento da progesterona e a diminuição damotilina (substância que estimula a musculatura lisa) são fatores bioquímicos que, somados aos mecânicos, retardam o esvaziamento gástrico. Estes, associados à redução do tônus do esfíncter esofagiano inferior e à diminuição da amplitude e da velocidade das ondas peristálticas do esôfago, facilitam o surgimento de pirose e refluxo gastresofágico. Hérnia de hiato pode ser encontrada em até 20% das grávidas, regredindo no pós-parto. Intestinos Delgado e Grosso A progesterona provoca hipotonia na musculatura lisa do trato gastrintestinal e, juntamente com a compressão das estruturas abdominais pelo útero, retarda o trânsito intestinal. A maior absorção de líquidos leva ao ressecamento das fezes e pode provocar constipação intestinal, queixa frequente na gestação, especialmente no último trimestre. Hemorroidas são comuns, aparecendo como resultado da constipação intestinal, da vasodilatação periférica e do aumento da pressão nas veias retais por compressão da circulação de retorno. As relações anatômicas dos intestinos se alteram em decorrência da ocupação da cavidade abdominal pelo útero, podendo o apêndice cecal ser encontrado no flanco direito da gestante. Fígado Não foram evidenciadas alterações importantes na morfologia e na função hepática durante a gravidez. A fosfatase alcalina está aumentada, mas sua origem é placentária. Não é raro o surgimento de colestase intra-hepática e prurido cutâneo, resultado dos altos níveis de estrogênio circulante que inibem o transporte intraductal de ácidos biliares. Vesícula Biliar A vesícula biliar mostra esvaziamento lento por hipotonia muscular (consequência da ação da progesterona sobre a musculatura lisa), provocando estase biliar e favorecendo a formação de cálculos de colesterol, já que o estrogênio e a progesterona saturam a bile com colesterol e diminuem a síntese de ácidos biliares. Multiparidade e fatores genéticos também contribuem para a formação de cálculos. Pâncreas O pâncreas da gestante saudável sofre hiperplasia das células β das ilhotas de Langerhans, provável resposta ao bloqueio periférico da insulina pelos hormônios gravídicos, em especial os estrogênios e o hormônio lac). Esse processo aumenta a insulina plasmática livre e facilita as maiores necessidades fetais de carboidratos. Náuseas e Vômitos Náuseas e vômitos são alguns dos sintomas mais comuns da gravidez e ocorrem predominantemente durante o primeiro trimestre, embora mais raramente possam continuar durante toda a gestação. Uma pequena porcentagem de mulheres pode desenvolver a forma grave de náuseas e vômitos, chamada de hiperêmese gravídica, que, se não for tratada, pode levar a uma morbidade materna e fetal significativa. A patogênese permanece incerta, mas há consenso de que há a participação dos hormônios da gravidez, como o estrogênio, a progesterona e o hCG. Sistema Urinário As alterações renais e das vias urinárias decorrentes de fatores mecânicos ou hormonais elevam a chance da ocorrência de cálculos ou processos infecciosos. Rins Pode ocorrer, na gestação, aumento do volume dos rins, com incremento de aproximadamente 30% em seu peso e discreto aumento em seu tamanho (1 cm), devido à hipertrofia e ao aumento do fluxo plasmático renal. Observam-se, também, aumento da vascularização e diminuição da resistência vascular, que acarretam um crescimento de 60 a 80% no fluxo sanguíneo renal e um aumento de 40 a 50% na filtração glomerular, que podem motivar o aparecimento de glicosúria (também pela menor capacidade de reabsorção tubular) e provocar proteinúria, hipercalciúria, perda de nutrientes (aminoácidos e vitaminas hidrossolúveis), diminuição nas concentrações plasmáticas de ureia e de creatinina e aumento da depuração de creatinina. A hematúria, se estiver presente, deve ser sempre investigada. O sistema coletor sofre dilatação em até 80% das gestações, apresentando-se com dilatação ureteral e pielocalicial, mais pronunciada à direita (por compressão do sistema urinário pelo útero volumoso que sofreu discreta dextrorrotação). Ureteres O relaxamento da musculatura lisa do trato urinário promovido pela progesterona causa hipotonia ureteral, que, adicionada à compressão ou à obstrução pelo crescimento uterino e pela congestão do plexo venoso ovariano, pode acarretar hidronefrose e dilatação dos ureteres. Esses achados podem persistir por até quatro meses após o parto. Bexiga Com o crescimento uterino, a bexiga altera sua posição e é rechaçada para a frente e em direção à cavidade abdominal, deixando de ser órgão exclusivamente pélvico. Essa