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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS FACULDADE DE FARMÁCIA Perfil das travestis que realizam trabalho sexual em Belo Horizonte e utilizaram hormônios para a transformação do corpo: um estudo transversal Belo Horizonte 2014 DENYR JEFERSON DUTRA ALECRIM Perfil das travestis que realizam trabalho sexual em Belo Horizonte e utilizaram hormônios para a transformação do corpo: um estudo transversal Monografia de Trabalho de Conclusão de Curso, como requisito parcial, para obter o título de Bacharel em Farmácia apresentada ao Colegiado de Coordenação Didática do Curso de Farmácia da Universidade Federal de Minas Gerais. Orientadora Profa. Maria das Graças Ceccato – UFMG Coorientador Prof. Marco Aurélio M. Prado – UFMG Belo Horizonte 2014 Alecrim, Denyr Jeferson Dutra. A366p Perfil das travestis que realizam trabalho sexual em Belo Horizonte e utilizaram hormônios para a transformação do corpo: um estudo transversal / Denyr Jeferson Dutra Alecrim. – 2014. 82 f. : il. Orientadora: Maria das Graças Ceccato. Co-orientador: Marco Aurélio M. Prado Trabalho de Conclusão de Curso - Colegiado de Farmácia, Faculdade de Farmácia da Universidade Federal de Minas Gerais. 1.Travestis - Hormônio 2. Travestilidades. 3. Transformação Corporal. 4. Hormonioterapia. I. Ceccato, Maria das Graças. II. Prado, Marco Aurélio M. III. Universidade Federal de Minas Gerais. Faculdade de Farmácia. IV. Título. CDD:307.76 AGRADECIMENTOS Agradeço à Professora Orientadora Maria das Graças, por compartilhar seu conhecimento, sabedoria e elegância. Nos momentos que me senti mais perdido, ela, com as palavras certas, indicava os caminhos. Ao professor Marco Aurélio e aos integrantes do NUH/UFMG por me auxiliarem a conhecer um novo mundo que é o campo do gênero e da sexualidade. Suas contribuições foram muito importantes para a realização deste trabalho quanto para o meu crescimento teórico e pessoal. À minha mãe Joana Dutra, que em todo este tempo esteve ao meu lado como uma grande amiga e companheira. Com ela compartilhei todas as minhas angústias e anseios revolucionários e de forma paciente ela soube lidar, se propondo a desconstruir antigos paradigmas e contradições. Agradeço também ao meu pai Antônio, e espero que um dia, ele possa ler esta monografia e entender que a liberdade deva ser direito de todo e qualquer ser humano. Aos meus amigos Luiz Henrique e Anne Borges, que sempre estiveram ao meu lado. Compartilhamos sonhos, ideais, alegrias, incertezas e tristezas. A companhia destas pessoas foi muito importante para meu crescimento. Agradeço a todas e todos os companheiros que construíram e constroem a Executiva Nacional de Estudantes de Farmácia. Neste espaço do movimento estudantil, enxerguei as contradições desta sociedade injusta e que precisa ser transformada para garantir a equidade e liberdade dos seres humanos. Agradeço a todas as amigas e a todos os amigos que estiveram comigo nesta jornada. Às amigas e amigos que fiz nesta universidade, no movimento estudantil, na militância. Aos amigos que sempre estiveram em minha vida, que souberam compreender as ausências. Agradeço a todas e todos que de alguma forma contribuíram com a construção deste trabalho. “Por um mundo onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres.” (Rosa Luxemburgo) LISTA DE ABREVIATURAS ACO – Anticoncepcionais orais AIDS – Síndrome da Imunodeficiência Adquirida ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária COEP – Comitê de Ética em Pesquisa DSM-V – Manual Estatístico e Diagnóstico de Transtornos Mentais 5ª Edição EJA – Educação de Jovens e Adultos GM – Gabinete do Ministro HIV – Vírus da Imunodeficiência Humana LGBT – Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais LSD – Dietilamida do Ácido Lisérgico MS – Ministério da Saúde NUH-UFMG – Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania LGBT da UFMG SNC – Sistema Nervoso Central SUS – Sistema Único de Saúde TCLE – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais LISTA DE TABELAS 1 Variáveis selecionadas a serem analisadas - Projeto TRANS (NUH/UFMG), Belo Horizonte, MG. 31 2 Características descritivas da amostra de travestis que utilizaram hormônios para transformação corporal e realizam trabalho sexual, Belo Horizonte, 2013 (n = 130). 39 3 Problemas decorrentes da utilização de medicamentos anticoncepcionais (hormônios femininos) para a transformação do corpo. 48 4 Principais diferenças entre a utilização de hormônios, silicone industrial e prótese de silicone para a trasnformação corporal 56 RESUMO E PALAVRAS-CHAVE A diversidade de sexualidade e identidade de gênero se associa às tecnologias de modificações corporais e a uma ampliação do debate para além das heterossexualidades e binarismos. As travestilidades podem ser consideradas como processos de construção ou reinvenção do gênero feminino. O início da utilização de hormônios para a transformação do corpo marca a decisão de incorporar e dar visibilidade à identidade travesti. A escassez de estudos publicados sobre a hormonoterapia em travestis evidencia como este tema é pouco abordado por grupos de pesquisa em saúde. Este estudo tem como objetivo descrever o perfil das travestis que realizam trabalho sexual em Belo Horizonte e utilizaram hormônios para a transformação do corpo e é um estudo observacional do tipo corte transversal, quantitativo, descritivo realizado com 130 travestis adultas que realizam trabalho sexual no município de Belo Horizonte e utilizaram hormônios para a transformação corporal. Observou-se que a média de idade de inicio de uso de hormônios é de 16,8 (±3,8) anos e 98% obtiveram conhecimento sobre eles com colegas. Cerca de um terço relata ter algum problema decorrente da utilização dos hormônios. Dentre as participantes, 63,8% utilizaram silicone industrial, 37,2% utilizaram próteses de silicone para as transformações do corpo. Observou-se que 75,4% não possuem plano privado de saúde e 25% não realizaram consulta médica nos 12 meses anteriores à pesquisa. A utilização de hormônios, na forma de anticoncepcionais, normalmente se inicia sem a orientação de profissionais de saúde e os agravos à saúde são causados, em grande parte, devido ao uso indiscriminado destes medicamentos em grandes quantidades ou em intervalos reduzidos de tempo. A dificuldade de acesso a serviços de saúde ainda tem como fundamento o preconceito e a intolerância às diversidades. Mesmo com os diversos avanços, o acesso à hormonioterapia pelas travestis e suas consequências continuam não correspondendo a real demanda brasileira. PALAVRAS-CHAVE: TRAVESTI, TRAVESTILIDADES, HORMÔNIO, HORMONIOTERAPIA, TRANSFORMAÇÃO CORPORAL ABSTRACT AND KEYWORDS The diversity of sexuality and gender identity is associated with body transformation technologies and a broadening of the debate beyond heterosexuality and binarism. The travestilites can be considered as a process of construction or reinvention of the female gender. The early use of hormones for body transformation marks the decision to incorporate and give visibility to the travesti \identity. The scarcity of published studies on hormone therapy for travestis shows how this topic is rarely addressed by health research groups. This study aims to describe the profile of travestis who perform sex work in Belo Horizonte and used hormones for the transformationof the body and it is an observational descriptive study was cross sectional, quantitative, conducted with 130 adult transvestites who perform sex work in the city of Belo Horizonte and used hormones for body transformation. It was observed that the average age of initiation of hormone use was 16.8 (± 3.8) years and 98% heard about them from colleagues. About a third reported having some problems arising from the use of hormones. Among the participants, 63.8% used industrial silicone, and 37.2% used silicone implants for the body transformations. It was observed that 75.4% don't have private health insurance and 25% didn't attend medical visits in the 12 months preceding the survey. The use of hormones in the form of contraceptives, usually begins without the orientation of health professionals and health problems are occur, in large part, due to the indiscriminate use of these drugs in large amount or in short time intervals. Poor access to health services is still due to prejudice and intolerance with gender diversity. Even with many advances, access to hormone therapy by travestis and its consequences still does not correspond to Brazilian real demand. KEYWORDS: TRAVESTI, TRAVESTILITES, HORMONES, HORMONETHERAPY, BODY TRANSFORMATION. