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1 Larissa Maria Miranda Santana MEDICINA Rodízio Cirurgia ABDOME AGUDO Refere-se habitualmente ao sinal e sintoma de dor e hipersensibilidade na região abdominal, uma manifestação clínica que em geral requer tratamento cirúrgico de emergência. Muitas doenças, algumas das quais não são cirúrgicas ou nem mesmo abdominais, podem produzir dor abdominal aguda, portanto todo esforço deve ser feito para se ter o diagnóstico correto a fim de que o tratamento escolhido, geralmente por laparoscopia ou laparotomia, seja apropriado. O diagnóstico de abdome agudo varia conforme a idade e o sexo, apendicite é mais comum em jovens, enquanto a doença biliar, obstrução intestinal, isquemia e infarto intestinal e a diverticulite são mais comuns em idosos. Causas não cirúrgicas de abdome agudo podem ser divididas em 3 categorias: endócrino- metabólicas, hematológicas e por toxinas/drogas. ✓ Anatomia e fisiologia A dor abdominal pode ser dividida em seus componentes visceral e parietal. A dor visceral costuma ser vaga e mal localizada no epigástrio, região periumbilical ou hipogástrio, de acordo com a sua origem nos segmentos anterior, médio e posterior do intestino primitivo. Geralmente é consequência de distensão de uma víscera oca. A dor parietal está relacionada com a irritação das raízes dos nervos segmentares que inervam o peritônio e tende a ser mais aguda e mais bem localizada, a dor referida é percebida em um local distante da fonte do estímulo. A presença de bactérias ou componentes que provoquem irritação química na cavidade peritoneal causam extravasamento de líquido na cavidade peritoneal. O peritônio responde a inflamação com um aumento do fluxo sanguíneo, maior permeabilidade e formação de exsudato fibrinoso. O intestino também é acometido por paralisia focal ou generalizada. Essas duas alterações em conjunto provocam aderências entre os intestinos e ajudam a bloquear o processo inflamatório. A peritonite é uma inflamação peritoneal com varias causas, sendo em geral reconhecida no exame físico por sensibilidade intensa a palpação do abdome, com ou sem descompressão brusca positiva e retração abdominal a compressão. ✓ História Os exames de imagem nunca devem substituir a anamnese e o exame físico realizados pelo médico. - Início - Tipo -Localização -Duração -Irradiação -Cronologia A intensidade e a gravidade relacionam-se com a lesão do tecido subjacente. O início súbito e lancinante sugere perfuração intestinal e embolização arterial com isquemia, embora a cólica biliar também possa manifestar-se com esse quadro. A dor que se desenvolve e se exacerba ao longo de várias horas é típica de inflamação progressiva ou infecção como colecistite, colite ou obstrução intestinal. As atividades que exacerbam e/ou aliviam a dor também são importantes. A ingesta de alimentos em geral exacerba a dor da obstrução intestinal, da cólica biliar, da pancreatite ou da perfuração intestinal. Enquanto na úlcera péptica não perfurada e gastrite ocorre alívio da dor. Sintomas associados podem fornecer informações importantes para o diagnóstico. Vômitos podem ocorrer na vigência de dor abdominal grave de qualquer causa ou como resultado de obstrução intestinal mecânica ou no íleo. A constipação ou obstipação podem resultar tanto de obstrução mecânica quanto de redução do peristaltismo, podendo exigir o uso de laxativos e procinético. ✓ Exame físico Sendo de forma detalhada é fundamental para definição de diagnóstico e tratamento acurados. Deve sempre começar com a inspiração geral do paciente, seguida pela inspeção do próprio abdome. Pacientes com irritação peritoneal apresentam piora da dor com qualquer atividade que movimente ou distenda o peritônio. A ausculta abdominal fornece informações uteis sobre o trato gastrointestinal e o sistema circulatório. A quantidade e a qualidade dos ruídos intestinais devem ser avaliados, a ausência sugere íleo, enquanto hiperatividade pode ser encontrada nas enterites ou fase inicial da isquemia intestinal. Os