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ANTROPOLOGIA_DA_RELIGIAO

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dos termos “sim-bólico” e “dia-
bólico”. 
Simbólico significa ajuntar, agregar e fazer convergir. O termo também equivale ao 
sinal que distingue alguém, ou algo, de outras coisas. Por exemplo, uma camiseta de um time 
de futebol, ou a logomarca de uma empresa, constitui sinal simbólico para identificar os 
membros que os representam, sejam religiosos, esportivos ou comerciais. Através do sinal 
simbólico conhecido, facilmente identificamos traços específicos de agregação de grupos 
sociais, por razões das mais variadas. 
Diabólico é tudo o que desagrega, desune, separa e desconecta. Numa relação 
matrimonial, ou qualquer outro processo de aproximação entre pessoas para toda espécie de 
alianças ou negociações – que representam forças simbólicas – atua, paralelamente, um 
processo próximo e parecido de fatores que levam a rupturas, desencontros, inimizades e 
discordâncias. Basta observar nosso mundo social: junto aos enormes empenhos para a 
harmonia e unidade, ocorrem incontáveis processos inversos e adversos que tendem para 
rupturas, exclusões e tentativas de morte, por guerras e outras ameaças. 
 
 
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O bom deste embate de forças contrárias é que até hoje, nunca uma chegou a anular a 
outra de forma absoluta. O equilíbrio nem sempre agradável e nem sempre fácil é um jogo que 
dá dinamismo à vida. 
Leonardo Boff salienta que o diabólico e o simbólico são princípios que estruturam não 
apenas as relações humanas e sociais, mas também a natureza e o cosmos. A natureza, por 
exemplo, apresenta, de um lado, fenômenos de agregação, associação, interdependência e 
complementariedade, enquanto que, simultaneamente e, por outro lado, faz eclodir imensas 
forças de caça, destruição e morte em grandes proporções, como os causados por vulcões, 
terremotos, maremotos, choques do planeta com meteoros, etc. 
Esta luta dialética ultrapassa as dimensões do nosso quadro humano e se revela na 
disputa de espaço de sobrevida das plantas e dos animais. Trata-se de uma disputa frenética, 
envolvendo mecanismos de salvação e de morte ao mesmo tempo. Com relação às plantas, não 
é diferente. Ocorrem disputas ferrenhas entre terra e água, entre seres machos e fêmeas, enfim, 
ao lado da busca de beleza e da harmonia, atua uma grande voracidade que leva à destruição e 
morte. 
Voltando à nossa condição humana, podemos ainda constatar que a busca de equilíbrio 
diante dos incontáveis riscos e mecanismos de morte, aponta para um extraordinário desvelo 
em favor de nascimentos, sonhos e esperanças que deles podem emergir. A nossa querida mãe 
Terra também apresenta esta contradição: de um lado fornece vitaminas, sais, aminoácidos, 
fibras, carbo-hidratos e muitos outros elementos vitais, mas, de outro lado, produz toxinas, 
bactérias e formas de vida que atentam radicalmente contra a nossa existência. 
Mesmo que a inteligência humana tenha dado passos gigantescos e fantásticos para 
melhorar a qualidade de vida, de saúde e de sobrevivência no Planeta, esta mesma inteligência 
produziu armas incontáveis e sofisticadas para matar sistematicamente seres humanos que, 
violenta ou pacificamente, querem viver e ser felizes. 
A nossa condição humana, riquíssima pela produção artística, científica, técnica, 
religiosa e cultural, não consegue esconder esta escancarada contraposição de polarizações, 
 
 
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mobilizadas entre o melhor e o pior. Enquanto, de um lado, se produzem gestos de 
extraordinária grandeza humana, outros são de degradação destes mesmos alcances. São forças 
de transformação e de superação, convivendo com forças entrópicas e de exterminação. Este 
jogo diabólico e simbólico também pode ser constatado em nossos processos psíquicos e 
emocionais, ao lado da sua manifestação na Terra e no universo. Estaríamos, pois, fadados a 
este determinismo? 
Boff salientou algo muito importante: “O sim-bólico haure forças do dia-bólico. É a 
nossa esperança”.8 
Em outras palavras, o anseio pelo humano emerge do mundo tenebroso, pois, 
necessitamos transformar forças diabólicas em forças simbólicas para continuar a viver e, 
ainda, na tarefa de redimir a humanidade e a natureza que nos envolve. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
8
 BOFF, Leonardo. O despertar da Águia – o dia-bólico e o sim-bólico na construção da realidade, p. 167. 
 
