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ASSÉDIO INSTITUCIONAL O que é? Como enfrentar? BRASÍLIA, 2020 Associação Nacional da Carreira de Desenvolvimento de Políticas Sociais Esta é uma publicação elaborada pela Associação Nacional da Carreira de Desenvolvimento de Políticas Sociais em conjunto com a Associação dos Funcionários do Ipea. ANDEPS | COLEGIADO Ariana Frances Carvalho de Souza Daniel Martins de Carvalho Débora Spalding Verdi Élcio de Souza Magalhães Keren-Hapuque Costa Xavier Lins Marcela Iwano Rafael Vulpi Caliari Rodrigo Morais Lima Delgado Rubens Bias Pinto andeps.org.br @associacao.andeps @andeps.oficial afipeasindical.org.br @afipea @afipea AFIPEA | DIRETORIA José Celso Pereira Cardoso Júnior Presidente Fernando Gaiger Silveira Vice-presidente Bernardo Figueiredo Silva Secretário-executivo Antonio Teixeira Lima Júnior Diretor Jurídico Cleandro Henrique Krause Diretor Sociocultural, de Comunicação, Divulgação, Estudos e Pesquisa Lucas Benevides Dias Diretor de Promoção e Assistência Social Marco Aurélio Costa Diretor de Esporte e Lazer Raimundo da Rocha Diretor de Aposentados Joana Simões de Melo Costa Presidente Regional Pedro Carvalho de Miranda Secretário-executivo Regional do Rio de Janeiro Marina Ribeiro Nery Costa Cezar Diretora de Filiados Regional Associação Nacional da Carreira de Desenvolvimento de Políticas Sociais A8444 Assédio institucional: o que é? Como enfrentar? / Associação Nacional da Carreira de Desenvolvimento de Políticas Sociais, Associação dos Funcionários do Ipea. -- Brasília: Andeps; Afipea, 2020. 19p. Inclui bibliografia. 1. Assédio Moral no Trabalho. 2. Assédio Institucional. 3. Empresa – Relações Humanas. 4. Trabalho. 5. Administração Pública. 6. Liberdade de Expressão – Restrição. 7. Ambiente de Trabalho. I. Título. II. Associação Nacional da Carreira de Desenvolvimento de Políticas Sociais. III. Associação dos Funcionários do Ipea. CDU 658.3 Bibliotecária: Tatiane de Oliveira Dias – CRB1/2230 Coordenação editorial Monica Rodrigues Zabelê Comunicação Projeto gráfico e diagramação Gabriel Hoewell Zabelê Comunicação Imagens: Freepik e Wikimedia Esta publicação foi diagramada com as fontes Open Sans, Noto Sans e Upgrade SUMÁRIO Apresentação 5 Por que temos que falar de assédio institucional? 6 O que é o assédio institucional? 7 Exemplos de assédio institucional 10 Como diferenciar assédio institucional dos atos da gestão? 12 Aspectos jurídicos que se aproximam do tema 13 Consequências do assédio institucional 15 Reações possíveis diante de situações de assédio institucional 16 Referências bibliográficas 17 Em tempos de crises políticas, sociais e institucionais, poten- cializam-se as situações de instabilidade e de atuações auto- ritárias, inclusive nas relações de trabalho. Somado a isso, a ocupação de cargos por pessoas sem experiência prévia na gestão de políticas públicas tem sido prática recorrente, afe- tando o andamento das instituições da administração pública que têm como dever a prestação de serviço de qualidade à população. Neste cenário, têm sido comuns as mudanças injustificadas na conduta de políticas públicas que acarretam prejuízo social, o cerceamento à liberdade de expressão, as posturas de diri- gentes que vão de encontro com as normas das instituições por eles geridas e a instauração de um clima organizacional autoritário, desrespeitoso e pautado pelo medo. Tais situa- ções, mais do que casos isolados, têm se tornado corriqueiras, podendo ser entendidas como parte de uma estratégia de desmonte do Estado e têm sido identificadas como assédio institucional, tema novo para a administração pública. Diante desse recente fenômeno, a Associação Nacional da Carreira de Desenvolvimento de Políticas Sociais (Andeps) e a Associação dos Funcionários do Ipea (Afipea) sentiram neces- sidade de produzir um material sobre o tema e elaboraram essa cartilha a fim de promover o conhecimento e o debate sobre o assédio