âmbito da linguagem familiar, geralmente a identificamos com maturidade e responsabilidade. É quase como dizer “está ficando gente”. Representa, pois, uma aproximação com bom comportamento. Todavia, pensar o conceito de pessoa apenas pelo aspecto ético- moral, seria empobrecer muito seu significado. Por isto, torna-se importante a recuperação da origem etimológica e semântica da palavra “pessoa”. O conceito mais antigo relaciona “pessoa” a “máscara”. Os etruscos, um dos povos que formaram a cultura latina, usavam há mil e quinhentos anos antes de Cristo, o termo PERSHU para designar as máscaras de modelos usados em representações teatrais. No ambiente grego, cerca de quinhentos anos antes de Cristo, a conotação dada ao termo máscara equivalia a rosto ou cara, nas representações que os atores faziam de outros personagens. Na cultura grega, no entanto, o ser humano não era valorizado pela sua dimensão corpórea, mas pelo seu espírito, ou seja, pelas idéias poderiam levar a estabelecer contatos com o divino, com o perfeito e com o eterno. Por isso a preocupação grega 15 15 não girava em torno dos seres humanos, mas em torno do que fosse universal. O ser individualizado não representava foco de maiores interesses de entendimento. O verbo latino PERSONARE, muito próximo do termo “persona” e, também do verbo “ressonare” (= ser sonoro ou ressoar), faz lembrar o mesmo papel do ator que procura fazer ressoar no auditório o som imitado de quem representa. Mesmo neste quadro, o termo pessoa ficou associado à máscara. Como uma mesma máscara não se prestava para representar distintos personagens, a máscara passou a representar o papel ou um procedimento da pessoa que o ator procurava destacar através da imitação, quer fosse real ou fictícia. Destes antecedentes todos, resultou uma conseqüência prática: uma pessoa é um alguém, real ou fictício, escondido atrás de uma máscara. Em outras palavras, trata-se da personalidade que se esconde atrás de cada rosto. O Segundo Testamento aprofundou esta noção de boa relação com Deus, pois assimilou que esta honra era também uma graça concedida por Deus para fazer acontecer a “nova criação”. Na concepção do Primeiro Testamento já havia sido salientado que o ser humano é um ser que dialoga com Deus e capaz de assumir responsabilidades através do dom que Deus oferecia. O ser humano era visto como um agente relacional de conversa. Nesta perspectiva o Segundo Testamento apresentou Jesus Cristo como um primoroso modelo desta relação de conversa com Deus. Tal noção evidenciou dois aspectos importantes: um ser humano é convidado por Deus a estabelecer relações de diálogo com outros seres humanos para se sentir ele mesmo. Este duplo aspecto oferecia ao ser humano a condição de ser único. Portanto, um ser humano não é a mesma coisa do que as outras pessoas. Ainda q1ue o agir com os outros tenha em vista uma auto-realização, Deus apresenta um projeto para melhor viabilizar esta dupla fonte de realização. Aceitar o projeto de Deus não significaria, pois, negar-se a si mesmo, mas acolher uma mediação para melhores relações com os outros e, evidentemente, consigo mesmo. Dali também resultou a tríplice dimensão de abertura ao mundo, aos outros e a Deus. A 16 16 salvação de uma pessoa não poderia acontecer sem simultâneo processo de salvação sócio- política e do ambiente macro-social. Bem sabemos que num momento histórico relativamente recente, esta noção passou a ser assimilada como salvação individual da própria alma. Para nossas ponderações, muda alguma coisa se damos uma ou outra conotação ao termo “pessoa”? O pensamento moderno tende a usar mais o termo “indivíduo” do que o de “pessoa”, uma conotação mais ligada ao aspecto físico de um ser humano. Diversos pensadores cristãos como Mounier, Marcel e Maritain enfatizaram que o termo pessoa deve realçar sua capacidade de transcendência sobre o