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See discussions, stats, and author profiles for this publication at: https://www.researchgate.net/publication/326693227 Direito à Educação - Aspectos Constitucionais Book · January 2009 CITATIONS 2 READS 1,952 1 author: Some of the authors of this publication are also working on these related projects: Brasil 25 anos de Democracia View project Nina Stocco Ranieri University of São Paulo 92 PUBLICATIONS 104 CITATIONS SEE PROFILE All content following this page was uploaded by Nina Stocco Ranieri on 13 August 2018. The user has requested enhancement of the downloaded file. https://www.researchgate.net/publication/326693227_Direito_a_Educacao_-_Aspectos_Constitucionais?enrichId=rgreq-5a4516bc9b25b6d3665236ff49d5c714-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMyNjY5MzIyNztBUzo2NTkwNTgzNzc4ODc3NDRAMTUzNDE0MzE3MDc2MA%3D%3D&el=1_x_2&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/publication/326693227_Direito_a_Educacao_-_Aspectos_Constitucionais?enrichId=rgreq-5a4516bc9b25b6d3665236ff49d5c714-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMyNjY5MzIyNztBUzo2NTkwNTgzNzc4ODc3NDRAMTUzNDE0MzE3MDc2MA%3D%3D&el=1_x_3&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/project/Brasil-25-anos-de-Democracia?enrichId=rgreq-5a4516bc9b25b6d3665236ff49d5c714-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMyNjY5MzIyNztBUzo2NTkwNTgzNzc4ODc3NDRAMTUzNDE0MzE3MDc2MA%3D%3D&el=1_x_9&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/?enrichId=rgreq-5a4516bc9b25b6d3665236ff49d5c714-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMyNjY5MzIyNztBUzo2NTkwNTgzNzc4ODc3NDRAMTUzNDE0MzE3MDc2MA%3D%3D&el=1_x_1&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/profile/Nina-Ranieri-2?enrichId=rgreq-5a4516bc9b25b6d3665236ff49d5c714-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMyNjY5MzIyNztBUzo2NTkwNTgzNzc4ODc3NDRAMTUzNDE0MzE3MDc2MA%3D%3D&el=1_x_4&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/profile/Nina-Ranieri-2?enrichId=rgreq-5a4516bc9b25b6d3665236ff49d5c714-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMyNjY5MzIyNztBUzo2NTkwNTgzNzc4ODc3NDRAMTUzNDE0MzE3MDc2MA%3D%3D&el=1_x_5&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/institution/University-of-Sao-Paulo?enrichId=rgreq-5a4516bc9b25b6d3665236ff49d5c714-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMyNjY5MzIyNztBUzo2NTkwNTgzNzc4ODc3NDRAMTUzNDE0MzE3MDc2MA%3D%3D&el=1_x_6&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/profile/Nina-Ranieri-2?enrichId=rgreq-5a4516bc9b25b6d3665236ff49d5c714-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMyNjY5MzIyNztBUzo2NTkwNTgzNzc4ODc3NDRAMTUzNDE0MzE3MDc2MA%3D%3D&el=1_x_7&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/profile/Nina-Ranieri-2?enrichId=rgreq-5a4516bc9b25b6d3665236ff49d5c714-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMyNjY5MzIyNztBUzo2NTkwNTgzNzc4ODc3NDRAMTUzNDE0MzE3MDc2MA%3D%3D&el=1_x_10&_esc=publicationCoverPdf DIREITO À EDUCAÇÃO Aspectos Constitucionais coordenação Nina Beatriz Stocco Ranieri organização Sabine Righetti Direito_Educação Final.indd 5 20/3/2009 12:26:07 DIREITO À EDUCAÇÃO Direito_Educação Final.indd 3 20/3/2009 12:26:07 EDITORA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO Diretor-p residente Plinio Martins Filho COMISSÃO EDITORIAL Presidente José Mindlin Vice-presidente Carlos Alberto Barbosa Dantas Adolpho José Melfi Benjamin Abdala Júnior Maria Arminda do Nascimento Arruda Nélio Marco Vincenzo Bizzo Ricardo Toledo Silva Diretora Editorial Silvana Biral Editoras-assistentes Marilena Vizentin Carla Fernanda Fontana Reitora Suely Vilela Vice-reitor Franco Maria Lajolo UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO Direito_Educação Final.indd 4Direito_Educação Final.indd 4 07/05/2009 17:18:4407/05/2009 17:18:44 Direitos em reservados à Edusp – Editora da Universidade de São Paulo Av. Prof. Luciano Gualberto, Travessa J, 374 6o andar – Ed. da Antiga Reitoria – Cidade Universitária 05508-010 – São Paulo – SP – Brasil Divisão Comercial: Tel. (11) 3091-4008 / 3091-4150 SAC (11) 3091-2911 – Fax (11) 3091-4151 www.edusp.com.br – e-mail: edusp@usp.br Printed in Brazil 2009 Foi feito o depósito legal Copyright © 2009 by autores Ficha catalográfica elaborada pelo Departamento Técnico do Sistema Integrado de Bibliotecas da USP Ranieri, Nina. Direito à Educação / coordenação Nina Beatriz Stocco Ranieri; organização Sabine Righetti. – São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2009. 288 p.; 16 x 23 cm Inclui bibliografia. Apêndice: Os autores. ISBN 978-85-314-1147-2 1. Direito à educação (Brasil). 2. Educação. I. Righetti, Sabine. II. Título. CDD- 379.81 Direito_Educação Final.indd 6 20/3/2009 12:26:07 http://www.edusp.com.br mailto:edusp@usp.br 7 9 Apresentação Nina Beatriz Stocco Ranieri I. OS ASPECTOS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO À EDUCAÇÃO 19 A Educação. Direito Fundamental Monica Herman S. Caggiano 39 Os Estados e o Direito à Educação na Constituição de 1988: Comentários Acerca da Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal Nina Beatriz Stocco Ranieri 61 O Poder Judiciário e o Direito à Educação Eduardo Pannunzio 89 O Ensino Religioso nas Escolas Públicas Brasileiras: Do Direito à Liberdade de Crença e Culto ao Direito à Prestação Estatal Positiva Salomão Barros Ximenes II. OS SISTEMAS DE ENSINO E O MINISTÉRIO PÚBLICO SUMÁRIO Direito_Educação Final.indd 7 20/3/2009 12:26:07 SUMÁRIO 8 113 As Instituições de Educação Superior e as Autoridades Estatais: Autonomia e Controle Eduardo Martines Júnior 123 Atuação do Ministério Público para a Proteção do Direito à Educação Básica Adriana A. Dragone Silveira III. O DIREITO À QUALIDADE NA EDUCAÇÃO 145 Direito à Educação de Qualidade na Perspectiva Neoconstitucionalista Erik Saddi Arnesen 167 Padrão de Qualidade do Ensino Marcelo Gasque Furtado IV. REFLEXÕES SOBRE O ENSINO PRIVADO 185 A Natureza Jurídica do Serviço Prestado pelas Instituições Privadas de Ensino: Controvérsias sobre o Tema Luiz Gustavo Bambini de Assis 203 A Expansão do Ensino Superior no Brasil: A Opção pelo Privado Fernanda Montenegro de Menezes 219 A Exploração da Atividade Educacional pela Iniciativa Privada e seus Limites Legais Luiz Tropardi Filho V. EDUCAÇÃO E INCLUSÃO 241 A Educação Indígena e o Papel do Estado Sabine Righetti 257 Ações Afirmativas e Cotas no Ensino Superior: Uma Reflexão sobre o Debate Recente Camila Magalhães, Fernanda Montenegro Menezes e Sabine Righetti 285 Sobre os Autores Direito_Educação Final.indd 8 20/3/2009 12:26:07 9 Apresentação Nina Beatriz Stocco Ranieri Em 2006 foi criada na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo a primeira Cátedra Unesco de Direito à Educação do país, com o objetivo de promover estudos e pesquisas na área do direito à educação no sistema jurídico brasileiro e no direito internacional. O direito à educação está definido como parte indissociável da mis- são da Unesco, a instituição da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura. Expressa a crença, defendida por seus idealizadores, da necessidade de se criarem oportunidades iguais e ver- dadeiras de educação para todos. A Cátedra tem, além disso, o desejo de tornar realidade o ideal de igualdade de oportunidades educacionais, tal como apontado pelo Fórum Mundial da Educação, realizado em Dakar em 2000. Como se sabe, o direito à educação ocupa papel central no âmbito dos direitos humanos. É indispensável ao desenvolvimento e ao exercício dos demais direitos. Por dar acesso a outros direitos, ele se mostra, portanto, um instrumento fundamental, por meio do qual adultos e crianças mar- ginalizados, econômica e socialmente, podem emancipar-se da pobreza e obter os recursos necessários à sua plena participação no meio social. A Unesco criou seu Programa de Cátedras em 1991, com o objeti- vo de fortalecer o ensino superior nos países em desenvolvimento, uti- Direito_Educação Final.indd 9 20/3/2009 12:26:08 APRESENTAÇÃO 10 lizando mecanismos apropriados para intensificara cooperação entre universidades. Foram assinados acordos para criação de cátedras em mais de vinte países, cobrindo os mais diversos campos acadêmicos – das ciências naturais a questões ambientais e ecológicas, os tópicos de população, ciência e tecnologia, ciências sociais e humanas, ciências da educação, cultura e comunicação, como também a paz, a democracia e os direitos humanos. Na qualidade de professora do Departamento de Direito de Estado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, pude tomar as primeiras providências, com o apoio do diretor da Faculdade de Direito, professor João Grandino Rodas, para a criação desta Cátedra, da qual me tornei coordenadora. Os entendimentos tiveram início no final de 2006 quando, por iniciativa do Governo do Estado de São Paulo, foi realizado um seminário internacional com foco nos desafios e perspec- tivas do ensino superior público no Estado, do qual participou o doutor Kishore Singh – responsável na Unesco pela área de Educação Básica e Direito à Educação. Naquela ocasião, a Faculdade de Direito da USP foi integrada ao programa Unitwin/Unesco (University Education Twin- ning and Networking Scheme). O programa da Unesco tem por objetivo promover capacitação pela troca e compartilhamento de conhecimentos dentro de um espírito de solidariedade. Dessa forma, o programa entende a cooperação norte- sul e sul-sul como estratégia de aprimoramento das instituições par- ticipantes. São elas, na maioria, universidades e institutos de pesquisa que atuam em parceria com diversas e importantes organizações não- governamentais, fundações e instituições do setor público e privado. O Unitwin cria condições, portanto, para que aqueles que se dedicam ao ensino