institucional. Com isso, convidam agentes e servidoras/es públicas/os a conhecer mais sobre o tema, iden- tificar situações que porventura ocorram em seus ambientes de trabalho e realizar reflexões sobre o que pode ser feito diante de tais situações. Andeps Afipea APRESENTAÇÃO O assédio institucional é um tema novo, ainda em construção, que define prá- ticas recorrentes no âmbito das instituições públicas e que têm se tornado mais intensas e constantes. Ações que exemplificam esse tipo de assédio são: mudanças injustificadas na conduta de políticas; cerceamento ao trabalho com determinados temas e à liberdade de expressão; clima organizacional autoritário, desrespeitoso e pau- tado no medo; posturas de dirigentes que vão de encontro com as normas das instituições por eles geridas. As consequências afetam negativamente a sociedade, por meio da retirada de direitos já adquiridos e da ameaça constante à integridade dos indivíduos, a elevação dos níveis de corrupção, e um conjunto de estratégias para o des- monte do Estado. Os exemplos conhecidos e vivenciados por funcionários públicos têm sido evidenciados frequentemente pela mídia, além de chegarem a associações e sindicatos. No aspecto jurídico, os casos de assédio institucional podem contar, atual- mente, com aproximações para dano moral, coletivo ou individual e desvio de finalidade. Agentes e funcionárias/os publicas/os podem auxiliar no combate ao assédio institucional estando atentos/as ao seu meio de trabalho, percebendo e iden- tificando os casos, registrando os mesmos no site Assediômetro, e buscando suas respectivas associações e sindicatos, que são os espaços coletivos de for- talecimento e defesa do serviço público, para buscar soluções aos casos. Por que temos que falar de assédio institucional? 7 Acesse o Assediômetro 1 2 3 4 5 6 https://mailchi.mp/b7c61397515f/assedimetro https://mailchi.mp/b7c61397515f/assedimetro ASSÉDIO INSTITUCIONAL: O QUE É? COMO ENFRENTAR? 8 O que é assédio institucional? Os processos de crise da democracia e da norma institucional vigente, desde a Constituição Federal de 1988, servem como pano de fundo para as práticas de assédio institucional, por- tanto, convém falar sobre eles, antes mesmo de conceituar o fenômeno. Segundo Cardoso Jr. (2019, p.8), a transformação institucional recente no Brasil se caracteriza por ser, ao mesmo tempo: “abrangente (no sentido de que envolve e afeta praticamente todas as grandes e principais áreas de atuação governamental), profunda (no sentido de que promove modificações paradigmáticas, e não apenas paramétricas, nos modos de funcionar das respectivas áreas) e veloz (no sentido de que vêm se processando em ritmo tal que setores opo- sicionistas e mesmo analistas especializados mal conseguem acom- panhar o sentido mais geral das mudanças em curso)”. Dessa forma, há grandes descontinuidades – verdadeiras mu- danças disruptivas – nas ações de governo em relação ao que o precedia, por vezes com mudanças que contrariam normativas prévias (Silva e Cardoso Jr., 2020). Complementando este cenário, a significativa presença de che- fias sem qualificação técnicapara o exercício do cargo – seja por serem de áreas alheias às que devem gerir, seja pela fal- ta de formação para o desempenho da gestão – aprofunda a desestabilização das próprias instituições. Em alguns órgãos, a fragilidade é ainda maior pela grande presença de trabalhado- ras/es com vínculos como bolsas e consultorias, terceirizadas/ os, que ficam rendidas/os às ordens momentâneas, em função da precariedade da relação contratual. Isso tudo pode ser imensamente agravado quando se coloca no horizonte uma “reforma” administrativa (PEC 32/2020)1 que traz entre seus principais motes a restrição da estabilidade (incluin- do um obscuro período de experiência em que poderia haver uma competição entre os postulantes para a ocupação perma- nente das vagas); a possibilidade de contratações temporárias e sem