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Parasitologia básica e clínica Complexo teníase-cisticercose Introdução Os parasitos causadores da teníase e cisticercose pertencem à classe Cestoda (família Taenidae). A teníase é popularmente referida como “solitária”, “tênia do porco” ou “tênia do boi”. O complexo teníase-cisticercose é uma zoonose, tendo em vista que esta doença pode ser transmitida do homem para o animal e vice-versa. Epidemiologia Estima-se que mais de 70 milhões de pessoas estejam infectadas por T. saginata e 2,5 milhões por T. solium. No Brasil, a prevalência da cisticercose não é conhecida. Morfologia Vermes adultos Escólex ou cabeça Serve para a fixação do verme na mucosa intestinal e possui quatro ventosas. Taenia solium: possui rostelo (rostro) armado com uma fileira de 25-40 acúleos. Taenia saginata: sem rostelo Colo ou pescoço Situa-se abaixo do escólex (zona de formação de proglotes) Estróbilo ou corpo O tegumento apresenta microtríquias (absorção de nutrientes). O corpo é formado pela união das proglotes (anéis): T. solium: 800-1000 (pode atingir 3 a 6 m) T. saginata: + 1000 proglotes (8 a 10 m) As proglotes ou proglótides possuem individualidade alimentar e reprodutiva, ou seja, são hermafroditas (possuem ambos os órgãos reprodutores masculino e feminino na proglote madura). As proglotes jovens são mais curtas e apresentam o início do desenvolvimento dos órgãos genitais. Já as proglotes maduras são aptas para a fecundação. A proglote grávida possui cerca de 50% de ovos maduros e férteis, 40% imaturos e 10% estéreis. A representação das estruturas dos vermes adultos da T. solium e T. saginata estão a seguir (fig. 1 e fig. 2). Figura 1: Escólex de Taenia solium e Taenia saginata. Notar a presença de ventosas em ambas, porém apenas a T. solium apresenta rostelo com ganchos. Figura 2: Proglotes de Taenia solium e Taenia saginata. Note a diferença entre as ramificações uterinas. Enquanto as da T. saginata são mais numerosas e ramificadas (dicotômicas), as da T. solium são pouco numerosas e mais espessas (dendríticas). Os ovos de T. solium e T. saginata são esféricos, medem 30 µm de diâmetro, possuem uma casca protetora (embrióforo) com estrias radiais e um embrião hexacanto (oncosfera) com três pares de acúleos (fig. 3). Os ovos das duas espécies de Taenia são indistinguíveis pela microscopia óptica. Figura 3: Ovos de Taenia sp. Os cisticercos (larvas) possuem quatro ventosas. A principal diferença entre o escólex de T. saginata (Cysticercus bovis) e o de T. solium (Cysticercus cellulosae) é que, na T. solium, há um rostelo proeminente e uma dupla coroa (fileiras) de ganchos bem definidos, enquanto que na T. saginata não há essas estruturas. Eles se apresentam como uma vesícula do tamanho de uma ervilha, cheia de um líquido transparente que protege o escólex. Tais cisticercos medem de 2 a 5 mm e podem ser visualizados a olho nu, quando presentes na carne bovina ou suína (fig. 4). Figura 4: Cisticercos na musculatura de bovino. Ciclo biológico O ciclo é heteroxênico, sendo o boi e porco os hospedeiros intermediários (T. saginata e T. solium, respectivamente) e o homem o hospedeiro definitivo. O homem parasitado elimina as proglotes grávidas e os ovos nas fezes. Os ovos são ingeridos pelo hospedeiro intermediário: boi (T. saginata) e porco (T. solium). A oncosfera eclode, penetra na parede intestinal e passa para a corrente sanguínea, onde é transportada para todos os órgãos e tecidos do hospedeiro intermediário, desenvolvendo-se até cisticerco. Quando o homem ingere carne crua ou malcozida de suínos ou bovinos contaminados, o cisticerco sofre a ação do suco gástrico (no estômago), se envagina e se fixa na mucosa intestinal através do escólex, onde se transforma em tênia adulta, caracterizando o quadro de teníase (fig. 5). Quando o homem ingere os ovos de T. solium, os ovos chegam ao estômago e o suco gástrico desgasta a camada que recobre os ovos. No intestino, os sais biliares os ativam e permitem a liberação das oncosferas que, pelas vilosidades, podem atingir vênulas, veias e linfáticos, alcançando todo o organismo, caracterizando a cisticercose. A T. solium pode viver três anos no homem, enquanto que a T. saginata vive até 10 anos. No entanto, já foram registrados casos de 30 anos. Um único hospedeiro pode eliminar mais de 500 mil ovos diariamente! Os ovos de Taenia sp. podem permanecer viáveis no ambiente por meses. Figura 5: Ciclo biológico da Taenia solium e Taenia saginata. Habitat Os vermes adultos de T. solium e T. saginata vivem no intestino delgado do hospedeiro definitivo (homem). As larvas C. cellulosae vivem no tecido subcutâneo, muscular, cardíaco, cerebral e no olho de suínos (acidentalmente em tecidos com alta concentração de oxigênio no homem). Já as larvas C. bovis vivem apenas nos tecidos de bovinos. Transmissão Conforme descrito no ciclo biológico, a transmissão da teníase ocorre por ingestão de carne crua ou malcozida infectada com as larvas de T. solium ou T. saginata. Por outro lado, a cisticercose humana ocorre