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 12 2 OBJETIVOS 14 2.1 Geral 14 2.2 Específicos 14 3 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 15 3.1 Travestis, identidade de gênero e abjeção 15 3.2 Transformação corporal e construção do corpo travesti 16 3.3 Hormonoterapia 17 3.3.1 Aspectos farmacológicos 17 3.3.2 Aspectos epidemiológicos 19 3.3.3 Influência da hormonioterapia na saúde das travestis 21 3.4 Aspectos políticos 22 3.5 Considerações metodológicas em estudos envolvendo travestis 24 4 MATERIAIS E MÉTODOS 28 4.1 Delineamento e local do estudo 28 4.2 População e critérios de elegibilidade 28 4.3 Critérios éticos 29 4.4 Instrumento para coleta de dados e procedimentos 29 4.4.1 Instrumentos 30 4.4.2 Procedimentos 30 4.4.3 Variáveis 31 4.5 Análise dos dados 38 5 RESULTADOS 39 5.1 Características sociodemográficas 42 5.2 Assunção identitária 43 5.3 Trabalho sexual e renda 44 5.4 Saúde 44 5.5 Uso de preservativo 45 5.6 Violência 46 5.7 Transformação do corpo 46 5.7.1 Utilização de hormônios 47 6 DISCUSSÃO 49 6.1 Trabalho sexual e renda 50 6.2 DST/AIDS e uso de preservativo 51 6.3 Transformação do corpo 52 6.3.1 Hormônios 52 6.2.2 Silicone industrial 54 6.2.3 Prótese de silicone 55 6.3 Saúde 56 6.3.1 Acesso à saúde 57 7 CONCLUSÕES 60 8 REFERÊNCIAS BILBIOGRÁFICAS 61 9 ANEXOS 66 ANEXO A – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – Projeto TRANS – NUH/UFMG 68 ANEXO B – Questionário aplicado às participantes do Projeto TRANS – NUH/UFMG 70 ANEXO C – Ata de defesa de monografia 81 12 1 A diversidade de sexualidade e identidade de gênero se associa às tecnologias de modificações corporais e a uma ampliação do debate para além das heterossexualidades e binarismos. Nesta perspectiva de multiplicidade e fluidez de identidades sexuais e de gênero (BUTLER, 2002) encontramos as experiências de travestis no cenário social brasileiro. As travestilidades podem ser consideradas como processos de construção ou reinvenção do gênero feminino, ou seja, reconstrução das posições de gênero e sexualidade implicadas culturalmente na construção do feminino em corpos designados pela medicina como masculinos ao nascer. Entre as travestis, as possibilidades de (re)construção do feminino trazem diferentes implicações identitárias e torna os corpos ainda mais plásticos na construção e desconstrução do que se deseja para si (DUQUE, 2012). Segundo Lourenço (2009), “as travestis vão modificando seus corpos de maneira permanente, de forma mais intensa na juventude, sacrificando muitas vezes a saúde e a própria vida em busca da aparência feminina perfeita”. Os riscos são potencializados pela dificuldade de acesso a serviços de saúde de qualidade e seguros, bem como a escassez de políticas públicas de atenção à saúde desta população. Para a construção da pessoa travesti, o hormônio aparece como elemento fundamental, pois é um dos primeiros passos nos que se refere aos processos de transformações corporais, sobretudo na juventude devido à facilidade de acesso. Além da utilização dos hormônios, a aplicação de silicone industrial é uma etapa importante no processo de construção da identidade travesti. “A etapa mais radical e irreversível” (KULICK, 2008), pois diferente da hormonioterapia, o silicone industrial não pode ser removido do corpo após ser aplicado, além de apresentar resultado imediato, diferente da hormonioteraipia que demora meses ou ate anos. O imediatismo na busca por resultados torna a utilização do silicone um rito de passagem sem volta na metamorfose da travesti (LOURENÇO, 2009). As travestis desestabilizam as fronteiras de gênero tradicionalmente construídas, enfrentando dificuldades em múltiplos cenários, sendo um deles os serviços públicos de saúde (SOUZA, 2014). Elas representam a maior parcela das pessoas 13 transgênero, as quais incluem todas as pessoas que assumem socialmente posições de gênero diferente daquela designada pela medicina no nascimento (BORGES, 2012) e “a influência do gênero nas questões referentes à saúde e doença pode ser percebida em muitas dimensões, entre as quais a definição de itinerários terapêuticos e o acesso aos serviços e políticas públicas” (SOUZA, 2014). Diante desse contexto, a POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE INTEGRAL DE LÉSBICAS, GAYS, BISSEXUAIS, TRAVESTIS E TRANSEXUAIS - LGBTs (BRASIL, 2011) traz que um “grave problema para a saúde de transexuais e travestis é o uso indiscriminado e sem orientação de hormônios femininos. Há reconhecida relação entre o uso de hormônios femininos e a ocorrência de acidente vascular cerebral, flebites, infarto do miocárdio entre outros agravos, resultando em mortes ou sequelas importantes.” Essa política reafirma o compromisso do Sistema Único de Saúde (SUS) com a universalidade, a integralidade e com a efetiva participação da comunidade e coloca, dentre seus objetivos, o fomento à realização de estudos e pesquisas, envolvendo estudos populacionais, e desenvolvimento de serviços ou de tecnologias, voltados às necessidades de saúde das e dos LGBTs e, embora ela exista, o principal desafio é a por em prática. Estudos sobre travestis ainda são poucos, uma vez que somente na década de 1990 começaram estudos e pesquisas a fim de distinguir as diferentes identidades e orientações sexuais. (BOMFIM, 2009). A escassez de estudos publicados sobre a hormonoterapia em travestis evidencia como este tema é pouco abordado por grupos de pesquisa em saúde. Este trabalho justifica-se, pela relevância social do tema, focando sua atenção para a utilização de hormônios femininos pela população de travestis, bem como a abordagem no SUS, e pela relevância científica, contribuindo com as novas pesquisas na área da hormonioterapia. De forma geral, esta pesquisa pode colaborar no embasamento de políticas públicas que garantam direitos às travestis. 14 2 OBJETIVOS 2.1 Geral Descrever o perfil das travestis que realizam trabalho sexual em Belo Horizonte e utilizaram hormônios para a transformação do corpo. 2.2 Específicos 2.2.1 Caracterizar as travestis participantes quanto aos aspectos sócio demográficos, socioeconômicos, auto percepção da saúde, assistência à saúde, assunção identitária, comportamento sexual, uso de drogas lícitas e ilícitas, história de violência e transformação do corpo. 2.2.2 Descrever a utilização de hormônios pelas travestis, como o acesso, a idade de início, o conhecimento e problemas decorrentes do uso. 15 3. REVISAO BIBLIOGRAFICA 3.1 Travestis, identidade de gênero e abjeçãoAs identidades de gênero e sexuais são compostas e definidas por relações sociais que implicam na instituição de desigualdades, de ordenamentos, de hierarquias, e estão, sem dúvida, estreitamente imbricadas com as redes de poder que circulam numa sociedade (LOURO, 2000). A sexualidade e o gênero são materializados nos corpos por normas regulatórias que são constantemente reiteradas, repetidas e ratificadas e que assumem o caráter de substância e de normalidade em um processo que visa disciplinar formas de masculinidades e de feminilidades possíveis e complementares entre si (BUTLER, 1993). Essa realidade é regida pelas regras da heteronormatividade, que determinam a heterossexualidade como natural e, por consequência, se apoiam em um sistema de identificação de gênero biologicista e binário, baseado na anatomia do corpo, nos órgãos sexuais (BUTLER, 2003). Seguindo essa lógica, um indivíduo, ao nascer com pênis, seu gênero deverá ser masculino, heterossexual e sua prática sexual ativa, enquanto que, caso nasça com vagina, seu gênero será feminino, heterossexual e prática sexual passiva. Conforme Miskolci e Pelúcio (2008), “hoje, o conceito de heteronormatividade sintetiza o conjunto de normas prescritas, mesmo que não explicitadas, que marcam toda a ordem social e não apenas no que concerne à escolha de parceiro amoroso; alude, também, ao conjunto de instituições, estruturas de compreensão e orientação prática que se apoiam na heterossexualidade. É toda esta ordem social que mostra como no par heterossexualidade/homossexualidade não há simetria, pois ele engloba díades como norma/desvio, regra/exceção, centro/margem. A heterossexualidade só pode existir fixando o periférico e, a partir dele, se definindo como central.” Qualquer expressão fora do padrão binário heteronormativo tende a ser invisibilizada, considerada anormal e a pessoa como abjeta. Segundo Judith Butler (2002), os corpos abjetos são desapropriados de qualquer reconhecimento ou direito que um ser humano possa ter por inexistir para a compreensão lógica das determinações normativas. Sem visibilidade não é reconhecido como sujeito, se não é sujeito não existe, logo não pode ser tomado como ser de direitos. Fazendo a leitura de forma aplicada, Larissa Pelúcio (2009) descreve que 16 “essa não existência acaba por colocar as travestis no plano do abjeto, corpos cuja existência parece não importar. De fato, importam, pois os abjetos precisam estar lá, ainda que numa higiênica distância, para demarcar as fronteiras da normalidade”. 3.2 Transformação corporal e construção do corpo travesti Torna-se evidente que não há uma maneira única de se construir as expressões de gênero. Segundo Louro (2000), “os corpos são significados pela cultura e, continuamente, por ela alterados”. A construção desta identidade pode ser resultado do processo histórico, social e cultural que vivem os seres humanos. Simone de Beauvoir (1967) diz que “ninguém nasce mulher: torna-se mulher”, trazendo uma importante reflexão sobre a construção social, cultural e histórica da identidade de gênero. Da mesma forma que não se nasce mulher, não se nasce homem, travesti, trangênero, dentre infindáveis expressões de gênero. Todas são guiadas pelos processos de construção de gênero individuais e coletivos dos seres humanos. Nesta construção, podemos evidenciar os processos de transformação corporal. Segundo Larissa Pelúcio, (2009), “as travestilidades não podem ser sem um corpo transformado, marcado, por um feminino que procura borrar, nesses corpos, o masculino, sem apaga-lo de todo”. As experiências que constituem a travestilidade tem na transformação do corpo e do gênero um fator que desestabiliza a ordem binária dos sexos e dos gêneros. O corpo para as travestis é um aspecto-chave no processo de sua identificação de gênero, esse corpo se modifica ao longo do tempo desafiando sua condição biológica e física do universo tido como masculino. As formas retas que caracterizam o corpo masculino necessitam ser readequadas para adquirir formas arredondadas inerentes ao corpo tido como feminino. O hormônio e o silicone, próteses ou o industrial, aparecem como ferramentas fundamentais na construção da pessoa travesti. Com a utilização dos hormônios femininos, as mudanças corporais se mostram mais visíveis e mais definitivas. São com os hormônios que se adquirem novas características nas formas do corpo, bem como novas particularidades de uma ordem moral que dizem respeito ao comportamento feminino na sociedade (BENEDETTI, 1998). 