concurso público; e a permissão para que o Presiden- te da República possa, por decreto, ou seja, sem participação do legislativo, extinguir ou mudar atribuições de entidades da administração pública. Inevitavelmente essas mudanças torna- riam o ambiente ainda mais vulnerável à “ingerência volátil da política efêmera, que diminui a previsibilidade e confiabilidade do ambiente regulatório” (Fonacate, 2020, p.8). Aumentariam, portanto, as arbitrariedades e ações com finalidades escusas e as práticas de assédio institucional. [1] bit.ly/2GA6CVn http://bit.ly/2GA6CVn ASSÉDIO INSTITUCIONAL: O QUE É? COMO ENFRENTAR? 9 Dado esse contexto se torna necessário pontuar e compreen- der o assédio institucional, que se caracteriza por: “um conjunto de discursos, falas e posicionamentos públicos, bem como imposições normativas e práticas administrativas, realizado ou emanado (direta ou indiretamente) por dirigentes e gestores públicos localizados em posições hierárquicas superiores, e que implica recor- rentes ameaças, cerceamentos, constrangimentos, desautorizações, desqualificações e deslegitimações acerca de determinadas organi- zações públicas e suas missões institucionais e funções precípuas” (Afipea, 2020, s.p). Conforme Souza Neto et al. (2020), o fenômeno tornou-se “uma prática intencional com objetivos claramente definidos, a sa- ber: i) desorganizar – para reorientar pelo e para o mercado – a atuação estatal; ii) deslegitimar as políticas públicas formula- das sob a égide da CF-1988; e iii) desqualificar os próprios ser- vidores públicos”. Em outras palavras, ainda que não seja um fenômeno totalmente novo, passou a ser usado de tal forma e intensidade, que pode ser hoje qualificado como um método de governo com vistas à diminuição ou desmonte do Estado, tal como este fora desenhado, em grande medida, a partir da Constituição Federal de 1988 (Silva e Cardoso Jr., 2020). Usa-se o termo “institucional” aqui, no sentido daquilo que re- mete a uma categoria geral que transcende ao indivíduo, grupo ou organização específicos que venha, eventualmente, sofrer o assédio. Por exemplo, o alvo principal pode ser o serviço pú- blico de forma ampla, não apenas um servidor ou órgão espe- cífico, ainda que geralmente se expresse, no limite, em uma ação individual, como uma exoneração. Da perspectiva da/o praticante do assédio, este pode tanto resultar de ações indi- viduais, geralmente de atores notórios no cenário político ou mesmo governamental, quanto decorrer de um contexto mais generalizado, em que é tolerado ou até estimulado pela pró- pria organização. Em outras palavras, o assédio institucional é um feixe de atos políticos e atos administrativos, comissivos ou omissivos, mui- tas vezes praticados com abuso de poder, desvio de finalidade ou prevaricação. Seu objetivo é o de fragilizar ou desmontar processos, políticas e organizações. Seus executores tendem a se escamotear sob o véu da discricionariedade administrativa ou da liberdade de expressão, evitando serem questionados juridicamente com a escusa da separação dos poderes. Quando o assédio institucional abrange também caracterís- ticas do assédio moral2, já conhecido e relatado em diversos materiais3, temos uma outra categoria definida como “assédio institucional de expressão moral”, caracterizado por: [2] O assédio moral se caracteriza pela “ex- posição de pessoas a situações humilhantes e constrangedoras no ambiente de trabalho, de forma repetitiva e pro- longada, no exercício de suas atividades. Conduta abusiva, manifestando-se por comportamentos, palavras, atos, gestos ou escritos que possam trazer danos à persona- lidade, à dignidade ou à integridade física e psíquica de uma pessoa, pondo em perigo o seu emprego ou degradando o ambiente de trabalho” (TST, 2019). [3] bit.ly/3ltC5qT bit.ly/2GBoiQq bit.ly/30RPRf8 bit.ly/3dgUX9u bit.ly/3iKZKS2 http://bit.ly/3ltC5qT http://bit.ly/2GBoiQq http://bit.ly/30RPRf8 http://bit.ly/3dgUX9u http://bit.ly/3iKZKS2 ASSÉDIO INSTITUCIONAL: O QUE É? COMO ENFRENTAR? 