sopros auscultados no abdome refletem fluxo sanguíneo turbulento no 2 Larissa Maria Miranda Santana MEDICINA Rodízio Cirurgia sistema circulatório, sendo encontrados nos quadros de estenose arterial. A percussão é utilizada para avaliar a presença de distensão gasosa nos intestinos, ar livre intra- abdominal, grau de ascite e presença de irritação peritoneal. O timpanismo é característica de alças do intestino subjacentes repletas de gás-> obstrução intestinal ou íleo. Se for identificada macicez considera-se que possa haver uma massa abdominal deslocando o intestino. A principal etapa do exame é a palpação que fornece mais informações do que qualquer outro exame. Além de revelar a gravidade, a localização, avalia a presença de peritonite e identifica visceromegalias ou massa intra- abdominal anormal. A contração involuntária ou espasmo muscular da parede abdominal é sinal de irritação peritoneal e precisa ser diferenciada da contração voluntária. A dor quando focal sugere doença inicial ou bem localizada, enquanto a dor difusa a palpação sugere inflamação generalizada e de apresentação tardia. SINAIS IMPORTANTES 1. Sinal de Blumberg: Sensibilidade da parede abdominal de rebote transitório- peritonite 2. Sinal de Charcot: febre, icterícia e dor no QSD- coledocolitiase 3.Sinal de Courvoisier: vesicular biliar palpável na presença de icterícia – tumor periambular 4. Sinal de Cullen: equimose periumbilical – hemoperitonio 5. Sinal de Grey-Turner: equimose nos flancos: pancreatite aguda hemorrágica 6. Sinal do iliopsoas: elevação e extensão da perna contra resistência provoca dor- apendicite 7. Sinal de Murphy: dor causada pela inspiração aplicando pressão ao abdome superior direito- colecistite aguda 8. Sinal de Rovsing: dor no ponto de McBurney quando comprime o abdome inferior esquerdo. O toque retal precisa ser realizado em todos os pacientes com dor abdominal aguda, em busca de massa, dor pélvica ou sangue na luz intestinal. Um exame ginecológico deve ser realizado em todas as mulheres quando a dor é localizada em região infraumbilical. ✓ Fisiopatologia e etiologias As causas mais comuns de abdome agudo são apendicite aguda, gastroenterite aguda, síndrome do intestino irritável, cólicas e dor na ovulação. ❖ Abdome agudo inflamatório É causado por um processo inflamatório e/ou infeccioso em cavidade abdominal, órgãos ou estruturas adjacentes. Costuma cursar com manifestações de peritonite e alterações de ritmo intestinal. Caracteriza-se por dor de início insidioso e intensidade progressiva. Pode ser causado por um processo agudo ou pela agudização de uma doença crônica. Suas principais etiologias são: apendicite aguda, colecistite aguda, pancreatite aguda e diverticulite. O diagnóstico pode ser inferido através de anamnese e exame físico- exames radiológicos e laboratoriais são uteis para definir o diagnóstico etiológico. A apendicite é a causa mais comum de abdome agudo cirúrgico no mundo, sendo mais presente em adolescentes e adultos jovens. ❖ Abdome agudo perfurativo Constitui-se a terceira causa mais comum de abdome agudo gerando alta frequência de emergências abdominais não traumáticas. Caracteriza-se por dor de inicio súbito e intenso, difusa em todo abdome, agravada com movimentação e irritação peritoneal por derrame de conteúdo de vísceras ocas no peritônio. Etiologias comuns: úlcera gastroduodenal, diverticulite, neoplasia e corpos estranhos. ❖ Abdome agudo obstrutivo Caracteriza-se por sinais e sintomas de obstrução em TGI, como náuseas, vômitos, distensão abdominal, parada de eliminação de flatos e fezes. Tem caráter evolutivo e a dor costuma ser emcólica, geralmente periumbilical. Pode apresentar causa mecânica, por obliteração parcial ou total do lúmen. Etiologias comuns: corpo estranho, bridas, hérnias, neoplasias e bolo de áscaris. ❖ Abdome agudo vascular Caracterizado por dor abdominal intensa de origem vascular, sendo uma urgência não traumática grave por redução súbita do fluxo sanguíneo intestinal. Quando quadro é mais arrastado, a intensidade pode se apresentar diminuída pela circulação colateral. 