mudança de posicionamento diminui sua capacidade residual e provoca polaciúria na gestante. Sua mucosa mostra-se espessada e com aspecto tortuoso em virtude dos vasos sanguíneos congestos. Também ocorrem elevação do trígono vesical e diminuição do tônus. Metabolismo Ganho Ponderal A grávida deve ser orientada a seguir as recomendações para ganho ponderal conforme seu índice de massa corporal (IMC) no início da gestação. Esse aumento ponderal é atribuído ao útero e ao seu conteúdo (feto, placenta, líquido amniótico); ao crescimento das mamas, do volume sanguíneo e do líquido extravascular; e às alterações metabólicas responsáveis pelo incremento da água celular; e pela deposição de proteínas e gorduras nos tecidos maternos para formar suas reservas. Metabolismo Hídrico A retenção de água é uma alteração fisiológica da gravidez em parte mediada pela queda da osmolaridade plasmática. É comum observar edema nos membros inferiores, em especial ao final do dia, favorecido pelo aumento da pressão venosa e pela redução da pressão coloidosmótica intersticial. Metabolismo Proteico Na gravidez, para atender às demandas de feto, útero, placenta, mamas e volume sanguíneo, todos em crescimento, as necessidades proteicas aumentam. Observa-se redução dos aminoácidos e incremento absoluto das proteínas totais, embora suas concentrações plasmáticas se mostrem diminuídas em consequência da hemodiluição experimentada pela gestante. A concentração de albumina circulante sofre redução, ao passo que é menor a queda das γ-globulinas. Os teores de α e β-globulinas ascendem. Para manter o balanço nitrogenado positivo, a gestante necessita de 25% de proteínas do total dos nutrientes por ela ingeridos durante o dia, não podendo se descuidar, todavia, da ingesta adequada de carboidratos e gorduras, medida que evita o catabolismo proteico. Metabolismo dos Carboidratos A gravidez é um estado potencialmente diabetogênico e é considerada um teste para o adequado funcionamento do pâncreas materno. A gestação normal se caracteriza por resistência à insulina, leve hiperinsulinemia, hipoglicemia de jejum e hiperglicemia pós-prandial. Inicialmente, o metabolismo da glicose parece ser alterado pelo aumento dos níveis de estrogênio e de progesterona, hormônios que agem estimulando a secreção endógena de insulina e melhorando a utilização periférica da glicose. Na segunda metade da gestação, crescem os hormônios contrainsulinares, como o hPL e o cortisol, que promovem aumento dos ácidos graxos livres, ao incentivarem a lipólise, e poupam a glicose. Também ocorre supressão da resposta ao glucagon e redução do seu consumo periférico, fatos que caracterizam o estado diabetogênico da grávida e que mantêm constante o aporte de glicose ao feto. Não se conhece o mecanismo que responde pela hipertrofia e pela hiperplasia das células βpancreáticas e pela hipersecreção de insulina. Sabe-se que o hPL, o estrogênio, a progesterona e o cortisol estão provavelmente envolvidos nesse processo. Metabolismo Lipídico As concentrações de lipoproteínas, de apolipoproteínas e de lipídeos totais aumentam no plasma materno durantea gravidez. O colesterol pode crescer 50%, e os triglicerídeos podem triplicar. A lipoproteína de baixa densidade (LDL, do inglês low density lipoprotein) atinge sua maior concentração plasmática por volta de 36 semanas de gestação, resultado da ação da progesterona e do estradiol sobre o fígado da gestante. Já a lipoproteína de alta densidade (HDL, do inglês high density lipoprotein) alcança seu nível máximo por volta de 25 semanas, diminui até 32 semanas e, a partir daí, mantém-se constante até o termo. Metabolismo Eletrolítico Sódio O crescimento do feto, o aumento do líquido amniótico e a expansão do líquido extracelular são os principais responsáveis pela retenção de sódio no organismo materno. Por outro lado, a excreção pode aumentar em consequência de aumento da taxa de filtração glomerular, ação da progesterona, que atua promovendo vasodilatação das arteríolas renais e facilitando a natriurese, presença do fator natriurético atrial e redução de albumina, prostaglandinas e dopamina. Outras substâncias agem diminuindo a excreção renal de sódio, como a aldosterona, o sistema renina- angiotensina, os corticosteroides e os estrogênios. Cálcio e magnésio Os níveis plasmáticos de cálcio e de magnésio, elementos importantes na bioquímica da contração uterina, diminuem durante a gravidez; entretanto, sua fração ionizada e metabolicamente ativa permanece inalterada, confirmando que a queda nos níveis de cálcio e magnésio não tem importância