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GODINHO (1983) - Portugal as frotas do açúcar e as frotas do ouro

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Portugal, as Frotas do Açúcar e as Frotas do Ouro.
Vitorino de Magalhães Godinho
Godinho inicia seu texto citando a visão comumente difundida da expansão que se deu pelo Atlântico como resultado de um conjunto de problemas envolvendo as tradicionais rotas mediterrâneas e terrestres (problemas da seda, das especiarias, do desvio para o Poente dos capitais genoveses e florentinos, capitais que a progressão turca e o quase monopólio veneziano tornavam inativos no Levante etc). 
Em seguida, porém, comenta sua própria opinião, segundo a qual o surto INICIAL atlântico deveu-se a condições particulares dos próprios países atlânticos, e passa a discorrer sobre conjunto de forças que originou esse movimento.
Busca do ouro por via marítima, imposta pela carência dos metais preciosos e queda das rendas senhoriais
Necessidade de mão-de-obra (escravaria para as plantações de cana)
Alargamento das áreas de pescas marítimas (sobretudo em Portugal)
Exigências das industrias têxteis em cores e tinturas, alem de outros elementos utilizados na preparo dos tecidos (importancia do pau-brasil, do pau de campeche do Yucatan, do Índigo do Marrocos.
O açúcar, em particular, instalado desde cedo (meados do séc XV) na Madeira, experimenta um grande desenvolvimento nos decênios subseqüentes, e teria sido um grande impulsionador do movimento para o Atlântico, embora não o único fator. E é na direção da analise destes fatores que Godinho discorre suas considerações.
Segundo ele, parecia haver, já no séc XVI, uma trama de rotas marítimas no Oceano que descreveria uma intensa movimentação de leste-oeste e norte-sul, envolvendo rotas primarias (que atravessavam o oceano trazendo para a Europa os produtos da América) e secundarias (de redistribuição na Europa, pelo Mediterrâneo, Báltico e Mar do Norte). Cita como exemplo os portos de Sevilha, Cadiz e Coruña, que recebiam os produtos e metais do Novo Mundo para distribuição posterior para os franceses e holandeses. Do Brasil e de São Tomé viria o açúcar a Lisboa, de onde partiria o produto para portos de redistribuição (Marselha, Gênova, Londres, Amsterdã etc). Neste ponto, comenta as rotas de escravos, que seguem da África para o Brasil e, em outro sentido, viajam o tabaco e as piastras.
O Atlântico Setentrional, por outro lado, seria muito menos rico, e teria como principal atividade a pesca (à baleia e ao bacalhau). Mesmo este comércio, entretanto, possuía um caráter semelhante ao praticado na porção meridional do Oceano: o comércio era feito por meio de um sistema de navegações triangulares. Exemplos: 1) Navios partidos de Lisboa ou Nantes carregam escravos no litoral do continente negro, transportam-nos ao Brasil e/ou Antilhas e retornam ao porto de partida carregados de açúcar, tabaco ou prata. 2) De Viana ou do Porto, navios vão a São Tomé carregar açúcar para o vender aos Países Baixos, voltando ao porto de origem carregados de panos ou algodão. Assim, o Atlântico já tem vida própria.
A economia portuguesa do séc XVII desempenha papel importante neste conjunto atlântico. Perdida a ênfase com o tráfico das Índias Orientais (concorrência com ingleses, holandeses e franceses), Portugal volta-se para o Atlântico, em especial para o açúcar do Brasil (cuja produção aumenta substancialmente entre o final do séc XVI e inicio do XVII).
Apesar do preponderante papel deste produto para a economia portuguesa, Godinho refuta a visão de um ciclo do açúcar, dada a não menos importante participação do tabaco e do sal de Setúbal, com o que se comprou a ajuda da Holanda para a Independência e fundamento da circulação monetária. Este último ponto é vital, pois, no séc XVII, o metal predominante na circulação é a prata¸ que Portugal obtém do comércio com a Espanha (por exportação direta de açúcar, tabaco e pau-brasil aos espanhóis ou por comboios holandeses que vendiam o sal de Setúbal em Sevilha e pagavam os portugueses em prata) – “É com o nosso dinheiro que os portugueses nos fazem a guerra!”, diziam os espanhóis.
Em meados do séc XVII, a atuação dos holandeses na produção de açúcar nas Antilhas (além da produção de outros produtos tropicais (inclusive tabaco) nas colônias francesas e ingleses), somada à política econômica colbertiana, provocam uma expulsão dos portugueses de seus mais tradicionais mercados. Apesar de ainda haver carregamento de açúcar e tabaco em Lisboa (por parte de holandeses, franceses e ingleses), é apenas para revenda em outras partes. A oferta mundial aumenta e o preço cai no último quarto do séc XVII. O resultado é um desastre econômico para Portugal.
Em um cenário de quedas generalizadas de preços de produtos tropicais, há um aumento no preço do trigo e do escravo (devido à demanda pelas Antilhas).
Para completar o quadro dramático, o comércio com a Holanda se desenvolve em outras direções que não Setúbal e Lisboa. Há, portanto, menor influxo de piastras resultante do comércio triangular entre Portugal, Espanha e Holanda. Diminui, pois a oferta de prata em Portugal.
Godinho conclui, então: a partir de 1670, esta é uma crise do açúcar, do tabaco e da prata. Como resolvê-la?