10 “ameaças (físicas e psicológicas), cerceamentos, constrangimentos, desautorizações, desqualificações e perseguições, geralmente ob- servadas entre chefes e subordinados (mas não só!) nas estruturas hierárquicas de determinadas organizações públicas (e privadas), redundando em diversas formas de adoecimento pessoal, perda de capacidade laboral e, portanto, mau desempenho profissional no âm- bito das respectivas funções públicas.” (Afipea, 2020, s.p). Diferente do assédio moral, essas atitudes citadas anterior- mente, ocorrem relacionadas a um contexto de assédio sobre a instituição, trazendo uma tipologia híbrida entre o assédio institucional e o moral. Portanto, o pano de fundo e as motivações das três categorias mudam. No assédio moral, trata-se de relações abusivas den- tro do ambiente de trabalho entre colegas e/ou chefes e suas/ seus subordinadas/os, motivadas por relações pessoais. No assédio institucional, trata-se de assédio governamental sobre as instituições, áreas técnicas e trabalhadoras/es. No assédio institucional de expressão moral, o ambiente de trabalho é cla- ramente influenciado pelo contexto do assédio institucional, e há, assim, produção de sofrimento ou prejuízos pessoais, em função do contexto institucional. ASSÉDIO INSTITUCIONAL: O QUE É? COMO ENFRENTAR? 11 Exemplos de assédio institucional A seguir estão listadas algumas situações, partindo de uma des- crição mais generalizada dos fatos, acompanhada de casos no- ticiados na mídia, com link para as matérias (vide notas de roda- pé). Vale ressaltar que não é intenção desta cartilha tipificar ou esgotar os casos, mas sim iniciar uma caracterização a fim de subsidiar o debate sobre o tema. Constrangimento, público ou não, de órgãos ou setores por di- vulgarem resultados de suas ações, quando estes passam a não estar de acordo com a agenda política ou ideológica do governo. Um exemplo é a exoneração do diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Ricardo Galvão, em função do órgão ter publicado dados sobre o desmatamento que desagradaram instâncias superiores do governo4. Situação semelhante ocorreu no Ministério da Saúde, em que após diversas ocasiões de explícitas discordâncias entre o Presi- dente da República e os gestores da pasta, notoriamente sobre a indicação de Cloroquina para tratamento da Covid-19, houve exoneração de ministros e secretários5. Impedimentos totais ou parciais de publicação de materiais ins- titucionais, produzidos em função da função precípua da organi- zação, sem justificativa plausível. Como exemplo pode-se mencionar o caso de impedimento de divulgação dos resultados do 3º Levantamento Nacional Domi- ciliar sobre o Uso de Drogas, pesquisa nacional realizada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em parceria com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Instituto Nacional de Câncer (Inca) e a Universidade de Princeton, nos EUA, com custo de sete milhões de reais. Os resultados só foram liberados após intermediação da Advocacia Geral da União (AGU)6. Impedimento, demora ou alteração no processo da definiçãoou nomeação de servidoras/es para cargos vagos, sem apresenta- ção de justificativas, deixando setores sem chefias ou nomean- do apenas indicações políticas, notadamente para exercer domi- nação ideológica e política sobre a área, por vezes, contrárias às finalidades do órgão7. Exemplo notório ocorreu na indicação do presidente para a Fun- dação Palmares8, assim como em reitorias universitárias. As in- dicações para os cargos mais altos da Esplanada dos Ministérios são feitas diretamente pelo presidente. Porém, é conveniente que os demais cargos sejam escolhidos pela/o própria/o minis- tra/o e demais chefias. No entanto, em março de 2019, foi criado [4] glo.bo/36QKlx4 [5] bit.ly/2SJzyfX [6] bit.ly/30Qpmqx bit.ly/36PxlrF bit.ly/2I9yvnj [7] bit.ly/36MPxC8 http://glo.bo/36QKlx4 http://bit.ly/2SJzyfX http://bit.ly/30Qpmqx http://bit.ly/36PxlrF http://bit.ly/2I9yvnj http:// bit.ly/36MPxC8 ASSÉDIO INSTITUCIONAL: O QUE É? COMO ENFRENTAR? 