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Estatuto da Criança e do Adolescente - E.C.A Aula 2: Estatuto da Criança e do Adolescente: disposições preliminares Apresentação Iniciaremos os estudos sobre o tratamento jurídico conferido à criança e ao adolescente ao longo do tempo no cenário nacional. Trataremos, ainda, da doutrina da proteção integral, esclarecendo os principais pontos desta. Compreenderemos a utilização inicial do termo menor, a partir do primeiro Código de Menores, bem como a evolução dessa designação até ser empregada no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). De�niremos criança e adolescente, e demonstraremos como estes são sujeitos de direitos fundamentais. Finalizando, conheceremos a importância do critério de interpretação do ECA. Objetivos Descrever a evolução do tratamento jurídico conferido à criança e ao adolescente; Explicar a doutrina da proteção integral; Esclarecer a utilização da designação “menor”, a de�nição de criança e adolescente e o critério de interpretação do ECA. Disposições preliminares Fonte: //www.engemed.med.br/ Ao longo da história jurídica, nem sempre as crianças e os adolescentes receberam um tratamento diferenciado por serem pessoas em pleno desenvolvimento. No Brasil, já houve um tempo em que a condição de seres em processo de formação física e psicológica não conferia a crianças e adolescentes a titularidade de direitos humanos, diferentemente do que acontece hoje. Como se deu, portanto, a evolução do tratamento jurídico conferido à criança e ao adolescente? Como ambos se tornaram sujeitos de direitos fundamentais? Veremos isso a seguir. Acompanhe. Evolução do tratamento jurídico conferido à criança e ao adolescente como sujeitos de direitos fundamentais A criança nem sempre foi vista e respeitada, no Brasil, como um ser detentor de direitos especiais e especí�cos, pela condição de pessoa em desenvolvimento. Ela era vista, podemos dizer, como um mini-adulto, sem proteção especial. Na sociedade contemporânea, as crianças ganharam mais espaço. A evolução do tratamento da criança e do adolescente, pelo mundo jurídico, pode ser resumida em quatro fases, como bem ressalta Garrido de Paula: javascript:void(0); “Fase da absoluta indiferença, em que não existiam normas relacionadas a essas pessoas;” “Fase da mera imputação criminal, em que as leis tinham o único propósito de coibir a prática de ilícitos por aquelas pessoas (Ordenações Afonsinas e Filipinas, Código Criminal do Império de 1830, Código Penal de 1890);” “Fase tutelar, conferindo-se ao mundo adulto poderes para promover a integração sócio familiar da criança, com tutela re�exa de seus interesses pessoais (Código Mello Mattos, de 1927 e Código de Menores, de 1979);” “Fase da proteção integral, em que as leis reconhecem direitos e garantias às crianças, considerando-as como uma pessoa em desenvolvimento (Estatuto da Criança e do Adolescente - Lei nº 8.069/1990).” (GARRIDO DE PAULA, 2002, p. 26) No cenário nacional foi longa a jornada em busca de uma proteção integral à criança. No Brasil colonial não havia qualquer proteção especial para a criança, a qual não era percebida como sujeito de direito. Nesse sentido, assevera Alberton (2005, p. 25) que: “as crianças, eram chamadas de ‘grumetes’, tinham expectativa de vida muito baixa, até por volta dos 14 anos; (...) as crianças eram consideradas um pouco mais do que animais, e por isso usavam sua força de trabalho que acreditavam ser necessário.” Em 1927, no Brasil, foi publicado o primeiro Código de Menores sendo direcionado às crianças expostas e às crianças abandonadas. O documento tratava não apenas da culpabilidade e da responsabilidade, mas também declarava como menor aquelas crianças e adolescentes identi�cadas como sujeitos em situação de vulnerabilidade e infração. Essa designação estava em consonância com o desenvolvimento intelectual, identi�cando que menores seriam aqueles com idade inferior a 18 anos. Na época, a responsabilidade sobre os menores ainda era inerente ao Estado, competindo a este estabelecer medidas repressivas e formas de se evitar a delinquência. Outro destaque inerente ao Código de Menores é que a punição perdeu a natureza punitiva passando a ser percebida como de natureza pedagógica, havendo