clínica durante a gestação. Sua absorção intestinal dobra durante a gravidez, devido à grande necessidade fetal de cálcio, e sua excreção renal também aumenta, eliminando o excesso de cálcio sérico. Ferro O ferro é um elemento essencial tanto para a gestante quanto para o feto em desenvolvimento. As necessidades de ferro durante a gravidez estão aumentadas pelo incremento da massa de hemácias, podendo a mãe desenvolver anemia caso esse elemento não seja suplementado em sua dieta. Iodo Durante a gravidez, os níveis plasmáticos de iodo estão diminuídos, devido ao aumento de sua filtração renal e por maior demanda fetal, que compete com a mãe pelo iodeto disponível. Para absorver uma maior quantidade de iodo do plasma, a tireoide da grávida depura duas vezes o volume sanguíneo habitual para manter a captação normal adequada. Metabolismo das Vitaminas Em geral, as exigências da gravidez levam à diminuição de todas as vitaminas (exceto as vitaminas E e K), fato que exige reforço dietético. A carência de vitamina A pode causar anomalias congênitas por defeitos na embriogênese. A deficiência de ácido fólico pode levar a distúrbios no crescimento fetal e produzir malformações estruturais, em especial aquelas relativas ao fechamento do tubo neural. Na gravidez e no puerpério, há aumento no consumo de vitamina C, e graus elevados de avitaminose C determinam abortamento e/ou morte fetal. A vitamina D é fundamental para o metabolismo do cálcio e do fósforo e para a fixação desses elementos no arcabouço ósseo. Com a evolução da gravidez, suas necessidades crescem. Por mobilização das reservas maternas e pela síntese placentária e/ou fetal, os teores de vitamina E se elevam durante a gestação, mesmo motivo pelo qual a vitamina K aumenta na gravidez, atuando na formação de trombina e no mecanismo de coagulação sanguínea. Equilíbrio Acidobásico Na gravidez normal, ocorre uma alcalose respiratória por hiperventilação, diminuindo a pressão parcial de gás carbônico (pCO2) no sangue materno. Com isso, o rim aumenta a excreção de bicarbonato, diminuindo seus níveis plasmáticos de 26 para 22 mMol/L, e provoca uma pequena queda do pH, que desvia a curva de dissociação do oxigênio (O2) para a esquerda e aumenta a afinidade da hemoglobina materna pelo O2 – efeito de Bohr. A hiperventilação reduz a pCO2materna e facilita o transporte do CO2 do feto para a mãe, mas parece diminuir a liberação de O2 da mãe para o feto. No início do parto, observam-se aumento do pH e redução da pCO2 plasmática, consequência da hiperventilação da parturiente que persiste até o final do período de dilatação. No período expulsivo, os puxos provocam episódios temporários de apneia que aumentam a pCO2 e, por conta da intensa atividade muscular, liberam lactatos, levando à acidose metabólica. Sistema Respiratório A função pulmonar sofre importantes modificações durante a gestão para suprir o organismo materno das necessidades aumentadas de oxigênio. A progesterona age diretamente na via aérea superior, levando a um aumento de suas secreções e edema dos seus tecidos, e pode provocar congestão nasal. Também promove ação estimulante sobre os centros respiratórios cerebrais e consequente aumento da frequência respiratória e do volume corrente; o volume-minuto está elevado, resultando em alcalose respiratória (diminuição da pCO2 e aumento da pressão parcial de oxigênio [pO2]), compensada pelo aumento da excreção renal de bicarbonato. Os estrogênios promovem alterações na mucosa nasal, como congestão capilar, hiperplasia e hipertrofia das suas glândulas, e estimulam a reatividade dos brônquios, tanto nos indivíduos geneticamente predispostos, quanto naqueles com síndrome respiratória obstrutiva. Já os corticosteroides levam maior labilidade ao calibre brônquico. O trabalho mecânico dos músculos envolvidos na respiração é mais intenso, em consequência do aumento da pressão intra-abdominal favorecido pelo útero gravídico. As gestantes podem sofrer algum grau de restrição respiratória pelo levantamento observado do músculo diafragma no último trimestre da gravidez. A dispneia é uma queixa frequente e resulta do incremento dos estímulos respiratórios não acompanhado pela resposta adequada da musculatura que auxilia na expansão pulmonar. Observa-se alteração dos volumes pulmonares imposta por esse novo estado fisiológico, em especial a redução do volume de reserva expiratória (VRE) e do volume residual (VR), situação que traduz perda da capacidade residual funcional. Modificações na caixa torácica, como o deslocamento lateral e para baixo dos arcos costais e o aumento