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0 1 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................ 2 2 ASPECTOS POLÍTICOS DA GESTÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS DE SAÚDE 3 3 REDES DE ATENÇÃO À SAÚDE ............................................................... 5 3.1 A origem das Redes de Atenção à Saúde (RAS) ................................. 6 4 ALGUMAS CARACTERÍSTICAS IMPORTANTES DA GESTÃO ............... 8 5 GESTÃO DE PESSOAS ........................................................................... 10 6 GESTÃO DOS PROCESSOS DE TRABALHO ........................................ 11 7 GESTÃO DA INFORMAÇÃO .................................................................... 14 8 GESTÃO LOCAL EM SAÚDE ................................................................... 16 8.1 Organização dos sistemas locais de saúde ....................................... 17 9 GESTÃO LOCAL DAS ATIVIDADES PRIMÁRIAS ................................... 19 9.1 Gestão local das atividades de apoio ................................................. 22 9.2 Controle social e ações intersetoriais no sistema local de saúde ....... 23 10 GERENTES DE UNIDADE BÁSICA DE SAÚDE ...................................... 25 11 GESTÃO E CENTRALIZAÇÃO NORMATIVA NAS INSTITUIÇÕES DE SAÚDE 27 11.1 Novos sentidos para a cogestão das instituições de saúde ............... 29 12 OS GESTORES DO SUS EM CADA ESFERA DE GOVERNO ............... 31 13 O PROCESSO DE IMPLANTAÇÃO DO SUS ........................................... 34 14 CONSIDERAÇÕES PROVISÓRIAS SOBRE A PARTICIPAÇÃO POLÍTICA NO SUS 35 15 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................... 38 2 1 INTRODUÇÃO Prezado aluno! O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta , para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos! 3 2 ASPECTOS POLÍTICOS DA GESTÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS DE SAÚDE Fonte: sabedoriapolitica.com.br A gestão em saúde é quase tão antiga quanto a Saúde Pública. Surge na tentativa de compatibilizar conhecimentos sobre administração pública com procedimentos sanitários considerados eficazes no controle às epidemias. A saúde pública nasceu interdisciplinar quando esta expressão sequer existia. Há uma multiplicidade de definições que de alguma forma configuram os contornos do que chamamos de gestão em saúde. Com o avanço do processo de municipalização do SUS, a gestão dos serviços de saúde pública está cada vez mais em consonância com o plano de governo municipal. Em muitas situações, o Município opta por incorporar programas e estratégias idealizadas no nível federal, havendo incentivos financeiros específicos para áreas prioritárias. Quanto à participação do governo estadual há grandes disparidades em todo país, mas ela é de fundamental importância para ordenar redes de assistência, sobretudo em municípios menores, sem recursos e com pouca capacidade de oferecer assistência integral aos cidadãos. Em suma, a gestão dos serviços de saúde acompanha movimentos macropolíticos de diferentes instâncias, que em maior ou menor grau gera impactos diretos nos diferentes processos de trabalho que são realizados. Também foi assegurado por lei o controle social no SUS. 4 Os Conselhos de Saúde, em caráter permanente e deliberativo, são órgãos colegiados, compostos por representantes do governo, prestadores de serviços, profissionais de saúde e usuários, que atuam na formulação de estratégias e no controle social da execução da política de saúde nas instâncias correspondentes, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros, cujas decisões serão homologadas pelo chefe do poder legalmente constituído em cada esfera do governo. Essa característica deliberativa diferencia os Conselhos de Saúde dos demais conselhos de outros segmentos sociais, bem como de instâncias de participação em saúde de diversos países, com natureza apenas consultiva. A existência de formas colegiadas decisórias para a formulação e controle da implementação de políticas de saúde apresenta significado de passagem da forma de democracia representativa para democracia participativa, direta, possibilidade esta prevista nos ditames constitucionais. Mesmo que regulamentado legalmente, muitos conselhos gestores locais são frágeis ou sequer foram implantados. Carecem de maior participação dos usuários e trabalhadores, que, por sua vez, precisam traçar estratégias para que não sejam manipulados pelo segmento gestor. É um espaço de disputa, mas também de construção coletiva e decisório. Cabe aos, profissionais de saúde e gestores, o exercício do trabalho participativo, no qual o bem comum se sobressaia em meio aos interesses individuais, de determinado segmento e dos políticos governamentais. Os gestores (federais, estaduais e municipais) do SUS cumprem um papel decisivo na conformação das práticas de saúde por meio das políticas, dos mecanismos de financiamento etc., mas não governam sozinhos. Apesar de haver uma direção - os gestores - a quem formalmente cabe governar, na verdade todos governam - os trabalhadores e os usuários. FEUERWERKER, 2005, apud RAMOS, 2013, p. 5). Com relação à mudança do modelo de assistência proposta pelo SUS, as evidências atuais apontam para uma discreta superioridade da Estratégia Saúde da Família em relação às atividades de unidades tradicionais. Os avanços estão em consonância com o referencial normativo que prevê a territorialização, maior vínculo, envolvimento comunitário e acompanhamento de prioridades programáticas, entre outros. No entanto, o acesso permanece como um grande nó crítico, com dificuldades na estrutura física, na capacitação e dimensionamento das equipes, fragilidades da gestão e na organização da rede de serviços. As evidências apontam ainda que 5 problemas relacionados ao acesso dos usuários comprometem sobremaneira os avanços no plano da integralidade. São os três grandes desafios para a consolidação do SUS: 1. Sua frágil sustentação entre os trabalhadores; 2. A competição com o setor privado; e 3. A fragmentação de sua gestão devido ao processo de municipalização. Em suma, a gestão envolve escolhas, arbitragens, hierarquização de atos e objetivos, além de envolver valores e leis que orientam a tomada de decisões pelos trabalhadores no cotidiano. Tendo como cenário os serviços públicos de saúde, nosso grande desafio é considerar o conjunto de demandas e necessidade, numa ética que contemple os interesses da coletividade, as necessidades de usuários e dos diversos grupos de trabalhadores da saúde. 3 REDES DE ATENÇÃO À SAÚDE Fonte: unasus2.moodle.ufsc.br É imperativo que os modelos de atenção à saúde, bem como suas redes de atenção, estejam organizados para suprir as atuais necessidades de saúde dos brasileiros. Vive-se atualmente uma realidade fortemente influenciada pela transição demográfica e epidemiológica que se expressapor uma tripla carga de doenças. 6 Nesse contexto, espera-se que a Atenção Primária à Saúde: 1. Seja eficiente para atender de forma resolutiva a maior parte dos problemas de saúde da população; 2. Coordene as referências, contrarreferências, informações e demais etapas que compreendam as redes de atenção à saúde; e 3. Se responsabilize pela vigilância em saúde do território e população adscrita. Tais atribuições são complexas e seu sucesso depende de investimentos em infraestrutura e mão de obra, profissionais qualificados e gestão eficiente dos processos de trabalho e dos serviços que compõem a rede. As redes de atenção à saúde são organizações poliárquicas de conjuntos de serviços de saúde, vinculados entre si por objetivos comuns e por uma ação cooperativa e interdependente, que permitem ofertar uma atenção contínua e integral a determinada população. Deseja- se que a assistência seja prestada no tempo certo, no lugar certo, com o custo certo, com a qualidade certa, de forma humanizada e segura e com equidade. A organização dos serviços de saúde a partir das redes implica em valorizar ainda mais o compartilhamento da assistência entre profissionais, equipes e serviços. Exige entender a gestão para além de ações burocráticas, como sendo o processo de tomada de decisões que viabilizem os preceitos do SUS na prática. Destacam-se os preceitos iniciais que fundamentaram a Atenção Primária a Saúde. A atenção primária se diferencia dos outros níveis assistenciais por quatro atributos característicos: atenção ao primeiro contato, longitudinalidade, integralidade e coordenação. Destes quatro atributos, a longitudinalidade tem relevância por compreender o vínculo do usuário com a unidade e/ou com o profissional. A população deve reconhecer a Unidade como fonte regular e habitual de atenção à saúde, tanto para as antigas quanto para as novas necessidades. Já o profissional deve conhecer e se responsabilizar pelo atendimento destes indivíduos. A longitudinalidade está fortemente relacionada à boa comunicação que tende a favorecer o acompanhamento do paciente, a continuidade e efetividade do tratamento, contribuindo também para a implementação de ações de promoção e de prevenção de agravos de alta prevalência (STARFIELD, 2004, apud RAMOS, 2013, p. 5). 