a mudança da sanção-castigo para sanção-educação. Pela primeira vez se identi�cava o caráter assistencial voltado às crianças e aos adolescentes brasileiros; porém, a doutrina adotada ainda era a doutrina da Situação Irregular, resultado do Código Civil de 1916, conhecido como normatização voltada aos direitos dos maiores, de modo que as crianças e adolescentes não eram, portanto, percebidos como sujeitos de direitos. Posteriormente, a Constituição de 1934 trouxe em seu texto questões pertinentes à criança e ao adolescente impedindo, por exemplo, o trabalho noturno realizado por menores de 16 anos de idade. A Constituição de 1937 trouxe em seu texto uma amplitude acerca da proteção da criança referindo que a infância e a juventude são objetos de cuidado e garantias especiais por parte do Estado e dos municípios, devendo ser garantido a elas o acesso ao ensino público e gratuito. “Art. 127. A infância e a juventude devem ser objeto de cuidados e garantias especiais por parte do Estado que tomara todas as medidas destinadas a assegurar-lhes condições físicas e morais de vida sã e de harmonioso desenvolvimento das suas faculdades. O abandono moral e intelectual ou físico da infância e da juventude importará falta grave dos responsáveis por sua guarda e educação, e cria ao Estado o dever de provê-las do conforto e dos cuidados indispensáveis à preservação física e moral. Aos pais miseráveis assiste o direito de invocar o auxílio e proteção do Estado para a subsistência e educação da sua prole.” (BRASIL, 1937) Em 1979 Foi publicado o novo Código de Menores (Lei nº 6.697/79), substituindo o código anterior, mas mantendo a natureza repressiva e assistencialista, fazendo menção ao menor em situação irregular, ou seja, os menores de 18 anos de idade que tivessem cometido alguma conduta infracional, ou que tivessem sofrido maus-tratos, ou que estivessem abandonados. Ao Juiz de Menores era concedido o poder de decidir o destino das crianças, permitindo tratamentos discricionários e julgamentos baseados na situação irregular. Na década de 1980 que se deu mais ênfase à preocupação com a proteção de crianças e adolescentes. O texto constitucional de 1988 trouxe uma gama de garantias dos direitos desse grupo especial, atribuindo não apenas ao Estado, mas também à família e à sociedade a responsabilidade de assegurar a efetividade de tais direitos. Foi com a Constituição de 1988 que se adotou a proteção integral da criança, “a população infanto-juvenil deixa de ser tutoria/discriminatória para tornar-se sujeito de direitos” (BRUÑOL, 2001, p. 39). “Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à pro�ssionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.” (BRASIL, 1988) A mudança ocorrida no tratamento da criança e do adolescente a partir da Constituição de 1988, adotando a teoria da proteção integral, possibilitou o surgimento de um tratamento jurídico especí�co para esse grupo especial: o ECA, Lei nº 8.069/1990, pautado no disposto no inciso XV, do art. 24, da Constituição Federal de 1988, e inspirado nas normas internacionais de direitos humanos, tais como a Declaração Universal de Direitos Humanos, a Declaração Universal dos Direitos da Criança e a Convenção sobre os Direitos da Criança. O ECA surge com uma nova proposta de proteção e efetividade dos direitos das crianças e dos adolescentes impondo mudanças nas políticas públicas voltadas ao tratamento destes, percebidos, então, como sujeitos de direitos.Doutrina da Proteção Integral da criança e do adolescente O ECA tem por objetivo a proteção integral, de modo que cada cidadão brasileiro que nasce tenha assegurado seu pleno desenvolvimento, desde as exigências físicas até o aprimoramento moral e espiritual. Nesse contexto moderno, com visão mais humana e amparada por um conjunto de princípios e regras que regem diversos aspectos da vida, desde o nascimento até a maioridade, a Lei nº 8.069/1990, estabelece a necessidade de proteção integral registrando em seu artigo 1º que “Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente”; abandonando, por conseguinte, a Doutrina da Situação Irregular para adotar a Doutrina da Proteção Integral. Fonte: Por ProStockStudio / Shutterstock. Por proteção integral, entende-se o conjunto amplo de mecanismos