superior possam somar esforços com a Unesco para elaboração dos objetivos de uma agenda global. Ao iniciar seus trabalhos, a Cátedra ofereceu, durante 2008, a disci- plina Aspectos Constitucionais do Direito à Educação – I, no âmbito do mestrado em Direitos Humanos da Fdusp, com quinze alunos regular- mente matriculados e cinco alunos ouvintes. O livro que ora vem a lume – Direito à Educação I – em primorosa edição da Edusp, é o resultado das atividades de pesquisa desses alunos. Direito_Educação Final.indd 10 20/3/2009 12:26:08 DIREITO À EDUCAÇÃO: ASPECTOS CONSTITUCIONAIS 11 A temática é ampla. Abrange a problemática dos direitos fundamen- tais e do direito à educação, em particular, assim como os reflexos da organização federativa do país nos sistemas de ensino e a distribuição de competências entre a União, os Estados e os Municípios, na Consti- tuição Federal de 1988. Enfrenta ainda questões atuais concernentes à educação indígena, ao ensino religioso e às ações afirmativas; e percorre a jurisprudência recente do Supremo Tribunal Federal e a atuação do Ministério Público, em busca de indicadores que permitam avaliar a efe- tivação e a efetividade do direito à educação. Todos os artigos levantam aspectos teóricos e práticos do Direito à Educação, buscando disseminar o seu conteúdo. O livro é composto por cinco partes. A primeira delas é introdutó- ria, concentrando mais análises teóricas que práticas, os demais cuidam de temas específicos. A Parte I trata dos Aspectos Constitucionais do Direito à Educação em quatro capítulos, que intentam expandir possibilidades de promo- ção e proteção do direito, a saber: “A Educação. Direito Fundamental”; “Os Estados e o Direito à Educação na Constituição de 1988: Comentá- rios acerca da Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal”; “O Poder Judiciário e o Direito à Educação”; “O Ensino Religioso nas Escolas Pú- blicas Brasileiras: Do Direito à Liberdade de Crença e Culto ao Direito à Prestação Estatal Positiva”. Monica Herman S. Caggiano, em “A Educação. Direito Fundamen- tal”, faz notar que a trajetória histórica da doutrina dos Direitos Huma- nos indica a clara preocupação do homem – ou dos mais conscientes dos homens – com a sua instrução. É o que consta na Declaração Fran- cesa de 1789, na qual esta presente a ideia da impositiva necessidade de se assegurar acesso à educação e aos meios direcionados à emancipação intelectual e política do ser humano, integrante da comunidade social. Esse capítulo, ao pontuar a afirmação histórica do direito à edu- cação, introduz a temática de sua promoção e proteção pelo Judiciário, tratado em dois capítulos, de diferentes perspectivas. No primeiro deles, “Os Estados e o Direito à Educação na Constituição de 1988: Comentá- rios Acerca da Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal”, de minha autoria, são apontados os avanços alcançados até o momento na garan- Direito_Educação Final.indd 11 20/3/2009 12:26:08 APRESENTAÇÃO 12 tia do direito à educação, a partir da jurisprudência do STF posterior à Constituição Federal de 1988. É expressivo o aumento de casos indivi- duais e coletivos levados à apreciação do Tribunal, não só quando com- parado às Constituições brasileiras anteriores como também em relação às demandas judiciais de garantia dos demais direitos sociais. Ao que tudo indica, a sociedade brasileira, o Ministério Público e o Judiciário, vem percebendo a importância do direito à educação na construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Nesse sentido, destaco que as duas dimensões do direito à educação – direito individual e coletivo, e habili- tação de caráter instrumental – permitem a difusão da democracia, dos direitos humanos e da proteção do meio ambiente, valores cruciais no mundo contemporâneo. Em “O Poder Judiciário e o Direito à Educação” analisa as formas de garantia do direito à educação no sistema jurídico nacional e no in- ternacional. Nesse sentido, avalia a possibilidade de o direito à educação ser invocado perante órgãos com funções judiciais ou “quase-judiciais”, fazendo uma revisão da jurisprudência do STF nos vinte anos de vigência da Constituição Federal e dos principais órgãos do Sistema Global e Inte- ramericano de Proteção dos Direitos Humanos. Por Eduardo Pannunzio. Esta Parte é encerrada com a temática do ensino religioso e da liber- dade de culto. Em “O Ensino Religioso nas Escolas Públicas Brasileiras: Do Direito à Liberdade de Crença e Culto ao Direito à Prestação Estatal Positiva” o autor Salomão Barros Ximenes acompanha a trajetória do ensino religioso na legislação brasileira. Um ponto fundamental desta pesquisa reside no embate do ensino laico e do ensino religioso em tor- no da natureza da obrigação estatal neste campo. Na Parte II são analisadas as obrigações dos sistemas de ensino e a atuação do Ministério Público na Educação, com dois seguintes capí- tulos: “As Instituições de Educação Superior e as Autoridades Estatais: Autonomia e Controle”; “Atuação do Ministério Público para a Proteção do Direito à Educação Básica”. “As Instituições de Educação Superior e as Autoridades Estatais: Au- tonomia e Controle”, de autoria de Eduardo Martines Júnior, focaliza as dificuldades da análise jurídica dos amplos temas educacionais. Destaca que a educação chegou aos domínios do Direito, exigindo dos juristas Direito_Educação Final.indd 12 20/3/2009 12:26:08 DIREITO À EDUCAÇÃO: ASPECTOS CONSTITUCIONAIS 13 e profissionais militantes uma atuação interdisciplinar, influenciando e sofrendo interferências diversas. A educação como direito tem sido discutida entre os juristas como prioridade absoluta, de modo a com- bater a pobreza, o subdesenvolvimento econômico e social, e mesmo a criminalidade. Conclui que qualquer tentativa de solução para os graves problemas que enfrentamos passa pela priorização da educação. Já em “Atuação do Ministério Público para a Proteção do Direito à Educação Básica”, Adriana A. Dragone Silveira analisa, em detalhes, a atuação do Ministério Público ante a proteção do direito à educação bá- sica. Destaca a importância da prática do diálogo e dos benefíciosdo tra- balho conjunto do MP com a sociedade civil organizada. O artigo aponta, no entanto, alguns limites dessa instituição, como a dificuldade da exigi- bilidade de demandas relacionadas com a qualidade da educação. As preocupações com a qualidade de ensino constituem a temática da Parte III – O Direito à Qualidade na Educação. “Direito à Educação de Qualidade na Perspectiva Neoconstitucio- nalista”, de Erik Saddi Arnesen, propõe uma interpretação da exigência da qualidade na educação à luz da teoria neoconstitucionalista. Consi- dera que da perspectiva do Estado Constitucional de Direito ampliam- se as possibilidades de dar-se conteúdo jurídico, portanto exigível, à ex- pressão “direito à educação de qualidade”, de tal sorte que deixe de ser um ideal ou meta subjetiva ou intangível. Enumera, ainda, algumas das perplexidades que a expressão, no cotidiano, vem apresentado. Em “Padrão de Qualidade do Ensino”, Marcelo Gasque Furtado de- fende que, embora seja unânime a ideia de que a educação deva, em to- dos os níveis escolares, revestir-se de qualidade, há concepções diversas e até conflitantes sobre a definição dessa qualidade. Aponta algumas bali- zas que permitem pensar na concretude jurídica desse conceito, a partir das diretrizes estabelecidas na Constituição Federal, em especial no ar- tigo 206, VII, que estabelece a garantia de padrão de qualidade como um dos princípios orientadores do ensino em nosso país. O ensino privado, examinado na Parte IV, é o tema em torno do qual giram as preocupações de três autores. Denominado Reflexões so- bre o Ensino Privado, reúne os seguintes capítulos: “A Natureza Jurídica do Serviço Prestado pelas Instituições Privadas de Ensino: Controvérsias Direito_Educação Final.indd 13 20/3/2009 12:26:08 APRESENTAÇÃO 14 sobre o Tema”; “A Expansão do Ensino Superior no Brasil: A Opção pelo Privado”; “A Exploração da Atividade Educacional pela Iniciativa Priva- da e seus Limites Legais”. “A Natureza Jurídica do Serviço Prestado pelas Instituições Priva- das de Ensino: Controvérsias sobre o Tema”, focaliza a natureza jurídica do serviço de educação prestado por instituições privadas de ensino e a controvérsia doutrinária e jurisprudencial acerca desse tema. Destaca as discussões sobre o assunto, ocorridas no Supremo Tribunal Federal, o conceito de serviço público na doutrina nacional e estrangeira e ex- plora a noção de direito público subjetivo. Por Luiz Gustavo Bambini de Assis. O capítulo “A Expansão do Ensino Superior no Brasil: A Opção pelo Privado”, de Fernanda Montenegro de Menezes, busca destacar as formas mais utilizadas pelo governo para efetivação do direito à edu- cação, mais especificamente, para efetivação do direito à educação su- perior através de programas implementados em instituições privadas. Também analisa o processo histórico de surgimento e de expansão do ensino superior privado no Brasil. Luiz Tropardi Filho também cuida da expansão do ensino privado. Seu foco são os limites legais da atividade educacional. Confrontando a expansão acentuada do número de estabelecimentos educacionais pri- vados e a crescente intervenção estatal nessa atividade, levanta a hipótese de haver um conflito entre o interesse público envolvido na prestação dos serviços educacionais e o interesse privado daquele que explora a atividade. Diante desta constatação, o autor em “A Exploração da Ativi- dade Educacional pela Iniciativa Privada e seus Limites Legais”, pergun- ta-se como compatibilizar tais interesses e se é possível estabelecer um convívio pacífico entre a atuação privada e a atuação estatal. A Parte V finaliza a obra voltando-se à