Buscar

Newton de Lucca inicia+º+úo ao direto empresarial

Prévia do material em texto

Prof. Dr. Newton de Lucca (Desembargador Federal da 3ª Região)
 
Eminente Presidente deste Tribunal de Contas do Município, Dr. Antonio Carlos Caruso, eminentes autoridades aqui presentes, eminente companheiro da Justiça Federal, que também me honra com a presença, Juiz Silvio César, minhas Senhoras, meus Senhores, organizadores deste memorável evento, Dra. Yara Nascimento, que manteve contato com meu gabinete, afim de que eu pudesse estar presente aqui, na manhã de hoje.
Era escusado dizer que para mim é um privilégio estar participando deste encontro meritório, sob todos os títulos, porque se propõe analisar uma disciplina normativa da mais alta envergadura, que é o Novo Código Civil Brasileiro.
Escusava dizer, Sr. Presidente, o quanto estou honrado e feliz com este convite.
Agradeço as obsequiosas e mais do que obsequiosas, amabilíssimas palavras com que fui saudado, recordando até uma parte um pouco marginal da minha atividade, que é a atividade literária e já que foi-me dada esta deixa, como costuma-se dizer na gíria, eu diria que todos esses títulos, com que nós do mundo Jurídico costumamos ser apresentados, os Títulos Acadêmicos, as obras publicadas e assim por diante, tudo isto, eu preferia trocar, realmente, por aqueles versos de Álvares de Azevedo. Ele diz assim, numa passagem, a meu ver, inolvidável, de sua obra: “Descansem o meu leito solitário, na floresta dos homens esquecida, à sombra de uma cruz, e escrevam nela, foi poeta, sonhou e amou na vida”.
Este verso: “foi poeta, sonhou e amou na vida”, quiçá um dos mais belos da língua portuguesa, para mim vale mais do que todos os títulos acadêmicos que porventura nós podemos colecionar ao longo da nossa vida.
Mas, vamos passar da poesia para o Direito, porque temos um árduo tema para enfrentar.
E eu gostaria de, inicialmente, dizer que, não obstante, esta forma, como eu disse, amável e obsequiosa, com que eu fui apresentado, na condição de professor, tanto da graduação quanto da pós-graduação da nossa Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, na matéria de Direito Comercial e isto, em absoluto, deve significar que eu me dirija a todas as Senhoras e aos Senhores como se eu fosse um especialista na matéria.
Alguém já disse, com muita propriedade, que especialista é aquele sujeito que tem a sua ignorância muito bem organizada sobre um determinado assunto.
E nós, por vezes, sequer podemos afirmar com segurança, que a nossa ignorância esteja bem organizada sobre um assunto, principalmente quando ele é absolutamente novo, e o Código Civil que acaba de entrar em vigor, evidentemente é uma obra ciclópica, em relação a qual, eu venho já me pronunciando há muitos anos, eu vejo inúmeras virtudes, assim como também vislumbro numerosos defeitos, mas eu vou até me permitir não entrar com as Senhoras e os Senhores numa análise axiológica do Código, vamos dizer assim, nesta visão um tanto quanto maniqueísta que nós somos levados a ter, toda vez que surge um diploma novo, não é ? Nós queremos, antes de mais nada, saber se ele é bom ou se ele é mau. Se ele vai contribuir positivamente ou negativamente para o setor a que ele se destina.
E eu acho que esta discussão, “data maxima venia”, dos que eventualmente pensem o contrário, mas eu acho que ela se tornou inoportuna.
Eu fui um crítico feroz de algumas disposições do Código, até fico feliz de ter sido feroz, porque elas mudaram, de minha parte eu me pronunciava num sentido inverso à codificação, na minha visão pessoal, nós estamos vivendo a chamada era dos microssistemas. Então nós temos um micro sistema do Direito Ambiental, temos um microssistema do Direito do Consumidor, deveríamos ter um micro sistema do Direito Societário, como se fez na França ou como se fez no México e assim por diante.
Não acho que os códigos de natureza ciclópica, com mais de 2000 artigos, se compadeçam com a velocidade da transformação do mundo atual.
Nós sabemos que o Código se destina a estratificar aquilo que está consolidado na sociedade.