jurídicos voltados à tutela da criança e do adolescente, tendo ligação com o princípio do melhor interesse infanto-juvenil, considerando que a criança e o adolescente são sujeitos de direitos em relação à família, ao Estado e à sociedade. A Doutrina da Proteção Integral pondera, ainda, que a criança e o adolescente são pessoas que estão em desenvolvimento físico, o que lhes torna especiais frente aos adultos no sentido de necessitarem de estruturações especiais e diversas para atendê-los. O ECA deve ser interpretado e aplicado com foco nos �ns sociais a que se destina, uma vez que, na verdade, em situação irregular estão as famílias, que carecem de infraestrutura e que abandonam as crianças. Os pais descumprem os deveres do poder familiar; o Estado não cumpre as políticas sociais básicas. Dessa forma, o ECA está voltado para o desenvolvimento da população infanto-juvenil do país, garantindo proteção especial a este segmento considerado como pessoas em desenvolvimento, não tendo a percepção apenas repressora e punitiva característica do Código de Menores – este, nitidamente de natureza judicial –, mas sim uma percepção pedagógica norteada de medidas socioeducativas e protetivas, buscando sempre a ressocialização da criança e do adolescente. A�rmando que apenas por meio da educação, do tratamento e da prevenção é que se terá uma redução da delinquência juvenil, diversos órgãos foram criados com a intenção de implementar o ECA e efetivar os direitos das crianças e adolescentes, como os Conselhos de Direitos, os Conselhos Tutelares, os Fundos da Criança, bem como a ação civil pública para a responsabilização de autoridades que, por ação ou omissão, descumprirem o estatuto. Fonte: Por gst / Shutterstock. Atenção É relevante ressaltar, por �m, que o ECA rompe com a barreira da situação irregular resguardada no Código de Menores, pois os direitos assegurados não estão direcionados apenas àqueles que se encontram em situação irregular, mas sim a toda e qualquer criança, todo e qualquer adolescente, independentemente da situação em que se encontre, pois todos são sujeitos de direitos Menor, criança e adolescente Na concepção técnica jurídica, a expressão “menor” designa aquela pessoa que não atingiu ainda a maioridade, ou seja, os 18 anos de idade, não lhe sendo atribuída a imputabilidade penal, nos termos do art. 104 do ECA e do art. 27 do Código Penal. Por outro lado, a palavra menor utilizada pelo Código de Menores, era sinônimo de pessoa carente, abandonada, delinquente, infratora, pivete, ou seja, a pessoa estigmatizada como sendo um indivíduo em situação irregular. Isso estava em conformidade com a doutrina da época, a Doutrina da Situação Irregular, a qual acabou por provocar o preconceito e a marginalização, gerando até mesmo traumas nos sujeitos. Voltado para a proteção integral dos infantes e dos jovens respeitando as peculiaridades de seu desenvolvimento e condições de amadurecimento, o legislador considerou ser mais adequado substituir o termo menor cuja conotação era pejorativa para a criança e o adolescente. O ECA tem como objetivo distinguir o atendimento socioeducativo, pela de�nição dos conceitos de criança e adolescente, fundado no aspecto da idade, não levando em consideração sua condição social ou econômica, ponderando apenas o processo de desenvolvimento físico e intelectual em que estão tais indivíduos. Dessa forma, conforme previsto no artigo 2º, criança é toda pessoa até doze anos de idade incompletos. Já adolescente é aquele que estiver entre os doze e os dezoito anos de idade. Fonte: Por Tasty_Cat / Shutterstock. A distinção entre criança e adolescente tem importância em diversos aspectos, entre eles na aplicação de medidas socioeducativas quando da prática de um ato infracional, pois, para a criança, não será aplicada qualquer medida socioeducativa, mas de proteção. As medidas socioeducativas serão aplicadas somente aos adolescentes, conforme previsto pelo artigo 105 do ECA. Exemplo Outro exemplo que ressalta a importância da distinção entre crianças e adolescentes é a Lei nº 13.257/2016 que dispõe políticas públicas e estabelece princípios e diretrizes para a formulação e a implementação de políticas públicas para a primeira infância, ou seja, os primeiros 06 anos de