da circunferência do tórax, elevam a capacidade respiratória e contrabalançam a diminuição da capacidade residual funcional, mantendo estável a capacidade pulmonar total. Como consequência dessas mudanças na caixa torácica e do aumento da frequência respiratória, a capacidade vital mostra-se discretamente aumentada. Embora a complacência pulmonar esteja diminuída em razão da elevação do diafragma pelo crescimento fetal, não se observam alterações na complacência pulmonar. Sistema Endócrino Hipófise A adeno-hipófise aumenta em 2 a 3 vezes o seu tamanho, principalmente pela hiperplasia das células produtoras de prolactina, raramente ocorrendo compressão do quiasma óptico. Os níveis do hormônio luteinizante (LH), do hormônio folículo- estimulante (FSH) e do hormônio de crescimento (GH) se mostram muito baixos, ao contrário da produção de prolactina, que ascende continuamente, chegando ao seu máximo no início do trabalho de parto. Após o parto, os níveis de prolactina circulante declinam, e ela passa a ser liberada em pulsos que respondem ao estímulo de sucção mamilar ocorrido na amamentação. Durante a gestação, a prolactina estimula a síntese de DNA e a multiplicação das células glandulares e alveolares da mama, aumenta o número de receptores de estrogênios e de prolactina nas células epiteliais da mama, participa ativamente da galactopoiese e incentiva a produção de caseína, lactoalbumina, lactose e lipídeos. Tireoide A tireoide exibe moderado aumento no seu tamanho durante a gestação, com hiperplasia do tecido glandular e incremento da sua vascularização, consequente à diminuição na concentração plasmáticade iodo e à maior captação de iodeto para equilibrar a depuração renal elevada. O aumento da concentração de estrogênios determina um aumento acentuado dos níveis de globulina de ligação de tireoxina sérica (TBG), que reduz os hormônios livres da tireoide e estimula o eixo hipotálamo-hipófise-tireoide. A tireotrofina (TSH) está fisiologicamente reduzida no primeiro trimestre, pois, devido à semelhança com o hCG, este estimula a liberação de T3 e T4, que em seguida agem fazendo a retroalimentação negativa sobre a hipófise e provocam a diminuição transitória do TSH entre 8 e 14 semanas. À medida que a gestação progride, os limites de normalidade superiores são abaixo de 3 e 3,5 mUI/Lno segundo e terceiro trimestres, respectivamente. Paratireoide Estudos recentes, dosando apenas a fração livre do paratormônio, observaram discreta diminuição plasmática do paratormônio no primeiro trimestre seguida por um aumento nos trimestres seguintes, mas ainda dentro dos limites da normalidade. Já a calcitonina aumenta seus níveis plasmáticos durante a gravidez, provavelmente devido à produção placentária, tiroideana e mamária desse hormônio. Suprarrenais Cortisol A produção suprarrenal do cortisol não aumenta e sua depuração renal diminui, levando a um incremento na concentração plasmática desse hormônio, sendo a maior parte ligada à globulina transportadora do cortisol. O hormônio adrenocorticotrófico (ACTH), inicialmente diminuído, aumenta com o progresso da gestação. Aldosterona A partir de 16 semanas de gestação, observa-se aumento na secreção de aldosterona, estimulado pela redução da resistência vascular periférica e da PA. Desoxicorticosterona Ocorre acentuado aumento de desoxicorticosterona na gravidez, e sua maior fonte é a conversão periférica da progesterona em sítios não suprarrenais, como o rim, a pelve e os vasos sanguíneos. Sistema articular Ocorre relaxamento dos ligamentos em decorrência da embebição gravídica. Nota-se frouxidão das articulações em todo o organismo materno; entretanto, ela é mais notada nas articulações pélvicas e, em especial, na sínfise púbica, favorecendo a sua abertura em até 12 mm. Essa disjunção fisiológica retorna em até cinco meses de pós-parto. Enquanto os estrogênios aumentam a vascularização e a hidratação do tecido conectivo dos ligamentos articulares, a progesterona e a relaxina atuam diminuindo o tônus da musculatura responsável pela estabilização dessas articulações. Postura e marcha Como resultado do peso adicional (útero, feto e anexos), o equilíbrio materno desloca seu centro de gravidade para a frente; a grávida altera sua postura para corrigir o seu eixo corporal e assume atitude involuntária de acentuada lordose lombar, jogando seu tórax para trás e voltando a coincidir seu centro de gravidade com o eixo do seu corpo. Somado a isso, ocorre ampliação da base de sustentação (com afastamento discreto entre um pé e outro): ela assume um andar oscilante, com passos