3.1 A origem das Redes de Atenção à Saúde (RAS) A origem das Redes de Atenção à Saúde (RAS) data da década de 1920, no Reino Unido, quando foi elaborado o Relatório Dawson, como resultado de um grande debate de mudanças no sistema de proteção social daquela união política após a 1ª 7 Guerra Mundial. Nesse documento consta a primeira proposta de organização de sistemas regionalizados de saúde, cujos serviços de saúde deveriam acontecer por intermédio de uma organização ampliada que atendesse às necessidades da população de forma eficaz. Além disso, esses serviços deveriam ser acessíveis a toda população e oferecer cuidados preventivos e curativos, tanto no âmbito do cuidado domiciliar quanto nos centros de saúde secundários, fortemente vinculados aos hospitais. A discussão sobre a reestruturação dos sistemas de saúde segundo a lógica de RAS tem outros marcos mais atuais decorrentes da reunião de Alma-Ata, realizada em 1978 (OPS; OMS, 2011). Redes de Atenção à Saúde Nos Estados Unidos, na década de 1990, houve uma retomada da discussão sinalizando um esforço para superar o problema imposto pela fragmentação do sistema de saúde. Investiu-se na oferta contínua de serviços a uma população específica, territorialmente delimitada, focada na Atenção Primária à Saúde (APS), desenvolvidos de forma interdisciplinar e com a integração entre os serviços de saúde, bem como com sistemas de informação. Experiências semelhantes foram registradas também no Canadá. Na Europa ocidental, as RAS vêm sendo adotadas em países como Noruega, Suíça, Holanda, Espanha, França, Alemanha, Inglaterra e Irlanda. Já nos países da América Latina, a implementação das RAS ainda é inicial, sendo o Chile o país com maior experiência na área. É aceito, na literatura internacional, que os sistemas de saúde organizados em Redes de Atenção à Saúde cujos modelos se estruturam com base numa Atenção Primária forte, resolutiva e coordenadora do cuidado dos usuários, apresentam melhores resultados que aqueles cujo modelo de Atenção Primária ou Atenção Básica à Saúde é frágil. Tais evidências provêm de estudos realizados em diversos países, incluindo o Brasil, e apontam quais características da Atenção Primária à Saúde (APS) podem levar um sistema de saúde a ser mais efetivo, ter menores custos e ser mais satisfatório à população e mais equânime, mesmo diante de adversidades sociais. 8 4 ALGUMAS CARACTERÍSTICAS IMPORTANTES DA GESTÃO Fonte: jexpoente.com.br Uma vez que se entende que a gestão dos Serviços Públicos de saúde na Atenção Básica está ancorada nos princípios e diretrizes do SUS, e que sofre influências macropolíticas. Destacam-se três características estruturantes desse tipo de gestão: 1) Foco nas pessoas/usuários; 2) Sensibilidade; e 3) Dinamismo. Pode parecer redundância, mas deve-se constantemente lembrar de que o trabalho deve estar focado na produção de serviços de saúde com qualidade às pessoas. Sendo que serviços, neste contexto, tem uma característica imaterial e relacional. O foco do trabalho deve estar ajustado para as pessoas e coletividades nas, suas necessidades, sofrimentos, seus desejos e projetos de vida. A sensibilidade é fundamental para se fazer uma boa leitura das necessidades e problemas a serem enfrentados. O ponto de partida pode ser a avaliação das potencialidades e dificuldades da equipe de trabalho e serviço. Não será possível atingir todos os objetivos que estejam além da capacidade. No entanto, não se pode conformar com as limitações, mas sim trabalhar para diminuí-las. 9 Posteriormente, deve-se estar atento às necessidades das pessoas e comunidade assistidas. Não considerar as especificidades individuais, sociais e culturais podendo levar a promover ações em saúde que não fazem sentido para as pessoas e coletividades, e que consequentemente não produzirão os resultados esperados. E por último, o dinamismo que serve para tirar o profissional da “zona de conforto”. Tudo está mudando constantemente e isso quer dizer que reproduzir por anos uma mesma ação provavelmente é um grande equívoco. O trabalho deve ser dinâmico o suficiente para se adequar: 1) Às necessidades das pessoas e territórios que assistimos; 2) Às mudanças das redes de atenção; 3) Às novas tecnologias em eventualidades, como uma epidemia, desastres ambientais, entre outros. No entanto, ainda se observa em muitos serviços públicos de saúde estruturas de gestões rígidas, que definem hierarquias verticalizadas, processos decisórios centralizados com pouca ou nenhuma possibilidade para os trabalhadores participarem do processo de tomada de decisão. Como consequência, é evidente a demasiada burocratização do trabalho, profissionais desmotivados e serviços que funcionam em descompasso com as necessidades da população e território adstrito. 10 5 GESTÃO DE PESSOAS Fonte: administradores.com.br O funcionamento da Atenção Básica e as atribuições de todos os profissionais que podem compor a equipe foram redefinidos pela PORTARIA Nº 2.488 de 2011, que aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes e normas para a organização da Atenção Básica, para a Estratégia Saúde da Família (ESF) e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Recomenda-se que esse documento seja de conhecimento da equipe e que norteie a estrutura do processo de trabalho dos profissionais e serviços. Contudo, o processo de ampliação dos Serviços que compõem a Atenção Primária à Saúde no SUS tem ocorrido nos últimos anos por intermédiode grandes mudanças nas formas de contração e vínculo dos profissionais. Diferentes modalidades de parcerias entre o Poder Público, instituições privadas e organizações sociais têm sido realizadas com muitas possibilidades de distorções. Em um município, e até mesmo em um único serviço, pode-se observar trabalhadores contratados diretamente pelo Estado, podendo ser servidor estatutário, servidor celetista ou temporário; ou de forma indireta, por meio de Organizações Sociais, Organizações Civis de Interesse Público, Instituições Filantrópicas ou Privadas. Nesse cenário, há grandes diferenças salariais e de benefícios para a mesma categoria profissional, e níveis de exigência e qualidade nos serviços muito desiguais. 11 As principais dificuldades de gestão do trabalho coletivo em saúde dizem respeito: à relação entre sujeitos individuais e coletivos; à história das profissões de saúde e o seu exercício no cenário do trabalho coletivo institucionalizado; e à complexidade do jogo político e econômico que delimita o cenário das situações de trabalho (SCHERER; PIRES; SCHWARTZ, 2009, apud RAMOS, 2013, p. 8). Tendo por princípio a gestão mais horizontal possível, as respostas a essas questões necessitam de reflexão e ação conjunta. Um bom ambiente de trabalho é uma construção coletiva. Para além das questões que extrapolam a governabilidade local, deve-se valorizar as pessoas e seu trabalho, manter o máximo possível de autonomia para cada profissional, união para criar soluções às dificuldades que envolvem o trabalho, compartilhar experiências e aprender. Felizmente, bons sentimentos e disposição também podem ser contagiantes. Entende-se que as dificuldades de se abordar as relações profissionais no Serviço frente a tantas outras demandas que congestionam nosso dia a dia. Mas não enxergar e valorizar essa dimensão do trabalho mantém os profissionais em um indesejável ciclo vicioso: profissionais cada vez mais desmotivados e adoecidos, incapazes de oferecer assistência de qualidade às pessoas e coletividades do território, que irão exigir do serviço e profissionais o direito à assistência com qualidade, aumentando a pressão sobre os profissionais que não se sentem amparados no Serviço. 6 GESTÃO DOS PROCESSOS DE TRABALHO Fonte: saude.gov.br 12 Os serviços públicos que compõem a Atenção Básica têm incorporado muitas responsabilidades com o passar do tempo. Em uma rápida exemplificação: é preciso executar políticas abrangentes, como Política Nacional de Humanização, Política Nacional de Atenção Básica, Política Nacional de Imunização, Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa, entre outras. Executar um amplo processo de mudança no modelo de atenção à saúde por meio da Estratégia Saúde da Família, e, mais recentemente, pelos Núcleos de Apoio à Saúde da Família. Nas Redes de Assistência à Saúde, além de oferecer um extenso repertório de ações, ao profissional é dada a responsabilidade de coordenar o percurso terapêutico dos usuários nos demais níveis de complexidade. Existe ainda uma lista de ações programáticas e vigilância em saúde, visando o atendimento de grupos específicos na perspectiva de promoção, prevenção e recuperação da saúde desses grupos. Todas essas responsabilidades trazem consigo uma lista de procedimentos, diretrizes clínicas e assistências, protocolos e sistemas de informações. Individualmente, cada ação proposta possui coerência, objetivos relevantes e exequibilidade. Contudo, a sobreposição de todas essas atribuições produz fragmentação do cuidado, metas difíceis ou impossíveis de serem atingidas simultaneamente, pressionando os profissionais que, na tentativa de alcançar os objetivos esperados, ficam reféns da própria agenda e metas de produção. A Atenção Primária passa por um momento paradoxal; para cumprir o pacote de ações idealizado em diferentes instâncias governamentais estão distanciando das necessidades locais do território e da relação dialética na construção do cuidado. Enquanto não se atinge o equilíbrio entre o desejável e o possível, deve-se organizar os processos de trabalho para produzir ações com qualidade, que atendam às recomendações das políticas, estratégias e programas, e que sobretudo, estejam em consonância com as necessidades locais. A esse respeito, Peduzzi e Schraiber (2009, p. 323) definem o conceito de processo de trabalho em saúde como “dimensão microscópica do cotidiano do trabalho em saúde, ou seja, à prática dos trabalhadores/profissionais de saúde inseridos no dia a dia da produção e consumo de serviços de saúde. Ainda que a discussão seja sobre processo de trabalho, retornamos para a dimensão relacional, sobretudo na Atenção Primária, em que quase tudo que produzimos depende da relação entre profissional e usuário/comunidade. 