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VALOR NA EXTERIORIDADE: Influência Demarcada na Sociedade Contemporânea Elaine de Deus Oliveira (2016) A discussão gerada em torno das excessivas prescrições dos fármacos psicotrópicos encontra-se influenciada por questões culturais, econômicas, políticas e sociais. Duas dessas vertentes receberão maior foco por se constituírem enfáticas nessa pesquisa: a cultura pela qual a sociedade em geral é movida especialmente no que diz respeito ao ‘ser’. E, o econômico destacando o ganancioso interesse das indústrias farmacêuticas advindo das vendas de seus produtos. Desta forma, uma análise sistêmica e também crítica do assunto faz-se necessária. Birman (1999 apud PELEGRINI, 2003, p. 1) diz: “Atualmente, a exterioridade é o valor. Os signos externos, como os bens de consumo, são os delimitadores do que cada um é”. Diante da afirmativa do autor pode-se perceber que a subjetividade não mais é regrada pela moral, experiências íntimas e sentimentos velados. Abarca agora nova roupagem - a estetizante, e nessa, o olhar do outro é predominante e também exigente. E há de ser atendido! A força da fala de Birman (1999) não se restringe aos bens de consumos materiais, vai muito além, ela perpassa pela forma como o indivíduo se apresenta no que diz respeito ao seu comportamento social. Ou seja, na atual sociedade, preza-se mais a imagem – aquilo que se vê de imediato – do que qualquer outra coisa. A aparência ilusionista é hoje a responsável por atravessar diversos aspectos de nossa cultura. O sofrimento humano – entendido por angústia, tristeza, ou mesmo a ansiedade que fazem parte do cotidiano da experiência humana – está sendo tratado com medicamentos psicotrópicos com o claro propósito de camuflar a dor. Hoje, uma parcela da experiência humana está sendo suprimida pela exigência de se permanecer no estado constante de prazer e de alegria. Parece que nossa sociedade já não suporta mais reconhecer a dor e de igual forma a frustração como sendo constitutivos da trajetória que possibilita a conquista do prazer e da alegria. Corre-se solta, através das mídias, a ideia de que a imagem ideal do prazer total encontra-se disponível para qualquer pessoa e sem esforço algum. Simultaneamente, segue implícita a informação de que a não obediência a esse novo padrão faz o indivíduo ser visto como sendo, ele próprio, a razão do problema (MAIA; ALBUQUERQUE, 2000 apud PELEGRINI, 2003). Maia e Albuquerque (2000), ainda destacam o imediato como sendo o valor que perpassa aos vários segmentos da cultura e acaba por se constituir como qualidade vital a todo tipo de bem a ser consumido. Tal urgência leva ao que deveria ser o processo da meta a ser atingida, para obstáculo a ser superado, tornando-se válidos todos os meios para atingir resultados satisfatórios e imediatos. Na contemporaneidade a psiquiatria se amplia, não está mais restrita ao tratamento da loucura. Agora, ocupa-se também dos mal-estares do dia a dia e, de igual forma, da dor de existir no mundo. E haja vista que, para cada um destes problemas, há um medicamento próprio oferecido pela psiquiatria. "Não se pretende mais, no discurso médico, a cura (que atuaria nas causas), mas a regulação do mal-estar: apenas uma eliminação dos sintomas." (PELEGRINI, 2003, p. 6). É oportuno lançar mão da contribuição deixada por Freud no que diz respeito ao mal-estar encontrado na sociedade desde a sua remota concepção. De acordo com Pelegrini (2003), existe um mal-estar próprio à construção da cultura que traz como resposta a rivalidade entre as exigências da pulsão e as restrições à sua satisfação imposta pela sociedade e isso parece ser muito evidente. Para a autora, medidas paliativas são procuradas para amenizar esses desconfortos trazidos pela vida, e que se apresentam de duas maneiras: através da satisfação substitutiva que opera reduzindo o sofrimento vivido ou através do consumo de substâncias tóxicas que vão tratar esse sofrimento com indiferença. O homem almeja a conquista da plena felicidade, que poderá ser alcançada pela via da sensação de prazer ou pela via da redução do sofrimento. A resolução desse impasse ocorre na passagem do funcionamento no princípio do prazer para o princípio da realidade, "onde o desejo precisa ser negociado, muitas vezes adiado" (PELEGRINI, 2003, p. 7). Logo, no entendimento de Pelegrini (2003), em se tratando de cultura, o cultivo dessa posição delimitada pela ação do princípio do prazer e a evitação do percurso que constrói o homem como sujeito de expressão regrado pelo princípio da realidade está em pleno curso. Então, a autora complementa: "Nesse sentido, o uso de substâncias psicoativas que alteram a percepção, os sentidos e o humor tem a função de permitir essa alucinação do objeto e da satisfação. Assim, usando drogas (lícitas ou ilícitas) torna-se possível atingir o ideal prometido pelo discurso corrente" (PELEGRINI, 2003, p. 7). Nesta concepção, se impõe acoplada a publicidade trazendo a garantia de felicidade e plena satisfação através de suas persuasivas propostas, explorando com estilo suas belas imagens. Então, como pronta resposta são apresentadas - as ‘drogas’... e, “Há de se glorificar o Eu, mesmo que, para tanto, os caminhos sejam os bioquímicos e os farmacológicos” (PELEGRINI, 2003, p. 3). É oportuno pontuar que a pretensão deste artigo não é desmerecer a eficiência da psiquiatria e/ou o da psicofarmacologia, cada qual possui seu grau de importância e lugar marcado de significativa atuação. Logo, a consideração crítica nessa pesquisa está no fato de a grande maioria dos profissionais da classe médica se renderem as ofertas das indústrias farmacêuticas, induzindo o homem contemporâneo rejeitar os sentimentos inerentes a experiência humana e que são constitutivos do seu psiquismo, por desleais razões econômicas, ou seja, a troco de iludir a humanidade com a promessa de falsa felicidade e bem-estar trazidas pela mídia no formato de medicalização para a dor de existir. REFERÊNCIAS PELEGRINI, Marta Regueira Fonseca. O Abuso de Medicamentos Psicotrópicos na Contemporaneidade. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid =S1414-98932003000100006 Acesso em: 16 jun. 2015.
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