curtos e lentos e um maior ângulo dos pés com a linha média. Todas essas alterações somadas descrevem uma marcha típica da gestante chamada de marcha anserina. Essas alterações posturais modificam a anatomia da coluna vertebral da grávida, em especial da coluna lombar, possibilitando espasmos dos músculos intervertebrais e diminuindo os espaços entre as vértebras, o que possibilita compressões radiculares e causa dor lombar, queixa frequente das gestantes. No final da gravidez, pode surgir dor na região cervical, causada pela flexão mantida do pescoço. O nervo ulnar e o mediano podem sofrer pequenas trações ocasionadas por um deslocamento posterior da cintura escapular que produz desconforto e dormência nos membros superiores. Pele e Cabelo Acne e queda de cabelo A hipersecreção das glândulas sebáceas decorrente da ação progestagênica torna a pele da grávida mais oleosa e facilita a queda capilar e o surgimento de acne. Alterações pigmentares O perfil hormonal da gestação desencadeia um aumento na produção de estrogênio e progesterona que leva a uma hipertrofia do lobo intermediário hipófise (responsável pelo metabolismo da próopiomelanocorticotrofina em β-endorfina e α- melanotropina). Essa hipertrofia resulta na liberação de α- melanotropina, que exerce ação estimulante sobre os melanócitos. É importante destacar que as alterações pigmentares aumentam de acordo com a exposição ao sol. Locais naturalmente mais escuros podem adquirir pigmentação mais escura durante a gravidez, como aréola mamária, períneo e axilas. Linha nigra A linha nigra é uma pigmentação de cor preto- acastanhada na linha média do abdome resultante da ação estimulante sobre os melanócitos. Cloasma ou melasma gravídico O cloasma é uma mancha acastanhada na face consequente à estimulação dos melanócitos. Embora característico da gestação, não é exclusivo dela. Alterações Atróficas Estrias gravídicas As estrias gravídicas são alterações atróficas por estiramento das fibras colágenas, condicionadas à diminuição da hidratação e ao estiramento da pele. Incidem principalmente em abdome, glúteos, mamas e coxas. Na gestação, costumam ser avermelhadas; após o parto, são geralmente brancacentas. Em multíparas, além das estrias de uma gravidez atual, podem ser encontradas linhas de tonalidade prata, brilhantes, que representam cicatrizes de estrias de gestações anteriores. Alterações vasculares As alterações vasculares são consequências da vasodilatação imposta pelo perfil hormonal da gestação. Aranhas vasculares ou telangiectasia ou angioma Essas alterações vasculares surgem em toda a superfície =palmar como uma vermelhidão difusa, notadamente nas eminências tênares e hipotênares. São encontradas em até 70% das gestantes, independentemente da etnia. Na maioria dos casos, desaparecem após a gravidez. Eritema palmar O eritema palmar é caracterizado por diminutos vasos que se ramificam de um corpo central. Aparecem como pequenas elevações vermelhas na pele, principalmente na face, no pescoço, na parte superior do tórax e nos braços. Surge em 60% das mulheres brancas e em 10% das afro-americanas durante a gravidez. Também desaparece em sua maioria após a gravidez. Varizes Quando a atonia dos vasos se associa ao aumento da pressão intravascular decorrente da compressão da circulação de retorno, surgem as varicosidades em membros inferiores e região perineal. 30 Sentidos Visão A acuidade visual pode estar comprometida por edema ou opacificação pigmentar da córnea durante a gestação. A pressão ocular pode estar diminuída por aumento de reabsorção de humor aquoso. Olfato A epistaxe é uma queixa frequente da grávida e decorre de aumento da vascularização e espessamento da mucosa nasal ou ação dos estrogênios e da progesterona. A rinite vasomotora com obstrução nasal, no mais das vezes acompanhada de hiposmia ou anosmia, é também acontecimento comum. Audição Algumas grávidas apresentam zumbidos e vertigens por alterações circulatórias; outras experimentam diminuição da acuidade auditiva, principalmente para tons altos, decorrente de hiperemia na tuba uterina. Tato Parestesias das extremidades são comuns, frequentemente atribuídas a alterações vasomotoras e a deficiências metabólicas. Paladar As alterações do apetite, como perversão (preferência por alimentos ou substâncias exóticas), mudanças qualitativas dos hábitos alimentares e baixa sensibilidade gustativa, não são incomuns; as gestantes preferem degustar alimentos de sabor marcante, mais doces, salgados, ácidos ou amargos. Referência: Freitas
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