13 Quando iniciamos a avaliação de um serviço de saúde, centrado no processo de trabalho, devemos observar acima de tudo os elementos que dizem respeito às relações entre os trabalhadores, e destes com os usuários, à micropolítica da organização dos serviços. (Franco et al., 2011, apud RAMOS, 2013, p. 9). A experiência na gestão de UBS (Unidade Básica de Saúde) mostra que a organização do processo de trabalho não funciona se for hierarquizado, centralizador e prescritivo. Os profissionais e usuários devem participar da criação dos fluxos internos, das escolhas por ações que precisam ser priorizadas e das estratégias de trabalho. Esse processo, se bem realizado, estará eternamente inacabado, pois envolve, avaliação, planejamento, ação e novamente avaliação. Por ser uma construção coletiva, ela empodera e motiva a equipe, ao mesmo tempo em que compartilha as responsabilidades e auxilia no processo de formação permanente. A competência do gerenciamento local de saúde possibilita boas práticas de liderança e agrega valor ao trabalho, aumentando o potencial da equipe. Entendendo que a gestão do processo de trabalho é coletiva e que a Atenção Primária terá que desempenhar um grande número de ações preestabelecidas, um bom ponto de partida é tentar racionalizar a equação entre as demandas e capacidade do serviço. É importante tentar fugir da fragmentação do processo de trabalho, pois mesmo que cada profissional execute uma etapa da ação, a equipe precisa ter consciência da totalidade do processo. Dessa forma, além de executar aquilo que é próprio da categoria profissional, poderá agir como facilitadores do trabalho dos demais membros da equipe. O saldo esperado é maior sincronismo das ações e assistência de melhor qualidade para os usuários. 14 7 GESTÃO DA INFORMAÇÃO Fonte: aps.saude.gov.br As queixas são recorrentes dos profissionais da Atenção Básica sobre o volume de dados que precisam ser produzidos. É frequente uma dissociação entre atividades assistenciais e administrativas, e essa situação é pior para algumas categorias profissionais, como os enfermeiros. Tal situação está diretamente relacionada à fragmentação do processo de trabalho e pode ser agravada pela centralização das ações em poucos profissionais. Uma parte das queixas provavelmente está relacionada ao fato da geração de muitos dados, mas que não se transformam em informação para direcionar o trabalho localmente. Dessa maneira, os dados perdem sentido. A finalidade da informação em saúde consiste em identificar problemas individuais e coletivos de uma população, propiciando elementos para análise da situação encontrada, e subsidiar o planejamento em saúde em diferentes níveis. No entanto, mesmo profissionais engajados no entendimento das informações em saúde do território questionam a autonomia que possuem para coordenar o próprio processo de trabalho em detrimento a todas as ações que são preestabelecidas em outras instâncias. A Atenção Básica possui um sistema de informação específico - o SIAB. Esse sistema foi idealizadocomo uma ferramenta de planejamento e orientação para a gestão das equipes de saúde da família na Estratégia Saúde da Família e Programa Agentes Comunitários de Saúde. Consiste em um elenco de indicadores que 15 possibilita a caracterização da situação sociossanitária, do perfil epidemiológico, a atenção aos grupos de risco e o acompanhamento das ações de saúde desenvolvidas localmente. Apresenta indicadores sociais que só estariam disponíveis em anos censitários, permitindo o monitoramento das condições sociodemográficas das áreas cobertas pelo programa, além de possibilitar a microlocalização de problemas e do desenvolvimento das desigualdades sociais e de saúde nos espaços das cidades, permitindo que a gestão em saúde local seja a mais equânime possível. Ao SIAB cabe oferecer os dados da análise situacional para que o planejamento seja realizado de acordo com as necessidades de cada comunidade de maneira específica, descentralizada e territorializada, visando à produção de qualidade de vida em sua área geograficamente restrita. (BITTAR et al., 2009, apud RAMOS, 2013, p. 9). Para que o SIAB (Sistema de Informação da Atenção Básica) atinja seus objetivos é necessário que os profissionais saibam manipular e compreender esses dados e que, a partir dessas informações, acrescidas de outros sistemas de informação que disponibilizamos, elabore o planejamento do trabalho. Na prática, observa-se as dificuldades de acesso, entendimento e uso dessas informações pelos profissionais que, por sua vez, criam com frequência sistemas de informação paralelos em amontoados de folhas, cadernos e planilhas. Não é raro que se encontre em um único Serviço várias estratégias diferentes criadas pelas equipes para gerar informações, até mesmo porque questionam a veracidade dos dados que o próprio serviço produz nos diferentes sistemas de informação. Assim, deixa-se de trabalhar para melhorar a qualidade das informações oficiais, mas investe-se muito tempo nessas estratégias paralelas. Com relação à produção de informações, destacam a escassa utilização dos sistemas oficiais de informação na avaliação e monitoramento da atenção básica à saúde. Além disso, as estratégias tanto de produção quanto de divulgação e comunicação parecem improvisadas e ainda inadequadas para alcançar os trabalhadores de saúde e a população. Apesar de sua importância para a saúde, os sistemas de informação ainda apresentam pontos de estrangulamentos na sua forma de organização e prática, o que compromete a confiabilidade dos dados aí produzidos, visto não representarem a realidade da situação de saúde da população. Os sistemas de informação foram criados com o intuito de acompanhar a produção de dados para assegurar avaliações da situação de saúde de toda a 16 população e, assim, servirem como base para o planejamento do nível local como um instrumento para as práticas de atenção e de gestão. Porém, isso não ocorre na realidade. Os dados produzidos nas UBS são pouco trabalhados e pouco utilizados como ferramentas de melhoria e planejamento da assistência à saúde da população. É indiscutível a importância dos sistemas de informação para auxiliar no processo de avaliação das ações produzidas. A avaliação transcende a sensibilidade dos dados, possui dimensões relacionais e envolve a satisfação dos usuários. Mas, sobretudo na saúde coletiva, ela deve estar fortemente ancorada na avaliação dos indicadores epidemiológicos do território. Deve-se conduzir o planejamento e gestão nos serviços de saúde apoiados em um bom processo contínuo de avaliação. Em consonância com essa visão, o Ministério da Saúde tem investido no Programa de Acesso e Melhoria da Qualidade (PMAQ). Dentre os acertos do PMAQ, destaca-se a construção de indicadores que auxiliam na avaliação e no processo de tomada de decisão, tanto no nível local com as equipes e serviços, quanto nos municípios, estados e federação. 8 GESTÃO LOCAL EM SAÚDE A gestão em saúde é parte indissociável das práticas e da atenção em saúde e compreende um conjunto de processos administrativos e gerenciais essenciais à melhoria e/ou ao aperfeiçoamento da gestão em determinada abrangência. No âmbito local, as práticas de gestão estão permeadas pelo próprio processo de cuidado e pela interlocução com os usuários, as famílias e a comunidade. Os aspectos já vistos são muito importantes para que profissionais e usuários estejam em sintonia quanto ao que esperam das ações e dos serviços de saúde: bom atendimento das necessidades, promoção de saúde e redução de riscos. Porém, muitas das ações previstas não dependem apenas dos profissionais das equipes de saúde da família e do NASF. A organização e a gestão local interferem bastante na execução das ações de saúde, e muitas questões a elas vinculadas não dependem apenas da equipe de saúde. Nesta unidade, vamos discutir os seguintes aspectos da gestão local: 1) Organização dos sistemas locais de saúde; 2) Gestão local das atividades primárias; 17 3) Gestão local das atividades de apoio; e 4) Controle social e ações intersetoriais no sistema local de saúde. 