3 Larissa Maria Miranda Santana MEDICINA Rodízio Cirurgia A dor é difusa e mal definida, apresentando desproporção entre a dor e o exame físico. Etiologias comuns: embolia e trombose mesentérica com isquemia intestinal, redução do débito cardíaco e gastroenterites. ❖ Abdome agudo hemorrágico Causado pela presença de sangue em cavidade abdominal. São mais raros e acomete mais idosos. A dor é intensa, com sinais de hipovolemia (hipotensão, taquicardia, palidez e sudorese) e rigidez. Em mulheres sempre deve investigar ciclo menstrual e a possibilidade de gravidez. Etiologias comuns: gravidez ectópica rota, ruptura de aneurisma de aorta, rotura de baço. ✓ Quadro clínico A principal característica do abdome agudo é a dor abdominal, possuindo intensidade e localização variável de acordo com cada etiologia. ✓ Tratamento É dependente da etiologia da dor abdominal, deve-se verificar sinais vitais e estabilidade clínica com monitorização para pacientes com instabilidade. É importante fazer dois acessos calibrosos, coleta de exames e tipagem sanguínea, além da reposição de fluidos. Os pacientes podem receber medicações sintomáticas como analgésicos e antiespasmódicos, mas em casos de dor insuportável pode ser usado a morfina 0,05mg/kg a cada 20 minutos. Em pacientes com quadros de litíase urinária pode-se usar anti-inflamatórios. Pode-se considerar laparoscopia diagnóstica para os pacientes clinicamente estáveis e que não foram submetidos a cirurgia por falta de uma causa óbvia. ABDOME AGUDO INFLAMATÓRIO Quadro de dor abdominal súbita e inesperada, originado de um processo infeccioso e/ou inflamatório na cavidade abdominal, sendo que em alguns casos apresenta-se com peritonite, situação mandatória de manejo cirúrgico. A fisiopatologia baseia-se na extensão do processo inflamatório/infeccioso ao peritônio e as modificações do funcionamento do trânsito intestinal. Nas fases iniciais há ainda pouca atividade inflamatória com aumento da efusão peritoneal e quimiotaxia de células inflamatórias. Na fase tardia existe uma exuberante resposta inflamatória com formação de fibrina, aderência e fibrose. 4 Larissa Maria Miranda Santana MEDICINA Rodízio Cirurgia A dor abdominal costuma ser progressiva e quando evolui com piora progressiva uma conduta cirúrgica é necessária na maioria das vezes. Náuseas e vômitos podem ocorrer na evolução do quadro, podendo ser resultado da algia intensa ou de estase intestinal secundária a irritação do peritônio visceral. A febre é um sintoma comumente observado, podendo surgir já nas fases iniciais do processo, piorando com a evolução do quadro. APENDICITE AGUDA Se dá por obstrução do lume apendicular por corpo estranho ou processo inflamatório. Habitualmente encontra-se o indivíduo em posição antálgica e com bom estado geral. Pode haver sinais de irritação peritoneal, com contratura da musculatura abdominal e/ou defesa voluntária a palpação. Sinal de Blumberg e sinal de Rovsing. Conduta: apendicectomia é o padrão ouro para apendicite complicada e não complicada. Estudos sobre antibioticoterapia isolada não são seguros, visto que em casos de evolução do quadro a abordagem cirúrgica é necessária. COLECISTITE AGUDA Inflamação química e/ou bacteriana da vesícula biliar. Causas comuns são litíase vesicular ou colelitíase. Normalmente se dá por impactação de um cálculo, gerando estase do conteúdo biliar e consequentemente um fluxo retrógrado. Sinal de Murphy O estado geral costuma estar preservado, podendo apresentar comprometimento na dependência da intensidade do processo inflamatório. Pode haver irritação peritoneal e icterícia por impactação do cálculo no infundíbulo .A impactação pode causar a síndrome de Mirizzi que é o resultado desse impactamento do cálculo no ducto cístico ou no colo vesicular, causando compressão extrínseca do ducto hepático comum e a inflamação. Conduta: antibioticoterapia empírica: cefazolina, cefuroxima ou ceftriaxone nos casos leves a moderado. Nos casos mais graves podem