Educação e Inclusão, com artigos relevantes a propósito da educação indígena e da problemática das ações afirmativas. “A Educação Indígena e o Papel do Estado”, de Sabine Riguetti, re- flete sobre as recentes discussões no campo da educação indígena no Brasil, atentando para os aspectos jurídicos e institucionais que envol- vem o tema, na criação da Funai (Fundação Nacional do Índio), em Direito_Educação Final.indd 14 20/3/2009 12:26:08 DIREITO À EDUCAÇÃO: ASPECTOS CONSTITUCIONAIS 15 1967, no Estatuto do Índio, em 1973, e na inserção da questão da educa- ção indígena na Constituição Brasileira de 1988 e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), de 1996. Em “Ações Afirmativas e Cotas no Brasil: Uma Reflexão sobre o De- bate Recente” três autoras – Camila Magalhães, Fernanda Montenegro de Menezes e Sabine Righetti – analisam as ações afirmativas e as políti- cas de cotas para negors e indígenas com um recorte específico das cotas no ensino superior púbico para egressos de escolas públicas. O texto reproduz o estágio internacional e nacional das discussões sobre cotas no ensino superior, aborda os aspectos jurídicos do tema e analisa as experiências com políticas de inclusão. Pela diversidade e amplitude dos problemas focalizados pelos capí- tulos que o compõem, Direito à Educação I é, portanto, leitura indicada para os que se dedicam ao estudo do Direito à Educação e dos Direi- tos Humanos em geral, tanto no nível de graduação ou pós-graduação, quanto para pedagogos e juristas atraídos pela importância do Direito à Educação. Num país onde não há tradição de defesa individual e coletiva desse direito, a reflexão sobre o tema e a disseminação de doutrina e ju- risprudência neste campo são extremamente bem vindas e oportunas. Fevereiro de 2009 Direito_Educação Final.indd 15 20/3/2009 12:26:08 I OS ASPECTOS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO À EDUCAÇÃO Direito_Educação Final.indd 17 20/3/2009 12:26:08 19 Introdução Transcorridos mais de duzentos anos do impacto das primeiras De- clarações de Direitos1 e apesar dos inúmeros documentos internacio- 1. Cuida-se aqui das declarações americanas, de nítida inspiração religiosa, impreg- nadas pela filosofia jusnaturalista e pela tradição liberal inglesa: a. a Declaração de Direitos do Bom Povo de Virgínia, estabelecida pela assembléia constituinte do Estado de Virgínia e promulgada com o texto da Constituição, em 12 de junho de 1776; b. a Declaração de Inde- pendência dos Estados Unidos, documento que tem origem em proposta do General Lee, em nome de Virgínia, aprovada pelo 2o Congresso Continental, recebendo na sua redação final o título de Declaration of Independence veio a ser aprovada na sessão de 4 de julho de 1776; c. a A Constituição dos Estados Unidos, de 1787, documento produzido pela Convenção Cons- titucional de Philadelphia, que abriu seus trabalhos em 25 de maio de 1787, apresentando um quorum de sete estados, com o fim de debater e deliberar a revisão dos “Articles of Con- federation”. Em 17 de setembro do mesmo ano, os delegados de doze Estados aprovaram a nova Constituição, sendo que, dos 42 presentes, 39 a subscreveram. O novo documento constitucional conquistou eficácia em 21 de junho de 1788, quando o nono Estado norte- americano (New Hampshire), o ratificou; d. as dez Emendas da Ratificação da Constituição dos Estados Unidos (Bill of Rights de 1790), conformam um texto que decorre de um trabalho preparado por James Madison e apresentado ao Congresso (Câmara dos Representantes), já sob o título de Bill of Rights, sendo aprovadas, nessa fase, doze emendas que, a seguir foram encaminhadas aos Estados para fins de ratificação. Em 15 de dezembro de 1791, o Estado de Virgínia ratifica o texto, mas apenas dez das emendas passam a integrar o texto da Consti- A Educação. Direito Fundamental Monica Herman S. Caggiano Direito_Educação Final.indd 19 20/3/2009 12:26:08 MONICA HERMAN S. CAGGIANO 20 nais2 que vêm denotar a especial e intensa atenção que o mundo moder- no dispensa à proteção dos direitos fundamentais, direitos do homem e do cidadão, paradoxalmente, pouco se avançou em termos fáticos. A imprensa e a mídia se encarregam de denunciar profundos pontos de vulnerabilidade:discriminação racial, discriminação da mulher, discri- minação religiosa e a educação contemplando poucos – uma elite. O reduzido avanço que se alcançou, em parte, pode ser atribuído à própria evolução do mundo, de modo muito acelerado e diante de um processo de globalização que conduz a novos comportamentos e a novas demandas. Nesta perspectiva, oportuno o registro de que até nas so- ciedades mais evoluídas, como o desenvolvido mundo europeu, o tema educação passa, novamente, a trazer inquietudes diante do fenômeno imigratório que impacta os países com o advento de um contingente de alunos de culturas diferentes, línguas diferentes, preparo diferente e que reclama das autoridades novas medidas para atender e qualificar esta diferenciada clientela. É o caso da Alemanha e da Itália que buscam no- tuição norte-americana, passando a primeira emenda a ser rotulada de expressão da garantia dos fundamental rights, vindo ali registrada a liberdade de manifestação do pensamento, a liberdade de opinião, a liberdade religiosa (free exercise clause) e a establishment clause, re- conduzindo a lei às suas finalidades seculares. E mais, ainda, na França, da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de 1789. Conquanto, historicamente não se afigure pio- neira ao utilizar essa fórmula de documento escrito e solene para proclamar, arrolados num elenco ordenado, os direitos do homem, parece certo afirmar que o texto é o que mais reflexos produziu no mundo, operando nítida e potente influência sobre a elaboração de toda uma doutrina edificada girando em torno do tema “direitos humanos”, e, por isso, a que mais se notabilizou pela iniciativa. 2. Tratado de Versalhes, 28.6.1919 (OIT); Constituição soviética de 1936; Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948; Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, Bogotá, 1948; Estatuto do Conselho da Europa, de 1949; Convenção contra a discri- minação no campo da educação (Unesco, 14.12.1960); Convenção Internacional sobre a eli- minação de todas as formas de discriminação racial de 1965; Pacto Internacional relativo aos Direitos Civis e Políticos, 1966; Pacto Internacional relativo aos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966; Convenção Americana Relativa aos Direitos do Homem (Pacto de São José da Costa Rica), de 1969; Ato Final de Helsinki, de 1975; Recomendação sobre a Educação para a Compreensão, a Cooperação e a Paz internacionais e a Educação relativa aos Direitos Humanos e às Liberdades Fundamentais, da ONU, de 1974; Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação das Mulheres, de 1979; Convenção sobre o Direito da Criança, de 1989; Declaração Universal da Unesco sobre o genoma humano, de 1997. Direito_Educação Final.indd 20 20/3/2009 12:26:08 DIREITO À EDUCAÇÃO: ASPECTOS CONSTITUCIONAIS 21 vas fórmulas para enfrentar a emergente fenomenologia e incrementar a qualidade do ensino3. Daí o renovado interesse no debate sobre este especialíssimo tópico. O seu adequado enquadramento no contexto atual, num mundo atingi- do pelo processo de globalização que importa, inclusive, um recrudes- cimento de atitudes e a imposição de um novo tratamento desse velho e sempre presente problema. Na aldeia global a que se referem Brecher e Costello (1998), que descortina grupos e forças sociais em contínua competição, a atual tarefa dos homens consubstancia-se em edificar um sistema de tutela mais adequado e pré-ordenado à concreta defesa dos Direitos Humanos, inclusive do direito à educação e, primordialmente, a promoção da educação para direitos humanos fundamentais. Oportuna e meritória a iniciativa quanto à abordagem dessa maté- ria, inserindo-a no contexto de uma obra dedicada ao estudo da promo- ção da educação pelo Direito, porquanto para alcançar o status civitatis, definido pela ordem jurídica, é mister – e mais que isto – é condição insuperável o incremento da educação, conferindo-lhe tratamento ade- quado no sistema jurídico e nas políticas públicas praticadas. Educação: Fundamentalidade do Direito A trajetória histórica da doutrina dos Direitos Humanos é indicador preciso da clara preocupação do homem – ou dos mais conscientes dos homens – com a sua instrução. Já desde a edição da declaração francesa de 1789, avulta a ideia da impositiva necessidade de se assegurar acesso à educação e aos meios direcionados a emancipação intelectual e política do ser humano, integrante da comunidade social. No seu preâmbulo, emerge evidente a hostilidade em relação à ignorância, registrando este documento, já nas suas primeiras linhas: “[...] que a ignorância, o esque- cimento e o desprezo pelos direitos humanos são as únicas causas dos males públicos e da corrupção dos Governos [...]”4. 3. Neste sentido as reportagens trazidas pela revista The Economist, 18 out. 2008, pp. 61-62. 