8.1 Organização dos sistemas locais de saúde Os sistemas locais de saúde compreendem um conjunto de processos, organismos e atores sociais envolvidos na concretização e na consolidação da Atenção Básica em Saúde. As ações de caráter individual ou coletivo desenvolvidas na Atenção Básica têm como objetivo a promoção da saúde e a prevenção dos agravos, tanto quanto o tratamento e a reabilitação dos problemas de saúde exequíveis nesse nível da atenção ou por meio do suporte operacional dos demais níveis de complexidade do sistema. Desde 2006, o Sistema Único de Saúde orienta suas ações pelos termos do Pacto pela Saúde, visando ao fortalecimento da responsabilidade sanitária dos três níveis de gestão e à organização do sistema em bases mais solidárias. A Política Nacional de Atenção Básica caracteriza esse nível de atenção como um conjunto de ações de saúde, nos âmbitos individual e coletivo, que abrange a promoção e a proteção da saúde, a prevenção de agravos, o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação e a manutenção da saúde. Na PNAB, a ESF é o eixo norteador da organização desse nível de atenção e base para a organização e a coordenação de todo o sistema de saúde, visto que é no território onde cada cidadão e sua família vivem, e onde se reproduzem as condições de vida e saúde. As equipes de NASF são constituídas para dar apoio às ações desenvolvidas pelas equipes de saúde, de maneira a garantir a integralidade e a resolutividade das ações. As ações de Atenção Básica em Saúde devem ser desenvolvidas através do exercício de práticas gerenciais, educativas e assistenciais, sob forma de trabalho em equipe, e dirigidas a populações de territórios bem delimitados. A organização dos sistemas e dos serviços locais de saúde para o desenvolvimento das práticas de saúde inicia-se, portanto, com a definição territorial (FERNANDEZ. 2007, apud CALVO, 2013.p. 12). Na definição do território ou da área de abrangência, as equipes também necessitam levar em consideração as especificidades das populações quilombolas, indígenas, assentadas, ribeirinhas, de povos da floresta e presidiários, entre outras. 18 O trabalho em base territorial é processual, construído na articulação entre diferentes atividades de natureza primária, seja mediante visitas domiciliares e vínculos com os familiares, seja pelo estabelecimento de parcerias com entidades e instituições sediadas nesse mesmo território. O processo de territorialização não se encerra na capacidade de oferecer ações adequadas às necessidades de saúde da população e firmar laços comunitários. Ele avança também na perspectiva de promover o exercício de uma clínica ampliada, capaz de aumentar a autonomia dos sujeitos, das famílias e da comunidade. Alémdisso, a integração de ações programadas, o atendimento à demanda espontânea e a articulação dessas ações com outros níveis de complexidade do sistema implicam o estabelecimento de redes de saúde, incluindo todos os atores e equipamentos sociais de base territorial mais ampliada. Logo a gestão local está intimamente vinculada aos conceitos de processo de trabalho e de planejamento local em saúde, não havendo causa e consequência, mas uma forte relação de interdependência entre atores e conceitos envolvidos. Da mesma forma, as relações entre ações locais e ações de outros níveis de complexidade definem um novo conceito de organização: a rede de serviços de saúde. A gestão local em saúde trata de perto dos processos relacionados ao cotidiano das unidades locais, sejam internos, associados às operações de funcionamento e trabalho em equipe, sejam externos, ligados ao ambiente e ao contexto socioepidemiológico aos quais as ações são orientadas. Também existem as ações que exigem articulação estruturada com a sociedade e com outros setores institucionais. O processo de trabalho na Atenção Básica tem alguns objetivos legalmente previstos, quais sejam, promover e proteger a saúde, prevenir agravos, realizar diagnóstico, tratamento, reabilitação e manutenção da saúde, desenvolvidos em âmbito individual e coletivo. As atividades diretamente relacionadas a esses objetivos são denominadas atividades primárias, que contam com a presença do usuário para o desenvolvimento da ação. As abordagens podem ser de natureza individual, coletiva ou comunitária, como, por exemplo, acolhimento, atendimento individual, atividades coletivas, atenção domiciliar, vigilância local em saúde. As atividades que se relacionam de forma indireta a tais objetivos, mas dão suporte ao eixo primário de atuação, são denominadas atividades de apoio, abrigando infraestrutura e instrumentos de 19 organização e gestão, incluindo gestão de informações, do conhecimento, de pessoas, de materiais e de resultados 9 GESTÃO LOCAL DAS ATIVIDADES PRIMÁRIAS Fonte: conasems.org.br O planejamento e a gestão das atividades primárias na Atenção Básica iniciam- se com a análise situacional para identificar os problemas e definir as medidas a serem adotadas no território de abrangência. As atividades desenvolvidas pelos profissionais das Equipes de Saúde da Família e do NASF são orientadas pelo diagnóstico local e por diretrizes e parâmetros estabelecidos em programas prioritários do Ministério da Saúde. Algumas programações são relacionadas ao ciclo vital (atenção à saúde da criança, do adolescente, da mulher, do homem e do idoso) e outras a condições de saúde (pré-natal, parto e puerpério; controle de tuberculose, hanseníase, hipertensão e diabetes etc.) ou ações preventivas (imunização, suplementação de ferro), dentre outras. No desenvolvimento de atividades denominadas primárias, as Equipes de Saúde da Família e o NASF buscam efetivar a integralidade em seus vários aspectos, a saber, integração de ações programáticas e demanda espontânea; articulação das ações de promoção à saúde; prevenção de agravos; vigilância à saúde; e tratamento, reabilitação e coordenação do cuidado na rede de serviços. O acolhimento é 20 entendido como expressão de escuta qualificada, de uma relação cidadã e humanizada. A organização do acolhimento deve promover a ampliação efetiva do acesso à Atenção Básica e aos demais níveis do sistema, eliminando as filas e organizando o atendimento com base em riscos ou vulnerabilidade priorizados. Os serviços devem estar adequados ao ambiente e à cultura dos usuários, respeitando a privacidade. As políticas nacionais de Atenção Básica e de Humanização reforçam um conjunto de ações envolvido no atendimento centrado na pessoa, propondo a qualificação da atenção a partir de um projeto terapêutico para cada situação. Para tanto, as atividades englobam estratégias diversas, tais como marcar retornos periódicos, agendar visita domiciliar, solicitar apoio de outros profissionais, proporcionar atendimento em grupo ou outras práticas que potencializem o cuidado. O foco centra-se no estímulo às práticas de atenção compartilhadas e resolutivas, reforçando o compromisso com o sujeito e seu coletivo, o estímulo a diferentes práticas terapêuticas e a corresponsabilidade entre gestores, trabalhadores e usuários no processo de produção da saúde. Esse foco permite racionalizar e adequar o uso dos recursos e insumos, em especial o uso de medicamentos, e o descarte de ações intervencionistas desnecessárias. No atendimento cotidiano da demanda, as Equipes de Saúde da Família precisam alertar-se para o atendimento das pessoas que merecem atenção especial, quanto a maior risco ou vulnerabilidade, como, por exemplo, pessoas em situação ou risco de violência, pessoas com deficiência, portadores de transtornos mentais, entre outros, e não simplesmente por ordem de chegada. O desenvolvimento de atividades coletivas ou atenção voltada a grupos tem o propósito de atender coletivamente usuários com os mesmos interesses e/ ou perfil. A organização de grupos específicos busca fomentar a troca de informações e conhecimentos dentro e fora da unidade local para expandir o raio de atuação das Equipes de Saúde da Família junto às demandas da comunidade. O desenvolvimento de ações educativas e a coordenação de grupos específicos de indivíduos e famílias integram o conjunto de atividades primárias da Equipe de Saúde da Família. Tem a finalidade de garantir o cuidado aos grupos de pessoas com maior vulnerabilidade em função de agravo ou condição de vida, para os quais já existem programas estruturados. 