mundo: é capaz de estabelecer comunhão e ao mesmo tempo é livre e capaz de abrir-se a múltiplas formas de vida. O pensamento moderno, por sua vez, ao dar ênfase ao termo indivíduo, justifica que ele, na verdade, não é algo original e genuíno e tampouco vive o que é especificamente seu, pois é mero fruto da socialização e das estruturas sociais, políticas, econômicas, educacionais, etc. Do empirismo inglês herdamos a noção de que, ao nascer, somos como uma folha em branco sobre a qual se escreve a história, boa ou má, segundo a educação. Na verdade, atualmente, tudo indica que uma pessoa se caracteriza por traços bem mais amplos e variados do que os da influência do meio social. A conciliação destes enfoques não desvia certas polêmicas: mesmo que a declaração universal dos direitos humanos insista que todos os seres humanos são constituídos de dignidade, fica no ar a dúvida sobre que dignidade e que grau de dignidade. 17 17 V PERSPECTIVA ANTROPOLÓGICA DAS EXPERIÊNCIAS DO SAGRADO Um traço marcante dos seres humanos, mais profundo do que aparentemente parece ser, é o de que eles tendem a fazer experiências muito variadas do sagrado ou do divino. Estas experiências são chamadas de hierofanias. Hierofanias são as formas como as pessoas experimentam a manifestação do sagrado ou do divino. A história das religiões revela grande quantidade de hierofanias, desde as do encanto ante uma pedra, até a revelação de Jesus Cristo ou a aparição de santos e de santas. Atualmente, poucas pessoas tendem a aceitar as experiências do sagrado a partir de pedras, árvores ou flores e bichos. Na verdade, não significa uma adoração de pedras, imagens ou lugares, mas, de constatar como estas pedras ou os outros objetos revelam algo sagrado. Ainda que uma pedra continue sendo pedra, acaba, ao mesmo tempo, sendo outra coisa. Por isso, as pessoas mais arcaicas e primitivas procuravam viver no sagrado ou perto de objetos sagrados. Para elas, o sagrado era sinônimo de poder perene e eficaz. Disso, resultou o estabelecimento de uma oposição entre sagrado e profano. A pessoa religiosa, através deste 18 18 poder, quer encher-se do sagrado e estar profundamente dentro da realidade. Ela quer permanecer o máximo de tempo no espaço sagrado. Quer saturar-se deste poder. Somente a partir dos últimos séculos é que começou a ser pensado o mundo, na sua totalidade, sem vínculo com a sacralidade. Por este motivo, percebemos, hoje, um grande precipício entre sagrado e profano. A natureza, os objetos, as casas, certas relações e até o sexo, bem como, muitos lugares, foram considerados sagrados ou como meios para entrar em contato com o sagrado. O homem moderno dessacraliza estes espaços e estas mediações. Bastaria comparar o entendimento da terra para um agricultor, um caçador e um cidadão urbano... Conforme Eliade, “para o homem religioso, o espaço não é homogêneo: o espaço apresenta rupturas, quebras, há porções de espaço qualitativamente diferentes das outras”.5 Como ilustração, serve o texto de Ex, 3,5. Enquanto o espaço sagrado é forte, os outros espaços são amorfos. O sagrado é visto como o único elemento real e que dá forma e sentido ao que o rodeia. Neste sentido, o sagrado acaba dando um sentido ontológico ao mundo. Em outras palavras, o sagrado faz o espaço tornar-se homogêneo a partir de um centro que o organiza. Já a concepção dessacralizada do profano, entende o espaço como neutro e homogêneo. No entanto, mesmo que existam posturas profanas, estas geralmente não são puras, pois, até mesmo na concepção do profano, ocorre mescla de elementos da concepção do sagrado. Como é destacado o sagrado na Bíblia? Que Deus se manifesta como um Ser pessoal e que se dirige aos seres humanos (aos fiéis) e lhes propõe uma aliança: dispõe-se a guiá-los ou conduzi-los no caminho da vida. Este Deus pode aparecer a qualquer pessoa. Isaías, por exemplo, destaca