4. Em Textos Básicos sobre Derechos Humanos, Madrid, Universidad Complutense, 1973, p. 87. Direito_Educação Final.indd 21 20/3/2009 12:26:08 MONICA HERMAN S. CAGGIANO 22 A declaração jacobina, também francesa, de 1793, avança, no tema para, expressamente, envolver o tópico educação sob o seu braço pro- tetor, dedicando-lhe o dispositivo do seu artigo 22, que principia por identificá-la como “[...] uma necessidade para todos”5. E, ainda, em ter- reno francês, a Constituição de 1848 cuida da matéria em dois diferentes artigos. O primeiro (art. 9) declara a liberdade do ensino e o segundo (art. 13) a gratuidade do ensino primário e do profissionalizante como fatores a assegurar o direito do trabalho6. No contexto atual não nos parece subsistir dúvidas quanto à inclu- são do direito à educação no elenco dos direitos humanos fundamentais, amparado portanto por um quadro jurídico-constitucional que vem a lhe assegurar, também, um sistema de garantias. É direito fundamen- tal porque, de uma banda, consubstancia-se em prerrogativa própria à qualidade humana, em razão da exigência de dignidade, e, de outra, por- que é reconhecido e consagrado por instrumentos internacionais e pelas Constituições que o garantem. O direito à educação, destarte, inserido no nicho dos direitos funda- mentais, apresenta-se revestido das qualidades que a estes são próprias. Estes caracteres, aliás, consagram a postura dos direitos fundamentais como elementos da essência de uma Constituição7, revelando, como anota Robert Alexy: a. a natureza de direitos morais, porquanto contam com a “univer- salidade” na sua estrutura, assumindo a postura de direitos de todos contra todos; 5. Ver nota 36. 6. Art. 9o O ensino é livre. A liberdade de ensino é exercida em condições de capacida- de e de moralidade determinadas pelas leis e diante da vigilância do Estado. Esta vigilância estende-se a todos os estabelecimentos de educação e ensino sem qualquer exceção. Art. 13 A sociedade favorece e fomenta o desenvolvimento do trabalho por força do ensino primário gratuito, a educação profissionalizante – Textos Básicos sobre Derechos Hu- manos, op. cit., p. 103. 7. Já proclamava a declaração francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão de 26.8.1789 preconizava no seu art. 16: “Toda a sociedade em que a garantia dos direitos não estiver assegurada [...] não tem Constituição”. Direito_Educação Final.indd 22 20/3/2009 12:26:08 DIREITO À EDUCAÇÃO: ASPECTOS CONSTITUCIONAIS 23 b. a qualidade de direitos preferenciais, porquanto fundamentam, exatamente, o direito dos homens à sua tutela pelo direito po- sitivo; c. a “fundamentalidade do interesse ou carência protegida” que exi- ge e implica na “necessidade de respeito, sua proteção ou o seu fomento pelo direito”8. E mais até, no mundo atual, o direito à educação comparece nas suas duas facetas (de primeira e segunda dimensão ou geração), enqua- drado como uma realidade social e individual. Com efeito, insuflado e robustecido pelos caracteres de índole coletiva,extraídos das duas últi- mas gerações de direitos9, vislumbra-se o direito à educação com conte- údo multifacetado, envolvendo não apenas o direito à instrução como um processo de desenvolvimento individual, mas, também o direito a uma política educacional, ou seja, a um conjunto de intervenções juridi- camente organizadas e executadas em termos de um processo de forma- ção da sociedade, visando oferecer aos integrantes da comunidade social instrumentos a alcançar os seus fins. Nesse sentido, a orientação contida na Declaração de 10 de dezem- bro de 1948, que concebe o direito à instrução na sua conotação clássica, individualística, acoplando-lhe, também, uma finalidade social: Art. XXVI. 2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos do homem e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerân- 8. “Direitos Fundamentais no Estado Constitucional Democrático”, Revista da Faculda- de de Direito da UFRGS, v. 16, 199, p. 203. 9. A segunda geração de direitos – direitos sociais e econômicos – eclode sem que se abandone a imposição de salvaguarda das prerrogativas inerentes ao ser humano (primeira geração) proclamadas nas declarações americanas e no documento francês de 1789. Esta nova dimensão insere direitos que reclamam em favor do indivíduo, integrante da sociedade esta- tal, determinadas prestações positivas por parte do Estado. São direitos sociais e econômicos, que, se de uma parte, já insinuam presença na declaração jacobina de 1793 e na declaração que integra a Constituição francesa de 1848, em realidade, passam a ser apresentados de for- ma inequívoca por força da Constituição mexicana de 1917 e ganham ressonância com a sua inserção na Constituição alemã de Weimar, de 1919, que dedica todo um capítulo à vida social e outro à vida econômica, oferecendo um novo modelo constitucional. Direito_Educação Final.indd 23 20/3/2009 12:26:08 MONICA HERMAN S. CAGGIANO 24 cia e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz10. Merece, aliás, reparo, o disposto no inciso 3, do mesmo artigo XXVI, do referido documento, que atribui à educação um sentido social, todo especial, ao outorgar aos pais, também, responsabilidade pela instrução da prole. A família, pois, ao lado da instituição social que é representa- da pela escola, emerge como fator coadjuvante no processo educacional preconizado como meio operativo de garantia do direito à educação. E, em 1960, como primeiro instrumento internacional, com o per- fil de convenção, a Unesco aprovou em 14 de dezembro, a convenção concernente à luta contra a discriminação no panorama da educação, partindo do prevalência da ideia insculpida nos atos constitutivos e na já anotada Declaração de 10 de dezembro de 1948 de que, dentre suas tare- fas, emerge a primazia da promoção do direito a educação para todos. A seu turno, relevante marco nessa trilha evolutiva, a Recomenda- ção sobre a Educação para a Compreensão, a Cooperação e a Paz inter- nacionais e a Educação relativa aos Direitos Humanos e às Liberdades Fundamentais, documento resultante da Conferência Geral da Organi- zação das Nações Unidas, dedicada ao tema Educação (de 1974), define a questão: 1. Para os efeitos da presente Recomendação: a. a palavra “educação” designa o processo global da sociedade, por via do qual as pessoas e os grupos sociais apre- endem a desenvolver conscientemente, no interior da comunidade nacional e inter- nacional e em benefício destas, a totalidade de suas capacidades, atitudes, aptidões e conhecimentos [...] (Barba, 1997, p. 139, tradução nossa). Em verdade, a ideia da impositiva presença e efetivação do direito à instrução nas sociedades politicamente organizadas vem vinculada, cada vez mais, à própria evolução da sociedade, preordenada a viabi- lizar um clima de respeito à dignidade humana. Multiplicam-se, pois, os documentos que buscam servir de instrumento a sua garantia. Nesse 10. Direitos Humanos. Instrumentos Internacionais. Documentos Diversos, Brasília, Ed. Senado Federal, 1996, p. 134. Direito_Educação Final.indd 24 20/3/2009 12:26:08 DIREITO À EDUCAÇÃO: ASPECTOS CONSTITUCIONAIS 25 diapasão, dentre outros, poderíamos enunciar: o Pacto Internacional re- lativo aos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966, a Conven- ção sobre os Direitos da Criança, aprovada em 8 de março de 1989, pela Comissão de Direitos Humanos da ONU, e a Declaração Mundial sobre Educação Para Todos, adotada na Conferência Mundial de 9 de março de 1990, na Tailândia, que reclama por uma renovação do compromisso com a educação. Inobstante o extenso elenco de atos cercando a adoção e a aplicação dos princípios vetores da educação, no seu status de direito fundamen- tal, constata-se, ainda, uma acentuada fragilidade na adequada imple- mentação desse direito, reconhecida, aliás, pelo ordenamento nacional e internacional. Assim é que, em 1990, a própria Declaração Mundial sobre Educa- ção Para Todos anotava “as seguintes realidades”: 1. Mais de 100 milhões de crianças, das quais 60 pelo menos são meninas, não tem acesso ao ensino primário. 2. Mais de 960 milhões de adultos são analfabetos [...]. 3. Mais de 1/3 dos adultos do mundo não tem acesso ao saber [...]. 4. Mais de 100 milhões de crianças e inumeráveis adultos não conseguem completar o ciclo de educação básica [...] (Barba, 1997p. 222, tradução nossa). Mais recentemente, membros da Anistia Internacional, uma das mais beligerantes ONGs em prol da concreta eficácia dos direitos procla- mados na Declaração de 1948, reunidos em Dakar, capital de Senegal, promoveram relevante debate acerca da atual necessidade de se inten- sificar a luta em prol dos direitos sociais, econômicos e culturais. De sucesso na sua investida contra a prisão arbitrária e a tortura, ou seja na defesa de direitos de natureza civil e política, a proposta dessa orga- nização visa, a seu turno, assegurar maior publicidade e, portanto, visi- bilidade ao tratamento oferecido pelos governos aos direitos de terceira geração, que, de certa forma, vem sendo negligenciados e, sem uma ade- quada vigilância, acabam se apresentando de reduzida eficácia prática11. 11. Sobre a Conferência de Dakar, ver The Economist, 18 agos. 2001, p. 18. Direito_Educação Final.indd 25 20/3/2009 12:26:08 MONICA HERMAN S. CAGGIANO 26 Crianças em regime de escravidão, como denunciado na Nigéria12, assassinato de crianças em Kabul, identificando-se a ação de uma rede de tráfico de órgãos humanos13, são fatos reveladores de que, além da exigência, ainda presente, quanto a instrumentos adequados para a va- lidez dos direitos da primeira geração, impositivas se apresentam pro- vidências direcionadas a fortalecer o plano educacional, diminuindo o prejuízo oriundo da ausência de políticas públicas voltadas a fazer pre- valecer este direito. Mais até o direito à educação para direitos humanos. E, mediante instrução, inibir o resultado da ignorância, “causa dos ma- les públicos e da corrupção”, como já proclamavam os revolucionários franceses do século XVIII. A realidade doméstica brasileira, a seu turno, não descortina um quadro muito animador em relação ao grau de instrução. Conquanto tenha avançado no combate ao analfabetismo, nas últimas eleições mu- nicipais, o levantamento promovido pela Justiça Eleitoral14 identifica, num total 130.469.549 eleitores, 8.097.513 analfabetos, 20.367.757 que sabem ler e escrever, 44.456.754 que possuem o primeiro grau incom- pleto e só 10.129.580 concluíram o primeiro grau. Estes registros são corroborados por pesquisa produzida pelo jornal Folha de S. Paulo, que aponta o triste fato de um em cada cinco jovens não terem completado o ensino fundamental15.Apenas 3,49% dos eleitores têm diploma de ensino superior, sendo que os Estados de Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul e Santa Catarina detém o maior número de eleitores com ensino superior. Os Estados do Norte e Nordeste, Ma- ranhão e Piauí destacam-se como os de menor percentual de eleitores formados em universidades. Demais disso os problemas de evasão e de reprovação importam em significativa exclusão educacional, colocando a educação brasileira, no quesito matemática, na 53a posição no ranking Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) e da Organização 12. O Estado de S. Paulo, 21 jul. 2001, p. A 17. 