ser utilizados carbapenêmicos, batalactâmicos com inibidores da betalactamase. Colecistectomia de emergência em pacientes instáveis ou com dor intratável ou com complicações. Para os pacientes estáveis, a colecistectomia deve ser realizada no mesmo internamento dentro de 3 dias após o inicio dos sintomas: ASA 1/2 Pacientes ASA 3/4/5 sem indicação de colecistectomia de emergência pode ser feito inicialmente abordagem não cirúrgica e caso sem resposta há instituição da laparotomia. PANCREATITE AGUDA Processo inflamatório do pâncreas por ativação enzimática inadequada. Apresenta um quadro menos caracterizado, a grande maioria relaciona-se a doença biliar litiásica ou ingestão de álcool, mas outras causas podem ser apresentadas como trauma e infecções. Sinal de Cullen e Grey Turner. 90% dos casos trata-se de casos leves com a presença de um estado geral regular e posição antálgica, sinais de desidratação e hipovolemia. 10% apresenta-se como pancreatite grave com comprometimento do estado geral, taquicardia, taquidispneia, hipotensão e abdome distendido com sinais de peritonite. Se associado a litíase biliar pode apresentar icterícia. Colelitíase é a presença de cálculos na vesícula biliar. Coledocolitíase é a presença de cálculos nos ductos biliares, mais especificamente, no ducto colédoco e colecistite é a presença de inflamação na vesícula biliar, que pode ocorrer por cálculos ou não 5 Larissa Maria Miranda Santana MEDICINA Rodízio Cirurgia Pode haver aumento de até 3x o valor de lipase e amilase. A elevação da amilase sérica ocorre de forma mais precoce, normalizando após 48 hrs, enquanto a lipase eleva-se mais tardiamente porém permanece alto por mais tempo. Conduta: ressuscitação volêmica agressiva nas primeiras 24 hrs. Nutrição enteral após o 5º dia caso não tolere dieta oral. Antibioticoterapia em caso de infecção documentada a partir da segunda semana de suporte clínico. CPRE nos casos de pancreatite secundária a colelitíase com evidencia de colangite sobreposta. DIVERTICULITE AGUDA Processo inflamatório de um ou mais divertículos do cólon. Divertículos são protrusões saculares da mucosa através da parede muscular colônica. Diverticulose é a presença de divertículos em todo cólon. Diverticulite é o processo inflamatório de um ou mais divertículos do cólon. O paciente pode cursar com taquicardia discreta, distensão abdominal e sinais de peritonite- dor a descompressão brusca e a percussão. O toque retal costuma ser doloroso. A TC é o exame mais indicado para confirmação diagnóstica e detecção de complicações. Conduta: nos casos de diverticulite hospitalar não complicada, deve seguir: - Antibioticoterapia venosa contra gram- negativos e anaeróbios -Analgesia, reposição volêmica e dieta zero com retorno em 2-3 dias. Nos casos leves continuar ou iniciar o tratamento em caráter ambulatorial com antibioticoterapia oral por 7-10 dias, evolução gradual da dieta e reavaliar a cada 2-3 dias. Pacientes estáveis hemodinamicamente devem ser submetidos à ressecção definitiva do segmento colônico acometido → Em pacientes classificados como Hinchey I ou II pode-seproceder à anastomose primária com ou sem ostomia protetora. Pacientes instáveis necessitam de abordagem menos invasiva, como ressecção limitada ou drenagem percutânea de coleções → procedimento à Hartmann é preferido à anastomose primária em pacientes com apresentações mais graves (Hinchey III ou IV. • Tratamento O tratamento do abdome agudo inflamatório baseia-se em uma conduta específica e suporte: - Analgesia -Reposição volêmica -Correção de distúrbios hidroeletrolíticos -Tratamento do íleo adinâmico: jejum, sonda nasogástrica nos casos de distensão gástrica e intestino delgado considerável ou vômitos incoercíveis. -Antibioticoterapia ou Antibioticoprofilaxia -Tratamento de falência orgânica se for necessário. ABDOME AGUDO OBSTRUTIVO As causas de abdome agudo obstrutivo podem ser divididas em mecânicas e funcionais originadas no intestino delgado ou grosso: Apresenta alta morbimortalidade quando há retardo no diagnóstico e/ou manejo inapropriado, sendo o sofrimento de alças intestinais um importante contribuinte para esse desfecho. 