21 Os grupos podem ser de diferentes perfis, necessidade e amplitude, como, por exemplo, associados à promoção da saúde (grupo de caminhada, ginástica, controle do tabagismo e controle alimentar), aos ciclos de vida (grupo de puericultura, mulheres e idosos), às condições de saúde (grupo de hipertensão/ diabetes, medicação controlada, relaxamento e saúde mental), necessidades específicas (grupo de gestantes e planejamento familiar) etc. Os grupos podem ser organizados por microárea ou abertos à comunidade, estando ao cargo dos profissionais a responsabilidade de organizá-los e conduzi-los. As reuniões podem ocorrer dentro ou fora do espaço da unidade local, tanto ao ar livre quanto em locais cedidos por parceiros da comunidade (igrejas, escolas, conselhos comunitários etc.). A participação dos profissionais do NASF no planejamento e na execução desses grupos tem sido prática frequente, mas devemos refletir sobre a concepção original de apoio matricial desses profissionais para desenvolver autonomia para a ESF responder às demandas, mesmo que sejam um pouco mais especializadas. A atenção domiciliar ou atenção orientada à família implica o entendimento das condições de vida, da dinâmica familiar e da rede social do indivíduo. É uma das atividades primárias realizadas pelos profissionais de saúde que atuam na unidade local, com ênfase na atuação dos agentes comunitários da saúde, responsáveis por cadastrar todas as pessoas de sua microárea, atualizando os cadastros sempre que necessário. A visita domiciliar implica, portanto, o conhecimento do contexto de vida e saúde dos moradores, além de possibilitar o fortalecimento de vínculos, incentivar atividades educativas, identificar situações de risco e captar pacientes não aderentes a tratamento. A vigilância local em saúde caracteriza-se como mecanismo de monitoramento e intervenção das práticas no sistema local de saúde. Regida pelo princípio da integralidade e respeitando as normatizações da esfera municipal, a vigilância local em saúde tem a finalidade de desenvolver um conjunto de medidas capazes de eliminar, diminuir ou prevenir riscos à saúde, além de intervir nos problemas sanitáriosdecorrentes do meio ambiente, incluindo o ambiente de trabalho, da produção e da circulação de bens e da prestação de serviços de interesse da saúde (FERREIRA, 2009, apud CALVO, 2013.p. 14). No âmbito da Atenção Básica, a vigilância local em saúde operacionaliza-se por meio do desenvolvimento de ações que visam alcançar prioridades, objetivos, metas e indicadores de monitoramento e avaliação do Pacto pela Vida, definidos por 22 portaria ministerial. A coordenação do cuidado refere-se à capacidade da Atenção Básica em manter a vinculação e a responsabilização pelo cuidado, desenvolvendo assistência básica integral e contínua e, quando necessário, acionando redes de apoio para garantia de acesso do usuário aos demais serviços do sistema que complementam as ações das equipes locais. No que diz respeito ao cuidado, as pessoas já em acompanhamento constituem grupos vulneráveis e conhecidos, cujo tratamento adequado e prevenção de complicações são ações fundamentais na ESF. 9.1 Gestão local das atividades de apoio Para um bom funcionamento, as unidades locais devem ser dotadas de recursos materiais, equipamentos e insumos suficientes para o conjunto de ações desenvolvido nesse nível de atenção. As diversas atividades necessitam de suporte administrativo, incluindo condições adequadas de infraestrutura, instrumentos de organização e de gestão, materiais e logística, capacidade de gestão de informações e do conhecimento e capacidade de gestão de pessoas. A prioridade de fortalecimento da Atenção Básica está claramente descrita no Pacto pela Saúde, sendo um dos objetivos garantir a infraestrutura necessária ao funcionamento das unidades locais. O avanço nos serviços da ESF pressupõe a disponibilidade de instalações adequadas. A estrutura física para a gestão da Atenção Básica deve ser funcional e adequada, tanto para o acompanhamento contínuo e integral dos usuários e suas famílias, por meio de ações programadas, quanto para o movimento de acolher integralmente as necessidades da comunidade definida, por meio de ações de atenção à demanda espontânea. A organização dos espaços de trabalho deve considerar o quantitativo da população adstrita, sua especificidade, o número de usuários esperados e, também, a possibilidade de oferecer campo de estágio a estudantes de graduação e de pós- graduação de instituições formadoras em saúde. Independentemente da esfera gestora, todos os estabelecimentos de saúde devem seguir os princípios da Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 189, de 18 de julho de 2003, que alterou a RDC nº 50/2002, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que dispõe sobre a regulamentação técnica para planejamento, programação e avaliação de projetos físicos de estabelecimentos assistenciais de saúde. 23 O Ministério da Saúde recomenda que em uma unidade local trabalhem, no máximo, cinco Equipes de Saúde da Família para permitir a organização de agendas e de fluxos operacionais que favoreçam e viabilizem as mudanças de práticas de saúde (BRASIL, 2008, apud CALVO, 2013.p. 17). A realização das ações de atenção à saúde pode ser otimizada a partir do próprio projeto arquitetônico que leve em consideração o processo de trabalho, os fluxos de pessoas dentro e fora da unidade, e o cuidado, a coleta, o acondicionamento, o transporte e o destino final de resíduos, especialmente os resíduos de serviços de saúde ou o lixo hospitalar. 9.2 Controle social e ações intersetoriais no sistema local de saúde A Política Nacional de Atenção Básica tem como fundamento estimular a participação popular e o controle social como estratégia de fortalecimento da gestão local de saúde. Constitui uma das características do processo de trabalho das Equipes de Saúde da Família a promoção e o estímulo à participação da comunidade no controle social, no planejamento, na execução e na avaliação das ações, de modo a dar visibilidade e transparência ao processo de gestão local. No modelo de gestão participativa, a gestão local de saúde envolve uma relação direta entre a Unidade Básica de Saúde e a população usuária. Há em seu princípio a busca por respostas coletivas aos problemas de saúde relativos à comunidade adstrita. A criação de uma instância colegiada local permite ampliar diálogo entre os trabalhadores e profissionais de saúde e a população. Uma das formas para a mobilização e a participação da comunidade nas decisões locais é a criação de Conselhos Locais de Saúde (CLS), que se tornam responsáveis por acompanhar e avaliar a política de saúde na área de abrangência da unidade local, a partir das diretrizes estabelecidas em conferências municipais e no Conselho Municipal de Saúde. Os conselhos locais de saúde são espaços coletivos de discussão conjunta no nível local que facilitam o envolvimento dos profissionais na ação comunitária. Na qualidade de mecanismo de inclusão do cidadão nos processos decisórios em saúde, o CLS possibilita a participação da sociedade civil na elaboração, na implementação e no controle da gestão dos serviços e dos recursos públicos em saúde. Contribuem, portanto, para a formulação de propostas para a reorganização dos serviços e das ações desenvolvidas na unidade local. 24 De modo geral, o CLS acompanha, avalia e indica prioridades de ações de saúde a serem desenvolvidas pela unidade local. O reconhecimento dos problemas de saúde da comunidade, a participação do planejamento das ações locais de saúde, bem como o acompanhamento e a avaliação do impacto das ações desenvolvidas sobre a situação de saúde da comunidade são atribuições do CLS. A atuação do CLS proporciona meios de informação para os usuários da UBS, de assuntos de interesse da saúde coletiva e de atividades desenvolvidas pelas diferentes instâncias do SUS. A diversidade de situações vivenciadas na Atenção Básica requer, também, uma atuação articulada com os movimentos sociais e outras políticas públicas, potencializando a capacidade de respostas que incluam outras práticas além daquelas usualmente desenvolvidas pela UBS. Além de compartilhar e ampliar o processo de gestão local através da efetivação da participação da comunidade no exercício do controle social, as Equipes de Saúde da Família têm atribuições para desenvolver ações intersetoriais. A atuação intersetorial é considerada uma condição para que a Atenção Básica não se restrinja ao primeiro nível de atenção, mas seja a base e a referência para toda a atenção, contemplando não apenas aspectos biológicos, mas também psicológicos e principalmente sociais, incidindo sobre problemas coletivos, promovendo a saúde e atuando nos diversos níveis de determinação dos processos saúde–doença. Isso significa que as Equipes de Saúde da Família são elos para a integração de projetos com outros setores sociais que tenham aderência com as propostas de promoção da saúde. As experiências de articulação intersetorial, no âmbito da gestão local de saúde, contribuem para uma maior articulação das intervenções públicas no nível local. Os ACS têm papel relevante no estabelecimento das parcerias intersetoriais, tanto por realizarem a divulgação das ações desenvolvidas como também por conhecerem a comunidade na qual atuam e, com isso, podem identificar as necessidades e as demandas da população. A ESF pode desenvolver diversas ações comunitárias em conjunto com outros setores. O estabelecimento de parcerias pode ocorrer com setores como a educação, o saneamento e a limpeza, a assistência social, entre outros, exemplificados com ações conjuntas em escolas, creches, universidades, centros de assistência social e outras instituições sociais da região, assim como com organizações do movimento comunitário. 