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ANDRÉ FELIPE ROCHA MARQUES ALDARY TOLEDO ENTRE ARTE E ARQUITETURA TESE DE DOUTORADO ORIENTADOR ABILIO GUERRA UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO MARÇO, 2018 M357a Marques, André Felipe Rocha. Aldary Toledo : entre arte e arquitetura / André Felipe Rocha Marques. 350 f. : il. ; 30 cm Tese (doutorado em Arquitetura e Urbanismo) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2018. Orientador: Abilio da Silva Guerra Neto. Bibliografia: f. 261-271. 1. Toledo, Aldary. 2. Arquitetura brasileira. 3. Escola carioca. I. Guerra Neto, Abilio da Silva, orientador. II. Título. CDD 720.981 ANDRÉ FELIPE ROCHA MARQUES ALDARY TOLEDO ENTRE ARTE E ARQUITETURA TESE APRESENTADA AO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO DA UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE, COMO REQUISITO PARCIAL À OBTENÇÃO DE TÍTULO DE DOUTOR EM ARQUITETURA. APROVADO COM DISTINÇÃO EM 23 DE FEVEREIRO DE 2018 BANCA EXAMINADORA PROF. DR. ABILIO DA SILVA GUERRA NETO UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE PROF.ª DR.ª CECÍLIA RODRIGUES DOS SANTOS UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE PROF. DR. OTAVIO LEONIDIO PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO DE JANEIRO PROF. DR. RENATO LUIZ SOBRAL ANELLI INSTITUTO DE ARQUITETURA E URBANISMO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, SÃO CARLOS PROF. DR. JOSÉ TAVARES CORREIA DE LIRA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO Esse trabalho é dedicado à João Filgueiras Lima, Lelé. AGRADECIMENTOS Agradeço, inicialmente, a Luiz Carlos Toledo, cuja a amizade surgiu no pe- ríodo em que eu realizava meu mestrado sobre a obra do arquiteto Lelé. Toledo me convidou para acompanhá-lo durante o dia de tratamento no Hospital Sarah no Rio de Janeiro, em 24 de agosto de 2012. Passei a tarde encantado com o Hospital e ganhei um amigo. Nunca esqueci a primeira frase que Toledo me disse quando nos vimos pela primeira vez, ao me ver chegando na marquise de acesso do hospital. Ape- sar de eu não poder transcrever da forma original, entenda assim: – Você é rabudo! Se referindo a cobertura do auditório do Hospital, que estava aberta. Venho aqui há cinco anos e nunca tinha visto aberta!, completou. Fechamos o dia tomando um copo de whisky, admirando o quadro de seus avós, pintado por Portinari, e ouvindo a história de como seu pai, Aldary, conhecera Lelé. Além de fantásticas outras histórias de pessoas como “tio” Jorge, Caloca, Candinho... Naquele momento, além da amizade, surgiu meu objeto de pesquisa para o doutorado. Tive a sorte de conhecer Nysa Toledo (in memorian), nos seus bem vividos 90 e poucos anos, que me recebeu no seu apartamento em Copacabana e teve a difícil incumbência de oferecer uma pizza carioca a um paulista esfomeado. Agradeço também Ana Maria Toledo pelo enorme apoio e pelas histórias do seu pai que aqui estão contadas. A Adriana Filgueiras Lima e seu pai Lelé (in memorian) por simplesmente dizerem: – O Aldary merece uma pesquisa de doutorado! A Fernanda Critelli pela revisão e diagramação deste trabalho, mas princi- palmente pelo companheirismo, apoio e inspiração que fazem um homem seguir em frente. A meu orientador Abilio Guerra, camarada nesses dias difíceis. Muitas pessoas contribuíram para esse trabalho durantes estes 3 anos. Agradeço especialmente à: Alan, Alberto Xavier, Albino, Ana Luiza Nobre, Ana Paula Koury, Andréa Pernambuco Toledo, Antônio Gil Andrade, Antônio Ricarte, alunos da USJT, Bár- bara, Biblioteca UFRJ – NPD (Elizabete Martins, João Cláudio e Mauricio Mat- tos), Cacilda, Carlos Augusto Góes, Cecilia Rodrigues do Santos, Cínthya Isquier- do, Dulce Critelli, Elizabete Kropf, Fábio, Fábio Gionco, Fernando Diniz Moreira, funcionários do Arquivo de Cataguases, Gastão Santos Sales, José Fernando Campos, Kátia Teixeira, Lilian Critelli, Luciana Bicalho, Mario Figueroa, Mario Fiore, Otavio Leonidio, Paula Belford, Percival Deimman, Ruth Verde Zein, Silvana Romano Santos, Pedro Toledo, Silvia Raquel Chiarelli, Ulisses Lins. A Universidade Presbiteriana Mackenzie pela bolsa concedida. RESUMO Aldary Henriques Toledo (1915-1998), arquiteto e pintor, dedicou 59 anos de sua vida profissional dividido entre arquiteto e artista. Com 28 anos de idade, participou da mais importante exposição sobre a obras arquitetônicas brasileiras, Brazil Builds: Architecture New and Old, 1652-1942, do Museu de Arte Moderna de Nova York. Sua trajetória chegou ao século 21 em total desconhecimento do público especializado. No início anos 1940, mesmo período em que entrou no Instituto de Apo- sentados e Pensionista Bancários – IAPB, participou dos principais projetos arquitetônicos modernos para a cidade de Cataguases MG, com destaque para Cine Teatro Cataguases, em parceria com Carlos Leão, a residência José Pacheco de Medeiros e o Hotel Cataguases. Juntamente com as obras de seus colegas Oscar Niemeyer e Francisco Bolonha, estes projetos são parte do processo de modernização da cidade que teve início na literatura, com a revista Verde, e no cinema, com a figura de Humberto Mauro. Por quase dez anos trabalhou simultaneamente nos escritórios do IAPB e do Escritório Técnico da Universidade do Brasil – ETUB, em parceria, respectivamente, com Carlos Leão e Jorge Machado Moreira – ambos arquitetos integrantes do grupo, lide- rado por Lúcio Costa, responsável pelo projeto do Ministério da Educação e Saúde – MES. Para compreender a importância e o atual ostracismo no qual se encontra Aldary Toledo, Garry Stevens é autor importante para a construção desta tese. Tendo como base conceitos antropológicos de Pierre Bourdieu, em seu livro O círculo privilegiado Stevens explica a construção cultural da arquitetura como profissão. E desmistifica a ideia de gênio criativo ao mostrar que, por trás dos indivíduos de destaque, existe uma rede social que os sustenta e da qual eles também fazem parte. A tese reconstrói a trajetória profissional de Aldary Toledo, mostrando sua importância dentro do campo da arquitetura moderna brasileira no seu período de consolidação; e as ramificações que este grupo geracional, no qual Aldary faz parte, teve no campo da cultura brasileira. A tese destaca que os mestres, cole- gas e pupilos de Aldary Toledo, um verdadeiro “circulo privilegiado” segundo a denominação de Garry Stevens, foram os principais agentes da cultura brasileira do século 20 em diversos campos: música, teatro, pintura, escultura, arquitetura e literatura. Aluno de Cândido Portinari, com quem aprendeu o ofício de artista; colega de Carlos Drummond de Andrade, com quem trocava desenhos por po- emas; parceiro de Vinícius de Moraes, com os desenhos para o livro Um signo, uma mulher; e de José Silveira Sampaio, para quem fez um painel na parede do Teatro de Bolso; e arquiteto de Dorival Caymmi, para quem projetou uma casa na Ilha do Governador, no Rio de Janeiro RJ. Com esta distinta “patota”, respon- sável pela construção da cultura moderna brasileira, passava os finais de tarde tomando um chope nos bares cariocas, tornando o ócio uma forma de arte. Palavras-chave: Aldary Toledo, Arquitetura Brasileira, Escola Carioca. ABSTRACT Aldary Henriques Toledo (1915-1998), architect and painter, dedicated 59 years of his professional life divided between architect and artist. At the age of 28, he participated in the most important exhibition on Brazilian architectural works, Brazil Builds: Architecture New and Old, 1652-1942, of the Museum of Modern Art of New York. His trajectory reached the 21st century totally unknown to the specialized public. At the beginning of 1940, the same period in which he entered the Ins- tituto de Aposentados e Pensionista Bancários –IAPB, he participated in the main modern architectural projects for the city of Cataguases MG, with highli- ght to the Cine Teatro Cataguases, in partnership with Carlos Leão, the José Pacheco Medeiros House and the Cataguases Hotel. Together with the works of his colleagues Oscar Niemeyer and Francisco Bologna, these projects are part of the modernization process of the city that began in the literature, with the magazine Verde, and in the cinema, with Humberto Mauro. For almost ten years he worked simultaneously in the offices of the IAPB and the Escritório Técnico da Universidade do Brasil – ETUB, in partnership, respectively, with Carlos Leão and Jorge Machado Moreira – both architects of the group, led by Lúcio Costa, responsible for the design of Ministério da Educação e Saúde – MES. To understand the importance and the current ostracism in which Aldary Toledo is found, Garry Stevens is an important author for the construction of this PhD dissertation. Based on anthropological concepts by Pierre Bourdieu, in his book The Favored Circle Stevens explains the cultural construction of architecture as a profession. And he demystifies the idea of the creative genius by showing that behind the prominent individuals there is a social network that sustains them and of which they are also part. The dissertation reconstructs the professional trajectory of Aldary Toledo, showing its importance within the field of modern Brazilian architecture in its pe- riod of consolidation; and the ramifications that this generational group, in which Aldary is a part, had in the field of Brazilian culture. This PhD dissertation highli- ghts that Aldary Toledo’s masters, colleagues and pupils, a true “favored circle” according to the denomination given by Garry Stevens, were the main agents of Brazilian culture of the 20th century in various fields: music, theater, painting, sculpture, architecture and literature. Student of Cândido Portinari, with whom he learned the craft of an artist; colleague of Carlos Drummond de Andrade, with whom he exchanged