6 Larissa Maria Miranda Santana MEDICINA Rodízio Cirurgia - Distúrbios hidroeletrolíticos: o intestino delgado tem função secretória e absortiva, assim as obstruções nesse segmento interferem na funcionalidade, podendo resultar em depleção hidroeletrolítica. Vômitos frequentes exacerbam o distúrbio hidroeletrolítico, resultando em hipercalemia e hipovolemia graves, levando a óbito ou complicações cirúrgicas. -Distensão abdominal: o segmento anterior a obstrução terá absorção e eliminação de gases e fluidos pela mucosa intestinal, enquanto o ponto posterior terá distensão devido ao acúmulo desses componentes, gerando um colapso no sistema. A distensão progressiva do segmento acometido ocasiona aumento da pressão luminal comprometendo a drenagem venosa com aumento do influxo de água e eletrólitos para o lúmen, além de perda através da camada serosa para a superfície peritoneal. -Oligúria: a perda de sódio e água para o lúmen intestinal aumenta progressivamente enquanto a função absortiva permanece comprometida, ocasionando a depleção do volume intravascular efetivo com redução da excreção urinária de sal e água. -Ausência de ruídos hidroaéreos: inicialmente pode haver aumento significativo da peristalse a fim de vencer o fator obstrutivo, evoluindo posteriormente para fadiga da musculatura lisa para com os movimentos intestinais. -> Obstrução do intestino grosso O comportamento da obstrução no intestino grosso é determinado pela competência da válvula ileocecal. - Válvula ileocecal: uma obstrução em alça fechada- entre o VIC e o ponto de obstrução- ocorre caso a válvula permaneça competente, levando a dilatação progressiva do cólon com posterior comprometimento vascular. - Volvo intestinal: é uma importante causa de obstrução em alça fechada, uma vez que o segmento rotaciona sobre o mesentério, podendo levar a sofrimento vascular. Pode ser primário por má formação congênita ou secundário por rotação através de um orifício ou de uma aderência. -Sofrimento vascular: caso haja estrangulamento de alça intestinal por aderência ou por angulação pode haver comprometimento vascular grave secundário ao aumento da pressão na parede intestinal. -Translocação bacteriana: se houver através da parede intestinal danificada irá gerar peritonite localizada ou difusa. -> Obstrução funcional -Distúrbios metabólicos: hipocalemia, uremia ou diabetes descompensada. -Síndrome de Ogilvie: há pseudo-obstrução intestinal com distensão colônica por disautonomia nervosa, sem fator mecânico. • Clínica O quadro clínico é variável e depende de alguns fatores, como local e tempo de obstrução, presença de complicações, como sofrimento vascular e perfurações, grau de contaminação e status clínico do paciente. Geralmente o paciente apresenta dor abdominal de início súbito, evolui com náuseas, vômitos e parada da eliminação de gases e fezes. A distensão abdominal encontra-se comumente disposta em região central na obstrução de intestino delgado e em flancos ou abdome superior nas obstruções baixas. Os sinais e sintomas podem ser divididos de acordo com o sítio da obstrução: - Obstrução intestinal alta (delgado): a parada da eliminação de fezes e gases é um sinal que ocorre tardiamente durante a evolução da obstrução, uma vez que o conteúdo colônico é esvaziado normalmente nas fases iniciais. Os ruídos podem estar aumentados inicialmente na tentativa de vencer o fator obstrutivo, peristalse de luta, apresentando aumento de timbre, conhecido como som metálico e desaparece gradualmente devido a fadiga da musculatura. 