13. El País, 9 dez. 2001, p. Internacional 5. 14. Fonte: TSE, divulgando o perfil do eleitorado de 2008, em 15 jul. 2008. 15. Folha OnLine, 21 jan. 2008. Direito_Educação Final.indd 26 20/3/2009 12:26:08 DIREITO À EDUCAÇÃO: ASPECTOS CONSTITUCIONAIS 27 para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), no quesito ciências na 52a e quesito leitura na 48ª16. A Educação sob o Impacto das Recomendações Extraídas dos Documentos Internacionais Partindo de clássicas assertivas, que erigem e reconhecem o pata- mar da educação como fator essencial no desenvolvimento do indivíduo e da coletividade social, registrando, destarte, impositivas as providên- cias, no espectro nacional e internacional, em prol do robustecimento da qualidade e da garantia de acesso a todos à educação, clamam esses documentos por medidas concretas a incidir tanto na estrutura como, ainda, no processo de aprendizagem. E isto, no sentido de viabilizar a universalização e fomentar a equidade no campo da instrução, buscan- do, em pleno processo de mundialização, orientar as novas gerações para o progresso socioeconômico, cultural, para a tolerância e para as inevitáveis exigências de cooperação internacional. Dentre as recomendações que, de forma especial, vem enfatizadas na já aludida Declaração Mundial sobre Educação Para Todos, reclama peculiar atenção a necessidade de promover condições propícias e forta- lecer os campos da cooperação e da associação. Em verdade, como Rawls observa na sua Teoria da Justiça, a socie- dade deve ser compreendida como “um empreendimento cooperativo para a vantagem mútua (e) esse empreendimento é tipicamente marca- do por um conflito e também por uma identidade de interesses”. Avul- ta da teoria defendida pelo ilustre filósofo de Harvard, a relevância do envolvimento coletivo da sociedade, por intermédio de todos os setores que a compõem, para o cumprimento das metas e objetivos que busca alcançar (Rawls, 1997, p. 580, grifo nosso). Daí, natural e lógica a recomendação que emana da referida Decla- ração Mundial sobre Educação Para Todos. Esta, ao reclamar a interve- niência da sociedade, no que toca a suportes para a educação, eviden- 16. Idem, ibidem. Direito_Educação Final.indd 27 20/3/2009 12:26:08 MONICA HERMAN S. CAGGIANO 28 cia, exatamente, o espírito participativo, hoje dominante, e que implica, mais, no reconhecimento de que não há como atribuir, isoladamente, ao Estado a responsabilidade prioritária de proporcionar educação. Insiste, pois, o documento, na evidência da necessidade de “cooperação e de asso- ciação entre todos os subsetores” (Rawls, 1997, p. 229, grifo nosso). Invoca a atuação conjunta dos órgãos governamentais e das Organizações não Governamentais (ONGs), do setor privado, das comunidades locais, dos grupos religiosos e da família. A seu turno, a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, resultante do tratado de Nice, de 7 de dezembro de 200017, cuida deste tema por intermédio dos seus artigos 14 (Direito à Educação), 21 (A Não-Discriminação) e 24 (Direitos da Criança), onde registra-se a pre- valência do interesse da criança e o dever das autoridades e da sociedade na observância desta imposição de privilegiamento. O campo da educação, portanto, sob forte influência do impacto participativo, passa a demandar ações concretas de índole coletiva dire- cionadas à garantia de melhores condições para o aprendizado. E, para tanto, são convocadas todas as forças sociais. Sob essa nova roupagem, especial atenção é atribuída ao papel desempenhado pelos educadores e pela família. A instrução e o preparo desses representa fator de realce, que não pode ser ignorado, conduzindo a sociedade a um repensar cole- tivo quanto à garantia de meios adequados a oferecer um nível de ensino compatível com as exigências do século XXI e, notadamente, com as re- comendações da ONU que já anteviam os desafios desses novos tempos. Na realidade, o ensino e a pesquisa, no novo modelo, abandonam a exclusiva esfera estatal, passando a referenciar “uma visão ampliada e um compromisso renovado”, envolvendo esse compromisso toda a so- ciedade e, de modo particular, a família que, a seu turno, deve assumir 17. A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia foi elaborada na expecta- tiva de que integrasse o Tratado de Constituição para a Europa, o qual, no entanto não foi subscrito, sendo objeto de negativa, por intermédio de referendo, na Holanda e na França em 2005. Portanto, referida Carta de Direitos Fundamentais, na Europa, ainda está sendo objeto de estudos, aperfeiçoamento e continua sem implementação. Ver Code de Droit International dês Droits de l’Homme, Bruxelas, Bruylant, 2005. Ver ainda, Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (Riquito et al., 2001). Direito_Educação Final.indd 28 20/3/2009 12:26:09 DIREITO À EDUCAÇÃO: ASPECTOS CONSTITUCIONAIS 29 sua parcela de responsabilidade na educação dos que irão construir a história do século XXI. Somente nos termos de uma educação insuflada a partir de toda uma coletividade, norteada pelo princípio participativo e desenvolvida em bases comunitárias, é que, os objetivos delineados para a preservação dos direitos humanos e, consequentemente, da própria dignidade, se tornarão viáveis. A Realidade Brasileira A Constituição atual, conhecida como a “Constituição cidadã”, ró- tulo que lhe foi acoplado ao final dos trabalhos constituintes, por oca- sião de pronunciamento do presidente da constituinte18, inovou ao con- templar, no seu título II, o já célebre catálogo dos direitos, um extenso rol de direitos e garantias. No entanto alterou a tradicional posição do tema e, deste molde, buscou o constituinte, no dizer de Raul Machado Horta, “conferir-lhe precedência” (Horta, 1995, p. 240), sem que esse posicio- namento, contudo, viesse a estabelecer uma hierarquia entre as normas constitucionais. Pretendeu, presume-se, assegurar “impregnação valora- tiva” a esses dispositivos, “sempre que forem confrontados com atos do legislador, do administrador e do julgador” (Horta, 1995, p. 240). Acompanhando, porém, a tradição pátria, o texto atual cuidou do tema adotando um tom moderno e ampliou o elenco já preconizado pelos antigos documentos para agasalhar os direitos da segunda e da terceira geração, enfocando direitos coletivos e sociais e oferecendo nu- anças de extrema contemporaneidade ao sistema de tutela engendrado. Em verdade a elaboração do documento constitucional de 1988 re- sultou de influências de grupos e facções políticas representativas dos mais diferentes e diversificados setores da sociedade e o quadro decor- rente dessa espiral de ações de interveniência configura a radiografia exata do espírito ávido por garantias à liberdade reinante naquele mo- 18. Em data de 27 de julho de 1987, ao defender o projeto de constituição em tramitação de duros ataques quanto a sua possível eficácia, o presidente da constituinte, deputado Ulys- ses Guimarães proclamava, em pronunciamento pela TV, em cadeia nacional, que se cuidava de uma “Constituição cidadã, porque recuperará como cidadãos milhões de brasileiros”. Direito_Educação Final.indd 29 20/3/2009 12:26:09 MONICA HERMAN S.CAGGIANO 30 mento histórico. Daí, embora, própria a vocação do nosso Direito Cons- titucional em acolher e oferecer o superior status da Lei Maior ao tópico “direitos e garantias fundamentais”, o modelo atual oferece peculiarida- des, a começar pelas figuras introduzidas e pela singular topografia, vez que, como acima apontado, estreia o posicionamento dessa matéria logo no começo do texto, no seu título II. O tratamento do tópico educação é identificado, ao longo de toda a textura constitucional. De forma sucinta e sistematizada, o analista vai se deparar com a seguinte lista de preceitos abordando a questão educacional: Art. 5o, IV; e XIV; Art. 6o, caput, (D. Sociais) – Cap. II do Tit. II; Art. 7o, XXV – assistência a dependentes e filhos de 0 a 5 anos; Art. 23, V – competência comum – promoção da educação; Art. 24, IX e XV – competência concorrente. Normas gerais e específicas; Art. 30, VI (competência comum envolvendo obrigação do município), Art. 205 (Sec. I, Cap. III, Tit. VIII – Da Ordem Social); Art. 206 – princípios de regência do ensino; Art. 207 – universidades – a autonomia universitária; Art. 208 – educação dever do Estado; Art. 209 – ensino privado – regras de atendimento; Art. 210 – formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais; Ensino religioso e língua portuguesa (§ 1o); Art. 211 – organização do sistema federal de ensino. Art. 212 – 18% União e 25% Estados e municípios; Art. 213 – direção dos recursos públicos. Reflexo do ambiente de elevada permeabilidade em relação a ideias e mecanismos aptos a integrar as ideias de cooperação e associação como indissociáveis do setor educacional, a Lei Fundamental de 1988, no seu título VIII, “Da Ordem Social”, passa a definir, no seu art. 205, os respon- sáveis