E a grande pergunta que eu me faço é a seguinte: O que é que está consolidado no mundo contemporâneo ? Quais os valores que nós consideramos efetivamente definitivos, a ponto de dizer: vamos consagrá-los num código para durar 50 ou 100 anos?
Mas essa “discussão” e eu coloco a expressão entre aspas, transitou em julgado, né ? Por que que transitou em julgado ?
Aqueles que porventura não estejam familiarizados com essa linguagem processual, não é ? Nós dizemos, algo transitou em julgado quando não cabe mais discutir, quando acabou, passou por todas as instâncias e agora não se mexe mais naquilo.
A não ser, eventualmente, por uma ação rescisória, mas aí já é outra, já é outra estória, né ?
Então, eu digo que transitou em julgado a discussão, no sentido de que optamos por um sistema. Bom ou mau, o fato é que o Parlamento Nacional, depois de uma tramitação de quase 30 anos, foi um parto de montanha, como costuma-se dizer, este Código Civil, os Senhores sabem, de toda a história, os vários momentos porque passou, e vai para o Senado, volta para a Câmara, enfim, foram mais de 20 anos de intensa discussão, milhares de emendas, e chegamos ao final. O Código foi aprovado, agora entrou em vigor, e o que nos compete fazer ? Isso que estamos fazendo aqui agora.
Um trabalho de interpretação. Um trabalho de aplicação, da melhor maneira possível, dessas normas. Elas não estão isoladas na ordenação Jurídica Brasileira, mas elas se encaixam dentro de um sistema, a começar, evidentemente, pelo sistema constitucional.
Nós temos de ler este Código Civil, a partir do que está expresso na Constituição Federal de 1988, e não o contrário. E não vamos ler a Constituição com base no Novo Código Civil.
A outra observação preliminar que eu queria fazer, é que há uma estória contada por Plínio, o Velho, que é muito interessante.
Dizia ele que o pintor Apeles, muito perfeccionista com a pintura dos seus quadros, num determinado momento, resolveu consultar um sapateiro, sobre a pintura dos seus sapatos no quadro. E esse sapateiro, muito envaidecido, muito orgulhoso da honraria, começou a dizer para o pintor: “Olha, os sapatos aqui, precisam ter uma coloração diferente, um pouquinho mais escuro aqui, um pouquinho mais claro aqui, por causa da luz que entra pela janela”. E, no entusiasmo de dar as sugestões ao pintor, na pintura dos sapatos, ele começou a dizer: “Olha, mas aqui o céu, o Senhor podia também fazer assim, aqui na montanha o Senhor podia fazer assado, aqui no mato o Senhor podia fazer frito, aqui não sei aonde o Senhor podia fazer escabeche”, enfim, começou dar vários palpites e ficou famosa a resposta do pintor Apeles a esse sapateiro. Disse ele: “Sapateiro, pare. Não vás além dos sapatos. Eu só pedi opinião sobre os sapatos.”
E por que estou a lhes dizer isso ?
Evidentemente, pretendo discorrer com os Senhores, não propriamente com a pretensão de fazer uma palestra, mas de trazer um conjunto de reflexões que venho fazendo há muitos anos, apenas sobre o Direito da Empresa, apenas sobre o Livro II, que foi uma novidade trazida pelo novo Código Civil, sob pena de eu estar agindo como sapateiro, não é ? Se eu for me arvorar em comentar o que acho das modificações promovidas no Regime de Casamento ou no Regime Sucessório ou na Parte Geral a Teoria do Negócio Jurídico, vejam, todas essas matérias, é claro que eu as conheço também, mas se sobre elas me pronunciasse, eu estaria indo além dos meus próprios sapatos.
Portanto, ater-me-ei ao Livro II, que é o Direito da Empresa.
Talvez, fora do Direito da Empresa, o que eu pudesse lhes dizer, porque também não gastarei mais do que alguns segundos para lhes dizer isso, é que há uma parte que eu até acabei de comentar a pedido do Ministro Sálvio de Figueiredo, que vai dos artigos 854 a 926, dos atos unilaterais e dos títulos de crédito.
Evidentemente o Ministro me convidou para tratar dessa parte dos títulos de crédito, porque é a minha, com todas aquelas ressalvas que eu fiz a respeito do conceito de especialista, vamos dizer é a minha especialidade.
E o queeu poderia dizer a vocês, em dois minutos, sobre essa parte, os títulos de crédito ?