7 Larissa Maria Miranda Santana MEDICINA Rodízio Cirurgia - Obstrução intestinal baixa (transição ileocecal e intestino grosso): na obstrução do cólon geralmente há parada da eliminação de fezes e flatos precocemente associada a distensão abdominal importante. A dilatação severa dos segmentos intestinais pode levar a comprometimento vascular com isquemia, necrose e perfuração. * Complicações: o paciente pode apresentar sinais de desidratação ou choque hipovolêmico. A presença de sensibilidade a palpação abdominal pode sugerir peritonite secundária ao estrangulamento de alças. • Diagnóstico Pode ser feito a partir de anamnese e exame físico minucioso, além de ser necessário avaliação do estado geral do paciente, confirmar o diagnóstico e identificar a condição subjacente ao quadro obstrutivo. Radiografia em decúbito dorsal e ortostase podem evidenciar dilatação de alças com nível intraluminal proximais a obstrução, sugerindo o nível do processo obstrutivo. **Estudos contrastados: o trânsito intestinal e o enema opado podem auxiliar no diagnóstico e manejo, principalmente em obstruções parciais do intestino delgado. Dado o risco potencial de perfuração, contrastes hidrossolúveis devem ser preferidos ao bário. • Tratamento Os objetivos do tratamento do AAO são reposição hidroeletrolítica, descompressão gastrointestinal, analgesia e terapêutica definitiva. A conduta conservadora pode ser escolhida em alguns casos como em bolo de áscaris, invaginação intestinal, volvo de sigmoide, fecaloma e aderências. Obstruções de delgado raramente se resolverão sem cirurgia, caso não apresente resolução dentro de 48 hrs de tratamento conservador. 1. Conduta cirúrgica: é indicada se existir uma causa subjacente que necessita de tratamento, a exemplo de tumor ou hérnias, mediante falha no tratamento conservador ou quando houver sinais de irritação peritoneal. Nas obstruções colônicas o primeiro passo é a descompressão, sendo necessária cirurgia na maioria das obstruções mecânicas. A lesão obstrutiva deve ser removida sempre que possível. 2. Conduta conservadora: volvo de sigmoide pode ser manejado clinicamente através da descompressão por retossigmoidoscopia; intuscepção pode ser corrigida através do enema opaco. ABDOME AGUDO PERFURATIVO As perfurações pode ser classificadas como altas ou baixas, tendo como referência o ligamento de Treitz. Nas perfurações altas geralmente se inicia por uma peritonite química, por liberação de sucos digestivos que culmina com proliferação bacteriana e posterior processo infeccioso. Nas perfurações baixas é esperado inicio por peritonite infecciosa de região já colonizada com evolução para um quadro sistêmico, podendo manifestar sinais de septicemia. A gênese dessa síndrome se dá pela perfuração de uma víscera oca, podendo ser decorrente de diversas causas: processo inflamatório, neoplasia, obstrução e infecção. Saída de conteúdo luminal -> peritonite química- > invasão bacteriana -> peritonite bacteriana -> repercussão local e sistêmica ❖ Estômago e duodeno:as etiologias mais comuns são úlceras agudas e crônicas, sendo essa perfuração geralmente associada a ingestão de álcool, corticoides, AINES, neoplasias e corpos estranhos. ❖ Intestino delgado: Geram peritonite química inicialmente, já que o extravasamento de enzimas ativas e as perfurações mais distais são acompanhadas de peritonite bacteriana. Principais causas: neoplasias, síndrome de ogilvie, doença inflamatória intestinal, diverticulite, apendicite, volvos de ceco e sigmoide. ❖ Intestino grosso: a peritonite é bacteriana desde o início, além disso a perfuração no cólon direito é mais grave do que a do esquerdo, devido a alta virulência dos germes e pela consistência líquida das vezes. Principais causas: Divertículo de Merkel, corpo 8 Larissa Maria Miranda Santana MEDICINA Rodízio Cirurgia estranho, infecção, DII, abdome agudo obstrutivo com necrose intestinal. • Clínica O sintoma invariável é a dor abdominal e a partir disso as demais manifestações variam de acordo com o local que ocorreu a perfuração, o tempo decorrido entre o início do quadro e intervenção médica, além do grau de distribuição dos líquidos extravasados. De maneira geral: dor súbita, intensa e difusa; abdome em tábua; sinais de peritonite; evolução rápida. O abdome em tábua é uma contratura involuntária generalizada da parede abdominal por peritonite difusa. O exame físico pode ser encontrado distensão abdominal e ausência de ruídos hidroaéreos. →Sinal de Jobert: perda da macicez hepática a percussão do hipocôndrio direito. • Diagnósticos etiológicos 1. Úlcera péptica perfurada: permitem a comunicação entre a luz da víscera e a cavidade abdominal, com extravasamento de conteúdo. As perfurações geralmente ocorrem por desequilíbrio entre o ácido e a barriga mucosa. Dor abdominal + taquicardia + rigidez abdominal Atentar-se para as chances de evoluir para choque hipovolêmico. 