drawings for poems; partner of Vinícius de Moraes, with the drawings for the book Um signo, uma mulher; and José Silveira Sampaio, for whom he made a panel on the wall of the Teatro de Bolso; and architect of Do- rival Caymmi, for whom he designed a house on Ilha do Governador, in Rio de Janeiro RJ. With this distinct “patota”, responsible for the construction of Brazilian culture, he spent the afternoons drinking beers in the bars of Rio, transforming leisure in a form of art. Keywords: Aldary Toledo, Brazilian Architecture, Rio de Janeiro School. Aldary Henriques Toledo em seu escritório. Foto de Quirino Toledo. Acervo AHT Aldary Henriques Toledo em seu escritório. Foto de Quirino Toledo. Acervo AHT Rosto feminino, por Aldary Toledo. Acervo AHT Na próxima página Desenho de Aldary Toledo, por Carlos Thiré. Acervo AHT 21 25 38 42 48 58 68 78 130 162 180 200 209 246 261 INTRODUÇÃO. POR QUE ALDARY TOLEDO? METODOLOGIA PARA CONSTRUÇÃO DA TESE PRÓLOGO. ALDARY POR ALDARY OS MESTRES. A INFÂNCIA COM PORTINARI E O DESPERTAR PARA A MODERNIDADE CURSO DE ARQUITETURA NA ESCOLA NACIONAL DE BELAS ARTES UNIVERSIDADE DO DISTRITO FEDERAL – UDF VIDA PROFISSIONAL CATAGUASES MG OS COLEGAS. O DESENHO E AS TROCAS SIMBÓLICAS DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA DO INSTITUTO DE APOSENTADORIAS E PENSÕES DOS BANCÁRIOS – IAPB ESCRITÓRIO TÉCNICO DA UNIVERSIDADE DO BRASIL – ETUB PETROBRAS OUTROS PROJETOS OS PUPILOS. A CONCLUSÃO DE UMA TRAJETÓRIA EMINENTE BIBLIOGRAFIA ANEXOS PROJETO PORTINARI: PROGRAMA DEPOIMENTOS ENTREVISTA COM O ARQUITETO ALDARY TOLEDO RIO DE JANEIRO, 13 DE DEZEMBRO DE 1982 ARQUITETO ALDARY HENRIQUES TOLEDO: UMA APROXIMAÇÃO BREVE, POR CAIO MENDES DE OLIVEIRA CASTRO O AVÔ, O ARMÁRIO E AS MULHERES, POR ANDRÉA PERNAMBUCO TOLEDO LISTA DE OBRAS LISTA DE OBRAS PUBLICADAS LISTA DE IMAGENS 273 303 309 314 335 338 Mulher, por Aldary Toledo. Acervo André Marques O corpo feminino, musical e silente, o corpo e seu mistério em linha concentrado, o corpo, na pureza da moça arborescente, (o divino brinquedo), quem melhor o define em fino, aéreo traço, do que Aldary Toledo?1 1. ANDRADE, Carlos Drummond. Dedicatória para o arquiteto no livro De Notícias & Não Noticias se faz crônicas. 21as minhas relações mais importantes foram mesmo com Aldary Toledo e Oscar Niemeyer. Os dois apareceram em períodos diferentes: o Aldary Toledo era um arquiteto muito bom, um cara muito culto e também era pintor. Ele me ensinou muita coisa, despertou em mim o interesse pela arquitetura. Depois, claro, houve minha relação com Oscar.2 Esta tese de doutorado teve início a partir de uma pesquisa anterior sobre a trajetória profissional do arquiteto João Filgueiras Lima (1931-2014) – A obra de João Filgueiras Lima, Lelé: projeto, técnica e racionalização.3 Segundo Lelé, Al- dary Henriques Toledo (1915-1998) e Oscar Niemeyer (1907-2012) foram figuras importantes em sua formação. Ambos arquitetos cariocas que iniciaram suas car- reiras nos anos 1930 e 1940, mas, de um lado, um personagem de indiscutível notoriedade e, de outro, um arquiteto em total ostracismo. Durante o processo de mestrado, teve início o contato com a família de Aldary Toledo, em especial seu filho, o arquiteto e professor Dr. Luiz Carlos 2. LIMA, João Filgueiras. Um João...Lelé. Entrevista com Roberto Pinho e Marcelo Ferraz. In LATORRACA, Giancarlo. João Filgueiras Lima, Lelé, p. 15. 3. MARQUES, André. A obra de João Filgueiras Lima, Lelé: projeto, técnica e racionalização. INTRODUÇÃO. POR QUE ALDARY TOLEDO?Capacete usado por Aldary nas obras da Petrobras sobre desenho de mulher. Foto André Marques 22 Toledo, e sua esposa, Nysa de Menezes Toledo, que disponibilizaram todo o acervo pessoal (cartas, bilhetes, convites, cartões de Natal) e profissional (de- senhos, recortes de jornal, diplomas, requerimentos de aprovação de projeto, ofícios, telegramas, microfilmes). O material referido não se apresenta como um acervo organizado, mas um conjunto de documentos – desenhos e cartas de momentos muito diferentes da trajetória do arquiteto – guardados em cai- xas, sem qualquer catalogação ou critério de agrupamento. Também foram en- contrados neste acervo dois documentos preciosos: uma pesquisa coordenada por Jorge Czajkowski (1948-2010) sobre a obra do arquiteto; e uma entrevista dada por Aldary Toledo ao Projeto Portinari. A pesquisa de Czajkowski – O nativismo carioca: uma arquitetura entre a tradição e a modernidade – foi desenvolvida na PUC-Rio com apoios da Funarte e do CNPq, e teve como foco a trajetória profissional dos arquitetos Carlos Leão (1906-1983), Jorge Machado Moreira (1904-1992) e Aldary Toledo. Nos dois primeiros casos, houve a organização de exposições e a publicação de catálogos – Carlos Leão, exposição em 1985 e catálogo em 2016, seis anos após o faleci- mento de Czajkowski; Jorge Machado Moreira, exposição e catálogo em 1999.4 No entanto, a parte sobre Aldary Toledo nunca foi concluída, resultando apenas em um texto no qual a equipe de pesquisa destaca a importância do arquiteto no panorama da arquitetura moderna brasileira, além de uma lista de projetos assim descrita: 4. Os catálogos são os seguintes: CZAJKOWSKI, Jorge. Carlos Leão arquitetura; CZAJKOWSKI, Jorge. Jorge Machado Moreira. Ver sobre os catálogos: CONDURU, Roberto. Jorge Paul Czajkowski; GUERRA, Abilio. Carlos Leão: arquitetura. Um sonho de Jorge Czajkowski que se cumpre; SIQUEIRA, Vera Beatriz. Modernida- de vernacular. A arquitetura de Carlos Leão. 23 No início da pesquisa haviam sido localizados apenas 38 projetos, entre resi- dências e mistas, de março a maio essa lista estendeu-se a 160 projetos (obras construídas ou não) abrangendo diferentes programas e assim discriminados: 64 indústrias; 35 residências; 10 escolas;10 mistos; 8 conjuntos habitacionais; 7 diversos; 3 reformas; 13 pequenas obras. Desses 160 projetos, apenas 10% foram realizados em sociedade com outros arquitetos, os demais sendo de sua autoria individual.5 Já a entrevista – realizada ao final de 1982, no escopo do Programa de Depoimentos do Projeto Portinari – tinha como objetivo principal entender os primeiros anos de Cândido Portinari (1903-1962) na cidade do Rio de Janeiro, momento no qual o artista havia sido hospedado por seu pai, Quirino Alves To- ledo, na casa da família. No entanto, seu conteúdo foi muito além foco inicial. Aldary Toledo contou sobre sua relação próxima com Candinho – diminutivo ca- rinhoso como trata o artista –, os anos de sua formação arquitetônica e artística (ENBA e UDF) e seus trabalhos na cidade de Cataguases, com destaque para a casa para Pacheco de Medeiros Filho, onde foi instalado o painel Última Ceia, desenhado por Portinari. O acervo dos projetos arquitetônicos desenvolvidos ao longo de sua traje- tória profissional encontra-se catalogado no Núcleo de Pesquisa e Documenta- ção – NPD da Universidade Federal do Rio de Janeiro, sob a tutela de Elizabeth Martins, e nele foram encontrados, aproximadamente, 300 documentos refe- rentes a 15 projetos: residência Dorival Caymmi, Fazenda Sr. Mário Palmeiro, 5. CZAJKOWSKI, Jorge. Aldary Toledo, arquiteto. Pesquisa: “O Nativismo Carioca: uma arquitetura entre a tradição e a modernidade”. Na página anterior Retrato de Aldary Toledo. Foto Quirino Toledo. Acervo AHT Nesta página Aldary Toledo. Acervo AHT 24 residência Cap. José Antônio Barbosa de Moraes na Ilha do Governador, Edifício à rua Joaquim Caetano, Igreja do Rosário em Cataguases, Casa de Campo em Resende, residência para os funcionários da Petrobras em Brasília, residência em Araruama, residência em São Pedro de Aldeia, residência Norberto Silva, resi- dência Edgar Frias Rocha, residência Dr. Pacheco de Medeiros Filho, residência Paulo T. Demoro, Banco em Teresópolis, Serviço de Alimentação da Previdência Social e Fazenda São Luiz. Além destes acervos, foi consultado o Arquivo Público da cidade de Cataguases, que detém os desenhos de anteprojeto e detalhes exe- cutivos do Cine Edgar, projeto realizado em 1945 em coautoria de Carlos Leão. Outro ponto importante no desenvolvimento desta pesquisa foi o contato com João Filgueiras Lima, Lelé, Adriana Filgueiras Lima e Waldir Moreira Garcia,6 que destacaram a importância de Aldary Toledo na formação de uma geração de arquitetos. Fato reforçado pela carta de condolências enviada em março de 1998 por Haroldo Pinheiro, na época presidente do IAB-DF, ao filho Luiz Carlos Toledo, por ocasião do falecimento do arquiteto. Sua trajetória profissional deixou grandes herdeiros na profissão que, por sua vez, já formam outros arquitetos, Brasil afora, dentro dos mesmo princípios de serie- dade e competência. O exemplo de rigor técnico e inteireza ética deixada pelo mestre Aldary Toledo é, para nós, motivo de orgulho e inspiração profissional.7 6. Waldir Moreira Garcia, arquiteto, foi Secretário de Planejamento do Estado do Rio de Janeiro nos anos 1980. 