Que não está no Livro II, vejam bem. Mas foi sempre uma matéria estudada, no âmbito do Direito Mercantil, é claro.
Nunca ninguém estudou cheque, nota promissória, letra de câmbio e nota promissória, a não ser nos cursos de Direito Comercial.
A matéria é eminentemente Mercantil.
O que eu poderia dizer a respeito disso ?
Diria, a salvo de equívoco, que pouco representa isto para o nosso dia-a-dia.
E pouco representa por quê ?
O saudoso Professor Mauro Brandão Lopes, que foi o autor dessa parte do Código Civil, vejam, não confundam, que todo livro do Direito da Empresa, o Livro II, foi de autoria do saudoso Professor Silvio Marcondes, de quem eu tive a honra de ser aluno, lá na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
A parte dos títulos de crédito, o autor foi também o igualmente saudoso e também meu Professor, na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Professor Mauro Brandão Lopes.
Muito bem, o que dizia o Professor Silvio Marcondes sobre o Livro II, do Direito da Empresa, nós vamos ver daqui a pouco, eu até transcrevo alguns trechos da explicação dele, nesses slides que eu estarei projetando a vocês.
E eu aproveito para dizer, não precisam ficar assustados, quem eventualmente viu aí, que tem 104 slides para projetar, eu não vou projetar 104, senão vocês não almoçariam nem jantariam. Eu já expliquei para o Presidente que eu vou usar apenas alguns, a título de ilustração e para alguns pontos que me parecem de maior relevo que nós vamos focalizar.
Esses cento e tantos slides é para exposição de 8 horas, e nós não vamos fazer isso aqui, agora, podem ficar sossegados.
Mas o Professor Mauro Brandão Lopes, autor da parte dos títulos de créditos, dizia que o propósito do anteprojetista, que era ele naquela ocasião, era permitir a livre criação de títulos atípicos. Ele não tinha como propósito regular subsidiariamente a nota promissória, o cheque, a duplicata e a letra de câmbio.
Mas simplesmente ele queria criar uma disciplina normativa que previsse a possibilidade de emissão de novos Títulos.
E por que ele fazia esse raciocínio? Baseado na seguinte consideração: quem inventou os títulos de crédito, os senhores sabem ?
Foi algum jurista ? Foi Vivante, quando disse que título de crédito é o documento necessário para o exercício do direito literal e autônomo nele mencionado ?
Não. Não.
Os juristas tiveram a genialidade de sistematizar, em princípios científicos, toda a matéria dos títulos de crédito.
Mas, efetivamente, quem inventou os títulos de crédito foram os comerciantes, foram os comerciantes que inventaram.
Surgiu de uma necessidade histórica, era preciso que existisse um instrumento que, com agilidade, permitisse a circulação da riqueza, não da mesma forma com que se operava uma compra e venda de um bem imóvel, sujeito a todo aquele regramento que os Senhores sabem, como é mais complicado, comprar ou vender um imóvel, do que adquirir um Título de Crédito por simples endosso, não é ?
É por isso que Ascarelli, um dos maiores comercialistas de todos os tempos, sempre disse que o Direito Comercial é um fenômeno histórico e por que um fenômeno histórico ? Porque surgiu em decorrência de uma necessidade histórica.
Qual era ela ? A de se criar um novo direito, porque o Direito Civil não podia atender às necessidades dos então comerciantes.
Me perdoem aqueles que devem estar pensando: Mas o Professor Newton está chovendo no molhado e está dizendo algo, absolutamente consabido.
Mas dizia o nosso saudoso Nelson Rodrigues: é melhor repetir o óbvio do que elaborar sobre o obstruso, não é ?
Então, ainda que eu esteja a repetir o óbvio, nunca é demais insistir na idéia de que o nosso Direito Mercantil é um direito eminentemente histórico.
Nós precisamos ter essa diretriz fundamental para entender as mudanças que vão ocorrendo.
Muito bem, o que nós poderíamos agora, e eu vou me permitir, me deslocar da mesa, aqui para perto do nosso painel de transparências.
O que nós poderíamos tentar dizer, em termos de Reforma do Código Civil, na parte do Direito da Empresa ?
Bom, a primeira coisa que eu quero dizer a vocês, antes de começar com a projeção, para uma certa tranqüilidade de todos, porque eu acabei de fazer a afirmação: esse Livro IIº, esse Livro II da Parte Especial, é novo.