25 10 GERENTES DE UNIDADE BÁSICA DE SAÚDE Fonte: dryglesio.com.br É preocupante a complexidade crescente dos serviços de saúde na Atenção Primária,e não há modelos de gestão prontos que se adequem às heterogeneidades de cada Serviço, território e equipe de trabalho. A gestão está em constante construção. Nesse cenário, espera-se do gerente, competência para liderar o processo de gestão. Enquanto líder, deve saber trabalhar com sua equipe de maneira a desenvolver os conhecimentos e habilidades do grupo, buscando sinergia e aprimoramento contínuo. Também é desejável que o gerente seja um bom negociador, uma vez que parte do seu trabalho é intermediar os interesses e possíveis conflitos entre a comunidade, usuários, trabalhadores, gestão pública, organizações sociais e afins. O gerente necessita de ter envolvimento não só com o trabalho técnico- -administrativo na unidade, mas, também, com os aspectos políticos que envolvem contato e interação com a comunidade, o que faz com que se busque uma efetiva participação popular em sua conduta. Nota-se então, a importância de uma articulação intersetorial para atender às demandas visando à resolutividade dos problemas apresentados e à importância do trabalho em equipe. Quase sempre cabe ao gerente promover os espaços para o processo de planejamento e tomada de decisão do serviço. Isso significa que, paralelo às atividades assistenciais, grupos educativos e visitas domiciliares, há de se criar 26 possibilidades coletivas sempre que possível, para estudo dos indicadores epidemiológicos, necessidades da população, planejamento das ações e avaliação. Grande esforço faz-se necessário para não permitir que a demanda do dia conduza o processo de trabalho. “Apagar incêndio” não pode ser a lógica do trabalho cotidiano. (...) é importante ressaltar que no nível local eles são reféns de regulamentações que restringem severamente, no plano formal, sua autonomia. Dentre outras limitações, não contam com orçamento próprio para gerir recursos humanos, contratar, descontratar, realizar negociações salariais ou instalar mecanismos de incentivo ou sanção condicionados à produção de metas quanti ou qualitativas. Os servidores concursados não podem ser demitidos e, para que ocorra uma simples transferência, o gestor depende da anuência de instâncias de âmbito regional e central. (ANDRÉ; CIAMPONE, 2007, A falta de formação em gestão é um agravante às responsabilidades e expectativas que se tem para com o gerente, e pode comprometer completamente seu trabalho. A formação dos profissionais da área da saúde é eminentemente técnico-assistencial. O ensino de gestão e ferramentas administrativas é muito desigual entre as profissões, e podem ser muito focalizadas para a área hospitalar. A trajetória profissional é muito parecida para a maioria dos gerentes. Depois de acumular experiência na assistência o funcionário é selecionado ou convidado a assumir o cargo de gerente. Vê-se então obrigado a aprender no dia a dia, entre erros e acertos, as melhores formas de conduzir o seu trabalho. Profissionais em muitas regiões do país vivem situações piores, tendo que acumular a função assistencial com a gerência. Apesar da gerência já ser um cargo em muitas UBS, ainda precisa ser mais profissionalizada. Vale destacar que o SUS tem conseguido superar obstáculos importantes em seu processo de implantação. Progressivamente, temos ampliando o número de serviços e profissionais na Atenção Básica em praticamente todos os municípios do país, mas ainda há muito espaço para ampliação da Estratégia Saúde da Família e melhorias na infraestrutura e redes de atenção à saúde. A descentralização do SUS é uma realidade, cabe agora valorizar o trabalho participativo e os mecanismos de controle social. 27 11 GESTÃO E CENTRALIZAÇÃO NORMATIVA NAS INSTITUIÇÕES DE SAÚDE Primeiramente faz-se necessário enfatizar, sobretudo, a impossibilidade de total centralização do processo decisório dos modos de gestão em saúde. Nessa perspectiva, o “ato de gerir” não é jamais estritamente uma tarefa técnica, tampouco é uma tarefa exclusivamente determinada pelo gestor. Ainda que sob a égide de normas e instrumentos operacionais de controle, os trabalhadores configuram a assistência prestada nas escolhas que determinam as implicações de suas ações, em suas relações com os demais profissionais e com a comunidade. Ainda, atualizam antigos modelos ou produzem a abertura para novas possibilidades, assim como também o fazem a comunidade e os usuários. A história não tem criador porque não é criada, já que, se pode compreender a inserção de seus agentes, não é possível jamais determinar seus autores, a não ser pelo recurso a objetos teóricos transcendentes, como a providência, a “mão invisível”, o “espírito do mundo”, ou o interesse de classe. Algumas vezes pequenas, outras vezes mais aparentes, essas escolhas convertem as normas e desenhos institucionais em atos e práticas concretas. São elas que produzem realidade social. É a partir delas que as instituições de saúde adquirem “vida”, é com elas que o direito à saúde ganha materialidade. São essas pequenas escolhas que tornam a concepção racionalista do sistema de saúde um modelo frágil e sempre deficitário. [...] o denominado ‘sistema de saúde’ é, na verdade, um campo atravessado por várias lógicas de funcionamento, por múltiplos circuitos e fluxos de pacientes, mais ou menos formalizados, nem sempre racionais, muitas vezes interrompidos e truncados, construídos a partir de protagonismos, interesses e sentidos que não podem ser subsumidos a uma única racionalidade institucional ordenadora. (CECÍLIO, 2003, apud GUIZARDI, 2010, p.636). Mesmo sendo o SUS organizado de forma centralizada, por normas, protocolos e programas, todos esses sujeitos, com suas diferentes inserções, implicações e perspectivas, são autores desse desenho institucional e de seus fluxos singulares em cada contexto, pois não se pode desconsiderar o fato de que normas e instrumentos operacionais somente existem como prática social. Esse aspecto coloca um grande desafio à gestão, já que a intervenção em saúde depende da construção de relações, das tecnologias leves da configuração de redes cooperativas, o que não pode ser respondido com a estrita normalização do processo de trabalho. Mesmo porque, a ação é, por definição, normativa, residindo 28 nisto sua dimensão política, a qual não pode ser, de forma alguma, isolada das implicações reticulares em que se tecem as relações humanas. Essas considerações ajudam a perceber que os efeitos da ação humana têm como movimento primordial a tendência a espraiar-se e a repercutir-se, sem que seja possível sua objetivação ou a previsão inconteste de sua direção e de seus resultados. As consequências da ação, nesse sentido, são impossíveis de serem plenamente antecipáveis, já que, imanentes à sua efetuação, articulam-se com os demais processos que compõem a realidade como artefato humano compartilhado. Há diferenças dos momentos que compõem a ação como: o começo, ato inicial que inaugura a ação como possibilidade; e a realização, a condução, o gesto de pôr em movimento, com que a ação se desdobra para além de seu princípio. Ainda que se possa identificar para o primeiro momento certo sujeito (mesmo que coletivo), a concretização da ação jamais decorre exclusivamente dele, uma vez que se articula em um plano de relações. Assim, a separação entre gestão e execução, governo e vida social, não pode ser lida a não ser como ficção, dado que jamais alguém poderá agir isoladamente ou supor responder totalmente pelo curso empreendido por suas ações, ou por aquelas que decide serem realizadas. Essa, contudo, foi a expectativa e a presunção dos modos de gestão modernos, que entendem – ou pretendem afirmar – a ação dos homens como um dentre os demais recursos de produção. 1) O papel do iniciador e líder, que era um primus inter pares, passou a ser o papel do governante; 2) A interdependência original daação dividiu-se em duas funções completamente diferentes: 3) A função de ordenar, que passou a ser prerrogativa do governante, e a função de executar, que passou a ser o dever dos súditos. Contudo, a força do iniciador e líder reside apenas em sua iniciativa e nos riscos que assume, não na realização em si. No caso do governante bem-sucedido, ele pode reivindicar para si aquilo que, na verdade, é realização de muitos. Através dessa reivindicação, o governante monopoliza, por assim dizer, a força daqueles sem cujo auxílio ele jamais teria realizado coisa alguma. Em consequência, reportando a questão ao campo da saúde, podemos afirmar que, se de fato à gestão cabe “gerir a coordenação” dos processos de trabalho e da organização do sistema público de saúde, isso não deve representar institucionalmente a centralização do poder de decisão acerca 29 deles. Questão esta que nos faz problematizar as formas de participação na gestão que desejamos construir no SUS. (ARENDT, 1981, apud GUIZARDI, 2010, p. 638). 