pela implementação desse direito: “Art. 205 – A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Direito_Educação Final.indd 30 20/3/2009 12:26:09 DIREITO À EDUCAÇÃO: ASPECTOS CONSTITUCIONAIS 31 E mais, no dispositivo seguinte, arrola o texto constitucional a base principiológica a nortear o desenvolvimento do ensino, indigitando: Art. 206 – [...] I. Igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II. Liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III. Pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de insti- tuições públicas e privadas de ensino; IV. Gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; V. Valorização dos profissionais do ensino, garantidos, na forma da lei, planos de carreira para o magistério público, [...] e ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos; VI. Gestão democrática do ensino público, na forma da lei; VII. Garantia de padrão de qualidade. Identifica-se, nessa linha, um inequívoco privilegiamento das re- comendações extraídas dos documentos internacionais, a preocupação em robustecer as condições de eficácia do cânone isonômico, a intensa exigência de políticas de apoio para a garantia do aprendizado básico dos adultos e das crianças. Enfim, transluz clara a perspectiva do constituinte em oferecer maior favorecimento ao direito à educação, ampliando o território cons- titucional com os elementos, decorrentes das declarações contemporâ- neas, a buscar concretização fática à prerrogativa de educação que, a par de inerente ao ser humano, configura exigência no tocante ao próprio desenvolvimento da humanidade. A preocupação com o tratamento constitucional da educação, entre nós – um estado federal, em que a Magna Lei assegura autonomia em relação aos entes federados, vem refletida, ainda, nos textos constitucio- nais produzidos pelos Estados-membros e municípios. Nesta esteira, a Constituição do Estado de São Paulo cuida deste tema no capítulo III, seção I, do seu título VII (arts. 237 a 258). Relevância especial assume o art. 249 que impõe oito anos de duração obrigatório do ensino, a partir da idade de seis anos. A seu turno, o art. 255 impõe a reserva e destina- ção de 30% da receita dos impostos para o incremento da educação e, Direito_Educação Final.indd 31 20/3/2009 12:26:09 MONICA HERMAN S. CAGGIANO 32 não ignorando a exigência de controle obriga a publicação trimestral das receitas arrecadadas e das transferências efetuadas (art. 256). O município de São Paulo, de sua parte, não ignorou a essenciali- dade deste direito e, buscando, a par do seu reforço, também, a previsão clara da responsabilidade local no implemento da educação, preconizou como dever do Poder Municipal assegurar ensino fundamental e edu- cação infantil (art. 7o, VI Lei Orgânica do Município de São Paulo). O detalhamento vem oferecido pelo documento municipal ao longo dos arts. 200-211 (título VI, capítulo I), havendo, em simetria com o dispo- sitivo estadual, a previsão de reserva e destinação de 31% dos recursos resultantes de impostos, ao cumprimento do dever no tocante ao imple- mento do direito à educação. É certo que, apesar dos esforços dos constituintes que visaram as- segurar estatura constitucional a esse direito e, inspirados em modelos subtraídos de modernas deliberações internacionais, cuidaram da ques- tão educacional robustecendo-a com a indicação da necessidade de co- operação e associação das forças e grupos sociais para a concreção do processo de aprendizagem e de transmissão do conhecimento, ainda restam falhas acentuadas; portanto um intenso trabalho de se alcançar no espaço educacional o ponto ideal. Basta verificar a resolução adota- da pelo governo brasileiro, em decorrência dos debates verificados no âmbito da Conferência Internacional contra o Racismo, realizada pela ONU em Durban, na África do Sul, em setembro de 2000, de promover a reserva de vagas para negros nas universidades. As Ações Afirmativas. O Modelo de “Cotas” A previsão de cotas reservadas aos de raça negra, indicador preciso da influência da mobilização dos grupos sociais em prol do desenvolvi- mento do setor educacional, é tema discutido em sede muito explorada nos últimos quarenta anos: as affirmative actions ou programas de ações afirmativas visando a implementação de políticas de inserção social pela via da educação. Pois bem, ensina a professora Fernanda Dias Menezes de Almeida que as denominadas ações afirmativas consubstanciam-se “em proce- Direito_Educação Final.indd 32 20/3/2009 12:26:09 DIREITO À EDUCAÇÃO: ASPECTOS CONSTITUCIONAIS 33 dimentos destinados à concretização do direito à igualdade” (Almeida, 2004). E aduz mais o fato de que programas afirmativos “designa o con- junto de políticas públicas ou particulares destinadas a corrigir dese- quilíbrios que desfavorecem grupos minoritários, impedindo ascensão social, cultural, política, econômica etc.”. Paulo Lucena de Menezes, com longa e profunda pesquisa na matéria, esclarece: “Ação afirmativa, nos dias correntes, é um termo de amplo alcance que designa o conjunto de estratégias, iniciativas ou políticas que visam favorecer grupos ou seg- mentos sociais que se encontram em piores condições de competição em qualquer sociedade [...]” (Menezes, 2001, p. 27). Em verdade, embora possa se vislumbrar programas de ações afir- mativas buscando a inserção de setores menos aquinhoados na popula- ção ativa e produtiva da sociedade, a exemplo das políticas de admissão no mercado de trabalho de negros, de deficientes físicos, de mulheres na política, enfim, políticas de capacitação e privilegiamento no ense- jo de nulificar o desequilíbrio que as condições deficitárias introduzem no cenário social, fato é que as políticas afirmativas praticadas no pa- norama educacional conquistaram maior notoriedade, perseguindoa inserção, notadamente, dos afro-descendentes no mundo universitário, autorizando a capacitação deste contingente de desfavorecidos median- te o acesso a educação superior. Interessante, a esse passo, verificar a trajetória destes programas que encontram sua certidão de nascimento na política inovadora pra- ticada no governo Kennedy, que utilizou pela primeira vez a expressão ação afirmativa quando da criação do “Equal Employment Opportunity Commission” (EEOC). Certo é que este projeto introduzia medidas bus- cando alargar a isonomia quanto às oportunidades no campo do tra- balho. Ao longo da evolução histórica, contudo, o objetivo perseguido passou a se concentrar no acesso às universidades, como vem demons- trado na Tabela 1. Em cenário brasileiro, principalmente, sob a égide da Constituição de 5 de outubro de 1988, a técnica das ações afirmativas conquistou de imediato discípulos, difundindo-se por meio de medidas tendentes a ampliar o leque de oportunidades de acesso à educação superior, princi- palmente para os afro-descendentes e a população de baixa renda. Neste Direito_Educação Final.indd 33 20/3/2009 12:26:09 MONICA HERMAN S. CAGGIANO 34 sentido, no âmbito federal é de se destacar a Lei n. 10.558/02, docu- mento que instala o Programa de Diversidade na Universidade, a Lei n. 10.678/03, que preconiza a criação da Secretaria Especial de Políticas de Promoção de Igualdade Social, o Decreto n. 4228/02, que institui, no âmbito da Administração Pública Federal, o Programa Nacional de Ações Afirmativas, e, mais recentemente, a Media Provisória n. 213, de 10 de setembro de 2004, que institui o Programa Universidade para to- dos – Prouni, importante instrumento de política positiva de inserção e que vem sendo discutida no âmbito das ADIs 3330, 3314 e 3379, junto ao Supremo Tribunal Federal. No âmbito dos Estados-membros, Amazonas, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e Rio de Janeiro contam com legislação própria, discipli- nando a prática de ações afirmativas, acolhendo a técnica de cotas para o ingresso nas universidades. Em Alagoas, o ingresso pela técnica de cotas na Universidade Federal é regulado pela Resolução 09/2004 – Cepe, de 10 de maio de 2004. Em Brasília, Distrito Federal, a matéria é tratada por via de um Plano de Metas de Inserção Social da Universidade de Brasília, aprovado pelo Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Cepe), em 6 de junho de 2003. No Estado de São Paulo, o tema é disciplinado por via de dois decretos: Decreto Estadual n. 48.328/03 – cria o Programa de Ações Afirmativas do Estado de São Paulo e Decreto Estadual n. 49.602/05 – institui o Sistema de Pontuação Acrescida para afros e egressos ensino público para Escolas Técnicas (Etes) e Faculdades de Tecnologia (Fa- tecs). E, o Município de Piracicaba se destaca com legislação própria, tendo editado a Lei Municipal n. 5.202/02. Oportuno, por derradeiro, o registro da original e especialíssima técnica idealizada no Estado de São Paulo, oriunda de aplicações no âmbito da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e que, pelos bons resultados, foi remodelada para o ingresso nas Fatecs estaduais. Trata-se do sistema de pontuação acres- cida, que confere aos afro-descendentes, aos egressos de escolas públicas, índios e aos menos favorecidos, um acréscimo na pontuação, desde que atinjam a nota de corte. Não adotam, contudo o método da reserva de vagas, ou seja, as cotas. Direito_Educação Final.indd 34 20/3/2009 12:26:09 D IR E IT O À E D U C A Ç Ã O : A SP E C T O S C O N ST IT U C IO N A IS 35 Tabela 1. Políticas de ação afirmativa nos governos norte-americanos 1935 6 de março de 1961 governo Kennedy governo Lyndon Johnson (1963-1969) governo Richard Nixon (1969-1974) governo Jimmy Carter (1977-1981) governo Ronald Reagan (1981-1989) governo Bush (1989-1993) governo Bill Clinton (1993-2001) governo Georg W. Bush (2001-2009) Legislação tra- balhista (The 1935 National Labor Relac- tion