As soluções possíveis eram: 
1) desenvolver novos mercados comerciais (no momento impossível)
	2) pagar em numerário as compras externas (sem prata disponível, também impossível)
	3) desenvolver manufatura dos produtos que antes importavam (e, conscientemente da crise comercial, é o que Portugal tentará fazer)
Instalam-se, pois, em Portugal, manufaturas concorrentes das francesas (inclusive, com mão-de-obra francesa). Daí o reforço com o comércio Portugal-Inglaterra e queda das relações comerciais com os franceses.
Do lado monetário, a partir de 1688, Portugal adota uma violenta desvalorização (20%) de sua moeda, estancando em parte a sangria causada pela escassez de piastras. Uma medida que, de início, foi vista por outros países como um ato de loucura, logo também adotada em outras nações, anulando a eficácia da política portuguesa.
Outras medidas para conter a crise (entre 1670 e 1690):
criação de uma companhia de comércio (do Cacheu) com privilégio de exportação de negros para as Índias espanholas (entrada de piastras);
as “pragmáticas”, proibições de importação de pano;
proibições diversas de importação de produtos ingleses e franceses.
Em 1692, no entanto, suicida-se o Conde de Ericeira, promotor desta política de desenvolvimento industrial. O desenvolvimento industrial é abandonado.
Neste ponto, Godinho já inicia seus comentários a respeito de Methuen, e sobre como este tratado é um registro legal (e não o causador) de uma situação de fato: a entrada de panos ingleses em Portugal (que já os recebia em grande quantidade via contrabando) e a preferência tributária dos vinhos portugueses em relação aos franceses na importação da Inglaterra (que, de fato, já existia). Em outras palavras, se Methuen não inovou, consagrou a paralisação do movimento manufatureiro português. Mas, por quê?
Razões:
1) Em 1690, a crise nos produtos tropicais arrefece, preços sobem. Portugal volta a experimentar prosperidade mercantil. Se a política industrial era uma resposta à crise, uma vez esta passada, a primeira perdia sua razão de ser.
2) Evolução agrícola: disseminação da viticultura (e simultânea proibição da importação de bebidas), que é um dos principais interesses dos sucessores do Conde de Ericeira (os “industriais” cedem lugar aos grandes senhores da vinha).
Ouro brasileiro. A chegada cada vez maior do metal precioso causa uma crescente onda de importações em Portugal (que, de outro modo, teria que produzir internamente). O déficit na balança comercial é coberto pelo ouro.
Godinho, finalmente, atenta para que esta tentativa de desenvolvimento manufatureiro pode ser entendido como um ponto de viragem entre 2 ciclos: o do açúcar, do tabaco e do sal (já citado), e o do Ouro, do Vinho do Porto e do Vinho do Madeira.
Apesar do ouro, a moeda corrente ainda é a prata, e seu abastecimento ainda é problemático. Desde a época da anexação, havia um desenvolvimento de comércio portuguêsem Buenos Aires, devido ao pagamento em prata. Com o Tratado de Utrecht, Portugal perde o monopólio de comércio de negros para a Inglaterra, mas recebe em troca a colônia de Sacramento (os espanhóis nunca aceitaram de bom grado este acordo, o que levará a sucessivos conflitos com os portugueses). Há um desenvolvimento no comércio de couro provindo de Buenos Aires, que beneficia Lisboa. Portugueses conseguem, pois, couro e prata da região do Sacramento. 
Se no séc XVII havia a frota do Brasil em Lisboa, no séc XVIII há “as” frotas: do couro, do açúcar, mas, sobretudo, do ouro (de rápida evolução no início do séc XVIII, obtendo um auge em meados do século). Apesar do contrabando inglês e francês (que era grande), a quantidade de metal que adentrou Portugal na primeira metade do séc XVIII foi sem precendentes. 
(Neste ponto, Godinho comenta que, no desenvolvimento mineiro do Brasil, há alguns efeitos não elementares de movimento de preços: ao invés de uma inflação (o que seria de se esperar, uma vez que há mais oferta de moeda), ocorreu uma queda generalizada de preços de bens importados, dada a oferta que inundou os mercados. Por outro lado, é a procura cada vez maior dos escravos que aumenta seu preço, e o desenvolvimento da população per se provoca alta de preços de gêneros alimentícios).
A partir de 1754, Pombal leva a cabo uma política de criação de companhias privilegiadas, com a finalidade de reativar comércio com China e Índia, principalmente. Mas é apenas mais um surto, uma vez que o Governo está confortável com os benefícios das minas e da exportação de vinho do Porto.
(Methuen causou, conforme Jorge de Macedo, uma competição interna de produção de vinho em Portugal. Os proprietários do Alto-Douro (vinho do Porto), sentem-se ameaçados e, com a chegada destes ao poder, Pombal forma a Companhia do “Alto-Douro”).
Em 1765, nova crise comercial. Diminuição do ouro, dos lucros da Companhia do Pará e Maranhão. A partir de 1770, tentar-se-á uma nova fase manufatureira, fase deste governo de Pombal totalmente diferente do primeiro (que era de caráter mercantil). Época da guerra de independência dos EUA, aumenta inesperadamente o comércio português com as Índias Orientais, impulsionado pelo arroz e algodão do Brasil e manufaturas da metrópole. O ouro brasileiro, agora escasso, já tinha alimentado suficiente a Inglaterra e, mesmo diante da proibição de metais preciosos, ainda havia a transferência via contrabando. A França, ao contrário, esforça-se no sentido de obter prata da Espanha, diferentemente da Inglaterra (que se concentra no ouro português). Donde, esta diferença crucial da história monetária no fim do séc XVIII e início do XIX: Banco da França, a prata. Banco da Inglaterra, o ouro.

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