vida. É relevante ressaltar que o ECA, no artigo 2º, em seu parágrafo único, permite que o atendimento aos adolescentes ultrapasse o limite dos 18 anos de idade em situações excepcionais. Isso ocorre em face da hipótese da maioridade civil, pois, à época da entrada em vigor do estatuto, estava vigente o antigo Código Civil, a Lei nº 3.071/1916. Com a chegada do novo Código Civil em 2002, a Lei nº 10.406/2002, foi alterada a maioridade civil, sendo esta reduzida para 18 anos de idade (CC, art. 5º, caput). É possível, dessa forma, o atendimento aos adolescentes que tenham mais de 18 anos de idade, por exemplo, a possibilidade de adoção de maior de 18 anos, nas hipóteses em que o adotando já se encontre sob os cuidados e a guarda dos adotantes, conforme previsto no artigo 40 do ECA, ou quando, por exemplo, é autorizada a aplicação e o cumprimento de medida socioeducativa de internação até os 21 anos de idade, conforme previsto no artigo 121, parágrafo 5º do mesmo estatuto. Atenção É importante destacar a Lei nº 13.431/2017, que estabeleceu o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência. Ela cria mecanismos para prevenir e coibir a violência e dispõe sobre a hipótese de aplicação excepcional de seus preceitos para as pessoas entre 18 e 21 anos: “Art. 3. Na aplicação e interpretação desta lei serão considerados os �ns sociais a que ela se destina e, especialmente, as condições peculiares da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento, às quais o Estado, a família e a sociedade devem assegurar a fruição dos direitos fundamentais com absoluta prioridade.” “Parágrafo único. A aplicação desta lei é facultativa para as vítimas e testemunhas de violência entre 18 (dezoito) e 21 (vinte e um) anos, conforme disposto no parágrafo único do art. 2º da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente).” (BRASIL, 2017) Sendo assim, o jovem terá um tratamento diferenciado, como escuta e depoimento especiais, visando oferecer a ele um sistema que lhe proteja os direitos de maneira mais e�caz, mesmo que a apuração da violência ocorra depois de a vítima ou testemunha ter atingido a maioridade. Criança e adolescente como sujeitos de direitos fundamentais Os direitos fundamentais da criança e do adolescente estão previstos no ECA, a partir do artigo 7º, os quais, pela leitura do Livro, depreendemos que são os mesmos direitos de qualquer pessoa humana. No entanto, por se tratarem de pessoas em desenvolvimento, deverão ter oportunidades que potencializem o seu estado físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade. Conforme o disposto no artigo 3º do ECA, incluído pela Lei nº 13.257/2016: “Art. 3º. A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes,por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a �m de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.” “Parágrafo único. Os direitos enunciados nesta Lei aplicam-se a todas as crianças e adolescentes, sem discriminação de nascimento, situação familiar, idade, sexo, raça, etnia ou cor, religião ou crença, de�ciência, condição pessoal de desenvolvimento e aprendizagem, condição econômica, ambiente social, região e local de moradia ou outra condição que diferencie as pessoas, as famílias ou a comunidade em que vivem.” (BRASIL, 2016) Em consonância com o previsto no artigo descrito, podemos estabelecer três princípios básicos que norteiam a proteção dos direitos fundamentais da criança e do adolescente, resguardando a situação de sujeitos de direito deles. São eles: A A criança e os adolescentes gozam de todos os direitos fundamentais assegurados a toda pessoa humana; B Possuem direito à proteção integral; C A eles são garantidos todos os instrumentos necessários para assegurar seu desenvolvimento físico, mental, moral e espiritual, em condições de liberdade e dignidade. Adotando a Doutrina de Proteção Integral, que atribui a função de resguardar a criança e o adolescente não apenas ao Estado mas também à família e à própria sociedade, e seguindo a orientação do texto constitucional (art. 227, CF/1988), o ECA mantém tal diretriz de forma expressa estabelecendo que, primeiramente, a família e, supletivamente, o Estado e a sociedade têm o dever de assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos fundamentais. Deixa claro que não é su�ciente que um órgão ou entidade se encarregue de tal função; é necessário que haja um esforço conjunto, uma atuação articulada entre família, Estado e sociedade: “Art. 4º. É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à pro�ssionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende: a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.” (BRASIL, 1990) Atenção É importante ressaltar que o ECA destaca, em primeiro lugar, a participação da família como forma de resguardar a criança e o adolescente, pois se entende que antes de qualquer outro órgão, a família é responsável por todo o trabalho desenvolvido em benefício das crianças e dos adolescentes, pela proteção e segurança destes. No artigo 19 do ECA é enfatizado novamente o convívio não apenas com a família, mas com a comunidade, agora como direito; registrando expressamente que “Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente que garanta seu desenvolvimento integral”. Nota-se, por conseguinte, a preocupação não apenas com relação ao jovem infrator, como ocorria nos códigos anteriores (Código de Menores), mas efetivamente com o ser humano criança e com o ser humano adolescente. Digiácomo e Digiácomo referem-se à garantia de prioridade prevista no parágrafo único do artigo 4º, que deverá ser promovida e �scalizada pelo Ministério Público, do seguinte modo: “[...] o princípio da prioridade absoluta à criança e ao adolescente deve nortear a atuação de todos, em especial do Poder Público, para defesa/promoção dos direitos assegurados a crianças e adolescentes. A clareza do dispositivo em determinar que crianças e adolescentes não apenas recebam uma atenção e um tratamento prioritários por parte da família, sociedade e, acima de tudo, do Poder Público, mas que esta prioridade seja absoluta (ou seja, antes e acima de qualquer outra), somada à regra básica de hermenêutica, segundo a qual “a lei não contém palavras inúteis”, não dá margem para qualquer dúvida acerca da área que deve ser atendida em primeiríssimo lugar pelas políticas públicas e ações de governo. O dispositivo, portanto, estabelece um verdadeiro comando normativo dirigido em especial ao administrador público, que em suas metas e ações não tem alternativa outra além de priorizar – e de forma absoluta – a área infanto-juvenil, como vem sendo reconhecido de forma reiterada por nossos Tribunais (exemplos dessa jurisprudência se encontram compilados ao longo da presente obra).” (DIGIÁCOMO; DIGIÁCOMO, 2017) A destinação privilegiada dos recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude está assegurada no próprio ECA por meio dos artigos 59, 87, 88 e artigo 261, parágrafo único. Voltado à proteção da criança e do adolescente, o ECA estabelece ainda, em seu artigo 5º, que é dever de todos a função de velar por direitos das crianças e adolescentes, impedindo que sejam submetidos a negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão: “Art. 5º. Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.” (BRASIL, 1990) Tal previsão não faz diferenciação diante da ação ou da omissão. Não é relevante de que forma a conduta ocorreu, de modo que, em ambas as situações, o indivíduo deverá ser punido, pois o objetivo primordial é resguardar os direitos fundamentais da criança e do adolescente a�rmando o princípio da proteção integral destes, bem como o princípio da prioridade absoluta. Como já foi dito anteriormente, as crianças e os adolescentes possuem os mesmos direitos fundamentais que qualquer outra pessoa, ou seja, possuem direito à vida, à saúde, à educação, ao lazer, à liberdade, entre outros, ressalvado o fato de serem pessoas em desenvolvimento. Ciente de tal situação especial, o ECA registra, no artigo 15, um tópico destinado ao direito à liberdade e ao respeito, a saber: “A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis” (BRASIL, 1990). Como se observa, o ECA enfatiza novamente que se está tratando não de objetos de proteção, mas de sujeitos de direitos e, como tal, devem ser tratados e respeitados, ressaltando o princípio da dignidade humana previsto pela Declaração Universal dos Direitos do Homem e consagrado universalmente. Como bem ressalta o artigo transcrito anteriormente, à criança e ao adolescente são destinados não apenas os direitos humanos fundamentais, mas também os direitos civis e sociais, de tal forma que a violação de tais direitos repercutirá em sanções legais, para mera exempli�cação. Vejamos a decisão acerca do abandono paterno: “INDENIZAÇÃO DANOS MORAIS. RELAÇÃO PATERNO-FILIAL. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE. A dor sofrida pelo �lho, em virtude do abandono paterno, que o privou do direito à convivência, ao amparo afetivo, moral e psíquico, deve ser indenizável, com fulcro no princípio da dignidade da pessoa humana.” (TA/MG. 7ª C. Civ. Ap. Civ. n° 408.550-5. Rel. Juiz Unias Silva. J. em 01/04/2004) A relação de paternidade não é apenas um direito do pai, mas da criança e do adolescente, devendo-lhes ser, portanto, assegurado. O descumprimento de tal direito importará a possibilidade de ação judicial e a respectiva indenização, ainda que não se tenha por interesse tornar patrimonial o sentimento, a relação entre pai e �lho. O que se pretende em si é aplicar uma sanção ao descumprimentodo direito inerente à criança e ao adolescente. Critério de interpretação do estatuto Quando se fala em Estatuto da Criança e do Adolescente, em hipótese alguma poderá a interpretação da norma ocorrer de modo a prejudicar a criança ou o adolescente – e não poderia ser diferente, uma vez que são os destinatários da Doutrina de Proteção Integral adotada pela legislação especí�ca. O ECA, em seu artigo 6º, inspirado no artigo 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (BRASIL, 1942), estabelece que a lei deverá ser interpretada considerando-se “os �ns sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento” (BRASIL, 1990). Nesse sentido, já se manifestou o Supremo Tribunal Federal: “ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE – INTERPRETAÇÃO. O Estatuto da Criança e do Adolescente há de ser interpretado dando-se ênfase ao objetivo visado, ou seja, a proteção e a integração do menor no convívio familiar e comunitário, preservando-se-lhe, tanto quanto possível, a liberdade. Estatuto da Criança e do Adolescente – segregação. O ato de segregação, projetando-se no tempo medida de internação do menor, surge excepcional, somente se fazendo alicerçado uma vez atendidos os requisitos do artigo 121 da Lei nº 8.069/90.” (STF. 1ª T. HC nº 88945/SP. Rel. Min. Marco Aurélio Melo. J. em 04/03/2008). Dessa forma, podemos a�rmar que, ao interpretar o ECA, sempre será priorizado o �m social ligado à proteção integral da criança e do adolescente, sobrepondo-se a qualquer outro bem ou interesse judicialmente tutelado, levando em conta a destinação social da lei e a condição de pessoas em desenvolvimento. Saiba mais Negligência deriva do latim negligentia e signi�ca desatenção, desleixo. É um ato omissivo, por exemplo, a falta de cuidados pelo responsável legal. Discriminação é a segregação, a diferenciação, seja por motivos relacionados a etnia, religião, gênero, orientação sexual, nacionalidade etc., por exemplo, quando não se quer proximidade com criança ou adolescente em razão da cor deles. Exploração é a forma de extrair de modo irregular algum proveito da conduta da criança ou do adolescente, como ocorre, por exemplo, com os denominados “pais de rua”, os quais colocam os �lhos para pedir esmolas nos semáforos. Violência, crueldade e opressão são condutas coercitivas contra o adolescente, causando-lhe dor e sofrimento. Cabe dano moral para criança de 3 anos? A Ministra Nancy Andrighi do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do Recurso Especial de nº 107.775-9, em 23 de fevereiro de 2010, citando o art. 3º do ECA, reconheceu que as crianças e os adolescentes possuem o mesmo direito que a pessoa humana adulta, e assim �xou uma indenização no valor de R$ 4.000,00 a uma criança de três anos em razão de de�ciência na prestação do serviço médico e recusa na feitura do exame radiológico (Resp. 103.775-9, j. 23-2-2010). Atenção Nas comunidades indígenas, não é comum a utilização da expressão adolescente. Em relação às crianças e adolescentes indígenas, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança baixou, em 2003, a Resolução 91, regulamentando a aplicação do ECA para eles, devendo ser observadas as peculiaridades socioculturais das comunidades indígenas, em