11.1 Novos sentidos para a cogestão das instituições de saúde Nota-se, com as transformações atuais do trabalho, é a constituição de redes que escapam aos regimes institucionais tradicionais da modernidade. Deslocamento este que fez insurgir a potência produtiva das relações de cooperação, que não encontram abertura nos espaços institucionais, dados os dispositivos de captura que os organizam. Desta forma, ao trazer as contribuições dessas análises para o campo da saúde, percebe-se que afirmar a natureza intrinsecamente social da produção de saúde implica o questionamento dos arranjos institucionais que materializam a política de saúde atualizando práticas de centralização normativa de sua gestão. Embora indique uma avaliação convergente quanto à necessidade de democratização institucional, a cogestão tende a privilegiar os trabalhadores nos processos decisórios, na medida em que a gestão de Coletivos deve incorporar os usuários, mas não com o mesmo sentido e proporção que os trabalhadores. Circunscrição esta que, consegue romper, de fato, com o modo operante do funcionamento institucional, em suas inércias, enclausuramentos e em seu peso gravitacional, que procura sempre conter e fixar a intensidade dos fluxos sociais, asfixiá-los com sobrecodificações e hierarquias. Nesta perspectiva, discutir a cogestão no âmbito das instituições de saúde representa uma passagem do entendimento da gestão como organização da operação de tarefas e ações e suas distribuições no trabalho da equipe, para o plano da articulação em rede das atividades de produção de saúde. Isso significa, necessariamente, extrapolar os limites das equipes e unidades em direção às conexões possíveis com o território produtivo em que se situam. Se a produção é hoje diretamente produção de relação social, a ‘matéria- prima’ do trabalho imaterial é a subjetividade e o ‘ambiente ideológico’ no qual esta subjetividade vive e se reproduz. A produção da subjetividade cessa, então, de ser somente um instrumento de controle social (pela reprodução das relações mercantis) e torna-se diretamente produtiva [...]. (LAZZARATO, 2001, apud GUIZARDI, 2010, p. 641). 30 As transformações nos modos de gestão indicados implicam, em decorrência, transformações nos sentidos produzidos e atribuídos às instituições de saúde, as quais seguem a direção das análises, que propõem pensar o “sistema” como uma “rede móvel, assimétrica e incompleta de serviços”. Leitura esta que completa a sugestão de que ao sistema torna-se necessariamente rede societária porque nenhum conceito ou estratégia racionalizadora da política de saúde será capaz de antever e engessar as movimentações sociais. A cogestão das instituições seria, nessa perspectiva, a outra face da coprodução de saúde, vinculação que explicitamos por realocar a descentralização do sistema de saúde no horizonte da efetiva apropriação democrática dos processos de sua gestão. São transformações administrativas dos serviços de saúde que suponha depender da exposição dos espaços institucionais à multiplicidade normativa dos fluxos societários e de suas composições singulares. Nesse sentido, a cogestão é uma forma de ruptura da tendência de centralização e concentração do poder normativo dos processos decisórios da administração, a qual tem ocasionado ao SUS um vasto leque de dificuldades em articular desenhos institucionais adequados às especificidades locorregionais; ou melhor, que tem apresentado constrangimentos para a concretização do SUS como território público, plano de visibilidade que torna acessível aos seus sujeitos a dimensão política das práticas de saúde, ao mesmo tempo em que se efetua como contexto de expressão e materialização de sua diversidade e singularidades na produção de saúde. A cogestão colocar-se, assim, como dispositivo de redistribuição do poder nas relações sociais (objetivo do planejamento conforme Mario Testa), afirmando definitivamente a participação política como relativa às implicações decisórias da atividade (normativas, portanto), ao poder de intervir na capacidade institucional de regular a temporalidade e a intensidade constituinte da dinâmica societária. Nesse sentido, dispositivo democrático que transformaria os espaços institucionais não mais em lócus de aprisionamento do virtual, mas em rede cooperativa em que ocorre a modulação ética das forças que o constituem (já que a vida social nos solicita permanências e territórios institucionais). Pensar as instituições de saúde a partir dessas referências equivale a reconhecer como problema fundamental a desarticulação dos estados de dominação que as determinam. Estes são resultantes da estabilização, do congelamento e do bloqueio nas instituições das relações estratégicas de poder que constituem o social. 31 À medida que entendemos, em uma apreensão foucaultiana, o poder como ação sobre outras ações possíveis, como capacidade de conduzir as condutas possíveis dos outros, as relações estratégicas seriam uma faceta inerente às relações humanas, o que não significa confundi-las com estruturas políticas, institucionais ou classes sociais. Seriam, em contrapartida, jogos de poder infinitesimais, móveis, reversíveis, instáveis, que permitem aos diferentes parceiros disparar e colocar em ação estratégias para modificar as situações. Relações que não têm, portanto, conotação negativa, já que resultam de modos de ação livres, que pressupõem a liberdade de serem revertidas, desfeitas e modificadas. Os estados de dominação consistiriam na estabilização institucional dessas relações estratégicas, na limitação da reversibilidade e mobilidade própria das assimetrias que constituem toda relação social. Ao cristalizarem a fluidez dessas assimetrias, revelam-se como constrangimento da liberdade das relações estratégicas, o que se produz com o recurso a um conjunto de tecnologias de governo, de práticas através das quais se pode ‘constituir, definir, organizar, instrumentalizar as estratégias que os indivíduos, em sua liberdade, podem traçar, em relação uns aos outros’. O que essas técnicas regem é consigo e com os outros. Para Foucault, as técnicas de governo desempenham um papel central nas relações de poder, porque é através delas que os jogos estratégicos podem ser fechados ou abertos, e é pelo seu exercício que se cristalizam e se fixam em relações assimétricas institucionalizadas (estados de dominação), ou em relações fluidas e reversíveis, abertas à experimentação de subjetivações que escapam aos estados de dominação. 12 OS GESTORES DO SUS EM CADA ESFERA DE GOVERNO O Sistema Único de Saúde vem passando, desde a sua instituição pela Lei Orgânica da Saúde em 1990, por importantes mudanças, principalmente em razão do processo de descentralização das responsabilidades, das atribuições e dos recursos para estados e municípios.A nova concepção do sistema de saúde, descentralizado e administrado democraticamente com a participação da sociedade organizada, prevê mudanças significativas nas relações de poder político e na distribuição de responsabilidades entre o Estado e a sociedade e entre as distintas esferas de 32 governo – nacional, estadual e municipal –, cabendo aos gestores setoriais papel fundamental na concretização dos princípios e das diretrizes da reforma sanitária brasileira. O processo de descentralização em saúde no Brasil envolve não apenas a transferência de serviços, mas também de responsabilidades, poder e recursos da esfera federal para a estadual e a municipal. “Gestão” como a atividade e a responsabilidade de comandar um sistema de saúde (municipal, estadual ou nacional) exercendo as funções de coordenação, articulação, negociação, planejamento, acompanhamento, controle, avaliação e auditoria. “Gerência” como a administração de unidade ou órgão de saúde (ambulatório, hospital, instituto, fundação etc.) que se caracteriza como prestador de serviço do SUS. (NOB, 1996, apud CONASS, 2011.p. 33) Essa distinção tornou-se necessária em razão de o processo de descentralização do SUS tratar a ação de comandar o sistema de saúde de forma distinta daquela de administrar ou gerir uma unidade de saúde. Isso se deu, em primeiro lugar, em razão do consenso de que a função de gestão é exclusivamente pública e que, portanto, não pode ser transferida nem delegada. Assim, a gestão pública é executada pelos respectivos gestores do SUS, que são os representantes de cada esfera de governo designados para o desenvolvimento das funções do Executivo na área da saúde. A administração ou a gerência, por sua vez, pode ser pública ou privada. Essa terminologia foi oficializada no Pacto pela Saúde com a publicação da definição desses termos no Anexo IX da Portaria/GM 699 de 30/03/06, que regulamenta as diretrizes dos Pactos pela Vida e de Gestão. Para que se possa discutir o papel de cada esfera de governo no SUS, é importante definir quem são os gestores do Sistema Único de Saúde e o que são as funções gestoras no SUS. Os gestores do SUS são os representantes de cada esfera de governo designados para o desenvolvimento das funções do Executivo na saúde: no âmbito nacional, o Ministro da Saúde; no âmbito estadual, o Secretário de Estado da Saúde, e no municipal, o Secretário Municipal de Saúde. A atuação do gestor do SUS efetiva-se por meio do exercício das funções gestoras na saúde. As funções gestoras podem ser definidas como um conjunto articulado de saberes e práticas de gestão, necessários para a implementação de políticas na área da saúde. Pode-se identificar quatro grandes grupos de funções – 33 macrofunções gestoras na saúde. Cada uma dessas compreende uma série de subfunções e de