É novo ?
É novo.
Existia isso no Direito Brasileiro ?
Não. Não existia.
Então, é motivo para termos grande perplexidade diante dele ?
E a resposta é : Não, não há motivo.
Esta troca que nós estamos fazendo da velha teoria dos atos de comércio, porque o nosso Código Comercial de 1850, estava todo ele calcado na teoria dos atos do Comércio, que veio da França, que veio do Código Napoleônico, do começo do século XIX, esta teoria já vinha sendo abandonada, tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência.
Há um autor nosso, o Professor Fábio Ulhôa Coelho, que chega a dizer no seu último livro do Direito Comercial, no seu curso de Direito Comercial, que ele chega mesmo a dizer: Se nós alterássemos a lei falimentar, as Senhoras e os Senhores sabem, que a nossa lei falimentar ainda é de 1945, o Decreto 7.661. Um decreto bastante antigo, absolutamente defasado em relação à realidade moderna.
E aqui eu não tenho a menor dúvida em afirmar a vocês: Se vocês me perguntassem o que era mais importante para o Direito Mercantil Brasileiro ? Aprovar o Novo Código Civil, que unificou o Direito das Obrigações ou atualizar a nossa Lei de Falências ?
Eu não teria dúvida em dar a segunda resposta. E fico muito feliz de saber que o novo Governo, que acabou de assumir, já designou uma comissão para tocar adiante o anteprojeto de Lei de Falências, porque esta é uma necessidade imperiosa de nós mudarmos a disciplina normativa representada pelo Decreto 7661, onde ainda temos todo o ranço da teoria dos atos de comércio lá.
Mas eu dizia, tanto a Doutrina quanto a Jurisprudência, já foram adotando, paulatinamente, isto que agora o Código Civil adota no plano legislativo, que é o que ? Substituir o conceito de mercancia, o conceito daquele antigo comerciante, pelo moderno conceito de empresário.
Moderno conceito ?
Não tão moderno assim.
A Itália em 1942, aprovou o “Códice Civile”, que adotou exatamente a Teoria da Empresa.
O primeiro grande Código Moderno, que deixou de lado a Teoria dos atos do Comércio e adotou a chamada Teoria da Empresa.
Isto é, o que é importante ?
Não é tão importante a prática repetida de atos de comércio. Não é isto que é importante para caracterizar o titular da atividade, mas sim, como diz o Código Italiano, no seu artigo 2052, agora reproduzido pelo 966 do nosso Código Civil, é atividade econômica organizada, para a produção ou circulação de bens ou de serviços, conforme vocês vão ver.
Bem, eu tinha feito aqui o seguinte roteiro, é claro que seria um roteiro um pouco ambicioso, para falar apenas, numa única manhã.
Mas, de qualquer maneira, ainda que não seja possível perpassar por todos esses itens, de maneira minuciosa, de maneira cuidadosa na lista detalhada, eu gostaria de pelo menos, ainda que de forma bastante panorâmica, mas pelo menos dar esta visão geral a vocês, do que a gente poderia, em poucas palavras dizer: Bom, mas o que que se poderia falar assim de maior relevo, de todo esse Livro II ?
Então, o item 1 seria este, a importância da empresa na civilização contemporânea.
Esse item 2, nós não precisamos falar mais, eu já lhes adiantei, que essa discussão ficou superada, alguns ainda insistem em dizer que não era a melhor solução editar-se o novo Código. Outros, como o eminente Professor Miguel Reale, vocês sabem, o Professor Miguel Reale, com muito ardor, com muita paixão, defendeu a idéia do Novo Código, o eminente Ministro José Carlos Moreira Alves, do Supremo Tribunal Federal, enfim, as opiniões se dividiram aqui no Brasil, ambas respeitáveis, porque ambas tinham os seus fundamentos, quer para defender um sistema pulverizado de microdisciplinas quer aqueles que ainda optam por uma disciplina normativa de maior envergadura e destinadaa durar um longo tempo.
Vou lhes falar alguma coisa, como que essa teoria da empresa já vinha sendo adotada no direito Brasileiro, mesmo antes da entrada em vigor do Novo Código Civil.
O que nós poderíamos chamar de microssistema da atividade empresarial atualmente, o que seria a tendência, por que que ora se fala em Direito Comercial, ora Direito Empresarial ?