7. Carta do IAB-DF, assinada pelo presidente Haroldo Pinheiro, em 03/03/1998, nota de falecimento. Arqui- vo Profissional, Arquivo Aldary Henriques Toledo. Aldary Toledo na Oca, recorte do jornal Correio da Manhã, 18 out. 1956, colado em papel timbrado da Presidência da República. Acervo AHT 25 METODOLOGIA PARA CONSTRUÇÃO DA TESE A tese tem como premissa a atual situação de ostracismo do arquite- to Aldary Toledo, apesar da relevância de sua contribuição no panorama da historiografia da arquitetura moderna brasileira – por seu legado de obras deixadas e influência para gerações de arquitetos – e, para isso, é necessária a reconstrução da sua trajetória, hoje desconhecida. A metodologia utilizada é a articulação de vários procedimentos investigativos, visando caso a caso sua adequação ao tipo de material processado em cada ponto da tese. Um dos principais é a reconstrução da trajetória pessoal e profissional aos moldes das realizadas pelos jornalistas Lira Neto e Fernando Morais nas biografias, respec- tivamente, de Getúlio Vargas e Assis Chateaubriand. Tal procedimento implica na manipulação de documentos históricos pessoais, depoimentos de amigos e parceiros profissionais, recortes de jornais e outros documentos pessoais com o intuito de se estabelecer o contexto no qual o personagem está inserido e no qual faz sentido. Da mesma forma que Lira Neto, esta tese evita reescrever ou reinterpretar os acontecimentos históricos já consagrados na historiografia da arquitetura brasileira. O que se propõe aqui é a articulação deste vasto pano de fundo com os aspectos da vida pessoal do arquiteto, sobretudo seu cotidiano e con- textualização, para compreender a forma na qual tais dimensões interagiram e se influenciaram.8 Trata-se de um olhar ante aos fatos históricos não somente pelas questões técnicas, construtivas e projetuais do arquiteto, mas também 8. NETO, Lira. Getúlio, 1930-1945: do governo provisório à ditadura do Estado Novo, p.494. 26 pelas tramas socioculturais que estão por trás dele e que sustentam a sua obra. Tendo como premissa a relação entre sociedade e arquitetura, por esta se tratar de uma obra coletiva e correspondente aos anseios da sociedade e do momento a que ela pertence. Diante da diversidade de materiais disponíveis no acervo de Aldary To- ledo, arrisca-se algumas análises e desenvolvimentos a partir de um método investigativo e indiciário nos moldes propostos por Carlo Guinzburg em seu livro Mito, emblemas, sinais, onde desenvolve diversas analogias entre os trabalhos investigativos do historiador, do psicanalista, do crítico de arte e do detetive: “O conhecedor de arte é comparável ao detetive que descobre o autor do crime (do quadro) baseado em indícios imperceptíveis para a maioria”.9 Tomados como pistas e indícios, os documentos encontrados no acervo foram confrontados com a historiografia da arquitetura moderna brasileira, estabelecendo-se relações entre as micro e macro histórias a partir da suposição que há uma dimensão universal nas ações individuais – afinal estas, as ações individuais, partem sem- pre de um dado campo de possibilidades nos âmbitos moral, psicológico, ético, material, econômico etc. Para compreender a importância e o atual ostracismo no qual se encontra o arquiteto Aldary Toledo, outro autor importante na contribuição do ferramen- tal desta tese foi Garry Stevens. Tendo como base conceitos antropológicos de Pierre Bourdieu, em seu livro O círculo privilegiado Stevens explica a construção cultural da arquitetura como profissão. Desmistifica a ideia de gênio criativo ao mostrar que, por trás dos indivíduos de destaque, existe uma rede social que os 9. GUINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história, p.145. Escala humana de Aldary Toledo. Acervo NPD - UFRJ 27 sustenta e da qual eles também fazem parte.10 Em nosso contexto, para entender, por exemplo, a posição icônica ocupada por Oscar Niemeyer dentro da arquite- tura moderna brasileira é necessário compreender não apenas a construção his- toriográfica, mas também a base social onde ela se apoia, em especial os agen- tes do campo da arquitetura que escoram esta construção. Dentre estes agentes, encontram-se: Roberto Burle Marx (1909-1994), Attílio Côrrea Lima (1901-1943), Lúcio Costa (1902-1998), Carlos Leão, Rino Levi (1901-1965), Henrique Mindlin (1911-1971), Jorge Machado Moreira, Affonso Eduardo Reidy (1909-1964), ir- mãos Roberto, Aldary Toledo e Álvaro Vital Brasil (1909-1997), todos presentes na difundida exposição e catálogo Brazil Builds de 1943. Garry Stevens destaca a irradiação da notoriedade entre pares dentro de um grupo articulado: “os arquitetos maiores estão ligados não somente com muito mais colegas arquitetos,como também os mais eminentes. Quan- to mais eminentes se é e quanto mais eminentes as pessoas com quem se estudou, mais eminentes são seus colegas de profissão e mais eminentes se tornarão seus pupilos”.11 Traduzindo tal raciocínio para o caso específico des- ta tese, Aldary Toledo, ao se aproximar de seus professores e mestres Lúcio Costa, Attílio Côrrea Lima, Emílio Henrique Baumgart (1889-1943) e Cândi- do Portinari, entra para um grupo ilustre de arquitetos e, por sua vez, formou em seu escritório eminentes pupilos: Francisco Bolonha (1923-2006), Rober- to Tibau (1924-2003), Índio da Costa, Luiz Carlos Toledo e João Filgueiras Lima, Lelé. Como uma espécie de clube de eleitos, o rol de amizades entre pares transmite distinção e qualificação para os participantes, mas não de 10. STEVENS, Garry. O círculo privilegiado: fundamentos sociais da distinção arquitetônica. 11. Idem, ibidem, p. 180. O lavrador de café, Cândido Portinari. Acervo Masp 28 forma equânime, de tal modo que resulta em hierarquia baseada em códigos de pertencimento. Contudo, tais relacionamentos não primam apenas por relações fraternas, pois neles habitam também o conflito e o confronto. Em seus argumentos, Ste- vens empresta conceitos concebidos por Pierre Bourdieu para avaliar o compor- tamento social de grupos, dentre eles, os de “campo” e “capital”: A palavra serve para conotar, ao mesmo tempo, um campo de batalha e um campo de força. No primeiro sentido, é um local de luta. Os indivíduos em um campo competem pelo controle de recursos e capitais específicos desse campo. [...] No segundo sentido, um campo é um local no qual forças atuam sobre seus membros e no qual cada membro exerce uma força proporcional à composi- ção e natureza do capital especifico que controla naquele campo. A posição de um indivíduo em um campo não pode ser definida em termos absolutos, mas somente de modo relativo, relacional. O capital de um campo somente tem significado naquele campo; portanto, seu valor depende do estado do todo e está sujeito a desvalorizações ou reavaliações à medida que muda o estado do campo.12 Para exemplificar o “campo de batalha”, usaremos uma passagem da historiografia da arquitetura brasileira denominada como “Guerra Santa”. Conforme estabeleceu Otavio Leonidio, tal guerra pode ser entendida em dois 12. Idem, ibidem, p. 91. Aldary Toledo, seus mestres, colegas e pupilos. Gráfico André Marques 29 atos: primeiro ato, a luta travada nos jornais da capital carioca, no início dos anos 1930, entre Lúcio Costa e José Marianno Filho (1881-1946) sobre a inser- ção de pensamentos modernos na tradicional Escola Nacional de Belas Artes; segundo ato, a implantação em 1936, em vias de fato, do pensamento mo- derno corbusiano nas obras do Ministério da Educação e Saúde e no projeto da Cidade Universitária, somente possível graças à influência que Lúcio Costa exercia no Ministério naquele momento.13 Já o “campo de força” pode ser exemplificado no recorte histórico para o catálogo Brazil Builds, “fortemente marcado pelas elaborações teóricas de Lúcio Costa, que atribuiu à arquitetura moderna um vínculo espiritual com a arqui- tetura colonial”.14 E pode ser exemplificado também pela seleção dos nomes, anteriormente citados, que representariam internacionalmente a arquitetura mo- derna brasileira na exposição organizada pelo MoMA e no texto “Depoimento de um arquiteto carioca”15 – publicado em 1952 pelo Serviço de Documentação do Ministério de Educação e Saúde –, onde o nome de Aldary Toledo aparece junto a seus pares. Um ponto importante desta citação de Garry Stevens é a transforma- ção do capital devido às mudanças no todo do campo. Mudanças estas estruturais na sociedade cultural brasileira, entre os anos 1960 a 1970, com 13. Sobre a luta travada entre os arquitetos, ler o capítulo “’Guerra santa: Lucio Costa versus José Marian- no Filho (1930-1931)” em LEONÍDIO, Otavio. Carradas de razões: Lucio Costa e a arquitetura moderna brasileira, p. 56-70. 14. GUERRA, Abilio. Lúcio Costa: modernidade e tradição. Montagem discursiva da arquitetura moderna brasileira, p. 38. 15. COSTA, Lúcio. Arquitetura Brasileira. Os cadernos da cultura, p. 30. Gráfico de Garry Stevens, relacionamento entre arquitetos maiores os demais. Os números são para um grupo de dez ar- quitetos maiores. Fonte STEVENS, Garry. O círculo privilegiado, p. 181 30 “De pintor a arquiteto”, jornal Suplemento de Cataguases, 9 set. 1990. Acervo Arquivo Público de Cataguases Na próxima página Cine Edgar, Cataguases, 1945. Foto André Marques 32 a transposição da capital do Rio de Janeiro para Brasília e com o conti- nuado crescimento da importância de São Paulo no âmbito da economia produtiva agrícola, industrial e financeira do país. Tudo isso tornando mais fácil o financiamento de novos agentes culturais fora do Rio de Janeiro. Também é importante ressaltar que, neste período de maturidade profissio- nal do Aldary Toledo, as principais revistas de arquitetura nacionais entram em seus momentos de crises: Acrópole (1938-1971), Arquitetura e Engenha- ria (1946-1965), Brasil Arquitetura Contemporânea (1953-1957), AD Arqui- tetura e Decoração (1953-1958), Módulo (1955-1965), Brasília (1957-1961) e Arquitetura (1961-1969).16 Estes e outros fato que transformaram o cam- po colaboram para que os arquitetos cariocas, como, por exemplo, Sérgio Bernardes (1919-2002), os irmãos Robertos – Marcelo (1908-1964), Milton (1914-1953) e Maurício Roberto (1921-1996) – Carlos Leão (1906-1983) e o próprio Aldary Toledo, entrassem em total ostracismo. Garry Stevens se mune dos capitais simbólicos conceituados por Pierre Bourdieu – “capital cultural institucionalizado”, “capital objetivado”, “capital so- cial” e “capital cultural corporificado” – para a compreensão da luta social pela aquisição de capital cultural no meio arquitetônico. O capital cultural institucio- nalizado seria constituído pelos valores definidos pelo mundo acadêmico; o ob- jetivado, por bens culturais, como obras de