atribuições dos gestores: 1) Formulação de políticas/planejamento; 2) Financiamento; 3) Coordenação, regulação, controle e avaliação (do sistema/redes e dos prestadores públicos ou privados); 4) Prestação direta de serviços de saúde. Na macrofunção de formulação de políticas/planejamento, estão incluídas as atividades de diagnóstico da necessidade de saúde, a identificação das prioridades e a programação de ações. Definir o papel e as atribuições dos gestores do SUS nas três esferas de governo significa identificar as especificidades da atuação no que diz respeito a cada uma dessas macrofunções gestoras, de forma coerente com a finalidade de atuação do Estado em cada esfera governamental, com os princípios e os objetivos estratégicos da política de saúde, e para cada campo da atenção na saúde (promoção da saúde, articulação intersetorial, vigilância sanitária, vigilância epidemiológica, saúde do trabalhador, assistência à saúde, entre outros). Esse processo tem sido orientado pela Legislação do SUS e pelas Normas Operacionais que, ao longo do tempo, têm definido as competências de cada esfera de governo e as condições necessárias para que estados e municípios possam assumir suas funções no processo de implantação do SUS. A Constituição Federal de 1988 estabelece os princípios, as diretrizes e as competências do Sistema Único de Saúde, mas não define especificamente o papel de cada esfera de governo no SUS. Um maior detalhamento da competência e das atribuições da direção do SUS em cada esfera – nacional, estadual e municipal – é feito pela Lei Orgânica da Saúde (Lei n. 8.080/90). 34 13 O PROCESSO DE IMPLANTAÇÃO DO SUS Fonte: clicboqueirao.com.br A partir das definições legais estabelecidas pela Constituição Federal de 1988 e da Lei Orgânica de Saúde, se iniciou o processo de implantação do Sistema Único de Saúde (SUS), sempre de uma forma negociada com as representações dos Secretários Estaduais e Municipais de Saúde. Esse processo tem sido orientado pelas Normas Operacionais do SUS, instituídas por meio de portarias ministeriais. Estas normas definem as competências de cada esfera de governo e as condições necessárias para que Estados e municípios possam assumir as novas posições no processo de implantação do SUS. As Normas Operacionais definem critérios para que Estados e municípios voluntariamente se habilitem a receber repasses de recursos do Fundo Nacional de Saúde para seus respectivos fundos de saúde. A habilitação às condições de gestão definidas nas Normas Operacionais é condicionada ao cumprimento de uma série de requisitos e ao compromisso de assumir um conjunto de responsabilidades referentes à gestão do sistema de saúde. Desde o início do processo de implantação do SUS, foram publicadas três Normas Operacionais Básicas (NOB/SUS 01/91, NOB/SUS 01/93 e NOB/SUS 01/96). Em 2001 foi publicada a primeira Norma Operacional da Assistência à Saúde (NOAS/SUS 01/01) que foi revista e publicada em 2002, a qual se encontra atualmente em vigor (NOAS/SUS 01/02). 35 Embora o instrumento que formaliza as Normas seja uma portaria do Ministro da Saúde, o seu conteúdo é definido de forma compartilhada entre o Ministério e os representantes do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS) e do Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (CONASEMS). No item 2 da NOB/SUS 01/93 relativo ao gerenciamento do processo de descentralização, foram criadas, como foros de negociação e deliberação, as Comissões Intergestores. No âmbito nacional, funciona a Comissão Intergestores Tripartite (CIT), integrada paritariamente por representantes do Ministério da Saúde, do CONASS e do CONASEMS. No âmbito estadual, funciona a Comissão Intergestores Bipartite (CIB), integrada paritariamente por dirigentes da Secretaria Estadual de Saúde e do órgão de representação dos Secretários Municipais de Saúde do Estado. Dessa forma, todas as decisões sobre medidas para a implantação do SUS têm sido sistematicamente negociadas nessas comissões após amplo processo de discussão. Esse processo tem funcionado desse modo ao longo dos últimos 12 anos de vigor da Lei 8.080, contribuindo para que se venha a alcançar a plena implantação do Sistema Único de Saúde. 14 CONSIDERAÇÕES PROVISÓRIAS SOBRE A PARTICIPAÇÃO POLÍTICA NO SUS O desafio colocado para a gestão, no contexto de luta pela construção do SUS, implica a constituição de novas tecnologias de governo, novas institucionalidades abertas à reversibilidade e à mobilidade das relações estratégicas, que reconheçam e afirmem a dimensão política (normativa) da atividade, tramas institucionais em que a política possa adquirir o sentido e o efeito de pôr à prova o existente. A política em seus atravessamentos institucionais deixaria de ser, assim, a mobilização para negação (o situar-se coletivamente contra), ou para a definição identitária de elementos constantes de agregação, tornando-se uma recusa das opções dicotômicas atualizadas como possível (representantes xrepresentados, público x privado, individual x coletivo). 36 Seria uma abertura do plano de possibilidades (de criação de realidade) que resulta do estranhamento e do questionamento da transversalidade dos estados de dominação, da fixação das assimetrias por certas tecnologias de poder. A partir da especificidade histórica (portanto inédita) de cada situação, a política pode afirmar-se como experimentação, como prática normativa não constrangida por recursos de dominação que tornam a escolha, a possibilidade de constituir-se nessas decisões, restrita aos possíveis já determinados nestas tecnologias de governo. Esta perspectiva decorre da compreensão da política como produção de realidade social, pelo poder constituinte da multiplicidade. Tal concepção aponta, sobretudo, para a necessidade de se extrapolar sua definição como resistência e defesa (de interesses), e coloca o problema da efetuação, nas instituições, de arranjos e dispositivos que engendrem e expressem esta produção ao invés de restringi-la. Composições estas que manteriam o principal efeito de realidade das instituições: a produção de temporalidades e espacialidades, de referências e permanências, de lugares que territorializam relações, porém resignificando o sentido de sua eficácia. Não mais a fixação hierárquica e excludente, mas o direito de todos ao pertencimento e à diferença, que supõe necessariamente o acesso ao bem comum (conhecimentos, linguagens, serviços etc.) e a relação com o outro, em que as inevitáveis assimetrias estejam submetidas à mobilidade e reversibilidade das relações de poder estratégicas. Defender a política como experimentação e constituição de processos de subjetivação implica o reconhecimento de que a inexperiência democrática, não deixará de ser uma realidade no cotidiano das instituições de saúde, a menos que esse cotidiano se torne objeto de problematização e de construção de outros saberes que sejam reconhecidos como legítimos na esfera de determinação da política pública do setor. A democracia, antes de ser uma forma política, é forma de vida. É este um atributo da vida que se deseja humana, já que a vida não tem necessidade de assumir valores externos a ela para tornar-se política, pois o homem é um ser de relações, não apenas de contato. Tanto ele está no mundo, como com o mundo, sendo essa a grande peculiaridade da condição humana, sua abertura autoral à realidade, que se efetiva em sua multiplicidade, criticidade e temporalidade (Freire, 2005, apud GUIZARDI, 2010, p. 643). 37 Poderia tirar o “r” que tem limitado a política à resistência em sentido estrito, de reatividade e contraposição, passando a defini-la, então, como existência, constituição de ser social que expõe a luta política em suas implicações ontológicas. O desafio de construção de novos dispositivos institucionais e saberes como recursos de cogestão do sistema de saúde talvez possa, nesse movimento reflexivo, encontrar uma importante ressonância, que não se tornará presente no processo de efetivação do SUS se não nos dispusermos a questionar a produção concreta (portanto local) das políticas e intervenções públicas. O problema da radicalização do projeto democrático do SUS passa, então, pelo exercício da potência de criação que constitui o humano; pela capacidade de tecer participações como possibilidade de produzir o novo, e não apenas como controle da execução e fiscalização das normas instituídas. Formas de participação que nos solicitam outras composições institucionais, outras tecnologias de governo que tenham, por compromisso, a integração e coordenação das singularidades, a articulação dos fluxos sociais de modo a potencializar a constituição de novos horizontes éticos. 38 15 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AGAMBEN, G. Estado de exceção. São Paulo: Boitempo Editorial, 2004. AGAMBEN, G. Estado de exceção. São Paulo: Boitempo Editorial, 2004. ARENDT, H. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1981. BAREMBLITT, G. Compêndio de análise institucional e outras correntes: teoria e prática. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1992. BARROS, M. E. D.; PIOLA, S. F. & VIANNA, S. M. 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