2. Divertículos: a perfuração espontânea de um divertículo em peritônio livre com consequente peritonite é rara. Surge por atividade cólica anormal, modificações da dieta ou predisposição constitucional. Dor em FID + febre + náuseas e vômitos + sinais de peritonite • Diagnóstico Se baseia na história clínica minuciosa, exame físico criterioso e exames de imagem. O laboratório é inespecífico, podendo nos ajudar a detectar a presença de processos inflamatórios e infecciosos. A característica principal dos exames de imagem é a presença de ar e/ou líquido na cavidade peritoneal, retroperitônio ou na parede dos órgãos. A TC é um método excelente, permitindo a localização precisa da perfuração, além de possibilitar a visualização de abscesso. • Tratamento Consiste em suporte clínico, antibioticoterapia e cirurgia. A abordagem inicial consiste com monitorização e manejo inicial dos casos de hipotensão e choque. A antibioticoterapia de amplo espectro pode ser feita antes do tratamento definitivo ou intra-operatório. O tratamento é cirúrgico, com objetivo de rafiar a perfuração ou ressecar a área comprometida. ABDOME AGUDO ISQUÊMICO Início súbito ou intermitente, de intensidade variável, representado pela isquemia mesentérica ou intestinal por fornecimento inadequado de oxigênio para o intestino, que necessita de intervenção médica imediata. A isquemia mesentérica pode ser aguda ou crônica, mesentérica (delgado) ou colônica (grosso). As regiões mais propensas a isquemia são as áreas pobres em circulação colateral, por dificuldade de compensar a perfuração em caso de obstrução na circulação principal, são áreas como a flexura esplênica e junção retossigmoide. A lesão intestinal pode se dar por 2 mecanismos: - Hipoperfusão com hipóxia - Reperfusão 9 Larissa Maria Miranda Santana MEDICINA Rodízio Cirurgia Na hipoperfusão o comprometimento da oferta de oxigênio se dá com uma redução do fluxo intestinal maior que 50%. O intestino consegue compensar até 75% da hipoperfusão por até 12 hrs sem dano substancial, pelo aumento da extração de oxigênio e circulação colateral. Na reperfusão a lesão se dá por ação de espécies reativas de oxigênio. Principais fatores de risco: doenças crônicas, má formação arteriovenosa, medicações vasoconstritoras. 1. Isquemia colônica: o cólon recebe menos suprimento sanguíneo em relação ao resto do TGI e isso faz dele o segmento mais acometido. - Isquemia colônica não oclusiva -Oclusão arterial por êmbolos ou trombos -Trombose de veia mesentérica Deve ser suspeitado em pacientes com dor em abdome inferior e diarreia ou Hematoquezia 2. Isquemia mesentérica aguda: a oclusão pode ocorrer por embolos ou trombos, sendo a por êmbolos a mais comum e com melhor prognóstico. A trombose da VMS é a principal causa de isquemia de delgado em pacientes jovens com doenças cardiovasculares. Pode ser primária ou secundária se tiver associação com algum dos fatores da tríade de Virchow: 3. Isquemia mesentérica crônica É decorrente de episódios constantes de hipoperfusão, típico de pacientes com oclusões e estenoses de vasos mesentéricos causados por aterosclerose. É caracterizada pela angina mesentérica ou intestinal nas primeiras horas após alimentar-se. Existem duas explicações para a relação entre a dor e as refeições: -Desequilíbrio entre demanda metabólica e fluxo sanguíneo esplâncnico -Hipoperfusão intestinal • Clínica As formas de apresentação e gravidade dependem dos fatores a seguir: Leito acometido (arterial ou venoso), grau de obstrução, duração, circulação colateral, extensão das