12 [8] bit.ly/3lsaarp [9] glo.bo/2GKUdOj [10] bit.ly/2I6RcrM bit.ly/2GVD5Fq [11] glo.bo/3dfu2v5 bit.ly/33KgbJM [12] bit.ly/2IgaJpZ [13] bit.ly/2IgaOtN [14] glo.bo/3ltssbK o Sistema Integrado de Nomeações e Consultas (Sinc), que res- palda a avaliação e a investigação da/o indicada/o, culminando na verificação de conveniência e oportunidade da indicação. Para a definição de um/a nova/o reitor/a, normalmente ocorre a indicação, por eleição da comunidade acadêmica, de uma lista tríplice de candidatas/os ao cargo. Apesar de a lei permitir que o Presidente da República escolha qualquer um dos três nomes, o primeiro da lista era tradicionalmente o escolhido pelos últimos governos. Isso não tem se mantido, pois até agosto (2020) o go- verno interveio na nomeação de Universidades/Institutos Fede- rais na Bahia, Ceará, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Santa Catarina9. Utilização de instrumentos como Processos Administrativos Dis- ciplinares (PADs) e destituições de cargos e de chefias de con- fiança ou falta de nomeação como forma de perseguição, ou seja, sem justificativa clara, tudo isto a pretexto de uma suposta “discricionariedade”. Exemplo disso são as exonerações em áreas técnicas, após pu- blicação de materiais com conteúdos que desagradaram o alto escalão do governo10. Um caso de destaque foi o da nota técnica com orientações sobre o acesso à saúde sexual e reprodutiva durante o enfrentamento ao coronavírus. Alguns dos temas tra- tados na nota técnica, como a inclusão da contracepção como necessidade essencial durante a pandemia, desagradaram a equipe do ministro interino da Saúde e causaram a exoneração de integrantes da equipe técnica que elaborou o documento. No entanto, as orientações respeitavam as normas e o direciona- mento do próprio Ministério, apenas reforçando junto aos esta- dos e municípios sua manutenção durante a pandemia11. Edição de atos normativos que vedam a liberdade de expressão de seu próprio corpo de funcionários. É o caso, por exemplo, da Nota Técnica nº 1.556/2020, da Con- troladoria Geral da União (CGU)12, que versa sobre a conduta das/os servidoras/es públicas/os federais nos meios de comuni- cação virtual, de modo que veda qualquer tipo de manifestação contrária ao órgão ou entidade de lotação13. Atuação deliberada e repetida reiteradas vezes para prejudicar e achincalhar a honra e a imagem coletiva das/os servidoras/es públicas/os. Um exemplo emblemático foi quando o atual Ministro da Econo- mia qualifica as/os servidoras/es públicas/os como “parasitas” ou “inimigos”, visando a desmoralização e a desmobilização14. Isto é, abusa de sua autoridade – que lhe garante ampla visibilidade pú- blica – para atribuir informações falsas e adjetivos ofensivos gene- ralizados e descompassados da realidade, prejudicando a imagem dos/das servidores públicos/as diante da sociedade e, com isso, pretendendo implementar a agenda da reforma administrativa. http://bit.ly/3lsaarp http://glo.bo/2GKUdOj http://bit.ly/2I6RcrM http://bit.ly/2GVD5Fq http://glo.bo/3dfu2v5 http://bit.ly/33KgbJM http://bit.ly/2IgaJpZ http://bit.ly/2IgaOtN http://glo.bo/3ltssbK ASSÉDIO INSTITUCIONAL: O QUE É? COMO ENFRENTAR? 13 Como diferenciar assédio institucional dos atos da gestão? Obviamente que ser dirigente de uma área (ou de um ministério ou um país) pressupõe decisões que não agradarão a todas/os as/os envolvidas/os, ou por vezes, beneficiarão algumas/alguns em detrimento de outras/os. No âmbito da administração pú- blica, entretanto, tais decisões não podem decorrer de meras preferências pessoais ou do grupo político da ocasião, sem que sejam fundamentadas seguindo o rito e os pressupostos da ges- tão pública e a finalidade do bem público. Críticas desde as mais amplas sobre um órgão inteiro, até as mais