arquitetura ou qualquer outro objeto simbólico produzido pela sociedade. Para essa tese, são especialmente impor- tantes os capitais social e o cultural corporificado; do primeiro, fala o seguinte: 16. Cf. OLLERTZ, Aline. Morte e vida de uma revista de arquitetura; SERAPIÃO, Fernando Castelo. Arquitetura Revista: a Acrópole e os prédios de apartamentos em São Paulo, 1938-1971. Mulher, por Aldary Toledo. Acervo AHT Na próxima página Capacete de Aldary Toledo usado nas obras da Petrobras sobre desenho de mulher. Foto André Marques 33 O capital social consiste de redes duráveis de pessoas com as quais se pode contar para apoio e auxílio ao longo da vida. [...] Naturalmente, quanto maior o capital concentrado nos membros individuais de uma rede social, mais alto será o valor daquela rede; desse modo, as classes privilegiadas possuem uma vantagem inerente sobre as classes mais baixas, simplesmente porque seu capital social é maior.17 Traduzindo tal argumentação para o universo desta tese – e tendo em mente que Aldary estava inserido no grupo pioneiro do movimento moderno brasileiro e diretamente conectado nas redes sociais dos campos modernos da literatura e das artes em geral –, o “capital cultural institucionalizado” está pre- sente nas ações dos principais funcionários do Ministério de Educação e Saúde, tanto o ministro Gustavo Capanema como seus principais chefes de gabinetes – Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), Lúcio Costa e Rodrigo Melo Franco de Andrade (1898-1969). Já o “capital objetivado” era produzido pelos próprios arquitetos, arquitetos-artistas e artistas, neste momento representados por Oscar Niemeyer, Roberto Burle Marx, o próprio Aldary, Cândido Portinari, Mário Pedro- sa (1900-1981), Marques Rebelo (1907-1973) e Heitor Villa-Lobos (1887-1959), entre outros. Assim, é possível arriscar o comentáriode que o “capital social” de Aldary Toledo, inserido no contexto do Brasil dos anos 1930-1960, se revela no seu papel de promotor dos capitais institucionalizado e objetivado, fortalecendo ainda mais sua posição de agente cultural da sociedade brasileira. Dessa forma, a posição defendida por Garry Stevens revela seu potencial explicativo que transcende a simplificação presente na valorização excessiva do 17. STEVENS, Garry. Op. cit., p. 76-77. 34 gênio criador: a hierarquia e os valores são construídos pela rede de agentes culturais que trabalham em prol de uma determinada causa. A presença eventual de um representante único ou mais destacado – o gênio criador, detentor hege- mônico do capital cultural – se funda, portanto, mais na construção simbólica estabelecida pela rede do que no mérito exclusivo pessoal. Um segundo capital é importante para se entender a eminência de alguns arquitetos no seu campo profissional específico. Segundo Stevens, se apoiando mais uma vez em Bordieu, o “capital cultural corporificado” existe no íntimo dos indivíduos, sob formas e atitudes, gostos, preferencias e comportamentos. Como falamos, caminhamos e nos vestimos, o que gostamos de ler, os esportes que gostamos de praticar, o carro que gostamos de guiar, os tipos de roupas que usamos, os passatempos que preferimos, todas as inúmeras possibilidades em que gosto e atitudes se manifestam são marcas de capital cultural corporificado.18 Assim, a distinção de pessoa culta não é alcançada necessariamente por inúmeras titulações acadêmicas ou pela posse de determinados objetos insti- tucionalizados, pois muitas vezes são mais fortes e decisivas certas atitudes e manifestações de gosto no âmbito coletivo. É de amplo conhecimento o hábito, no meio social brasileiro, de usar no tratamento com figuras cultas, detentoras do capital cultural corporificado, pronomes tomados de empréstimo às titulações acadêmicas, casos específicos de “Dr. Lúcio”, “Dr. Oscar” e “Mestre Aldary To- ledo”. Tais exemplos do campo da arquitetura brasileira para distinguir figuras 18. Idem, ibidem, p. 77. 35 cultas tem alguma simetria, no contexto socioeconômico, com o tratamento de “Coronel” dado aos chefes políticos locais em diversas regiões do país. Ainda no campo da sociedade brasileira, não é somente a substituição dos pronomes por titulações, mas também a incorporação de apelidos e diminutivos para aproximação dos agentes do capital cultural corporificado. Tal mecanismo é acionado na trama dos relacionamentos pessoais – amizades íntimas, camarada- gens e parentescos – e fica muito evidente ao se observar o tratamento dado entre si por importantes personagens da arte, literatura e arquitetura brasileiras: Candi- nho para Cândido Portinari, Caloca para Carlos Leão, poetinha para Vinícius de Moraes (1913-1980) e – para deixar clara a permanência do hábito em tempos atuais e no contexto paulista – Paulinho para Paulo Mendes da Rocha (1928). Assim, essa expansão do capital cultural corporificado de Bourdieu para os tratamentos pessoais pode ser associada ao conceito de “cordialidade” tratado por Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982) em Raízes do Brasil: No domínio da linguística, para citar um exemplo, esse modo de ser parece refletir-se em nosso pendor acentuado para o emprego dos diminutivos. A termi- nação inho, aposta às palavras, serve para nos familiarizar mais com as pessoas ou os objetos e, ao mesmo tempo, para lhes dar relevo. É a maneira de fazê-los mais acessíveis aos sentidos e também aproximá-los do coração.19 A possível associação entre os conceitos de Pierre Bordieu e Sérgio Buar- que de Holanda no âmbito da arquitetura brasileira pode ser confirmada pelo caso de João Filgueiras Lima, arquiteto carioca e discípulo de Aldary Toledo, 19. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil, p. 148. 36 chamado por seus colaboradores de “Dr. Lelé”. A somatória saborosa da fa- miliaridade fraternal do apelido e da distinção elevada de autoridade faz parte dos mecanismos sutis que suturam as complexas relações pessoais e coletivas da sociedade intelectual carioca, da qual faz parte Aldary Toledo. “Habitus”, outro conceito bourdiano tratado por Garry Stevens, tem impor- tância fundamental na construção desta tese. Este termo indica que cada mundo social conta com hábitos próprios, que não fazem necessariamente sentido nos outros mundos. Segundo Stevens, “é um conjunto de disposições interiorizadas que induz as pessoas a agir e reagir de determinadas maneiras e é produto final do que a maioria das pessoas chamaria de socialização ou enculturação”.20 No âmbito desta tese, a rede de amizades – que pode ser entendida como capital social – se reunia nas praias da zona sul do Rio de Janeiro ou então nos tradicionais bares e restaurantes cariocas, como, por exemplo, o Bar Veloso, Bar Amarelinho, Bar Jangadeiro, o Café Vermelhinho e o Café Lamas. A “patota”, como se auto-intitulava o grupo, trocava poemas e desenhos entre si e se carac- terizava por seus personagens masculinos, de tendências esquerdistas e, em sua maioria, de alguma forma ligados ao poder público. Os temas centrais e recor- rentes das conversas eram as mulheres, os amores impossíveis e a sensualidade, mas esse “habitus” não fazia parte da prática profissional propriamente dita destes personagens. Eles eram, em sua grande maioria, funcionários públicos com car- gos importantes dentro de departamentos de obras públicas, patrimônio, cultura e, até mesmo, diplomacia. Tais trocas culturais informais – como, por exemplo, os desenhos das mulheres nuas feitos por Aldary e Carlos Leão para ilustrar as obras literárias de Vinicius de Moraes, Carlos Drummond de Andrade e Francisco Inácio 20. STEVENS, Garry. Op. cit., p. 71. 37 Peixoto (1909-1986) – foram, na verdade, aquilo que os deixaram conhecidos fora de seus campos de atuação profissional, relevando a importância do “habitus” na construção da sociedade da época. O poema Receita de Mulher, do poeta e diplomata Vinicius de Moraes, exemplifica o universo masculino estabelecido pelo rol de amizades: As muito feias que me perdoem Mas beleza é fundamental. É preciso Que haja qualquer coisa de flor em tudo isso Qualquer coisa de dança, qualquer coisa de haute couture Em tudo isso (ou então Que a mulher se socialize elegantemente em azul, como na República Popular Chinesa). Não há meio-termo possível. É preciso Que tudo isso seja belo.21 A tese constrói duas narrativas distintas, com relativa autonomias, mas que são entretecidas, portanto importantes no entendimento de uma e outra: a pri- meira, a própria obra de Aldary Toledo e sua inserção no panorama da arquite- tura moderna brasileira, com levantamento de desenhos, projetos e obras, como artista/ilustrador; e a segunda, o campo intelectual moderno carioca, no qual o arquiteto está inserido, e que é definido pelos seus habitus, capital cultural, suas conexões pessoais, seus trabalhos dentro de órgãos públicos e sua influência para uma nova geração. 21. MORAES, Vinicius. Receita de mulher. Aldary Toledo (esq.) com o paisagista Carlos Perry (dir.). Acervo AHT 38 PRÓLOGO. ALDARY POR ALDARY Em texto sem autoria e data determinadas, encontrado no arquivo familiar que contém documentos pessoais e de trabalho do arquiteto Aldary Henriques Toledo, pode-se ler a seguinte súmula curricular: Filho único, de casal genuinamente brasileiro, foi criado com excessivo mimo em virtude de ter sido criança bastante doente. Rebento muito protegi- do em face da doença e da sua vida que sempre periclitava, atingiu a meni- nice como uma autêntica vitória de médicos, remédios e esforços familiares. Como se tudo não bastasse ficou, aos 13 anos de idade, completamente cego, durante nove meses sucessivos. Depois de esforços médicos em vão, sua mãe valeu-se dos próprios sentimentos religiosos fazendo preces a fim de o meninorecuperar a visão perdida. Levava então seu próprio filho às igrejas, com o prazer da própria criança que ainda lhe pedia informações sobre o ambiente místico. Finalmente encontrou na capela da santa de Lisieux o desejo, a esperança na realização de um genuíno milagre, que era a visão do menino, cujos primeiros sinais foram os primeiros traços fisionô- micos da imagem de Santa Teresinha, no seu próprio altar, distinguidos por ele numa certa manhã. Logo em seguida começou a tentar estudos e mesmo a desenhar, quando em plena juventude teve a vida ameaçada por uma crise apendicular. 