17 A rua também é um espaço importante na construção da experiência das travestis. Na noite, nas relações sociais é que se aprende a se tornar travesti. É um lugar onde conhecem novas pessoas, fazem novas amizades, compartilham as regras e experiências, conhecem as novas técnicas de transformação corporal, conhecem seus clientes, compram roupas. Benedetti (2005) complementa que “Nas esquinas testam o sucesso de suas próprias transformações em busca do feminino”. 3.3 Hormonoterapia Segundo Peres (2012), “um dos artifícios essenciais na vida de uma travesti é iniciar o uso de hormônios”. Observam-se, com a hormonoterapia, as mudanças corporais como o desenvolvimento dos seios, arredondamento dos quadris e das pernas, afinamento da cintura e diminuição da produção de pelos, especialmente os da barba, peito e pernas. Os hormônios (anticoncepcionais orais ou injetáveis) são normalmente o primeiro instrumento que as travestis recorrem com este objetivo e para algumas, é o único meio. A utilização de medicamentos hormonais orais parece estar associada à própria decisão de incorporar e dar visibilidade à constituição de uma identidade travesti. Para Benedetti (1998), “o hormônio é como um alimento para o corpo”. A utilização de anticoncepcionais orais (ACO) parece ser este veículo que integra e exterioriza as dimensões físicas e morais no universo das travestis (PERES, 2012). 3.3.1 Aspectos farmacológicos Segundo Wanmacher (2003), os anticoncepcionais orais podem ser combinados (estrógenos e progestógenos), mono, bi e trifásicos ou só conter progestógeno (minipílulas). Os combinados são ditos monofásicos quando as concentrações de estrógeno e progestógeno são a mesma em todos os comprimidos da cartela. Os bi- e trifásicos possuem duas ou três variações nas concentrações dos princípios ativos nos comprimidos da cartela. Ao longo das últimas décadas, as doses hormonais contidas nesses medicamentos têm sido bastante reduzidas, o que acarreta em melhor aceitação dos anticoncepcionais pelo organismo, devido à diminuição dos eventos adversos. 18 Os anticoncepcionais orais são classificados em gerações, de acordo com a dose de estrogênio. Os da Primeira Geração com 0,150 mg de etinilestradiol, os da Segunda Geração com 0,050 mg de etinilestradiol, Terceira Geração com 0,030 mg de etinilestradiol e Quarta Geração com 0.020 mg de etinilestradiol (MUKAI, 2012). Outra categoria de medicamentos hormonais contraceptivos são os anticoncepcionais injetáveis mensais que são colocados numa classificação intermediária entre os anticoncepcionais orais combinados e os com somente progestógenos. Os estrógenos produzidos de forma endógena são responsáveis pelas alterações puberais nos organismos biologicamente XX. Proporcionam o crescimento e desenvolvimento da vagina, útero e tubas uterinas. Contribuem também no desenvolvimento dos quadris, aumento das mamas e contornos do corpo. Eles também atuam no desenvolvimento do organismo biologicamente XY. Nestes, a deficiência de estrógenos diminui o estímulo ao crescimento puberal e a maturação esquelética. Nos homens biologicamente XY, a deficiência de estrogênio pode levar ao aumento dos níveis de testosterona e afetar o metabolismo de carboidratos e lipídeos (GRUMBACH e ACHUS,1999apud BRUNTON, 2010). Os estrogênios afetam muitos tecidos e possuem várias ações metabólicas, mas ainda não está totalmente elucidado se os efeitos resultam diretamente das ações do hormônio no tecido em questão ou se são secundários (BRUNTON, 2010). Eles possuem uma importante ação sobre o metabolismo de lipídeos, elevam os níveis de triglicerídeos e diminuem os níveis séricos de colesterol total, aumentam os níveis de algumas proteínas e alteram algumas vias metabólicas que afetam o sistema cardiovascular, além do pequeno aumento de alguns fatores de coagulação, bem como a redução dos fatores de anticoagulação, podendo levar a um desequilíbrio na coagulação. Os progestógenos são compostos com atividades biológicas similares à progesterona, que embora possuam atividade progestacional, em mulheres biologicamente XX, também exibem atividades androgênicas. Dentre as diversas 19 ações no aparelho reprodutor feminino a progesterona aumenta a resposta ventilatória dos centros respiratórios, no Sistema Nervoso Central (SNC), ao dióxido de carbono, pode ter ações depressoras do SNC, relacionando à relatos de sonolência após a administração do hormônio. Os progestógenos possuem inúmeras ações metabólicas, amentado os níveis basais de insulina, pode diminuir a tolerância à glicose, parece aumentar os níveis de LDL sem alterações no HDL, também pode levar à aumento da pressão arterial devido à diminuição dos efeitos da aldosterona (BRUNTON, 2010). Os principais eventos adversos são descritos para os anticoncepcionais orais combinados. Destacamos os efeitos cardiovasculares, como o tromboembolismo (CASTELLI, 1999 apud BRUNTON, 2010), devido às altas doses utilizadas pelas travestis. Também estão relacionados à hipertensão nas formulações de primeira e segunda geração. Apesar de raros, há um aumento no risco de câncer hepático. Náuseas, edema e dores de cabeça também são potenciais efeitos adversos causados pelos ACO e supõe-se que acne seja mediada pela atividade androgênica de alguns progestógenos. 3.3.2 Aspectos epidemiológicos A maioria dos estudos que abordam a utilização de medicamentos hormonais pelas travestis possui cunho qualitativo e expressam de forma muito detalhada aos hábitos sociais e culturais desta população. Devido à escassez de estudos quantitativos que abordem os hábitos e condições das travestis e os eventos em saúde, a extrapolação dos resultados encontrados na literatura para toda a população em questão possui certa limitação. A dificuldade principal na mensuração dos riscos relacionados à utilização de anticoncepcionais orais pelas travestis é o número extremamente reduzido de estudos quantitativos que avaliam a eficácia, efetividade e segurança destes medicamentos neste contexto. Utilizaremos, então, como referência os estudos realizados com mulheres que utilizaram as preparações anticoncepcionais orais. Em um estudo de coorte que teve tempo de acompanhamento de 25 anos, Beral (1999) constata que nas usuárias correntes de anticoncepcionais orais havia um aumento 20 de mortalidade por doença cerebrovascular e, em mulheres que pararam a utilização há mais de 10 anos, as taxas de mortalidade foram semelhantes às que nunca usaram anticoncepcionais orais. Em um estudo da Organização Mundial de Saúde (OMS), o “Venous thrombolic disease and combined oral contraceptives: results of international multicenter case-control study”, foi encontrado um risco de se ocorrer tromboembolismo venoso (casos hospitalares de trombose venosa profunda e embolia pulmonar) quatro vezes maior em mulheres usuárias de anticoncepcionais orais da terceira geração em comparação às não-usuárias. Em um estudo realizado com mulheres cisgênero com idade entre 18 e 24 anos e fazem uso de anticoncepcionais, os eventos adversos mais relatados são cefaleia, enjoo, mudança de humor, sensibilidade nas mamas, e não se evidenciaram efeitos colaterais maiores (GOMES et al. 2011). O evento adverso mais preocupante em relação à hormonioterapia com estrogênos em mulheres transgêneros é o tromboembolismo venoso, especialmente durante o primeiro ano de tratamento, quando a incidência deste evento é 2-6% caindo para 0,4% no segundo ano. Esta incidência é importante quando comparada com a incidência desse evento na população jovem em geral, 0,005 para 0,01% ao ano. A alta incidência de eventos tromboembólicos em mulheres transgêneros parece mais associada ao etinilestradiol de medicamentos de uso oral ou transdérmico. A atual recomendação é que o uso de etinilestradiol deva ser evitado e, dada preferência aos estrogénios naturais ou conjugados, especialmente em pacientes com mais de 40 anos de idade (COSTA, 2014). Observa-se uma elevada prevalência de utilização de altas doses em automedicação com o objetivo de maior velocidade na obtenção dos resultados, porem altas doses de hormônios não são necessárias para atingir os efeitos desejados, e são frequentemente associados a efeitos colaterais indesejáveis (COSTA,2014). 