minuciosas sobre métodos de trabalho podem e devem ser feitas pelas/os suas/seus gestoras/es, desde que no intuito de aprimoramento de seu funcionamento, considerando seus objetivos precípuos e suas normativas, mas, principalmente, de forma embasada, sustentável, transparente e participativa. Decisões estratégicas discricionárias sobre publicidade de ma- teriais produzidos por órgãos da administração pública devem ser tomadas por aquelas/es que estão em posição de responsa- bilidade sobre seus impactos. Isso pode eventualmente incluir a não publicização ou mesmo a publicização parcial, somente se houver justificativas legais e institucionais para tais atos, dados os princípios da transparência e da necessidade de motivação de quaisquer atos da gestão pública. A escolha ou autorização para nomeação de servidoras/es em funções e cargos é dependente de relações de confiança e al- gum nível de alinhamento com o programa de governo vigente, desde que sempre mantidos os fundamentos e objetivos basila- res do Estado e as normativas da administração pública. O fato de serem de livre nomeação e exoneração, no entanto, não per- mite ao superior hierárquico desconsiderar fatores como conhe- cimento técnico, trajetória profissional e requisitos necessários para o adequado desempenho, tanto individual, quanto da área chefiada ou assessorada para a ocupação do cargo. Em suma, a discricionariedade não significa em hipótese nenhu- ma a arbitrariedade, de modo que o ato administrativo deve vir acompanhado de motivação, e a ela estar vinculado, de maneira normativamente fundamentada. Em verdade, tem-se configura- da uma arbitrariedade, a partir do momento em que são ultra- passados os limites legais e lícitos, para dar cabo a um projeto de governo ou uma ideologia, e assim se diminui ou impede o funcionamento estatal a serviço do bem público, bem como se malogra a dignidade das/os servidoras/es. ASSÉDIO INSTITUCIONAL: O QUE É? COMO ENFRENTAR? 14 Aspectos jurídicos que se aproximam do tema Por se tratar de um fenômeno novo em sua complexidade, não há ainda uma conceituação no campo jurídico. Consequente- mente, não há leis que disponham especificamente sobre o assédio institucional. Entretanto, podemos identificar normas que dão subsídios para o reconhecimento e combate a essa prática, desde a própria Constituição Federal até o Código de Ética do Servidor Público, chegando na possibilidade de carac- terização da figura jurídica de dano moral coletivo. No que se refere à Constituição Federal, em seu 1º artigo são fixados os fundamentos da República, entre eles: cidadania, dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político. Em seu artigo 3º, são elencados, dentre os objetivos fundamentais da República: a construção de uma sociedade livre, justa e solidária e a promo- ção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (BRASIL, 1988). Em ambos temos tanto princípios basilares do sentido do Estado e do serviço público, quanto elementos que apoiam o delineamento do assédio. Já o Decreto nº 1.171, de 22 de junho de 1994, que dispõe so- bre o Código de ÉticaProfissional do Serviço Público Civil do Poder Executivo, prevê vedações às condutas dos servidores. Por exemplo, é vedado ao servidor público: permitir que perse- guições, simpatias, antipatias, caprichos, paixões ou interesses de ordem pessoal interfiram no trato com o público, com os jurisdicionados administrativos ou com colegas hierarquica- mente superiores ou inferiores (BRASIL, 1994). Portanto, sen- do condutas vedadas no trato individual, como poderiam ser toleradas ou até mesmo proferidas muitas vezes por aqueles que deveriam zelar pelo correto funcionamento da administra- ção pública? Nesse sentido é possível a caracterização de dano moral coletivo. O conceito de dano moral coletivo, ocasionado pelo assédio ins- titucional, é a lesão, na esfera moral, de uma comunidade. Isto é, a violação de valores coletivos, atingidos injustificadamente do ponto de vista jurídico. Para o Superior Tribunal de Justiça (STJ), não é necessária a demonstração de prejuízos concretos ou de efetivo abalo moral. O dano moral coletivo somente é configura- do nas hipóteses em que há lesão injusta e intolerável de valores fundamentais da sociedade, não bastando a mera infringência ASSÉDIO INSTITUCIONAL: O QUE É? COMO ENFRENTAR? 