39 A cegueira e a crise apendicular constituem marcos de sua arte, como autênticos brotos. A cegueira deu-lhe um critério plástico admirável, principalmente. A con- valescença da crise apendicular, jugulada pela operação, ensinou-lhe um critério até desconhecido emanado como [sic] que do retorno à vida. Em 1945, novo acidente, atribuída à miopia e distração, quase deformou a fisionomia do artista. Campeão de tiro ao alvo, jogador de tênis, admirador de Stravinski, Chotaskos- viski, Rachmaninoff, apreciador de palestras e da mesa, atualmente surpreende como um moço sadio e idealista. Tem tido vitórias na sua profissão de arquiteto, participando da moderna geração de arquitetos de maneira brilhante.22 22. Arquivo Aldary Henriques Toledo, em propriedade da família do arquiteto. Na página anterior Autorretrato de Aldary Toledo. Acervo AHT Nesta página “Aldary Henriques Toledo”, texto sem autoria. Acervo AHT Desenho de mulher, por Aldary Toledo, 1984. Acervo AHT 42 OS MESTRES. A INFÂNCIA COM PORTINARI E O DESPERTAR PARA A MODERNIDADE Aldary Henriques Toledo (1915-1998), arquiteto carioca, é mais conhecido por seu projeto para a Fazenda São Luiz/Hermenegildo Souto Maior (1942), pu- blicado nos célebres catálogo e exposição Brazil Builds, organizados pelo Museu de Arte Moderna de Nova York – MoMA, em 1943. O restante de sua obra, no entanto, ainda é desconhecido para o grande público. Segundo Jorge Czajko- wski, Aldary Toledo “ainda não ocupou seu lugar na historiografia de nossa ar- quitetura, em virtude do total desconhecimento de sua obra arquitetônica, tanto por parte dos estudiosos quanto do público em geral”.23 Esta tese catalogou 62 publicações diferentes sobre a obra do arquiteto distribuídas em 18 títulos (livros e revistas), com destaque especial para o livro Modern Architecture in Brazil e as revistas L’Architecture D’Aujourd’hui, Domus, Architecture Review, Forum, Ha- bitat, Módulo e Arquitetura Revista. Formado pela Escola Nacional de Belas Ar- tes em 1939, foi engenheiro-arquiteto24 do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Bancários, IAPB – atual Instituto Nacional de Seguro Social, INSS – por 35 23. CZAJKOWSKI, Jorge. Aldary Toledo, arquiteto. Op. cit. 24. “Certidão”, 01/04/1973. Arquivo Profissional - IAPB, Arquivo Aldary Henriques Toledo. 43 anos,25 chegando ao cargo de diretor do Departamento de Engenharia, nos anos 1950, junto a Carlos Leão.26 Foi também parte integrante da equipe responsável pelo projeto da Cidade Universitária do Rio de Janeiro, Ilha do Fundão, entre 1950 e 1958. Aldary Toledo nasceu em 16 de outubro de 1915, em uma pequena casa na rua Bárbara de Alvarenga – atual rua Imperatriz Leopoldina27 –, entre a praça Tiradentes e o Beco das Artes, no centro do Rio de Janeiro. Seu pai, Quirino Al- ves de Toledo, com 19 anos de idade, e sua recém-esposa Alzira Henriques, de apenas 15 anos, saíram de Brodowski para tentar a vida na capital carioca. O sonho do patriarca era ser engenheiro, mas foi estudar odontologia, por ques- tões econômicas. Segundo Aldary, “papai era de uma família muito pobre – e continuamos assim – e ele precisava começar a trabalhar rápido, por isso esco- lheu odontologia”.28 Na cidade de origem, no interior do Estado de São Paulo, as famílias de Quirino Toledo e de Cândido Portinari (1903-1962) mantinham relações próxi- mas. Segundo o biógrafo Mário Filho, no livro A infância de Portinari, Quirino 25. “Cartão de Identidade do Servidor”. Data de admissão 06/04/1945; “Diploma”, 24/01/1981. Arquivo Profissional - IAPB, Arquivo Aldary Henriques Toledo. 26. BONDUKI, Nabil. Os pioneiros da habitação social: cem anos de política pública no Brasil: volume 1, p. 223. 27. A rua Imperatriz Leopoldina teve seu nome alterado para rua Bárbara de Alvarenga em 1889 com a Procla- mação da República, permanecendo assim até 1921 após um Decreto Municipal do Rio de Janeiro decidir pelo retorno do nome original. 28. GUIDO, Maria Christina. GOLDSCHMIDT, Rose Ingrid. Entrevista com Aldary Toledo. Projeto Portinari: programa Depoimentos. Aldary Toledo de pé ao fundo. Acervo AHT 44 prometeu ao pai de Portinari levar o jovem pintor para o Rio de Janeiro após seu casamento. Assim, em 1918, Candinho, como era denominado por Aldary, tam- bém se mudou para o Rio conforme prometido ao patriarca29 e ficou hospedado na casa da família Toledo por um curto período de tempo, mas o suficiente para estabelecer uma relação de amizade com a família que perdurou durante sua vida. Ainda criança, Aldary vai ter em Portinari, um adolescente doze anos mais velho, uma espécie de preceptor, que vai introduzi-lo na vida cultural da cidade e no gosto pela arte moderna revolucionária: Dessa época eu me lembro muito pouco, a não ser algumas coisas que é difícil esquecer, coisas que garoto sempre guarda. Havia na praça Tiradentes um cinema que era meio parque de diversões e café-cantante, o Bison Moderne. Era daqueles secretos, bem poeira. E nós íamos muito lá, quase todas as noites. Fi- cávamos embaixo dos camarotes, pois eu queria ficar na bagunça, e assistíamos a aqueles filmes em série tipo o Carlitos – naquele tempo ninguém o chamava de Chaplin, era o Carlitos.30 Assim, a dupla improvável, unida pela origem em comum, assistiu na dé- cada de 1920 aos divertidos, e hoje grandes clássicos, filmes de Charles Chaplin. O “vagabundo” Carlitos, em suas inúmeras histórias que remontam de meados dos anos 1910 – como, por exemplo, O vagabundo (1915), Vida de cachorro (1918), O garoto (1921), Em busca do ouro (1925) –, fazia a plateia rir e se como- ver com a luta pela sobrevivência do atrapalhado personagem de Chaplin que, 29. FILHO, Mário. A infância de Portinari, p. 260-266. 30. GUIDO, Maria Christina. GOLDSCHMIDT, Rose Ingrid. Op. cit. Retrato de Aldary Toledo, por Cândido Portinari. Acervo AHT 45 futuramente, daria sentido a uma arte engajada e popular. A dimensão social desta nova arte que surgia brilhava nos olhos de uma pequena criança acompa- nhada por um jovem sensível, que sonhava em ser pintor. Após seus estudos na Escola Nacional de Belas Artes – ENBA, a carreira profissional de Cândido Portinari começou a despontar. Em 1928, o jovem pintor foi convidado a expor doze obras na XXXV Exposição Geral de Belas Artes e uma delas, o Retrato de Olegário Mariano, garantiu ao artista um prêmio de viagem à Europa, onde permaneceu por três anos.31 O contato com Aldary aluno do Ex- ternato Don Pedro II, que neste momento preparava-se para ingressar no curso de arquitetura da Escola Nacional de Belas Artes, é retomado apenas em 1931, ano do retorno do casal Portinari ao Brasil, quando este o convidou para estudar desenho e pintura em seu ateliê. Muito apaixonado pelas artes, Aldary Toledo aceitou de imediato o convite. Aldary passava os dias no ateliê de Portinari, inicialmente copiando gra- vuras de El Greco adquiridas pelo artista em sua viagem pela Europa, caso de Morte do Conde d’Orgaz, sendo o primeiro contato de Toledo com a grande arte ocidental. Aldary se portou como aprendiz diante do mestre Portinari, es- tabelecendo uma relação aos moldes dos velhos ateliês europeus. Após copiar gravuras, iniciou estudos de desenho com modelos em gesso. Toledo lembra assim sua iniciação com Portinari: ele tinha algumas reproduções em brancoe preto que havia comprado no Louvre – ou na Espanha, não me lembro corretamente – e eu as copiava. Logo depois comecei a trabalhar com gesso. Eu alugava modelos de gesso, bustos 31. Cronologia, Projeto Portinari. <http://www.portinari.org.br/#/pagina/candido-portinari/cronologia>. Retrato de Quirino Toledo, por Aldary Toledo. Acervo AHT Desenhos de Aldary Toledo aos 18 anos, quando aluno de Portinari, 1933. Acervo AHT Estudos, s.d. Acervo AHT Retrato de um homem negro, Aldary Toledo. Acervo AHT 48 como o de Apolo, por exemplo, na casa Minerva e as copiava como se fosse modelo vivo.32 Aldary frequentou com grande entusiasmo as aulas de desenho e pintura no ateliê de Portinari, conforme recorda o arquiteto em seu depoimento para o Projeto Portinari. Tal convívio promoveu ao jovem estudante encontros memorá- veis com grandes artistas modernos brasileiros. A lembrança mais marcante foi o encontro com o poeta e intelectual Oswald de Andrade que, ao ver o jovem artista pintando, ficou muito impressionado com o trabalho: abraçou-o dizendo a ele que jamais deveria parar de pintar. Elogio este tomado por Aldary com grande orgulho, pois já naquela época Oswald ocupava lugar destacado no cenário artístico e intelectual nacional. Outras importantes figuras visitavam com frequência o ateliê de Portinari: Murilo Mendes (1901-1975), por exemplo, almoçava quase todos os dias com o casal Cândido e Maria Victória Martinelli (1912-2006). Mário de Andrade (1893- 1945), sempre que viajava ao Rio de Janeiro, visitava o artista. CURSO DE ARQUITETURA NA ESCOLA NACIONAL DE BELAS ARTES Aldary Toledo, desde sempre apaixonado pelo desenho, decidiu seguir a carreira de arquiteto numa tentativa de conciliar seu gosto às exigências da família, que não considerava séria a profissão de pintor ou desenhista, e que- 32. GUIDO, Maria Christina. GOLDSCHMIDT, Rose Ingrid. Op. cit. Retrato de um homem negro, Aldary Toledo. Acervo AHT 49 ria que ele estudasse medicina. A paixão pelo desenho, no entanto, surgiu