Act) Evitou-se dis- c r i m i n a ç ã o a operários e sindicalistas, garantindo-se seus cargos. Ordem Executiva 10925 do presiden- te J. F. Kennedy. Foi o primeiro a usar a expressão “Ação Afirmativa”. Criou a Equal Employ- ment Opportunity Commission (EE- OC) Proibida a discri- minação feita por instituições gover- namentais com ba- se em cor, religião e nacionalidade para a contratação de funcionários. Mais: estimulou-se a contratação de minorias. Criados mecanismo e estratégias de combate e de superação das de- sigualdades raciais e de gênero. Nixon era con- servador e ini- migo das ações afirmativas. O interesse de Nixon era ape- nas angariar elei- torado negro a votar no Partido Republicano. Plano Philadel- phia: estímulo à contratação de minorias (racial e gênero) por companhias e entidades edu- cacionais. Caso Regents of the University of California v. Bakke A Faculdade de Medicina da Universidade da Califórnia re- servou dezesseis das cem vagas para estudantes p e r t e n c e n t e s às minorias. A Suprema Cor- te decidiu, que os direitos do ve s t i b u l a n d o branco, Alan Bakke ficaram violados com o plano de Ação Afirmativa desta Universidade. Reagan possuía tendência anti- ações afirmati- vas. Fora eleito com o auxílio da classe média branca (avessa aos avanços da política de ações afirmativas). Bush não era muito afeito aos progressos dos direitos civis. A Suprema corte voltou a decidir casos que choca- ram a comuni- dade de direitos humanos. A Civil Rights Acto foi vetada por Bush, em outubro de 1990. No anos seguin- te, foi promulga- da, ajudando as vítimas de dis- criminação. Clinton conta- va com o apoio da comunidade negra. Estabeleceu em governo mais intervenciona- lista, com ações impactantes na diminuição da d e s i g u a l d a d e entre os grupos raciais. Atualmente, a Suprema Corte dos Estados Uni- dos tem decidido contrariamente às políticas pú- blicas que ado- tem critérios de favorecimento das minorias. 1964 1965 “Civil Rights Act” Artigo VII. Visa a garantia do prin- cípio da igualda- de na contrata- ção e promoção de seus emprega- dos, pertencentes às minorias. Lindon John- son era efusivo defensor das Ações Afirmati- vas. Discursou em 1965 para os alunos de Har- vard University. P E R Í O D O D ireito_E ducação F inal.indd 35 20/3/2009 12:26:09 MONICA HERMAN S. CAGGIANO 36 Forçoso convir que a necessidade de satisfazer as cambiantes de- mandas que o século XXI insinua induz a uma atuação perseverante tanto do Estado, como, ainda, a imposição de envolver nessa tarefa a sociedade civil e todos os elementos que a compõem. Exige um esforço conjunto. Uma constante ação cooperativa, a associação, visando pata- mares conformes aos princípios proclamados nas declarações, enfim a mobilização da comunidade social para o ensino em níveis que atendam às expectativas internacionais de educação. Referências Bibliográficas ALEXy, Robert. 2008. Teoria dos Direitos Fundamentais, trad. de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo, Ed. Malheiros. ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes. 2004. Discriminação e Ações Afirmativas, Co- municação feita no XIII Encontro Nacional de Direito Constitucional, pro- movido em São Paulo pela Associação Brasileira dos Constitucionalistas, Instituto “Pimenta Bueno”, em 19 ago. 2004. BARBA, José Bonifacio. 1997. Educación para los derechos humanos. México, Fon- do de Cultura Económica. BRECHER, Jeremy na & COSTELLO, Tim. 1998. Global Village or Global Pillage, 2. ed. Cambridge, Massachusetts, South End Press. BURDEAU, George. 1972. Les Libertés Publiques, 4. ed. Librairie Générale de Droit et de Jurisprudence, Paris. CAGGIANO, Monica Herman S. 1982. “Proteção Jurídica dos Interesses Difusos”. EDP – Estudosde Direito Público, Revista da Associação dos Advogados da Prefeitura do Município de São Paulo, n. 2. _____. 1995. Oposição na Política, São Paulo, Angelotti. _____. 2002. “Direitos Humanos e Aprendizado Cooperativo”. Um Olhar sobre Ética e Cidadania, Coleção Reflexão Acadêmica, São Paulo, Ed. Mackenzie. CODE de Droit International dês Droits de l’Homme. 2005. Bruxelas, Bruylant. DUVERGER, Maurice. 1996. Constitutions et Documents Politiques, Paris, PUF. _____. 1971. Institutions Politiques et Droit Constitutionnel, Paris, PUF. FERRARA, Alessandro. 1992. Comunitarismo e Liberalismo, Roma, Editori Riu- niti. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. 1999. Direitos Humanos Fundamentais, 3. ed. São Paulo, Saraiva. HORTA, Raul Machado. 1995. Estudos de Direito Constitucional, Belo Horizonte, Ed. Del Rey. JÍMENES, Maria Encarna García. 1998. El Convenio Europeo de Derechos Huma- Direito_Educação Final.indd 36 20/3/2009 12:26:09 DIREITO À EDUCAÇÃO: ASPECTOS CONSTITUCIONAIS 37 nos em el umbral del siglo XXI. Valencia, Tirant lo Blanch, Universitat de Valencia. MENEZES, Paulo Lucena. 2001. A Ação Afirmativa (Affirmative Action) no Direito Norte-Americano. São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais. MONTIEL, Fernando Diaz. 2000. Léxico de La Política. México, Fondo de Cultura Económica. MORAES, Alexandre de. 2000. Direitos Humanos Fundamentais, 3. ed. São Paulo, Editora Atlas. NICOLET, Claude. 1976. Le métier de citoyen dans la Rome Républicaine. Galli- mard. OLIVEIRA, Almir de. 2000. Curso de Direitos Humanos. Rio de Janeiro, Ed. Fo- rense. PINHEIRO, Carla. 2001. Direito Internacional e Direitos Fundamentais. São Paulo, Editora Atlas. RAWLS, John. 1997. Uma Teoria da Justiça, trad. de Almiro Pisetta e Lenita M. R. Esteves. São Paulo, Martins Fontes. RIALS, Stéhane. 1988. La declaration des droits de I’homme et du citoyen. Paris, Collection Pluriel, Hachette. RIQUITO, Ana Luisa; VENTURA, Catarina Sampaio; ANDRADE, J. C. Vieira de; CA- NOTILHO, J. J. Gomes; GORJÃO-HENRIQUES, Miguel; RAMOS, R. M. Moura & MOREIRA, Vital. 2001. Carta dos Direitos Fundamentais da União Européia. Coimbra, Portugal, Coimbra Editora. SILVA, José Afonso da. 2000. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo, Malheiros Editores. Direito_Educação Final.indd 37 20/3/2009 12:26:09 39 Introdução Ao estudarmos o direito à educação no sistema jurídico brasileiro observamos um notável avanço em sua proteção e promoção a partir da Constituição Federal de 1988, não só com referência às constituições brasileiras anteriores como também em relação à garantia dos demais direitos sociais. Essas previsões produzem importantes consequências jurídicas e políticas, em termos de agregação do interesse público em âmbito nacional, que podem ser identificadas, pelo menos, em dois aspectos principais. O primeiro diz respeito ao pacto federativo, no qual se ins- tala uma forma de cooperação efetiva e eficaz no campo educacional, o segundo à afirmação da dimensão democrática do direito à educação. Ambos aspectos se inter-relacionam na medida em que o dever do Esta- do se efetiva por meio de ações integradas e coordenadas de todos os en- tes federados, insinuando um federalismo cooperativo, com resultados altamente positivos para a ampliação do exercício do direito à educação, em seus diferentes níveis, tanto na esfera pública quanto na privada. De fato, dentre as inúmeras transformações operadas no Brasil após a edição da Constituição de 1988, destaca-se o considerável progresso Os Estados e o Direito à Educação na Constituição de 1988: Comentários Acerca da Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal Nina Beatriz Stocco Ranieri Direito_Educação Final.indd 39 20/3/2009 12:26:09 NINA BEATRIZ STOCCO RANIERI 40 dos níveis educacionais da população em geral e dos jovens em particu- lar, tendo-se alcançado, praticamente, a universalização do ensino fun- damental1. Dados do recente estudo da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) sobre os primeiros anos da educação fundamental no Brasil – Uma Visão dentro de Escolas Pri- márias2 – demonstram, igualmente, que apenas 10% dos estudantes no Brasil se encontram hoje em escolas privadas e que um em cada dois alunos encontra-se matriculado em escolas cuja maioria, ou todos os alunos, são provenientes de famílias com pais que não haviam comple- tado a educação primária. Não há dúvida de que esse resultado advém do enfrentamento pú- blico de questões recorrentes da educação brasileira, tais como univer- salização, financiamento, garantias de acesso e permanência na escola, qualidade do ensino, dentre outras. A atuação do poder público nos últimos vinte anos assume especial relevância quando consideramos o atraso secular da educação no Brasil, notadamente da educação pública, em comparação a outros países da América Latina, como a Argentina e o Uruguai, que já no início do século XX haviam universalizado a educa- ção fundamental (Fausto & Devoto, 2004; Marcílio, 2005, dentre outros autores). A participação dos Estados e Municípios nesse processo tem sido significativa, podendo-se concluir que a discriminação de competências educacionais promovida pela Constituição Federal – ao combinar a atri- buição de encargos educacionais aos entes federados, em grau de gene- ralidade crescente, com a obrigatoriedade de aplicação de percentuais fixos da receita de impostos no financiamento da educação – tem sido eficaz. Este modelo beneficia-se da organização federativa dos sistemas de ensino no Brasil, levando em conta o princípio da descentralização normativa e executiva que lhe é inerente. Do ponto de vista jurídico, inúmeros são os aspectos que podem ser analisados a respeito da organização federativa dos sistemas de ensino 1. Cf. Inep/Ministério da Educação. Censo Escolar 2006, que aponta aproximadamente 56 milhões de matrículas na Educação Básica. 