15 a disposições de lei ou contrato15. A título de exemplo, o Minis- tro da Economia, Paulo Guedes, foi condenado em primeira ins- tância a pagar indenização ao sindicato de Policiais Federais da Bahia em ação ajuizada por dano moral coletivo em função da fala do ministro em que chamou servidoras/es de parasitas16. O assédio institucional também pode se enquadrar como des- vio de finalidade, nas situações em que ocorrem atos discricio- nários cujos motivos são inidôneos – pois atendem a interesses privados ou partidários, ao invés do interesse público. Estes atos ilícitos podem ser combatidos, pontualmente, pela judicialização com ações populares, ações civis públicas, mandados de segu- rança, na forma da Lei nº 4.717/65. No mais, a afronta aos princípios da administração pública com dolo de ferir a lei, ainda que sem proveito econômico, pode configurar ato de improbidade administrativa, punível com de- missão e suspensão dos direitos políticos, além de ser causa de inelegibilidade. Além disso, uma vez que o assédio institucional se exprime, mui- tas vezes, nas relações pessoais, podem ocorrer situações que se caracterizam também como assédio moral e, dessa forma, medidas jurídicas cabíveis nestes casos podem ser tomadas (vide cartilhas citadas na primeira nota de rodapé). Art. 2º São nulos os atos lesivos ao patrimônio das entidades mencionadas no artigo anterior, nos casos de: a) incompetência; b) vício de forma; c) ilegalidade do objeto; d) inexistência dos motivos; e) desvio de finalidade. Parágrafo único. Para a conceituação dos casos de nulidade observar-se- -ão as seguintes normas: a) a incompetência fica caracterizada quando o ato não se incluir nas atri- buições legais do agente que o praticou; b) o vício de forma consiste na omissão ou na observância incompleta ou irregular de formalidades indispensáveis à existência ou seriedade do ato; c) a ilegalidade do objeto ocorre quando o resultado do ato importa em violação de lei, regulamento ou outro ato normativo; d) a inexistência dos motivos se verifica quando a matéria de fato ou de direito, em que se fundamenta o ato, é materialmente inexistente ou juridi- camente inadequada ao resultado obtido; e) o desvio de finalidade se verifica quando o agente pratica o ato visan- do a fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência. [15] STJ, 3ª Turma, REsp 1502967/RS, Relatora Mi- nistra NANCY ANDRIGHI, julgado em 07/08/2018, DJe de 14/08/2018. [16] bit.ly/3dfAbXW http://bit.ly/3dfAbXW ASSÉDIO INSTITUCIONAL: O QUE É? COMO ENFRENTAR? 16 Consequências do assédio institucional Além das consequências individuais de quem passa direta ou indiretamente por situação de assédio institucional, seja no âmbito emocional, seja no âmbito financeiro ou de desenvolvi- mento na atuação profissional, há consequências também no âmbito organizacional e social. Nesse aspecto, destacam-se: Desarticulação e desorganização institucional, gerando inefetividade e ineficiência; Fragilização na gestão e na prestação de serviços públicos; Perda (por exoneração, de fato, ou por desmotivação) de servidoras/es qualificados/as; Destruição de capacidades institucionais em áreas de plane- jamento, administração e nas políticas sociais prestacionais; Descontinuidade da ação pública; Restrição de direitos. Dessa forma, há um prejuízo imensurável para a sociedade dado que atribuições que deveriam ser realizadas, não o são, gerando lacunas importantes de conhecimento e de ação esta- tal para lidar com as questões sociais. A tendência, ainda, é de aumento da corrupção, seja pelo au- mento da arbitrariedade em nomeações e, portanto, do estabe- lecimento de clientelismo e outras relações de compromisso e confiança que não as republicanas, seja pela baixa transparência sobre os atos (Souza Neto et al., 2020). Em função disso, o Es- tado também fica desacreditado pela população, gerando um dano não apenas imediato, mas também histórico pelos efeitos dessa falta de expectativa sobre suas funções. ASSÉDIO INSTITUCIONAL: O QUE É? COMO ENFRENTAR? 