por influência da avó paterna Dona Ubelina que, pelo convívio próximo entre as famílias vindas de Brodowski, também influenciou Portinari. O convívio diário entre eles, em especial nos últimos anos de escola, foi essencial para a forma- ção de Toledo. Apesar da família já vivenciar o sucesso de Cândido Portinari, não se en- tusiasmavam com o destino escolhido por seu único filho. José Carlos Duran descreve, em seu livro Arte, privilégio e distinção, as condições de prestígio que a profissão de arquiteto tinham naquele momento dos anos 1930: Significa dizer que, entre os artesões e pintores comumente de família popular, e as moças aprendizes de desenho e pintura das famílias de elite, geralmente con- denadas a um amadorismo sem vigor, surgiu uma nova categoria – os arquitetos – de condição social privilegiada e com investimentos de carreira mais pesados, visto que voltados para a direção de um processo industrial que mobiliza gran- des somas de recursos: a construção civil.33 Em 1933, iniciou os estudos em arquitetura na ENBA, na primeira turma após a reforma curricular proposta por Lúcio Costa, formando-se mais tarde, em 1939. Aldary recorda que, com a reforma, o curso ganhou mais um ano com a inserção de novas disciplinas, como Urbanismo, Grandes Composições, e Teoria e Filosofia da Arquitetura. Além disso, as turmas aumentaram de 8 para 25 alunos. Mas a principal mudança foi, na verdade, o acréscimo de disciplinas técnicas, afinal o curso era originalmente focado nas artes plásticas. Foi também 33. DURAND, José Carlos. Arte, privilégio e distinção, p. 73. Desenho acadêmico no início da ENBA, Aldary Toledo, 1933. Acervo AHT 50 nesse período em que figuras como Emílio Baumgart, Felipe dos Santos Reis e Attilio Corrêa Lima passaram a fazer parte do corpo docente da Escola, minis- trando, respectivamente, as disciplinas de Concreto, Resistência de Materiais e Urbanismo.34 Conforme afirma Maria Lúcia Bressan Pinheiro, em seu artigo “Lúcio Costa e a Escola Nacional de Belas Artes”, pouco se tem documentado sobre a contratação de novos professores para incorporar a reforma proposta por Lúcio Costa. Com a exceção de algumas “referências esparsas” nos jornais cariocas, Bressan Pinheiro destaca a informação dada pelo pesquisador Paulo Santos sobre a contratação de Gregori Warchavchik (1896-1972) para a cadei- ra de Grandes Composições do 4° ano; Alexander Buddeus para Composição de Arquitetura do 5° ano; Celso Antônio para Escultura; e Léo Putz (1869-1940) para Pintura.35 Sobre a reforma da ENBA, Lúcio Costa afirmou em entrevista dada ao jornal O Globo, em 29 de dezembro de 1930: A reforma visará aparelhar a escola de um curso técnico-científico tanto quanto possível perfeito, e orientar o ensino artístico no sentido de uma perfeita harmo- nia com a construção. Os clássicos serão estudados como disciplina; os estilos como orientação crítica e não para aplicação direta.36 34. GUIDO, Maria Christina. GOLDSCHMIDT, Rose Ingrid. Op. cit. 35. FERRAZ, Geraldo. Warchavchik e a introdução da nova arquitetura no Brasil: 1925 a 1940, p. 35; XAVIER, Alberto (org.) Arquitetura moderna brasileira: depoimento de uma geração, p. 54. Apud PINHEIRO, Maria Lúcia Bressan. Lúcio Costa e a Escola Nacional de Belas Artes. 36. A situação do ensino de Belas Artes. O Globo, Rio de Janeiro, 29 dez. 1930. Apud Idem, ibidem. 51 Em depoimento à Maria Christina Guido e Rose Ingrid Goldschimidt para o Projeto Portinari em 1982, Aldary ressaltou que a universidade foi muito impor- tante para uma formação técnica sólida, mas que o convívio fora dela propor- cionou de fato sua formação artística/profissional. Nesse sentido, a presença de Carlos Leão e Lúcio Costa foi fundamental, apesar deste já não mais fazer parte do corpo docente do curso de Arquitetura da Escola Nacional de Belas Artes no ano em que Aldary ingressou. Com o intuito de buscar novas referências, Aldary e seus colegas passaram a organizar aulas particulares com o mestre moderno. Aulas estas fundamentais na sua decisão de seguir a carreira de arquiteto. Conforme relembra em seu depoimento, mesmo depois de se formar na ENBA, Aldary ainda tinha dúvida se seria arquiteto ou pintor. Nesta passagem fica clara a inserção de Aldary no campo dos intelectuais modernos, lembrando o pensamento de Bourdieu, salien- tado por Garry Stevens: Lúcio Costa já não era mais professor na Escola Nacional de Belas Artes quando eu era aluno [sua passagem pela Escola foi muito breve, entre dezembro de 1930 e setembro de 193137], mas devo a ele umas aulas que foram dadas lá no Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, aulas particulares e na maior camara- dagem.38 37. CORDEIRO, Caio Nogueira Hosannah. A reforma de Lúcio Costa e o ensino da arquitetura e do urbanis- mo da ENBA à FNA (1931-1946), p. 9. 38. GUIDO, Maria Christina. GOLDSCHMIDT, Rose Ingrid. Op. cit. Na página anterior Retrato de Miguel de Cervantes, por Aldary Toledo. Acervo AHT Nesta página Identidades estudantis de Aldary Toledo, ENBA, 1937 e 1938. Acervo AHT 52 53 Na página anterior Turma de formandos da ENBA, 1939. Acervo AHT Nesta página Medalha de Prata, Seção de Pintura - Divisão de Arte Moderna, XLVI Salão Nacional de Belas Artes, 1940. Assinado por Gustavo Capanema e Anísio Teixeira. Acervo AHT Nas próximas páginas Medalha de Prata, Seção de Desenho e Artes Gráficas - Divisão Moderna, XLVII Salão Nacional de Belas Artes, 1941. As- sinado por Gustavo Capanema e Anísio Teixeira. Acervo AHT Menção Honrosa, Seção de Arquitetura - Divisão Moderna, XLVII Salão Nacional de Belas Artes, 1941. Assinado por Gustavo Capanema e Anísio Teixeira. Acervo AHT 54 55 56 Continua: juntei uma série de coisas que tinha feito – maquetes, trabalhos de escola – e mostrei para o Lúcio. Ele foi bem crítico, com aquele jeito fechado dele, mas conversamosmuito e, inclusive, ele acabou dando um curso separado para mim e para outros dois ou três amigos à pedido meu. Nesse curso, Lúcio nos dava um tema, nós projetávamos e ele nos criticava. Foi nesse período que eu real- mente comecei a aprender e a me interessar por Arquitetura. Devo tudo a ele. Aprendi mais com Lúcio do que com qualquer outro professor na Escola, que, aliás, não ensinavam nada, nem tentavam. Pelo menos para mim foi dessa for- ma. Os professores nunca davam notas acima de sete. E foi apenas no quinto e sexto anos que minhas notas melhoraram, mas isso porque eu passei a caprichar nas apresentações, com pranchas bem arrumadas e maquete. Acredito que isso não tenha nada a ver com Arquitetura, por isso digo que eles não ensinavam nada na Escola.39 Já Carlos Leão, sócio de Lúcio Costa, se torna figura importante na forma- ção de Aldary Toledo quando, em 1935, ele ingressa na Universidade do Distrito Federal – UDF, paralelamente à ENBA. Leão, que mais tarde se tornaria amigo pessoal e parceiro de Aldary, foi professor no curso de arquitetura da UDF – no- vamente junto a Lúcio Costa – e responsável por uma profunda influência na vida do jovem arquiteto, introduzindo-o a discussões sobre a arquitetura moderna e japonesa e ao questionamento sobre o academismo ocidental greco-romano.40 39. Idem, ibidem. 40. SOUZA, Ana Paula Lemos. Aldary Toledo: o resgate do tradicional na moderna arquitetura residencial, p. 20. Retrato dos alunos da UDF no curso de Pintura Mural e Cavalete de Cândido Portinari. Aldary Toledo aparece no fundo, ao lado de Rubem Cassa. Acervo AHT 57 58 UNIVERSIDADE DO DISTRITO FEDERAL – UDF A Universidade do Distrito Federal – UDF, surge em 31 de julho de 1935, durante o Governo Provisório de Getúlio Vargas, momento de instabilidade polí- tica e econômica no Brasil. Anísio Teixeira, educador e escritor, recebeu o convite de Pedro Ernesto Batista, prefeito do Rio de Janeiro e presidente do Clube 3 de Outubro,41 para assumir o cargo de diretor de Instrução Pública do Distrito Fe- deral42 e, nas atribuições desta função, criou a UDF. Tal fato, no entanto, gerou forte reação contrária de Gustavo Capanema (1900-1985), ministro do recém- -inaugurado Ministério de Educação e Saúde, e de um grupo de conservadores católicos.43 A Universidade teve vida curta. No final de 1937, com a instauração do Estado Novo e a criação da Universidade do Brasil, foi transferida para a sede do Ministério de Educação e Saúde (ainda não o edifício projetado por Lúcio Costa e equipe, mas sim a antiga sede no centro do Rio de Janeiro) e passou a funcionar numa escala reduzida se comparada aos anos anteriores. Logo em seguida, acabou por ser dissolvida e, dois anos mais tarde, teve seus quadros incorporados à Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do 41. NETO, Lira. Op. cit., p. 29. O Clube 3 de Outubro era formado por um grupo de defensores de um go- verno forte e autoritário, em sua grande maioria militares, e recebeu essa denominação como uma referência ao estopim da Revolução de 1930. Idem, ibidem, p. 14. 