21 3.3.3 Influência da hormonioterapia na saúde das travestis Observa-se, na literatura, que “nas travestis os agravos à saúde são causados, em grande parte, devido ao uso abusivo de hormônios femininos, siliconização inadequada, dieta hipercalórica e pouco balanceada, sedentarismo e consumo de drogas” (LOURENÇO, 2009). Para Souza (2014), todas as travestis conhecem os “riscos” e “problemas decorrentes da utilização de hormônios e do silicone industrial, pois estas informações são amplamente abordadas em suas conversas sobre o tema”. Os hormônios femininos são ingeridos em grandes quantidades e sem orientação de profissionais de saúde. Muitas travestis são orientadas por suas “mães” ou madrinhas sobre o uso de hormônios femininos que, em geral, são utilizados em grandes quantidades por meses seguidos ou intervalados em períodos de uso contínuo e tempo de pausa do uso do medicamento. Segundo Pelúcio (2009) as “mães” ou madrinhas são travestis mais velhas e experientes que a elas cabem “ensinar à sua filha as técnicas corporais e a potencializar atributos físicos, a fim de se tornar mais feminina. Elas ensinam a tomar hormônios, sugerem partes do corpo a novata deve bombar e quantos litros colocar. Indica a bombadeira, instrui quanto aos clientes e sobre as regras do pedaço.” Para ROMANO (2008), o maior benefício do uso dos hormônios descrito pelas travestis é a feminilização, a exemplo de aumento dos seios, mudanças no timbre de voz, diminuição dos pelos no rosto e corpo. O anseio por resultados rápidos pode levar a um consumo exacerbado deste grupo de medicamento (LOURENÇO, 2009). O consumo indiscriminado de hormônios orais ou injetáveis pode levar distúrbios metabólicos, náuseas, dores fortes de cabeça, tonturas, problemas hepáticos, câncer de próstata e óbito (LOURENÇO, 2009) entre outros efeitos. Bombadeiras são pessoas, geralmente travestis, que aplicam o silicone industrial no corpo de outras travestis que visam a transformação do corpo (Sampaio, 2011). O filme Bombadeira é um documentário dirigido por Luis Carlos de Alencar, lançado em 2007, ambientado em Salvador, retrata a relação ente algumas travestis e a prática de “bombar” o corpo. Disponível em: vimeo.com/6653323. http://vimeo.com/6653323 22 Os primeiros anticoncepcionais orais criados possuíam elevadas doses de etinilestradiol, o que proporcionava aumento do risco de eventos tromboembólicos (STEGEMAN,2013). À partir da década de 1960, houve diminuição gradativa das doses deste principio ativo, estando associada com a redução do risco de trombose venosa (INMAN,1970; VESSEY,1986; LIDEGAARD, 2002). Considerando os potenciais eventos adversos decorrente da utilização de hormônios, principalmenteem altas doses sem acompanhamento, “a travesti vai ter sempre que estar em tratamento para controlar essas consequências” (LOURENÇO, 2009). Um dos principais problemas das travestis é o acesso aos serviços de saúde devido à vergonha e o próprio receio de serem discriminadas nos centros de saúde e hospitais. Elas evitam buscar ajuda e quando o fazem o problema já está em estágios avançados. A utilização do nome social – como são conhecidas e não o de registro civil - nos cadastros do Sistema Único de Saúde (BRASIL, 2008) é uma medida que objetiva amenizar o preconceito e favorecer o acesso de todas as cidadãs e todos os cidadãos aos serviços públicos de saúde. Outra medida implantada em 2004 pelo Ministério da Saúde foi uma campanha de sensibilização dos profissionais de saúde com o intuito de diminuir o preconceito em relação às travestis, utilizando-se de folders, cartazes e panfletos distribuídos nas unidades de saúde básicas (LOURENÇO, 2009). 3.4 Aspectos Políticos Baseando-se no discurso biomédico e biopolítico, transexuais seriam aqueles indivíduos que foram considerados afetados por um transtorno envolvendo a sua identidade de gênero, o que significa, nessa linguagem diagnóstica, que eles não se reconhecem no corpo com o qual vivem, podendo apresentar, inclusive, aversão intensa ao seu sexo biológico. No âmbito do referido discurso, indivíduos transgêneros poderiam ser considerados como “falsos transexuais” ou travestis, porque estes indivíduos, apesar de manifestarem o que, ali, se reconhece como incongruência entre sexo e gênero, constroem seus corpos de acordo com o gênero desejado e vivem como homens e/ou mulheres, ou atravessam constantemente estas fronteiras, sem almejar a cirurgia de transgenitalização (PETRY, 2011). 23 No sentido da regulação à população a que se destina contemplar, o “Processo transexualizador” tem sofrido inúmeras críticas. Essas críticas se devem ao fato de que a possibilidade de atendimento está alicerçada no diagnóstico psiquiátrico de Transtorno de Identidade de Gênero (TIG), conforme critérios estipulados pelo DSM- V – Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders – DSM), publicado oficialmente em 2013. Se por um lado a despatologização da identidade trans é importante na garantia de direitos, por outro existe receio de parte dos movimentos trans com a retirada do TIG do rol de patologias mentais e que o SUS passe a não se responsabilizar pelos procedimentos que atualmente são oferecidos gratuitamente no processo transexualizador (CASSEMIRO, 2013). Para Cassemiro (2013), “qualquer teoria que isole a categoria transexualidade ou mesmo transexualismo sem levar em conta que esta definição surgiu principalmente para regulamentar o acesso às modificações corporais [...], corre o risco de produzir um conceito deveras artificial, um molde vazio de conteúdo e experiência”. Portanto, o que se reivindica é a despatologização da identidade trans sem a perda de direitos, como os procedimentos de homonioterapia, a redesignação sexual e a atenção à saúde. A reivindicação da despatologização da transexualidade tem sido pauta de movimentos internacionais, como o Stop Trans Pathologization – STP e o GATE: Global Action For Trans*, que tem tomado grande importância nos movimentos trans nacionais (CARVALHO,2011). Estes movimentos pautam que sejam feitas mudanças na próxima edição da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, o CID-11. Na versão beta do CID-11, a Organização Mundial de Saúde propõe que “Incongruência de Gênero de Adolescentes e Adultos” e “Incongruência de Gênero na Infância” façam parte do novo capítulo: Capítulo 6 “Condições relacionadas à saúde sexual” (GATE, 2014). Da mesma forma que a gravidez não é tida como patologia e tem acesso garantido aos serviços de saúde, a incongruência de gênero garantiria este acesso sem patologizar a identidade trans uma vez que a identidade de gênero deixa de ser um transtorno. Desta forma, é necessário considerar a construção da proposta de um novo capítulo para avançar na direção da despatologizaçao da diversidade de gênero e desconstruir a associação entre saúde trans e outras categorias patologizantes (GATE, 2014). 24 3.5 Considerações metodológicas em estudos envolvendo travestis Algumas variáveis podem apresentar singularidades quando se refere à população travesti brasileira numa ótica da análise epidemiológica da utilização de medicamentos. Idade O significado e a importância de variáveis como idade e sexo na farmacoepidemiologia não é tão direto como pode parecer à primeira vista. A idade pode ser um indicador de um estágio biológico, como a resistência ou não à toxicidade de determinados fármacos, ou um processo histórico, utilização de medicamentos que se tornaram obsoletos ou psicossociais, por exemplo, a fluidez que o conceito de saúde tem na construção cultural do nosso país e a percepção das pessoas sobre esse conceito. A importância social da idade cronológica pode variar de acordo com o tempo, sexo e o gênero; e a relação entre a idade cronológica, social ou psicológica também pode variar historicamente e culturalmente. As travestis mais velhas perdem espaço no mercado da prostituição, um dos mercados dos trabalhos, ficando muitas vezes desamparadas pelos familiares, namorados ou namoradas e amigas, terminando a vida em hospitais e abrigos (ANTUNES, 2010; NUH/UFMG, 2014). Além disto, a dificuldade de acesso aos serviços de saúde e a elevada violência cotidiana contribuem para que se registre um fato preocupante: a morte precoce. As estatísticas revelam que a expectativa de vida média das travestis gira em torno dos cinquenta anos (ANTUNES, 2010; LOURENÇO, 2009). Gênero e sexualidade O gênero pode ser analisado de acordo com aspectos físicos, culturais, sociais, psicológicos e comportamentais. Estes aspectos podem variar histórica e culturalmente. Assim, apesar de ser possível fazer a mensuração, da mesma forma que a idade, a identidade de gênero e sexualidade são de difícil conceituação quando se pretende traduzir sua relação quanto aos indicadores sociais e os resultados da saúde. 