2. Cf. www.unesco.org.br Direito_Educação Final.indd 40 20/3/2009 12:26:09 http://www.unesco.org.br DIREITO À EDUCAÇÃO: ASPECTOS CONSTITUCIONAIS 41 e de seus efeitos na ampliação dos meios de acesso e permanência na escola. Um dos mais complexos é o das competências legislativas con- correntes dos Estados-membros, devido à tênue distinção entre normas gerais e normas suplementares de educação, até porque, neste campo, a distinção entre o interesse nacional e o regional é praticamente inexis- tente. O tema torna-se ainda mais árduo quando se trata de analisar a intervenção dos Estados-membros no domínio econômico, em circuns- tâncias nas quais a matéria de direito econômico ou do consumidor se sobrepõe à educacional. Este artigo visa demonstrar, em linhas gerais, a problemática ine- rente à atuação legislativa dos Estados na educação, por via da juris- prudência recente do Supremo Tribunal Federal (STF), em situações de controle abstrato de constitucionalidade. O objetivo é identificar as di- ficuldades jurídicas de implantação do programa normativo assumido pela Constituição Federal de 1988 nessa área, sob a ótica federativa. A relevância do tema para o Estado Democrático de Direito revela- se no fato de que a educação consiste tanto em direito individual como direito coletivo, além de ser uma habilitação de caráter instrumental. Essas duas dimensões, inter-relacionadas, permitem a difusão da demo- cracia, dos direitos humanos e da proteção do meio ambiente, valores cruciais no mundo contemporâneo. A forma democrática de vida, disse Anísio Teixeira, “[...] funda-se no pressuposto de que ninguém é tão desprovido de inteligência que não tenha contribuição a fazer às instituições e à sociedade a que perten- ce [...]” (Teixeira, 1968). Tal crença, prossegue, equivale a uma hipótese político-social que, para se confirmar, exige da sociedade que ofereça, a todos os indivíduos, acesso aos meios de desenvolver suas capacidades, a fim de habilitá-los à maior participaçãopossível nos atos e instituições em que transcorra sua vida, participação que é essencial à sua dignidade de ser humano (Teixeira, 1968, p. 14). O Direito a Educação na Constituição Federal de 1988 A Constituição brasileira, ao definir o dever do Estado com a edu- cação (art. 205) e o seu comprometimento com o desenvolvimento na- Direito_Educação Final.indd 41 20/3/2009 12:26:09 NINA BEATRIZ STOCCO RANIERI 42 cional e com a construção de uma sociedade justa e solidária (art. 3o), individualiza a educação – direito de todos – como bem jurídico, dado o seu papel fundamental para o desenvolvimento da pessoa e ao exercício dos demais direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais. Nesse sentido, o acesso ao ensino obrigatório e gratuito é qualifi- cado como direito subjetivo (art. 208, § 1o), assegurando a sua univer- salização, bem como a progressiva universalização do ensino médio sob a égide da equidade (art. 206), dentre outros princípios que orientam a atividade educacional. Para garantir o exercício do direito, no que diz respeito ao dever do Estado, a Constituição discrimina encargos e competências precisas para os sistemas de ensino da União, dos Estados e dos Municípios (art. 211), e os correspectivos percentuais da receita de impostos para aplica- ção na manutenção e desenvolvimento do ensino (arts. 22, XXIV, 24, VIII, 30, VI, 208 e 212). Neste modelo, a partir da ênfase à competência genérica comum, dá-se a indicação dos níveis de atuação prioritária, mas não exclusiva, para cada esfera de governo, à exceção do federal, o que reclama e evi- dencia a necessidade de organização dos respectivos sistemas em regi- me de colaboração, especialmente enfatizado com referência ao ensino obrigatório. Assim, compete aos municípios atuar prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil, aos estados e Distrito Fede- ral no ensino fundamental e médio, e à União atuar supletivamente para garantir a equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade de ensino, mediante assistência técnica e financeira aos es- tados, Distrito Federal e municípios, em todos os níveis de ensino (art. 211, § 1o). A competência coordenadora da União em matéria de política na- cional de educação é reforçada, na legislação infraconstitucional, pelo art. 8o da Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB (Lei n. 9.394, de 20.12.1996), visando articular os diferentes níveis (básico e superior) e sistemas de ensino. Esta previsão complementa a norma genérica dos § 2o e 3o do art. 211, o que significa que, sob a coordenação da União, todos os entes políticos atuarão na educação infantil, e no ensino fundamen- tal, médio e superior, atendida a seguinte regra: municípios prioritaria- Direito_Educação Final.indd 42 20/3/2009 12:26:09 DIREITO À EDUCAÇÃO: ASPECTOS CONSTITUCIONAIS 43 mente no ensino fundamental e na educação infantil; estados e Distrito Federal no ensino fundamental e médio; sendo que o não oferecimento do ensino obrigatório pelo poder público, ou sua oferta irregular, im- portará a responsabilidade da autoridade competente (art. 208, § 3o). Em razão de a Constituição Federal não ter indicado nenhum nível de ensino para a atuação prioritária da União, reforça-se a sua ação su- pletiva e redistributiva em todos os níveis. Considerando-se o amplo es- copo desta atribuição (todos os níveis de ensino), fica claro que à União compete oferecer o ensino superior à ausência do seu oferecimento pe- las demais esferas de governos. Como estas devem se ocupar priorita- riamente da educação básica, a competência da União, em relação ao ensino superior, é residual. Cabe também à União intervir nos estados e no Distrito Federal, em hipótese de não aplicação, na educação, do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, na forma do art. 34, VII, “e”, organizar o seu sistema de ensino e o dos territórios (art. 211, § 1o), financiar as instituições de ensino público federais; autorizar e avaliar os estabeleci- mentos de ensino de seu sistema (art. 206, VII), inclusive os particulares (art. 209, II). Para os estados, o Distrito Federal e municípios, restam os encargos federativos de execução dos planos nacional e estaduais de educação, à vista do dever do Estado para com a educação (CF, art. 205), e por força dos artigos 10 e 11, da LDB. Há também os encargos de organização, manutenção e desenvolvimento dos respectivos sistemas de ensino, em relação aos quais deverá ser aplicado, no mínimo, 25% da receita resul- tante de impostos (na forma do art. 212); e, no âmbito destes, a autori- zação e avaliação das instituições de ensino. No plano das competências legislativas reserva-se à União compe- tência privativa para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacio- nal (CF, art. 22, XXIV), e para estabelecer o plano nacional de educação (art. 214), e competência concorrente à dos estados e Distrito Federal para legislar sobre educação mediante normas gerais (CF, art. 24, IX). A competência dos estados e municípios, neste cenário, é bastante restri- ta, posto que remanescente, limitada a baixar normas complementares para os respectivos sistemas de ensino. Direito_Educação Final.indd 43 20/3/2009 12:26:09 NINA BEATRIZ STOCCO RANIERI 44 Para suportar tais encargos foram garantidos recursos à manuten- ção e desenvolvimento do ensino, por meio de vinculação de receita tri- butária, na forma do art. 212: a União aplicará anualmente nunca menos de 18%; os Estados e Municípios 25%, no mínimo, aí incluída a receita proveniente das transferências. No campo do financiamento da educação obrigatória, alem da pre- visão do art. 167, IV, que permite a vinculação da receita de impostos para a manutenção e desenvolvimento do ensino, instituiu-se um efi- ciente sistema de distribuição de recursos públicos, baseado no número de matrículas em educação básica, nas redes estaduais, municipais e do Distrito Federal. A distribuição foi assegurada inicialmente pelo Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental – Fundef (Emenda Cons- titucional n. 14, de 12.9.1996), posteriormente ampliado para incluir a educação infantil e o ensino médio, no hoje denominado Fundo de Desenvolvimento do Ensino Básico – Fundeb (art. 60, do Ato das Dis- posições Constitucionais Transitórias, com a redação da Emenda Cons- titucional n. 53, de 19.12.2006). A Constituição Federal também prevê a destinação de recursos pú- blicos às escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, em caráter de fomento, atendidas as condições fixadas nos seus incisos do art. 213. Esta previsão, por evidente, deve ser conjugada à do art. 205 no qual, expresso o dever do Estado para com a educação, indica-se a necessá- ria colaboração da sociedade, o que se reforça em face do art. 209, que permite o oferecimento do ensino pela iniciativa privada, observadas as normas gerais de educação e de autorização e avaliação de qualidade pelo poder público. No que diz respeito ao exercício do direito à educação, já assegu- rado indiretamente pelo conjunto das previsões constitucionais antes indicadas, merecem destaque o seu reconhecimento como direito in- dividual e a qualificação do ensino fundamental como direito público subjetivo, tal como previsto nos arts. 205 e 208 § 1o, respectivamente. Tais previsões facultam ao indivíduo, aos grupos ou categorias, às asso- ciações, entidades de classe, organizações sindicais ou entes estatais per- sonalizados, como é o caso do Ministério Público, demandar a garantia ou tutela do interesse individual, coletivo ou público, por intermédio Direito_Educação Final.indd 44 20/3/2009 12:26:09 DIREITO À EDUCAÇÃO: ASPECTOS CONSTITUCIONAIS 45 dos mecanismos previstos na própria Constituição Federal, como a ação civil pública, mandado de segurança, mandado de injunção, ação direta de inconstitucionalidade por
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