17 Reações possíveis diante de situações de assédio institucional Ainda que haja maior dificuldade de caracterização das situa- ções de assédio institucional, por extrapolarem relações estrita- mente individuais, o conhecimento sobre o tema e a identifica- ção de ocorrências são fundamentais para que se possibilitem reações nos âmbitos administrativo, jurídico e político. Por se tratar de ações que muitas vezes envolvem interferên- cias em processos correntes de trabalho, é muito importante o registro das informações, além do compartilhamento com colegas e outros envolvidos, para que se possa dar mais visibi- lidade ao ocorrido. Superior hierárquico, para a Ouvidoria ou para a Comissão de Ética Caso existam situações que também configuram-se como assé- dio moral, é possível “fazer denúncia para o superior hierárqui- co, para a Ouvidoria ou para a Comissão de Ética, conforme a gravidade e a regulamentação de cada instituição. As denúncias consideradas procedentes poderão ensejar a abertura de sindi- cância e de processo administrativo disciplinar” (TST, 2019). Associação, Sindicato, Ministério Público do Trabalho Diante de uma situação que se expressa de forma coletiva e muitas vezes atingindo a imagem de servidoras/es públicas/os, é fundamental que associações e sindicatos sejam acionados para auxiliar na organização das/os filiadas/os nas reações pertinen- tes. São possíveis tanto ações no âmbito político, como publi- cização dos fatos, pedidos de esclarecimento, posicionamentos públicos, greves, quanto ações jurídicas, nos casos de configu- ração de improbidade administrativa, difamação ou dano moral coletivo, por exemplo. Assediômetro Com o objetivo de aumentar a compreensão sobre esse fenô- meno, tanto para ampliar a divulgação, quanto para viabilizar ações de denúncia e combate ao assédio institucional, foi criado o “Assediômetro”, uma parceria entre a Afipea e a Arca (Articula- ção das Carreiras para o Desenvolvimento Sustentável). Nele po- dem ser realizados registros anônimos de casos, que compõem um gráfico de frequência de situações por temas. Acesse. http://arcadesenvolvimento.org/assediometro/ REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AFIPEA. Assédio institucional no setor público. Disponível em: bit.ly/30NOPko. BRASIL. Ministério da Saúde. FIOCRUZ. Assédio Moral e Sexual no Trabalho: Preven- ção e Enfrentamento na Fiocruz, 2014. ______. Ministério da Saúde. Secretaria-Executiva. Subsecretaria de Assuntos Admi- nistrativos. Assédio: violência e sofrimento no ambiente de trabalho: assédio moral. Brasília : Editora do Ministério da Saúde, 2009. 36 p. – (Série F. Comunicação e Educa- ção em Saúde). ______. Decretonº 1.171, de 22 de junho de 1994. Aprova o Código de Ética Profissio- nal do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 23 jun. 1994. ______. Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990. Dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 12 dez. 1990. ______. Senado Federal. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm ______. Lei 4.717, de 29 de junho de 1965. Regula a ação popular, Brasília, DF, 1965. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4717.htm CARDOSO JR., José Celso. Terrorismo fiscal, catástrofe liberal: a morte lenta (porém súbita!) da Constituição cidadã pelos pés do governo Bolsonaro/Guedes. In GEDIEL, José Antônio Peres; MELLO, Lawrence Estivllet (orgs.). 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