25 Etnia O termo etnia deve ser diferenciado de raça para a pesquisa epidemiológica e social. O termo se refere a uma herança cultural, econômica, linguística e as tradições religiosas assim como a forma em que a norma social lida com a sua inclusão ou marginalização; não é necessariamente o mesmo que nacionalidade, status de imigrante e/ou raça. É importante distinguir entre os vários elementos de diferenciação social e biológica que podem ser inferidas da categoria étnica ou racial. Muitas condições que de início foram assumidas como genéticas, depois de alguns estudos, demonstraram ser resultados da exposição ao ambiente, entenda ambiente como físico, psicológico e social, ou da interação entre genes e ambiente. Há vários problemas com o uso da “raça” na epidemiologia. Estes envolvem dificuldades de mensuração, heterogeneidade da população estudada, falta de clareza nos objetivos da pesquisa e uma interpretação etnocêntrica dos dados sem levar em consideração todos os fatores consequentes desta condição étnica. Segundo Crenshaw (2002), é importante ressaltar que a conexão de conjuntos identitários pode ou não gerar um empoderamento dos sujeitos, mas podem também relacionar feições raciais à discriminação de gênero. Há, por este motivo, uma necessidade de compreendermos como algumas categorias como raça, gênero e sexualidade se interseccionam. É proposto, neste aspecto, que a concepção básica do termo interseccionalidade produza formas de entender os reflexos de duas ou mais maneiras de subordinar pessoas. Decifrar esta subordinação tornaria possível asuperação do que podemos chamar de sobreposição de opressões. Assim, a travesti negra, neste caso, sofre por fatores que agem concomitantemente: racismo, discriminação de gênero e de sexualidade. Condição socioeconômica A condição socioeconômica é também uma variável importante para a farmacoepidepidemiologia, pois está relacionada ao acesso a serviços de saúde e qualidade de vida da população estudada. Como o termo “raça”, a variável classe 26 social pode ser mensurada de várias formas e a falta de um padrão pode prejudicar a avaliação exata dos objetivos e a clareza do conceito. Existem vários problemas com o uso desta variável, principalmente a dificuldade de comparações através do tempo por causa das mudanças nas habilidades exigidas, queda de prestígio de algumas ocupações e o aparecimento/desaparecimento de algumas ocupações. Além destes aspectos, temos que compreender que no contexto das travestis, observa-se na literatura que o gasto com a “produção da feminilidade” é elevado, sendo responsável por tornar ainda mais complexa a análise desta variável neste grupo social. Qualquer análise neste momento, mesmo que de forma mais completa e estruturada, seria uma simplificação grosseira da complexidade socioeconômica que é a realidade das travestis que realizam sexual.. Segundo Lourenço (2009), “o mercado de trabalho para travestis é muito limitado. Praticamente só são bem aceitas no ramo da estética, onde ocupam lugar como cabeleireiras e maquiadoras ou na moda como estilistas. Como esses mercados são sempre limitados, a prostituição acaba sendo o único meio de vida das travestis”. A falta de oportunidades é um dos principais problemas das travestis. Muitas abandonam os estudos por vergonha, devido ao preconceito enfrentado nas escolas. Um dos graves problemas da prostituição é que ela não oferece às travestis renda permanente e direitos trabalhistas. Unidade doméstica Unidade doméstica é definida como sendo pessoas que vivem juntas e compartilham hábitos de vida cotidiana, o que tem grande relevância para a epidemiologia. É considerada diferente de família ou de corresidentes, excluindo aqueles com comportamentos fora do padrão ou muito complexos. Há uma variação na estrutura das unidades domésticas entre os grupos étnicos, culturais e sociais. As travestis saem da casa dos pais muito jovens, na maioria das vezes expulsas. Após situações que envolvem a expulsão ou mesmo a rejeição da família biológica, as pensões ou casas de travestis são as mais procuradas. Segundo Lourenço (2009),“devido ao abandono das famílias, muitas travestis buscam apoio em suas amigas, que também são travestis ou madrinhas”. Raramente residem com 27 familiares, principalmente as que exercem a função de profissionais do sexo. A maioria divide aluguel com outras travestis. É uma constante a migração das travestis, de um município para outro, em busca de moradias. Ao buscarem formar “casas” de convivência entre travestis, elas criam novos laços muitas vezes ampliando a noção de família: ali elas constroem relações de afeto (SOUZA, 2014). Existem também as cafetinas, que podem ser as “mães” das travestis. Estas gerenciam casas ou pensões que “se coloca em oposição à casa paterna muito mais do que em contraste com a rua” (PELÚCIO, 2009). Larissa Pelúcio (2009) diz que a casa pode ser tanto um espaço de aprendizado dos cuidados que as “mães” tem com as “filhas”, de destensionamento do cotidiano da noite, quanto um ambiente de conflitos e duras cobranças. 28 4 MATERIAIS E MÉTODOS 4.1 Delineamento e local do estudo Estudo observacional do tipo corte transversal, quantitativo, descritivo realizado em travestis adultas que realizam trabalho sexual no município de Belo Horizonte no período de abril de 2012 a julho de 2014 e utilizaram hormônios para a transformação corporal. Este trabalho faz parte do projeto intitulado “Direitos e violência na experiência de travestis e transexuais na cidade de Belo Horizonte: construção de um perfil social em diálogo com a população” tem como foco a população de Travestis e Transexuais que exercem trabalhos sexuais no município de Belo Horizonte. Esta pesquisa é do Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania LGBT (Nuh) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), financiado pelo CNPq e Fapemig e está sob a coordenação do Prof. Marco Aurélio Maximo Prado. 4.2 População e critérios de elegibilidade Dentre as 141 travestis que participaram do Projeto “Direitos e violência na experiência de travestis e transexuais na cidade de Belo Horizonte: construção de um perfil social em diálogo com a população – Projeto TRANS” foram selecionadas 130 participantes que cumpriam todos os critérios de inclusão estabelecidos para este estudo. Os critérios de elegibilidade deste estudo incluem as travestis com idade igual ou superior a 18 anos, que realizem trabalho sexual em Belo Horizonte, no estado de Minas Geais, tenham feito uso de medicamento hormonal (anticoncepcional oral ou injetável) para transformação corporal e que aceitem participar e assinar o Termo de consentimento Livre e Esclarecido (Anexo A). 29 4.3 Critérios éticos O projeto “Direitos e violência na experiência de travestis e transexuais na cidade de Belo Horizonte: construção de um perfil social em diálogo com a população” foi submetido à aprovação, inclusive em seus aspectos éticos, ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (COEP-UFMG). Nos termos dos artigos 196/96 e 251/97 do Conselho Nacional de Saúde, este projeto preservou todos os aspectos éticos da legislação supracitada. Cumprindo esses requisitos, dados como nome do paciente, CPF, dentre outros, foram substituídos por um identificador único na base de dados para garantir a confidencialidade dos indivíduos. O princípio de confidencialidade foi rigorosamente cumprido e providências foram tomadas para evitar quebra de sigilo das informações relativas aos participantes do estudo. Os formulários contendo os dados coletados foram mantidos em arquivo fechado e estiveram disponíveis somente para a equipe de investigação. Os entrevistados foram esclarecidos a respeito dos objetivos da pesquisa. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), conforme a Resolução 196/96, foi entregue aos pacientes e foi solicitada assinatura deles se concordarem com a participação no estudo. Somente foram coletados dados relativos àqueles que concordaram em participar e assinar o TCLE (Anexo A). O indivíduo foi informado sobre os benefícios do estudo e que poderia interromper sua participação no momento em que desejasse fazê-lo. Os dados analisados são apresentados de forma agregada e nenhuma característica de identificação de qualquer participante consta na descrição dos resultados. 4.4 Instrumento para coleta de dados e procedimentos Foram realizadas entrevistas às participantes que cumpriram os critérios de elegibilidade do Projeto “Direitos e violência na experiência de travestis e transexuais na cidade de Belo Horizonte: construção de um perfil social em diálogo 30 com a população” realizado pelo Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania LGBT da Universidade Federal de Minas Gerais (NUH-UFMG). 4.4.1 Instrumentos Utilizou-se um questionário com questões abertas e fechadas, que teve como objetivo obter informações referentes às características sociodemográficas, escolaridade, família, religião, migração/moradia, trabalho sexual, outros trabalhos, transformação do corpo, saúde, uso de preservativo/camisinha, política pública, violência, uso do tempo/lazer e cotidiano. Também foram aplicadas questões para avaliar a utilização de medicamentos hormonais para a transformação do corpo das entrevistadas, tornando a resposta positiva um critério de seleçãopara este estudo específico. 4.4.2 Procedimentos A técnica da coleta foi baseada em entrevista estruturada à participante durante o período de abril de 2012 a julho de 2014. O grupo de pesquisadores se reuniu sistematicamente para familiarização, discussão e treinamento com os instrumentos e todos os procedimentos para a coleta de dados. Os dados necessários ao desenvolvimento deste estudo foram obtidos, especificamente, a partir da utilização dos seguintes instrumentos: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Anexo A) Questionário contendo 243 questões (Anexo B) Após o treinamento inicial, os entrevistadores realizaram a coleta de dados nos ambientes das áreas de trabalho sexual das travestis como ruas, praças, hotéis, em suas residências ou outro ponto de encontro. A seleção dos indivíduos que seriam convidados a participar do estudo foi por conveniência. 