42. Idem, ibidem, p. 234 43. CPDOC-FGV. Anísio Teixeira < http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas1/biografias/anisio_tei- xeira> 59 Brasil.44 Já o corpo docente fora relocado para as disciplinas da Escola Na- cional de Belas Artes. Durante seus anos de existência, contou com um corpo docente formado por importantes intelectuais brasileiros. Dentre eles: Alair Accioly Antunes, Alfredo Schaeffer, o próprio Anísio Teixeira (1900-1971), Ál- varo Vieira Pinto (1909-1987), Carlos Accioly de Sá, Carlos de Azevedo Leão, Cândido Portinari, Castro Rebello, Celso Kelly, Cecília Meirelles (1901-1964), Delgado Carvalho (1884-1980), Durval Potyguara E. Curty, Francisco M. de Oliveira Castro, Gilberto Freyre (1900-1987), Hermes Lima (1902-1978), He- loysa Marinho, José Paranhos Fontenelle, José Faria Góes Sobrinho, Joaquim Costa Ribeiro (1906-1960), José Leite e Oiticica, Lélio Gama (1892-1981), Lourenço Filho (1897-1970), Lúcio Costa, Nestor de Figueiredo, Mário Ca- sasanta (1898-1963), Mário de Andrade, Othon Leonardos (1906-1990) e Sérgio Buarque de Holanda.45 Em 1935, Aldary Toledo já cursava o segundo ano do curso de arquite- tura da Escola Nacional de Belas Artes e frequentava assiduamente o ateliê de Cândido Portinari. A situação universitária do então jovem estudante conforta- va seus familiares, que temiam que o rapaz se encaminhasse para a dura vida de pintor. Nesse momento, decidiu se matricular no Curso de Pintura Mural e Cavalete da Universidade do Distrito Federal. Segundo relatou, sua família o apoiou para que ele participasse do vestibular, pois não acreditavam em seu êxito, afinal alguns dos concorrentes já haviam conquistado ao menos uma 44. CPDOC-FGV. Universidade do Distrito Federal (UDF). <http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVar- gas1/anos30-37/RadicalizacaoPolitica/UniversidadeDistritoFederal> 45. PORTO JR, Francisco Gilson Rebouças. Anísio Teixeira e a Universidade do Distrito Federal (UDF): um Retrospecto. In: http://www.ensayistas.org/filosofos/brasil/teixeira/critica/porto.htm Turma do curso Pintura Mural e Cavalete. Cândido Portinari ao centro com Roberto Burle Marx, Mário de Andrade e Aldary Toledo (cortado no canto esquerdo), den- tre outros. Acervo CALS, Soraia. Roberto Burle Marx: um fotobiografia, p. 68 60 medalha de prata no Salão de Belas Artes. Por ironia do destino, Aldary ficou em primeiro lugar. Segundo ele, a comissão de professores era formada por Cândido Portina- ri, Silvia Meyer, Celso Antônio, Lelio Landucci e mais outro crítico, do qual não se recorda do nome, e eles tiveram problemas na seleção dos participantes. Candinho, quando viu os trabalhos dos alunos, queria dar uma nota só para todos, ou seja, aprovar todos, mas o restante da comissão não aprovou: Não é possível! Precisamos mostrar qual vai ser a intenção do curso, que não tem nada a ver com a Escola Nacional de Belas Artes. Precisamos fazer completamente diferente, portanto devemos começar a classificação desde já. Eu fiquei em pri- meiro lugar, pura sorte!46 No campo das artes, a UDF tinha como corpo docente: Cândido Portinari na disciplina Pintura Mural e Cavalete; Celso Antônio, Escultura; Lúcio Costa e Carlos Leão, Arquitetura; Lorenzo Fernandes e Villa-Lobos, Música; Cornélio Penna, como Diretor de Arte; e Alberto da Veiga Guignard, de Desenho. Durante esse período, Aldary diminui sua frequência na Escola Nacional de Belas Artes e se dedicou em tempo integral ao curso da UDF. Conforme contou em depoi- mento, a ENBA não exigia frequência obrigatória e o segundo ano do curso de arquitetura não era muito difícil de acompanhar, fato que o permitiu esta dedica- ção por pelo menos um ano. As aulas de pintura com Portinari começavam cedo, às 7 horas, com pintura de modelo vivo. Eram trabalhos em tamanho real feitos em cavaletes 46. GUIDO, Maria Christina. GOLDSCHMIDT, Rose Ingrid. Op. cit. Identidade estudantil, curso de Pintura Mural, UDF. Acervo AHT 61 especialmente criados pelo artista. No curso, aprendiam tudo desde fazer o chassis, preparar as telas e fazer as tintas a partir do pigmento natural, óleo de linhaça e secante. Segundo Aldary Toledo, processo muito diferente do que se ensinava na ENBA onde tudo era comprado pronto. Após as aulas no período da manhã, Aldary costumava almoçar na casa de Portinari, no bairro das Laranjeiras, e depois liam livros e conversa- vam sobre a arte. Frequentava também as apresentações no Teatro Municipal do maestro Heitor Villa-Lobos, que convidava todos os alunos a participarem. Este meio de intenso convívio e interação cultural e artística não influenciou apenas Aldary Toledo. Em 1935, Roberto Burle Marx retornou por um curto período ao Rio de Janeiro, ainda como diretor de Parques e Jardins de Recife, e foi convidado por Cândido Portinari a frequentar asaulas de Pintura Mural e de Cavalete. Segundo o paisagista, “Portinari tinha uma habilidade manual muito grande. Depois de trabalhar em Pernambuco, voltei ao Rio e tive aulas com Portinari”.47 Posteriormente, em 1938, Burle Marx colaborou com o ar- tista na pintura dos painéis do ciclo econômico para o edifício do Ministério de Educação e Saúde – MES. Em 1935 vim do Recife, onde era diretor de parques e jardins, e fui convidado por Portinari para frequentar as aulas que ele estava ministrando na Universi- dade do Distrito Federal. Esse pedido teve grande importância na minha vida artística, pois, além do convívio com pessoas como Mário de Andrade, Cornélio Pena, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade e Lúcio Costa, pelo 47. OLIVEIRA, Ana Rosa de. Roberto Burle Marx. Retrato dos alunos da UDF no curso de Pintura Mural e Cavalete de Cândido Portinari. Aldary Toledo aparece no fundo, ao lado de Rubem Cassa. Acervo AHT 62 63 Na página anterior Grupo de pintura de Cândido Portinari. Aldary aparece ao lado de Cassa, os únicos sujos de tinta. Acervo AHT Nesta página Certificado de aprovação em primeiro lugar para a seleção no curso de Pintura Mural e Cavalete, 23 jun. 1937. Acervo AHT 64 entusiasmo que Portinari procurava incutir nos alunos trouxe em mim o grande desejo de me realizar plenamente como pintor.48 Outra importante figura que iria frequentar o ambiente da Universidade do Distrito Federal, segundo relembra Aldary, foi o arquiteto Oscar Niemeyer que ingressou na UDF como aluno da pós-graduação em arquitetura, curso minis- trado por Lúcio Costa e Carlos Leão e que deu origem ao famoso texto “Razões da nova arquitetura”.49 Aldary Toledo e Rubem Cassa se destacaram no grupo de alunos e rapi- damente começaram a trabalhar como auxiliares de Portinari em sua primeira grande encomenda. O destaque da dupla foi publicado nos jornais cariocas que contavam a experiência vanguardista do professor Portinari. Ele havia sido cha- mado para pintar o painel para o Monumento Rodoviário na Rodovia Presidente Dutra, ligação entre Rio de Janeiro e São Paulo. Ao aceitar o trabalho, levou consigo seus dois assistentes para visitar o local e definir o tamanho dos painéis. Aldary e Cassa logo começaram a montagem do chassis e a esticar as telas, que neste caso, devido a dimensão da obra, foram feitas em lona. Os jovens apren- dizes, portanto, participam de todo o processo, desde os primeiros esboços e pinceladas a, até mesmo, seus modelos. Candinho convidou a mim e ao Rubem Cassa para ajudá-lo. Fomos com ele visitar o local do monumento pela primeira vez, tiramos as medidas e, então, mandamos fazer as telas – que precisavam ser divididas em duas partes, pois 48. CALS, Soraia. Roberto Burle Marx: uma fotobiografia, p. 68. 49. COSTA, Lúcio. Razões da nova arquitetura [1934]. In Registro de uma vivência, p. 108. 65 não cabiam no apartamento do Candinho. Aliás, acredito que este tenha sido o primeiro grande painel que projetou. Acompanhamos todo o processo, Rubem Cassa e eu, desde os primeiros cro- quis. Depois, trabalhávamos assim como na época do Renascimento: nós enchí- amos a tela, pintávamos e então ele vinha e finalizava. Toda a composição era obra dele, nós apenas fazíamos a transposição do desenho para a tela, coisa de aprendizes... Inclusive tem uma figura lá, uma que está meio de costas e olhando para trás, que sou eu no corpo e o braço é do Rubem Cassa. Nós fomos modelos.50 Após aproximadamente um ano cursando a UDF e sem ainda ter se for- mado no curso de Pintura, a família de Aldary começou a pressioná-lo para que deixasse de lado o ideal de ser artista para finalizar seus estudos e se formar arquiteto. Apaixonado e pretendendo se casar em breve, decidiu se afastar do curso de pintura e se dedicar novamente à ENBA. Apesar da decisão, não deixou de frequentar a casa e o ateliê de Cândido Portinari que, na época, já havia co- meçado a trabalhar nas telas e murais para o edifício do MES, com Rubem Cassa e Roberto Burle Marx como seus assistentes. 50. GUIDO, Maria Christina. GOLDSCHMIDT, Rose Ingrid. Op. cit. Na página anterior Cabeça de negro, Portinari, 1934. Coleção Particular, Rio de Janeiro Mural Construção de Rodovia I, III e IV, Portinari, 1936. Acervo Projeto Portinari Nesta página Joaquim, Aldary Toledo, 1939. Acervo AHT Quadro de Aldary Toledo, com tema de- senvolvimentista, premiado no XLVI Salão Nacional de Belas Artes. Acervo AHT Retrato de Nysa Toledo, por Aldary, 20 jun. 1938. Acervo AHT 68 VIDA PROFISSIONAL Pouco antes da extinção da UDF, Aldary Toledo conseguiu um atesta- do assinado por Cândido Portinari, certificando sua participação no curso de Pintura Mural e de Cavalete e também do período em que fora seu assistente. Com esse currículo, conseguiu uma vaga de professor de desenho na escola D. Pedro II, ao mesmo tempo em que continuava seus estudos de arquitetura na ENBA. Com o golpe do Estado Novo em novembro de 1937, Lelio Landucci, até então sócio de Alcides Rocha Miranda (1909-2001), foi preso sob suspeita de ser comunista. O escritório estava, naquele momento, desenvolvendo o projeto da Policlínica do Rio de Janeiro e ainda havia muito trabalho a ser feito. Por isso, Rocha Miranda resolveu convidar Aldary para auxiliá-lo. Ele [Alcides Rocha Miranda] foi sócio do Landucci, tiveram até um escritório na Cinelândia, mas isso foi até o Landucci ser preso na revolução. Nessa época, inclusive, eu fui ajudar o Alcides, pois eles estavam fazendo o projeto da Policlí- nica do Rio de Janeiro, na avenida Nilo Peçanha, e, com a história da prisão, ele havia ficado sozinho e precisou de um auxílio para finalizar.51 O contato entre eles remonta desde os tempos da UDF. Formado arquite- to na primeira turma da Escola Nacional de Belas Artes, logo após o Salão de 1930 idealizado por Lúcio Costa, Alcides Miranda também cursara a disciplina 51. Idem, ibidem. Atestado de participação