pela ingestão de ovos viáveis de T. solium. Existem três formas de infecção para a cisticercose: Patogenia e sintomatologia – teníase A maioria das pessoas infectadas por Taenia sp. geralmente permanece assintomática. No entanto, podem ocorrer fenômenos tóxico-alérgicos devido à fixação do verme adulto na mucosa, o que provoca destruição do epitélio, inflamações e hemorragia. Outros sintomas incluem tontura, apetite excessivo, náuseas, vômitos, dores abdominais e perda de peso por causa da competição do verme adulto com o hospedeiro. Patogenia e sintomatologia – cisticercose Dependerá da localização dos cisticercos, do número de parasitos, do estágio de desenvolvimento e do organismo do paciente. Normalmente, após a ingestão de ovos viáveis de T. solium, o cisticerco amadurece (em 6 meses), morre – ocasionando um processo inflamatório que implica em manifestações clínicas intensas –, e calcifica. Os quadros mais comuns de cisticercose estão listados no quadro a seguir. •O homem elimina as proglotes e os ovos de sua própria tênia e estes são levados à boca pelas mãos contaminadas ou por coprofagia. Autoinfecção externa •Durante vômitos ou movimentos retroperistálticos do intestino, as proglotes podem ir até o estômago e depois voltarem ao intestino delgado, liberando as oncosferas Autoinfecção interna •O homem ingere os ovos de outro paciente através de alimentos contaminados. Esse constitui o método de infecção mais comum. Heteroinfecção Doença Sintomas Neurocisticercose Dor de cabeça seguida de vômitos, alucinações, convulsões, desordem mental com delírio (pode levar à demência), aumento da pressão intracraniana (pode ser fatal), entre outros. Cisticercose cardíaca Palpitações ou dispneia Cisticercose ocular Deslocamento ou perfuração da retina, levando à perda parcial ou total da visão Cisticercose muscular Dor e câimbras (perna, nuca, região lombar) Diagnóstico O diagnóstico laboratorial da teníase é realizado a partir da pesquisa de ovos ou proglotes do parasito nas fezes. Além disso, amostras coletadas ao redor da área perianal usando o método da fita adesiva também podem ser usadas para recuperação de ovos. Como os ovos são morfologicamente indistinguíveis, relata-se “presença de ovos de Taenia sp.”. A distinção entre as duas espécies pode ser feita caso sejam encontradas proglotes nas fezes por meio do método de tamisação ou análise do escólex. Observar as ramificações uterinas. ✓ T. saginata: dicotômicas ✓ T. solium: dendríticas Em casos de cisticercose (SNC e infecções maciças na musculatura), o diagnóstico pode ser realização através de raio X (visualização de cisticercos calcificados), tomografia computadorizada ouressonância magnética. O diagnóstico imunológico é utilizado para a detecção de anticorpos anti-cisticercos no soro, líquido Emulsionar as fezes com água Coar o material através de peneira fina Reconher as proglotes Coloca-las em placa de Petri contendo ácido acético Manter por 15 a 20 min Comprimir o material entre duas lâminas e analisar cefalorraquidiano (LCR) e humor aquoso (olho). Os pacientes com cisticercose apresentam um aumento significativo de linfócitos, eosinófilos e IgG, bem como de IgE e IgM (menos acentuado). Pacientes com neurocisticercose apresentam aumento dos anticorpos IgM específicos para antígenos de cisticercos no LCR. Tratamento O tratamento é realizado com praziquantel em dose única. Os efeitos colaterais incluem cefaleia, dor de estômago, náuseas e tontura. Não deve ser usado em pacientes com teníase e cisticercose ocular. O praziquantel atua no cisticerco cerebral, muscular e subcutâneo. É recomendado apenas para uso hospitalar, uma vez que após a morte do parasito, podem ocorrer reações inflamatórias locais graves, necessitando de administração de altas doses de corticoides. O albendazole também pode ser usado contra a teníase e cisticercose. Este fármaco possui boa ação e é amplamente utilizado no tratamento de outras infecções intestinais por cestódeos. Dependendo do local e do número dos cisticercos presentes no paciente é aconselhável a remoção cirúrgica, especialmente na neurocisticercose. Profilaxia Há três medidas importantes: exercitar práticas sanitárias adequadas, cozinhar completamente as carnes de boi e de porco antes do consumo e tratar imediatamente as pessoas infectadas. Tais medidas podem interromper o ciclo biológico do parasito caso instituídas. Salienta-se a importância das boas práticas de criação animal e inspecionamento em matadouros e frigoríficos. Referências CIMERMAN B, CIMERMAN S. Parasitologia humana e seus fundamentos gerais. 2ed. São Paulo: Editora Atheneu, 2010. FERREIRA, M. U. Parasitologia contemporânea. 2ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2021. TOLEDO RCC, FRANCO JB, FREITAS LS, FREITAS ARF. Complexo teníase/cisticercose: uma revisão. Higiene alimentar, v. 32, n. 282/283, p. 30-34, 2018. ZEIBIG EA. Parasitologia clínica: uma abordagem clínico-laboratorial. 2ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014.
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