31 4.4.3 Variáveis O questionário foi previamente testado e padronizado e as variáveis investigadas foram agrupadas a saber: 1) dados sociodemográficos (e.g. idade, raça, estado conjugal, filhos, escolaridade (e.g. frequência à escola, aprovação, abandono escolar), família (e.g. Moradia conjunta com os pais, saída da casa dos pais), gastos mensais com estética; 2. Assunção identitária (identidade de gênero, atração sexual); 3) trabalho sexual (e.g. idade da primeira relação sexual a trabalho e renda); 5) transformação do corpo (e.g. idade que se utilizou roupas femininas pela primeira vez, idade de inicio do uso de hormônios, forma de conhecimento sobre os hormônios, problemas relacionados à utilização dos hormônios, uso de silicone industrial, idade de inicio de uso de silicone industrial, modo de acesso ao silicone industrial, uso de prótese de silicone, idade de inserção de prótese de silicone, forma de acesso à prótese de silicone,); 6) saúde (e.g. plano privado de saúde, consulta médica nos últimos 12 meses, uso de drogas lícitas e ilícitas, morbidades, auto percepção da condição de saúde, processo de transexualização) 7); Uso de Preservativo/Camisinha (e.g. uso durante o trabalho, teste para HIV e outras DSTs,); 8) violência (e.g. vítima de violência física, sexual, psicológica). As variáveis selecionadas para este estudos estão organizadas e descritas na Tabela 1. Tabela 1 – Variáveis selecionadas a serem analisadas - Projeto TRANS (NUH/UFMG), Belo Horizonte, MG Variáveis Descrição Categorias de análise Sociodemográficas: 1. Idade Número de anos completos no momento da entrevista Contínua 2. Etnia/Raça Etnia ou raça autodeclarada 1 = Branca 2 = Preta 3 = Parda 4 = Amarela 5 = Indígena 32 Tabela 1 – Variáveis selecionadas a serem analisadas - Projeto TRANS (NUH/UFMG), Belo Horizonte, MG Variáveis Descrição Categorias de análise 3. Situação conjugal Existência ou não de relação estável por parte da participante no momento da entrevista 1 = Casado/união 2 = Parceiro fixo 3 = Solteiro 4. Filhos Existência ou não de filhos declarado pela participante no momento da entrevista. 1 = Sim 0 = Não 5. Naturalidade Cidade e Estado onde a participante relata ter nascido 1 = Belo Horizonte 0 = Outras cidades 6. Migração Obtido de acordo com a cidade relatada de nascimento e a cidade de residência atual relatada. 1 = Imigrante 0 = Emigrante Escolaridade 7. Acesso à escola Ter frequentado ou não a escola até o momento da entrevista 0 = Não 1 = Sim 8. Escolaridade Número de anos completos da educação formal até o momento da entrevista 1 = Ensino Fudamental completo ou incompleto 2 = Ensino Médio completo ou incompleto 3 = Ensino Superior completo ou incompleto 4 = Pós Graduação 5 = Educação de Jovens e Adultos (EJA) Família 9. Vive com a família Viver ou não com a família 0= Sim 1= Não 10. Idade que deixou de viver com a família Idade que a participante deixou de viver com sua família. 1 = ≤ 15 anos 2 = > entre 15 e 17 anos 3 = ≥ 18 anos Média e desvio padrão Assunção identitária 33 Tabela 1 – Variáveis selecionadas a serem analisadas - Projeto TRANS (NUH/UFMG), Belo Horizonte, MG Variáveis Descrição Categorias de análise 11. Identidade de gênero & Gênero autoidentificado do indivíduo 1 = Travesti 2 = Mulher 3 = Transexual 4 = Homem 5 = Homossexual 12. Gênero do Parceiro Gênero do atual parceiro declarado pela participante no momento da entrevista 1 = Homem 2 = Mulher 3 = Travesti 4 = transexual 13. Gênero dos parceiros de uniões anteriores Se a entrevistada já teve relacionamento fixo com homem. 0= não 1= sim Se a entrevistada já teve relacionamento fixo com mulher. 0= não 1= sim Se a entrevistada já teve relacionamento fixo com travesti. 0= não 1= sim Se a entrevistada já teve relacionamento fixo com uma ou um transexual. 0= não 1= sim A entrevistada nunca teve relacionamento fixo. 0= não 1= sim 14. Atração Sexual Independente do trabalho da entrevistada, ela tem mais interesse, atração física ou amorosa por homens. 0= não 1= sim Independente do trabalho da entrevistada, ela tem mais interesse, atração física ou amorosa por mulheres. 0= não 1= sim Independente do trabalho da entrevistada, ela tem mais interesse, atração física ou amorosa por travestis. 0= não 1= sim Independente do trabalho da entrevistada, ela tem mais interesse, atração física ou amorosa por transexuais. 0= não 1= sim 34 Tabela 1 – Variáveis selecionadas a serem analisadas - Projeto TRANS (NUH/UFMG), Belo Horizonte, MG Variáveis Descrição Categorias de análise Independente do trabalho da entrevistada, ela tem mais interesse, atração física ou amorosa por lésbicas. 0= não 1= sim Independente do trabalho da entrevistada, ela tem mais interesse, atração física ou amorosa por gays. 0= não 1= sim Trabalho Sexual e Renda 15. Relação sexual por dinheiro pela primeira vez Idade declarada que a participante fez sexo por dinheiro pela primeira vez Contínua 16. Renda com trabalho sexual Renda mensal proveniente exclusivamente do trabalho sexual Contínua Transformação do corpo 17. Idade que usou roupas femininas pela primeira vez Idade relatada que a participante fez uso de roupas femininas pela primeira vez Contínua 18. Idade de início do uso de hormônios Idade relatada que a participante relata ter iniciado a utilização de hormônios para a transformação corporal. Contínua 19. Obtenção de conhecimento sobre os hormônios Forma relatada de tiveram conhecimento sobre a utilização de hormônios 1 = serviço de saúde público 2 = serviço de saúde privado 3 = colegas 4 = donas de casa 5 = bombadeiras/mão de fada 6 = farmacêutico 7 = outro 20. Problemas relacionados à utilização dos hormônios Relato de problemas relacionados ao uso dos hormônios. 0= não 1= sim Relato de quais foram os problemas relacionados à utilização dos hormônios. Resposta aberta 21. Uso de silicone industrial, Se já fez ou não a aplicação de silicone industrial para transformação 0= não 35 Tabela 1 – Variáveis selecionadas a serem analisadas - Projeto TRANS (NUH/UFMG), Belo Horizonte, MG Variáveis Descrição Categorias de análise corporal. 1= sim 22. Idade de inicio de uso de silicone industrial Idade relatada que fez a aplicação de silicone industrial pela primeira vez. 1 = serviço de saúde público 2 = serviço de saúde privado 3 = colegas 4 = donas de casa 5 = bombadeiras/mão de fada 6 = por conta própria 7 = outros 23. Forma de acesso ao silicone industrial, Relato de como realizou a aplicação do silicone industrial para transformação corporal. 1 = serviço público de saúde 2 = serviço privado de saúde 3 = Colegas 4 = Donas de casa 5 = Bombadeiras/mão de fada 6 = Outro 24. Uso de prótesede silicone Se já fez ou não inserção de prótese de silicone para transformação corporal. 0 = não 1 = sim 25. Idade de inserção de prótese de silicone, Idade relatada que fez a inserção de prótese de silicone para transformação corporal Média e desvio padrão 26. Forma de acesso à prótese de silicone Relato de onde fez a inserção de próteses de silicone para transformação corporal. 1 = serviço de saúde público 2 = serviço de saúde privado 3 = colegas 4 = donas de casa 5 = bombadeiras/mão de fada 6 = cirurgião clandestino 7 = outro 36 Tabela 1 – Variáveis selecionadas a serem analisadas - Projeto TRANS (NUH/UFMG), Belo Horizonte, MG Variáveis Descrição Categorias de análise Saúde 27. Plano privado de saúde Possui ou não plano privado de saúde. 0 = não 1 = sim 28. Consulta médica nos últimos 12 meses Quantidade de consultas médicas realizadas nos 12 meses anteriores à entrevista. Contínua 29. Uso de drogas lícitas e ilícitas Se já fez ou não a utilização de álcool alguma vez na vida. 0 = não 1 = sim Se já fez ou não a utilização de tabaco alguma vez na vida. 0 = não 1 = sim Se já fez ou não a utilização de alguma droga ilícita alguma vez na vida. 0 = não 1 = sim 30. Morbidades Se algum médico ou profissional de saúde diagnosticou depressão. 0 = não 1 = sim Se algum médico ou profissional de saúde diagnosticou outras doenças psiquiátricas. 0 = não 1 = sim Se algum médico ou profissional de saúde diagnosticou tuberculose. 0 = não 1 = sim Se algum médico ou profissional de saúde diagnosticou hipertensão 0 = não 1 = sim Se algum médico ou profissional de saúde diagnosticou “Colesterol Alto” – Hipercolerestemia. 0 = não 1 = sim Se algum médico ou profissional de saúde diagnosticou doenças hepáticas. 0 = não 1 = sim Se algum médico ou profissional de saúde diagnosticou problemas renais. 0 = não 1 = sim Se algum médico ou profissional de saúde diagnosticou problemas cardíacos. 0 = não 1 = sim Se algum médico ou profissional de saúde diagnosticou HIV/AIDS 0 = não 37 Tabela 1 – Variáveis selecionadas a serem analisadas - Projeto TRANS (NUH/UFMG), Belo Horizonte, MG Variáveis Descrição Categorias de análise 1 = sim Se algum médico ou profissional de saúde diagnosticou gonorreia. 0 = não 1 = sim Se algum médico ou profissional de saúde diagnosticou sífilis. 0 = não 1 = sim 31. Autopercepção da condição de saúde, Como a participante avalia a sua condição geral de saúde. 1 = Muito boa 2 = boa 3 = razoável 4 = ruim 5 = péssima 32. Já iniciou processo de transexualização no SUS; Relato de início ou não do processo de transexualização no Sistema Único de Saúde 0 = não 1 = sim 33. Pretende iniciar processo de transexualização; Relato se pretende ou não do processo de transexualização no Sistema Único de Saúde 0 = não 1 = sim Uso de Preservativo 34. Uso de preservativo nas relações sexuais Relato de uso de preservativos durante as relações sexuais nos 6 meses anteriores à entrevista. 0 = não 1 = sim 35. Realização de teste para HIV ou outras DSTs Realizou ou não exame diagnóstico para HIV e outras DSTs nos 12 meses anteriores à entrevista. 0 = não 1 = sim 36. Setor de realização de teste para HIV ou outras DSTs Serviço de saúde em que realizou exame diagnóstico para HIV e outras DSTs 0= Setor privado de saúde 1= Setor público de saúde Violência 37. Vítima de violência física Se já foi vítima de violência física, entendida como tapa, pedrada, arma de fogo, arma branca, soco, puxão de cabelo, beliscão, assalto, ovada, cuspe, lixo ou similares. 