no curso Pintura Mural e Ca- valete na UDF e colaboração no painel do Monumento Rodoviário. Assinado por Portinari, 1937. Acervo AHT 69 de Pintura Mural e de Cavalete ministrada por Cândido Portinari.52 A parceria marca o início da aproximação de Aldary Toledo com a geração de arquitetos comprometida com a nova arquitetura. Em 1939, Carlos Leão passou a chefiar o Serviço de Arquitetura da Comis- são do Plano para Universidade do Brasil e chamou Hélio Uchoa, Jorge Macha- do Moreira, Oscar Niemeyer e, a partir de 1940, Attílio Côrrea Lima e Aldary To- ledo para fazer parte da equipe.53 Aldary chegou ao cargo de arquiteto-adjunto do projeto somente em 1949, momento em que Jorge Moreira assumiu o posto de arquiteto-chefe. Em 1940, Aldary fez o projeto da sede da Fazenda São Luiz para Hermene- gildo Souto Maior, no Bairro Secretário, em Pedro do Rio RJ. Trata-se de projeto importante em sua carreira profissional, por ser uma das obras selecionadas para compor a exposição e catálogo Brazil Builds: Architecture New and Old, 1642-1942, organizada pelo MoMA de Nova York em 1943. Ao final do ano de 1943, em plena Segunda Guerra Mundial, ocorreu em Londres a exposição Exhibition of Modern Brazilian Paintings, organizada pelo Bri- tish Council e apresentada no Royal Academy of Arts, com a venda dos ingressos destinada a levantar fundos para a Royal Air Force – RAF. A mostra reuniu o acer- vo do Brazil Builds, com 162 fotografias da arquitetura brasileira, e um conjunto de 168 gravuras e pinturas, segundo publicou o jornal O Estado de S. Paulo, em 18 de outubro de 1944.54 Aldary Toledo participou desta exposição com obras de arquitetura – apresentada no Brazil Builds – e pintura. 52. NOBRE, Ana Luiza. Alcides Rocha Miranda, educador, p. 128-137. 53. CZAJKOWSKI, Jorge. Carlos Leão arquitetura. Op. cit., p. 178. 54. LOURENÇO, Maria Cecília França. Operários da modernidade, p. 142. Recorte do jornal Correio da Manhã, 6abr. 1938. Acervo AHT 71 Na página anterior Alunos e professores do Colégio D. Pedro II, 29 nov. 1938. Aldary é o terceiro, da esquerda para a direita, sentado na primeira fila. Acervo AHT Nesta página “Pintura Nova”, Mário de Andrade, jornal O Estado de S. Paulo, primeira quinzena de abril, 1939. Acervo AHT 74 75 Nas páginas anteriores Planta da Fazenda São Luiz, Aldary Tole- do, Pedro do Rio RJ, 1942. Acervo NPD - UFRJ Foto da exposição Brazil Builds, 1943. Acervo MoMA Páginas 176-177 do catálogo Brazil Buil- ds com os desenhos da Fazenda São Luiz. Foto André Marques Nesta página Capa do catálogo Brazil Builds. Acervo MoMA 76 Ao final de 1940, Aldary se associou a Attílio Corrêa Lima, que havia lecionado algumas disciplinas na ENBA entre 1932 e 1937,55 e havia sido seu professor: Em dezembro de 1940, Attílio Corrêa Lima apresentou uma proposta para ela- borar um trabalho até então inédito no Brasil. Através do seu escritório, Corrêa Lima & Cia., situado no edifício Cineac, no centro do Rio de Janeiro, e em socie- dade com o arquiteto Aldary Henriques Toledo, eles apresentaram uma proposta técnica para a execução do Plano de Urbanização Regional de Barra Mansa RJ, compreendendo uma parte da região do Vale do Paraíba, desde a cidade de Barra Mansa, até a Vila de Pinheiros.56 Autor do plano urbanístico de Goiânia (1933-1935), Attílio Corrêa Lima era um dos urbanistas brasileiros mais experientes naquele momento e autor do destacado edifício da Estação de Hidroavião (1937-1938), no Rio de Janeiro, capa do catálogo Brazil Builds. A parceria foi importante para a conclusão da formação de Aldary Toledo, pois a experiência de Barra Mansa RJ e a parti- cipação na Comissão do Plano para a Universidade do Brasil iriam preparar futuramente o arquiteto para os projetos de escala urbana desenvolvidos no IAPB e no ETUB. Tais desdobramentos ficam mais claros com a análise do ocorrido com o próprio Corrêa Lima, conforme descreve Luiz Gonzaga Ackel em sua tese de doutorado: 55. ACKEL, Luiz Gonzaga Montans. Attílio Corrêa Lima: uma trajetória para a modernidade, p. 241. 56. Idem, ibidem, p. 187. Certificado de participação na Exposição de Pintura da Royal Air Force Benevolend Fund, 1943. Acervo AHT 77 E foi no segundo semestre de 1941 que Attílio se dedicou, quase exclusiva- mente, à realização do projeto desta inédita cidade industrial, o que acabou por aproximá-lo da administração municipal de Barra Mansa onde ficava localizado o distrito de Volta Redonda. Seus deslocamentos frequentes até a região onde estava sendo construída a Companhia Siderúrgica Nacional tam- bém propiciaram a seu escritório a execução de um outro trabalho: o Plano Regional de Barra Mansa, onde Attílio contou com a colaboração do colega Aldary Toledo. Este trabalho teve início em agosto de 1941 e se desenvolveu por quase dois anos. Foi devido à aproximação com os industriários na reali- zação destes planos para Volta Redonda e Barra Mansa que surgiu o convite a Attílio Corrêa Lima para trabalhar no Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Industriários, o IAPI.57 Aldary Toledo e Attílio Corrêa Lima desenvolveram suas carreiras dentro do programa para o desenvolvimento de habitações sociais do governo Getúlio Vargas, especificamente nos Institutos de Aposentadorias e Pensões, os IAPs. No caso de Attílio Côrrea, destaca-se o conjunto residencial Várzea do Carmo em São Paulo, de 1942, importante projeto desenvolvido dentro do Instituto dos Industriários – IAPI, fundado em dezembro de 1936,58 projeto interrompido pre- maturamente devido ao falecimento inesperado do arquiteto em acidente aéreo ocorrido em 1943.59 57. Idem, ibidem, p. 241. 58. BRUNA, Paulo Júlio Valetino. Os pioneiros arquitetos modernos: habitação social no Brasil 1930-1950, p. 180. 59. ACKEL, Luiz Gonzaga Montans. Op. cit., p. 279. Nas próximas páginas Residência José Pacheco de Medeiros, plantas térreo e pavimento superior do projeto executado, Cataguases MG, 1943. Acervo NPD - UFRJ 78 Vale destacar, dentro do contexto das relações interpessoais – explicada pelo conceito de cordialidade brasileira de Sergio Buarque de Holanda, ante- riormente comentado –, o convívio fraternal que se estabeleceu entre Toledo e Corrêa Lima para além das relações de trabalho. Bruno Corrêa Lima, filho do arquiteto, relembrou, em depoimento a Ackel, ter presenciado o casamento de Aldary e Nysa e, mais tarde, o nascimento de Luiz Carlos Toledo – o Toledinho, segundo suas palavras. Laços de amizade que foram transmitidos pelas gera- ções: anos mais tarde, os filhos, ambos arquitetos, desenvolveram projetos em parceria.60 CATAGUASES MG Cataguases, no interior de Minas Gerais próximo à divisa com o Rio de Janeiro, conserva em bom estado um grande número das obras modernas, inclu- sive de Aldary Toledo. O primeiro projeto a ser construído tem história curiosa e surgiu por intermédio de seu amigo Marques Rebelo – pseudônimo de Eddy Dias da Cruz, escritor muito envolvido no universo artístico moderno, com poesias pu- blicadas nas revistas modernistas Verde, de Cataguases, Revista de Antropofagia e Leite Crioulo, e primeiro tradutor de Franz Kafka no Brasil61 –, que o apresentou a Francisco Inácio Peixoto para que ele desenvolvesse uma pequena reforma 60. Idem, Ibidem, p. 188. 61. Sobre Marques Rebelo, ver: NISKIER, Arnaldo. Marques Rebelo: a estrela sobe; Website e Biografia, verbete “Marques Rebelo” <https://www.ebiografia.com/marques_rebelo>. 79 no jardim na casa do escritor e industrial. Contudo, ao chegar ao local, Aldary percebeu se tratar de um projeto de Oscar Niemeyer e, por isso, recomendou que o trabalho fosse feito por Roberto Burle Marx – aliás, seu colega dos tempos da UDF. Contudo, a encomenda frustrada acabou se desdobrando em outro con- vite para Cataguases: a reforma da casa de José Pacheco de Medeiros Filho, cunhado de Francisco Peixoto e industrial do ramo de embalagens muito bem su- cedido – até mais de que seu próprio cunhado.62 Meio a contragosto, conforme seu depoimento ao Projeto Portinari, Aldary desenvolveu os desenhos necessá- rios para a obra, mas alertou o cliente sobre as condições inadequadas da casa, cujas paredes portantes não se prestavam a muitas interferências. Conforme sua previsão, durante a execução a estrutura não resistiu às modificações e ruiu. Tal situação possibilitou o projeto para uma residência inteiramente nova, agora sem considerar as premissas da casa existente.63 Em sua narrativa, onde explica detalhadamente o ocorrido, Toledo relata como recebeu a encomenda para o projeto e deixa explícita a rede de contatos pessoais e a constituição de relações de amizade sólidas. E, implícito ao discurso, é possível verificar o esforço de modernização cultural em curso na cidade de Cataguases,64 promovido pela elite econômica local: Eu cheguei a Cataguases através do Marques Rebelo. Ele era muito amigo do Francisco Peixoto, que queria um projeto para o jardim de sua casa. Então eu fui 62. TOLEDO, Luiz Carlos. Depoimento a André Marques, 8 abr. 2016. 63. Cf. GUIDO, Maria Christina. GOLDSCHMIDT, Rose Ingrid. Op. cit. 64. Sobre o assunto, ver: MIRANDA, Selma Melo. Arquitetura moderna em Cataguases. 81 Residência José Pacheco de Medeiros, vis- ta externa, perspectiva e corte do projeto executado, Cataguases MG, 1943. Foto André Marques. Acervo NPD - UFRJ 82 Residência José Pacheco de Medeiros, plantas térreo e pavimento superior, fa- chada e perspectiva do estudo preliminar, Cataguases MG, 1943. Acervo NPD - UFRJ 84 até lá visitar o local e, quando me dei conta de que a casa era projetada pelo Oscar Niemeyer, disse a ele: Não, eu acho melhor você pedir ao Roberto Burle Marx e ele vai fazer algo bem melhor. Eu não sou um jardinista. Pensei que você quisesse apenas arrumar o jardim, não que fosse realmente um projeto. Mas
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