consonância com o art. 231 da CF (BRASIL, 1988). Ocorre que o índio, ao passar pela puberdade e pelo seu respectivo “ritual de passagem”, deixa de ser criança e é considerado um adulto. O ECA tem por objetivo a proteção integral, de modo que cada cidadão brasileiro que nasce tenha assegurado seu pleno desenvolvimento, desde as exigências físicas até o aprimoramento moral e religioso. O ECA adota, por conseguinte, a teoria de Proteção Integral, de�nindo que a função de resguardar a criança e o adolescente não é apenas uma função do Estado, mas também da família e da própria sociedade. Seguindo a orientação constitucional, o estatuto mantém a mesma diretriz de forma expressa estabelecendo que, primeiramente, a família e, supletivamente, o Estado e a sociedade têm o dever de assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos fundamentais. Deixa claro que não é su�ciente que um órgão ou entidade se encarregue de tal função, é necessário que haja um esforço conjunto, uma atuação articulada entre família, Estado e sociedade. Atividade 1. O artigo 4º da Lei Federal nº 8.069/90, ECA, estabelece que é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à pro�ssionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária e, em seu parágrafo único, esclarece que a garantia de prioridade compreende, além de outras, a: a) Primazia na destinação de recursos voltados à proteção e ao socorro nas instituições públicas. b) Primazia na destinação de recursos para atendimento emergencial exclusivamente no sistema público de saúde. c) Primazia na formulação e na execução das políticas públicas voltadas ao esporte. d) Destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude. e) Destinação privilegiada de recursos materiais e financeiros voltados ao atendimento em instituições particulares especializadas. 2. O ECA, em vigor no Brasil a partir da Lei nº 8.069, desde 1990, dispõe sobre a atenção integral à criança e ao adolescente. De acordo com tal estatuto, assinale a alternativa correta: a) É considerada adolescente a pessoa entre 14 e 18 anos. b) É considerada adolescente a pessoa a partir dos 15 anos de idade completos. c) É considerada criança a pessoa até 12 anos de idade incompletos. d) É considerada adolescente a pessoa a partir dos 13 anos. e) É considerada criança a pessoa até 12 anos completos. 3. Assinale V (Verdadeiro) ou F (Falso) para as assertivas a seguir: a) O ECA tem por objetivo a proteção integral, de modo que cada cidadão brasileiro que nasce tenha assegurado seu pleno desenvolvimento, desde as exigências físicas até o aprimoramento moral e espiritual. b) Devemos entender por proteção integral o conjunto amplo de mecanismos jurídicos voltados à tutela da criança e do adolescente, não tendo ligação com o princípio do melhor interesse infanto-juvenil. c) Criança é aquela pessoa com 12 anos incompletos; adolescente, dos 12 anos completos aos 18 anos incompletos. d) O ECA está voltado para o desenvolvimento da população infanto-juvenil do país, garantindo proteção especial a este segmento considerado composto por pessoas em desenvolvimento. 4. Julgue certo ou errado o item subsecutivo acerca do ECA. “O poder público, a família, a sociedade e a comunidade devem garantir a efetivação dos direitos da criança e do adolescente”. 5. Preencha corretamente as lacunas do texto a seguir. É dever da família, da digite a resposta , da sociedade em geral e do digite a resposta assegurar, com digite a resposta , a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à pro�ssionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Notas Referências ALBERTON, M. S. Violação da infância: crimes abomináveis: humilham, machucam torturam e matam!. Porto Alegre: AGE, 2005. BRASIL. Lei nº 13.431, de 4 de abril de 2017. Disponível em: //www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015- 2018/2017/Lei/L13431.htm. Acesso em: 24 jul. 2019. BRASIL. Lei nº 13.257, de 8 de março de 2016. Disponível em: //www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015- 2018/2016/Lei/L13257.htm. Acesso em: 24 jul. 2019. BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: //www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em: 24 jul. 2019. BRASIL. 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