0 = não 1 = sim 38 Tabela 1 – Variáveis selecionadas a serem analisadas - Projeto TRANS (NUH/UFMG), Belo Horizonte, MG Variáveis Descrição Categorias de análise 38. Vitima de violência sexual Se já foi vítima de violência sexual, entendida como sexo forçado/estupro, práticas não previamente combinadas, assédio sexual. 0 = não 1 = sim 39. Vitima de violência psicológica Se já foi vítima de violência psicológica, entendida como olhares, xingamentos, ameaças, ironia, assédio moral, chantagem ou extorsão. 0 = não 1 = sim 4.5 Análise dos dados Foi realizada uma análise descritiva da população por meio de distribuições de frequências para as variáveis categóricas e medidas de tendência central e de dispersão para as variáveis contínuas estudadas. As informações coletadas foram digitadas em banco de dados no software Statistical Package for Social Sciences® (SPSS®), que foi utilizado em um primeiro momento para a elaboração da máscara e extração dos dados dos questionários, havendo então migração do banco de dados gerado para o Epi Info™ 3.5.4, onde foram feitas a análise estatística e os dados foram organizados na forma de tabelas e gráficos. 39 5 RESULTADOS A Figura 1 ilustra o fluxograma de seleção e inclusão das participantes do estudo. Figura 1: Fluxograma das etapas de seleção e inclusão das participantes do estudo. Os principais resultados encontrados neste estudo estão sintetizados na tabelas 2 e 3. A Tabela 2 traz os dados referentes às características sociodemográficas, família, assunção identitária, trabalho sexual e renda, transformação do corpo, saúde, uso de preservativo e violência. Tabela 2 – Características descritivas da amostra de travestis que utilizaram hormônios para transformação corporal e realizam trabalho sexual, Belo Horizonte, 2013 (n = 130). No. n (%) Média (±DP) Sociodemográficas Idade & :: 130 27,4 (± 6,6) Cor da pele/Raça (Não branca): 130 101 (77,7) Estado conjugal: 130 Não possui parceiro: 74 (56,9) 40 Tabela 2 – Características descritivas da amostra de travestis que utilizaram hormônios para transformação corporal e realizam trabalho sexual, Belo Horizonte, 2013 (n = 130). No. n (%) Média (±DP) Relacionamento fixo, mas não vivem juntos: 35 (26,9) Casada/Vive com algum parceiro: 20 (15,4) Não sabe: 1 (0,8) Migração (imigrante): 130 91 (70,0) Acesso à escola (sim): 130 127 (97,7) Escolaridade 127 Ensino Médio completo ou incompleto: 76 (59,8) Ensino Fundamental completo ou incompleto: 39 (30,7) Ensino Superior completo ou incompleto: 11 (8,7) Educação de Jovens e Adultos (EJA): 1 (0,8) Família Moradia conjunta com os pais (Não): 130 112 (86,2) Idade que deixou de viver com os pais & : 112 17,98 (± 4,63) 18 anos ou mais: 55 (49,1) Entre 15 e 17 anos: 37 (33,0) Menor que 15 anos: 18 (16,1) Não sabe: 2 (1,8) Assunção Identitária Identidade de Gênero/sexual 130 Travesti: 79 (60,8) Transexual: 37 (28,5) Mulher: 11 (8,5) Homossexual: 2 (1,5) Homem: 1 (0,7) Identidade de gênero do parceiro atual (homem): 57 56 (98,2) Identidade de gênero de parceiros anteriores Relacionamento fixo anterior com homem: 129 121 (93,8) Relacionamento fixo anterior com travesti: 129 16 (12,4) Relacionamento fixo anterior com mulher: 129 14 (10,8) Não teve relacionamento fixo anterior: 129 7 (5,4) Relacionamento fixo anterior com um(a) transexual: 129 2 (1,6) Trabalho Sexual e Renda Idade da primeira relação sexual por dinheiro & : 127 17,4 (±3,62) Menor que 18 anos: 76 (59,8) Renda mensal ¶ 124 5174,31 (±3641,97) Gasto mensal com estética ¶ : 122 813,39 (±983,22) Não gasta com estética: 5 (3,8) Saúde Plano Privado de Saúde (não) 130 98 (75,4) Número de consultas médicas no último ano 128 2,67 (±3,61) Uso de drogas lícitas e ilícitas Álcool 130 119 (91,5) Ilícitas 1 130 99 (76,2) Tabaco 130 86 (66,2) 41 Tabela 2 – Características descritivas da amostra de travestis que utilizaram hormônios para transformação corporale realizam trabalho sexual, Belo Horizonte, 2013 (n = 130). No. n (%) Média (±DP) Morbidades Depressão: 130 35 (26,9) Sífilis: 129 21 (16,3) Problemas renais: 130 20 (15,4) Doenças hepáticas: 129 11 (8,5) Outra doença psiquiátrica: 130 7 (5,4) Hipercolesterolemila: 130 7 (5,4) Hipertensão: 130 6 (4,6) HIV/AIDS: 130 6 (4,6) Diabetes: 130 4 (3,1) Problemas cardíacos: 129 4 (3,1) Gonorreia: 130 4 (3,1) Autopercepção da condição de saúde 130 Muito boa: 54 (41,5) Boa: 55 (42,3) Razoável: 21 (16,2) Iniciou processo transexualizador no SUS (não): 130 120 (92,3) Pretende realizar processo transexualizador (não): 126 101 (80,2) Uso de Preservativo e DSTs Uso de preservativo nas relações sexuais nos últimos 6 meses 130 Todas: 44 (33,8) Maioria: 66 (50,8) Menos da metade: 13 (10,0) Poucas: 6 (4,6) Nenhuma: 1 (0,8) Exame diagnóstico para HIV/AIDS e outras DSTs nos últimos 12 meses (sim): 130 85 (65,4) Serviço Público 85 55 (64,7) Violência Já foi vítima de violência física 2 (sim): 130 125 (96,2) Já foi vítima de violência sexual 3 (sim): 130 128 (98,5) Já foi vítima de violência psicológica 4 (sim): 130 129 (99,2) Transformação do Corpo Idade que começou a vestir roupas femininas & : 130 15,8 (±3,91) 15 anos ou menos: 66 (50,8) Uso de Prótese de Silicone (sim): 129 48 (37,2) Idade de inserção de Prótese de Silicone & : 47 22,40 (±4,73) 18 anos ou mais: 42 (89,4) Como obteve acesso à Prótese de Silicone 47 Serviço de Saúde Privado: 43 (91,5) Cirurgião clandestino: 3 (6,4) Colegas: 1 (2,1) Idade de inicio de uso de hormônios: 130 16,8 (±3,81) Conhecimento sobre os hormônios (colegas) 112 42 Tabela 2 – Características descritivas da amostra de travestis que utilizaram hormônios para transformação corporal e realizam trabalho sexual, Belo Horizonte, 2013 (n = 130). No. n (%) Média (±DP) Colegas: 110 (98,2) Serviço Público de Saúde: 2 (1,8) Problemas com os hormônios (sim): 130 43 (33,1) Uso de Silicone Industrial (sim): 130 83 (63,8) Idade de aplicação de Silicone Industrial & : 83 20,71 (±3,76) Como obteve acesso ao Silicone Industrial 83 Bombadeira 78 (94,0) Serviço Privado de Saúde * 2 (2,4) Colegas 1 (1,2) Por conta própria 1 (1,2) 1 Maconha, Cocaína, Crack, Ecstasy, LSD ou 2 Tapa, pedrada, arma de fogo, arma branca, soco, puxão de cabelo, assalto, cuspe, lixo, ovada ou similares. 3 Sexo forçado ou estupro 4 Olhares, xingamentos, ameaças, ironia, assedio moral, chantagem ou extorsão. * A utilização de silicone industrial para fins médicos não é autorizada no Brasil. & anos ¶ reais 5.1 Características Sociodemográficas Observou-se que as participantes do estudo possuíam a média da idade de 27,4 anos (±6,6), com a idade mínima de 18 e máxima de 48 anos e 77,7% (101) declaram serem não-brancas (50,8% (66) parda, 17,7% (23) negra, 1,5% (2) amarela e 7,7% (10) indígena). Quanto ao estado conjugal, 74 (56,9%) relatam não possuírem parceiro fixo, 35 (26,9%) possuem relacionamento fixo, mas não vivem com o parceiro e 15,4% (20) relatam serem casadas ou viverem com algum parceiro. Duas participantes (0,8%) responderam “não sabe” para esta pergunta no momento da entrevista. Observou-se que 83,8% da amostra (109 participantes) relatam ter nascido em cidade diferente de Belo Horizonte. No período da pesquisa, 85,4% (111 participantes) responderam viver atualmente em Belo Horizonte. Observou-se, então, que 70% (91) são imigrantes, ou seja, nasceram em outras cidades e vivem em Belo Horizonte. 43 Quanto ao acesso à escola, 97,7% (127) relatam terem frequentado à escola em algum momento da vida. Dentre as travestis que relataram terem frequentado à escola, 59,8% (76) relatam terem cursado entre a primeira série do ensino médio e a conclusão do ensino médio; 30,7% (39) relatam terem concluído o ensino fundamental ou menos; 8,7% (11) cursaram até Ensino Superior Completo ou Incompleto e 0,8% relatam terem cursado Ensino de Jovens e Adultos (EJA). Entre todas as travestis participantes, 86,2% (112) relatam não viverem com a família. Entre as que relataram não viver com a família, 49,1% (55) deixaram de viver com a família com idade superior a 18 anos, 33% (37) deixaram de viver com sua família com idade superior a 16 anos e inferior a 18 anos e 16,1% (18) deixaram de viver com a família com menos de 15 anos. Observou-se, então, que 49,1% (55) das participantes deixaram de viver com a família com idade inferior a 18 anos. A média da idade que deixaram de viver com a família é 17,98 (±4,63) anos e a menor idade relatada é de 10 anos e a maior de 45 anos. Em relação aos filhos, três participantes (2,3%) relatam possuir filhos. Apenas uma participante não respondeu “Não sabe”. 5.2 Assunção Identitária Quanto à identidade de gênero, 89,3% se identificam como travesti ou transexual (60,8% (79) se identificam como travesti, 28,5% (37) como transexual). Aproximadamente 9% se identificam como mulher, 1,5% como homossexual e 0,8% como homem. De 57 travestis que responderam possuir parceiro fixo atual, 98,2% (56 participantes) identificam seu parceiro atual como homem, 0,9% (1) identificam como mulher. Quanto à identidade de gênero de parceiros fixos anteriores, em questões independentes, observou-se que 93,8% (121) entrevistadas que responderam esta questão responderam já terem tido relacionamento fixo com homem, 12,4% (16) com travesti, 10,8% (14) com mulher, 5,4% (7) relataram nunca terem se relacionado de forma fixa e 1,6% (2) responderam já terem se relacionado de forma fixa com uma pessoa transexual. Em todas estas questões responderam 129 participantes do estudo. 44 Quanto ao interesse, atração física ou sexual, independente do trabalho, em questões independentes, observou-se que 97,7% (127) de todas as participantes possuem maior interesse por homens, 10,8% (14) por gays, 1,5% (2) por mulheres e 1,5% (2) por travestis. Nenhuma participante respondeu ter maior interesse por lésbicas ou transexuais masculinos ou femininos. 