vísceras acometidas. Pode variar desde um quadro súbito a quadros de angina abdominal crônica, além de apresentar sinais variáveis como náuseas, vômitos, diarreia e constipação. A tríade da isquemia mesentérica: Dor abdominal pós-brandial Aversão a comida Perda de peso No exame físico inicialmente o abdome pode estar normal, com dor leve a moderada. A peristalse normal ou aumentada como reação inicial a hipóxia. Com a progressão da isquemia, temos distensão abdominal e timpanismo aumentado. Os exames laboratoriais são inespecíficos, pode haver leucocitose, acidose metabólica, hemoconcentração e elevação do lactato, fosfato e amilase sérica. • Exames de imagem Devem ser solicitados nos casos de pacientes estáveis, o exame de primeira escolha é a TC com contraste de abdome. Alguns achados são: espessamento da parede intestinal e dilatação da víscera, pneumatose intestinal ou portomesentérica, infarto de órgãos sólidos, falta de enchimento arterial. • Tratamento Em pacientes instáveis com suspeita de abdome agudo isquêmico, o tratamento não deve ser postergado visando confirmação diagnóstica com exames de imagem. O tratamento clínico inclui monitorização cardíaca e dos parâmetros ventilatórios, acesso venoso com reposição volêmica individualizada, correção de distúrbios hidroeletrolíticos, analgesia, antibiótico venoso de amplo espectro. O uso de antibiótico venoso protege contra a translocação bacteriana e reduz a inflamação intestinal por reduzir a flora intestinal. Os anticoagulantes são utilizados nos casos de oclusão arterial ou venosa e em alguns casos de isquemia mesentérica não oclusiva para evitar formação de trombos e sua propagação. O tratamento cirúrgico é definitivo, sendo realizado com a ressecção das alças isquemiadas. A exploração cirúrgica está indicada nos casos de : 10 Larissa Maria Miranda Santana MEDICINA Rodízio Cirurgia - Sinais de irritação peritoneal -Sinais de infarto intestinal em imagem -Dúvida diagnóstica Pode ser necessária uma segunda reabordagem em 24-48 hrs pra avaliar a persistência da isquemia. ABDOME AGUDO HEMORRÁGICO • Etiologias 1. Abdome agudo hemorrágico vascular Ruptura de aneurisma deaorta abdominal O aneurisma da aorta abdominal está presente em 5% dos indivíduos acima dos 60 anos de idade, tendo como principais fatores de risco para essa categoria : idade >65 anos, HAS, tabagismo, DPOC, aterosclerose. Muitos pacientes são assintomáticos e o diagnóstico é suspeitado pela palpação de massa pulsátil, distensão abdominal e dor abdominal. Nesses casos a USG e a TC confirmam o diagnóstico. Em metade dos pacientes, a manifestação clínica inicial é apenas referida como desconforto ou dor abdominal mal caracterizada, podendo apresentar dor na região dorsal. O tratamento inicial é direcionado para estabilização hemodinâmica do paciente, sendo o grau da urgência necessária na avaliação radiológica e na indicação cirúrgica. Aneurisma de artéria esplênica A mais comum no sexo feminino. Tem como fatores de risco hipertensão venosa portal, fibrodisplasia arterial e gravidez. O tratamento desse paciente é a laparotomia exploradora imediata associada a reposição agressiva da volemia com soluções cristaloides e quando necessário, com hemoderivados. Aneurisma da artéria hepática Homens acima de 60 anos de idade, em decorrência da arteriosclerose. Habitualmente é assintomático e manifesta-se como dor no QSD ou no epigástrio, mimetizando a colecistite e pancreatite. A ressecção ou obliteração está indicada em todos os pacientes. 2. Ruptura de gravidez ectópica As trompas são o local mais frequente de acometimento, porém também pode acontecer nos ovários e na cavidade abdominal. Os sintomas podem manifestar-se como dor abdominal súbita, intensa e inicialmente em baixo ventre que pode irradiar para o ombro ( Sinal de lafond). Instabilidade hemodinâmica, hipotensão, taquicardia e choque hipovolêmico. O tratamento consiste na avaliação da volemia materna, reposição volêmica e tratamento do choque.
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