 
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IX 
 
A CONSAGRAÇÃO DE LUGARES SAGRADOS 
 
Da separação de lugares sagrados e profanos, da contraposição de obras e gestos 
simbólicos e diabólicos, decorre ainda outra conseqüência polêmica, que é a de consagrar 
lugares sagrados. Assim, ao se consagrar uma caverna, uma montanha, um lugar pitoresco de 
uma planície, ou uma Igreja, Basílica ou Catedral, bem como altares e outros espaços similares, 
quer-se criar um espaço especial para se estabelecer um contato com outro espaço, que é o 
divino, e estabelecer uma interação. No pressuposto deste ato, está a noção de que sem um 
vínculo divino este mesmo espaço pode voltar a tornar-se um caos, ou seja, um lugar profano. 
Por isto, o lugar sagrado passa a ser interpretado como o lugar de relação com o outro mundo. 
Este sentimento profundamente religioso deixa entender que o nosso mundo é um lugar que 
tem lugares mais próximos de Deus e que, a partir destes lugares especiais, pode-se atingir o 
mundo de Deus. O mundo sagrado ou consagrado passa, então, a ser entendido como um lugar 
mais alto e próximo para um contato com o outro mundo. 
Esta relação de lugares sagrados e profanos tem um reflexo diário em nossa vida através 
da porta. É impressionante como a porta separa mundos, a começar pelo mundo sagrado e 
profano. Por exemplo, a porta de uma Igreja na cidade separa dois mundos nitidamente 
distintos. Para uma pessoa religiosa, da porta para dentro é lugar de Deus, que merece respeito 
e certas posturas que são bem diversas das que são permitidas no lado de fora, no mundo 
profano. Dali, para a rua ou para a praça, já acontece todo outro jeito de relações humanas. 
Basta reparar que, muitas vezes, do lado de fora da porta da Igreja estão mendigos, andarilhos e 
que ali fazem qualquer coisa, desde defecar a relações sexuais, brigas, furtos, assaltos, e, sem 
maiores constrangimentos. 
 
 
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O que se pode perceber é que um determinado espaço, não implica necessariamente 
em experiências homogêneas, pois até mesmo para pessoas não religiosas, o lado de fora da 
Igreja pode ter significados distintos; uns querem cultivar ou contemplar a beleza da praça, 
outros querem namorar nesta praça e outros se servem deste espaço como lugar de moradia. 
Um determinado lugar pode ser mais sagrado para um do que para outro, especialmente, 
quando faz lembrar algo importante que ali aconteceu, como uma bonita festa, uma 
socialização significativa, uma simpatia, um primeiro namoro, etc. Este exemplo da praça 
também se manifesta em relação a residências, onde certos rituais, como beijos, continências, 
prostrações e toques de mão sobre o ombro, etc., servem como indicador de separação para a 
ida a outros espaços. A separação de sagrado e profano ainda pode ser vista por outro prisma: a 
relação entre caos e cosmos. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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X 
 
O CAOS E O COSMOS 
 
A imagem de sagrado e profano também perpassa outra contraposição: a de caos e 
cosmos. Era idéia comum dos povos antigos separar o espaço habitado como sendo o mundo, 
ou o cosmos, e, o resto, como mundo desconhecido, como caos (fonte de medos, de espectros e 
de demônios). Podemos perceber que esta não é apenas uma questão de povos antigos. Em 
nossos dias, ainda prossegue muito distinta esta separação entre caos e cosmos. Até mesmo as 
nossas cidades apresentam espaços de cosmos (áreas nobres, estéticas, belas e ornamentadas, 
como certas praças...) e outros lugares tidos como caos (brejos, lixões, espaços ermos), onde 
não só aparecem
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