5.3 Trabalho Sexual e Renda A média da idade em que as participantes relataram terem feito sexo por dinheiro pela primeira vez é de 17,0 anos (±3,6 anos), com a idade mínima de 9 anos e a máxima de 28 anos. Quase 60% (76) das participantes informaram terem feito sexo por dinheiro pela primeira vez com idade menor que 18 anos. A média da renda mensal com trabalho sexual é de 5174,3 (±3642,0) reais. A renda mensal com trabalho sexual variou de 800 reais a vinte mil reais. A quantia que mais se repetiu é de 4000,0 reais mensais A média do gasto mensal com estética, informado pelas participantes, foi de 813,4 reais (± 983,2 reais), variando entre nenhum gasto até oito mil reais mensais. Dentre as 130 participantes, 3,8% (5) da amostra relatam não gastar com estética e 9,2% (12) não respondeu a pergunta. 5.4 Saúde Observou-se que 75,4% (98) não possuem plano privado de saúde, 23,8% (31) relatam possuir e 0,8% (1) das participantes responderam “Não sabe” para a pergunta. Um quarto das 128 respondentes desta questão não realizou consulta médica nos últimos 12 meses. A média da quantidade de consultas médicas nos 12 meses anteriores à entrevista é de 2,7 (±3,6) variando entre nenhuma consulta e 24 consultas no ultimo ano. 45 Em relação ao uso de drogas lícitas e ilícitas, 91,5% (119) relataram já ter feito o uso de bebida alcóolica, 76,2% (99) de alguma droga ilícita e 66,2% (86) cigarro ou tabaco. Consideramos droga ilícita as seguintes drogas: maconha, cocaína, crack, ecstasy, LSD (Dietilamida do Ácido Lisérgico) e heroína. No que diz respeito às morbidades, 26,9% (35) relatam terem tidodiagnóstico de depressão, por algum profissional de saúde e 5,4% de alguma outra doença psiquiátrica. Aproximadamente 5% (7) relatam diagnóstico de “colesterol alto”/hipercolesterolemia, 4,6% (6) de hipertensão e 3,1% (4) relatam o diagnóstico de diabetes. Quanto à DSTs/AIDS, 4,6% (6) das participantes relataram ter recebido diagnóstico de HIV por algum profissional de saúde, 3,1% (4) de gonorreia e uma (0,8%) respondeu não saber. Em relação ao diagnóstico de sífilis, 16,2% (21) relataram ter recebido o diagnóstico de sífilis de algum profissional de saúde. Quanto aos demais diagnósticos, 15,7% (20) relataram terem recebido diagnóstico de algum problema renal, 8,5% (11) de alguma doença hepática e 3,1% (4) de algum problema cardíaco. A autopercepção das condições de saúde foi descrita como boa ou muito boa para 83,8% dos indivíduos. Mais de 90% não iniciaram o processo transexualizador no SUS. Aproximadamente 80,2% (101) relatam não terem interesse em realizar o processo, 18,3% (23) pretende inicia-lo e 1,6% (2) responderam não saber. 5.5 Uso de Preservativo Em torno de 66% (86) declaram não ter utilizado preservativo em todas as relações sexuais nos seis meses anteriores à entrevista. Quase a metade relata ter usado na maioria das vezes, 10,0% (13) em menos da metade das vezes, 4,6% (6) poucas vezes e 0,8% (1) em nenhuma vez. 46 Em relação aos exames diagnósticos para HIV e outras DSTs, 65,7% (85) relatam ter realizado os exames nos 12 meses anteriores à entrevista e dentre estes, a maioria (64,7%) realizou no serviço publico de saúde. 5.6 Violência Quanto à violência, 96,2% (125) relatam terem sofrido algum tipo de violência física. Como violência física se enquadram tapa, pedrada, arma de fogo, arma branca, soco, puxão de cabelo, beliscão, assalto, cuspe, lixo, ovada ou similares. Quase que a totalidade, 98,8% (128), relata ter sofrido algum tipo de violência sexual. Entende-se por violência sexual sexo forçado ou estupro, práticas não previamente combinadas, passadas de mão e assédio sexual. Da mesma forma, 99,2% (129) relataram terem sofrido algum tipo de violência psicológica, que se compreende em olhares, xingamentos, ameaças, ironia, chantagem ou extorsão e assédio moral. 5.7 Transformação do Corpo A média da idade que relatam iniciar a utilizar roupas femininas é de 15,3 anos (±3,9) anos, com a idade mínima de 2 anos e a máxima de 27 anos. 50,8% relataram terem iniciado a utilizar roupas femininas com idade menor ou igual a 15 anos. Em relação ao uso do silicone, 63,8% relatam já terem utilizado silicone industrial na transformação do corpo. A média da idade de inicio da utilização do silicone industrial é de 20,7 anos (± 3,8 anos) com a idade mínima de 12 anos e a máxima de 31 anos. A idade relatada que mais se repetiu é 19 anos. Aproximadamente 81% iniciaram o uso de silicone industrial com idade igual ou superior a 18 anos. Entre as travestis que relatam terem utilizado silicone industrial para a transformação corporal, 94,0% (78) informam que a forma de utilização foi por meio de bombadeiras ou mão de fada. As demais relatam a forma de utilização por meio de serviço privado de saúde (2,4%), colegas (1,2%) ou por conta própria (1,2%). 47 Dentre as 129 participantes que responderam a questão relacionada ao uso de próteses de silicone, 37,2% (48) relatam terem feito uso de próteses de silicone. A média da idade de inicio da utilização de prótese de silicone para transformação do corpo, relatada pelas participantes, é de 22,68 anos (± 4,73 anos), com a idade mínima de 16 anos e a máxima de 38 anos. 89,4% iniciaram o uso de prótese de silicone com idade igual ou superior a 18 anos. A idade relatada que mais se repetiu foi 18 anos. Entre as participantes, 94,0% (78) informam que a forma de utilização foi por meio do serviço de saúde privado. As demais relatam a forma de utilização por meio de cirurgião clandestino foram relatadas por 3 participantes (6,4%) e colegas por uma participante (2,1%). 5.7.1 Utilização de hormônios A média de idade de início de utilização de hormônios é de 16,8 anos (±3,8 anos), com a idade mínima de 10 anos, a máxima de 30 anos e a idade relatada que mais se repetiu é 15 anos. Ao redor de 64% (83) das participantes relataram iniciar de utilização com idade menor que 18 anos. Aproximadamente 98,% (110) das participantes relataram a obtenção de conhecimento sobre o uso de hormônios e anticoncepcionais por meio de colegas, em contraste com apenas 1,8% (2) que obtiveram as informações em serviço público de saúde. Dentre as participantes, 33,1% (43) relatam terem tido algum problema decorrentes da utilização de hormônios. Dentre as 43 participantes que relataram algum problema decorrente do uso de hormônios, 41 relataram os principais eventos ocorridos. Entre os 59 eventos relatados, os mais frequentes foram enjoo/náusea/vômitos com 20,3% dos casos (12), depressão com 6,8% (4), estresse/nervosismo com 6,8% (4), tontura com 6,8% (4), aumento de peso com 5,1% (3) e dor de estômago/gastrite com 5,1% (3) dos casos. Na tabela 3, estão apresentados os principais problemas decorrentes da utilização de hormônios (anticoncepcionais) para a transformação do corpo. 48 Tabela 3 – Principais problemas decorrentes da utilização de medicamentos hormonais para a transformação corporais pelas travestis de Belo Horizonte. (n=59). Eventos adversos n (%) Enjoo, Náusea ou vômito: 12 (20,3) Depressão: 4 (6,8) Estresse ou nervosismo: 4 (6,8) Tontura: 4 (6,8) Aumento de peso: 3 (5,1) Gastrite ou dor no estômago: 3(5,1) 49 6. DISCUSSÃO Observa-se que a faixa etária das participantes deste estudo não difere da relatada em outros estudos, predominantemente jovem. A maior idade relatada foi de 48 anos, o que se relaciona ao fato do trabalho sexual exigir a juventude (ANTUNES, 2010). Também, não podemos de deixar de considerar que a média da expectativa de vida da população travesti é em torno dos 50 anos (PELÚCIO, 2009). A grande maioria das travestis declara ser não-branca. A questão racial é um importante determinante nas relações sociais, devido às instituições jurídicas, econômicas e políticas, o imaginário social e os indicadores de comportamento (culturais) serem articulados com viéses racistas, machistas e transfóbicos. Desta forma, segundo Rodrigues (2013), a travesti negra [...] sofre por fatores que agem concomitantemente: racismo, preconceitos de gênero e de sexualidade. Quando falamos de racismo, nos referimos à “uma consciência grupal totalizante que tem como papel reservar o monopólio dos recursos, para a, nomeada fração fenotípica- racial dominante” (MOORE, 2011 apud RODRIGUES, 2013). Existem poucos estudos que abordam as questões migratórias específicas às travestis entre as cidades e estados do Brasil. Garcia (2008), aponta que a emigração forçada é decorrente de fuga a violências ou situações conflituosas. Neste estudo, observou-se que 70% das participantes não nasceram em Belo Horizonte e atualmente residem nesta cidade. Conforme observado neste estudo, a grande maioria das travestis não vive com os pais. Elas deixam de viver com os pais muitos jovens, muitas com idade inferior à 18 anos. Segundo Larissa Pelúcio (2009), as travestis “saem cedo de casa, em torno nos 14 anos”. Neste estudo, a menor idade relatada foi de 10 anos e 16,1% deixaram de viver com os pais com menos de 15 anos. Esta saída precoce da casa dos pais pode estar relacionada com a o início da utilização de hormônios, consequentemente das transformações corporais que não são aceitas pelos familiares e amigos da família. 50 Confirmando os dados presentes na literatura nacional e internacional, as travestis que participaram deste estudo não identificam seu gênero quanto
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