Qual seria fundamentalmente a diferença entre essas expressões ?
Exatamente, o Direito Comercial estava voltado e calcado na Teoria do ato de comércio, enquanto que o Direito Empresarial está voltado para uma atividade organizada para a produção ou circulação de bens ou de serviços.
E algumas observações, que eu pinçaria do Código, não é ? Qual é o conceito de atividade empresarial ? O que disse o Código Civil sobre isso no artigo 966 ? Há algum problema na caracterização do que vem a ser empresário ?
Vocês vão ver que há. Vocês vão ver que pelo menos um problema eu destaquei, estou me batendo para as propostas que eu já fiz o ano passado para o Deputado Ricardo Fiúza, que está elaborando um projeto de alteração de alguns artigos do Código.
Eu fiz algumas sugestões.
Vocês vão ver que entre elas, uma está: retirar a parte final do parágrafo único do artigo 966, pelas confusões que ele irá trazer nessa caracterização do que vem a ser o empresário.
Bom, e aí coloquei a novidade do conceito de estabelecimento, esta é uma crítica que se faz a ausência de uma disciplina para a empresa unipessoal de responsabilidade limitada, isto não deixa de ser uma ironia, até, porque o maior autor no Brasil que nós tivemos sobre a sociedade unipessoal de responsabilidade limitada foi o saudoso professor Silvio Marcondes, exatamente o autor deste livro e ele, possivelmente, por não encontrar uma ambiência favorável, naquela época, à introdução desta norma, ele, que era o maior conhecedor do assunto, não estabeleceu nenhuma norma sobre isto que nós sabemos que é uma realidade palpável no mundo de hoje.
Se os Senhores forem fazer uma pesquisa de campo nas juntas comerciais, os Senhores vão ver que 98% das empresas registradas são sociedades por quotas de responsabilidade limitada, 98% aproximadamente. Então qual é a idéia que nós fazemos da nossa realidade empresarial ? Nós imaginamos algo assim: 2% de médias e grandes empresas que estão constituídas sob a forma anônima e os outros 98% nós imaginamos a pequena empresa, a pequena ou a média empresa, constituída sob a forma de quotas por responsabilidade limitada. Agora, será que é assim mesmo ? Vejam que coisa interessante: se fizermos uma análise de como estão constituídas estas empresas de sociedades por quotas de responsabilidade limitada, nós vamos verificar que a maior parte delas possui um ou mais sócios de fachada. Um empresário detém 99% das quotas ou 98 ou 95, não importa, mas detém a titularidade, por assim dizer, do negócio empresarial e existem alguns sócios só para poder formar a sociedade por quotas de responsabilidade limitada, por quê? Porque, com muita razão, ele não quer arriscar o seu patrimônio todo, ele quer exercer a atividade empresarial, mas ele não quer pôr em risco o automóvel dele, a casa dele, o carro da filha dele e assim por diante. Então, ele diz: olha, eu tenho um patrimônio de “x” mas eu quero destinar para a minha atividade empresarial “x-y”. O “y” eu arrisco, posso perder tudo mas eu não quero perder a minha parte do meu patrimônio familiar.
Então, o que ele faz? Como não existe este modelo, todo mundo achava esse modelo da sociedade unipessoal de responsabilidade limitada muito estranho porque só existia antigamente lá no Principado de Linchenstein, mas isso era antigamente, depois os Estados Unidos adotaram, a França adotou, a maioria dos países hoje tem e para o Brasil seria uma realidade recomendável, sim, por que nós vamos ter a hipocrisia de disfarçar numa sociedade por quotas de responsabilidade limitada o que nós claramente queremos fazer e admitir, que é o quê? Limitar a responsabilidade de quem vai arriscar negócio empresarial, mas ele não quer arriscar acima de R$100.000,00 ou R$200.000,00. Mas como não existe uma sociedade unipessoal, de responsabilidade limitada, o que esse cidadão faz? Ele pega um primo dele, pega um cunhado dele e diz assim, olha, você subscreve uma quota, você subscreve outra quota, você subscreve outra quota e eu subscrevo todo o resto. É que eu preciso ter a minha responsabilidade limitada. Eu estou falando isso com esta ênfase, gente, porque é uma das críticas que eu considero mais procedentes em relação ao novo Código na parte de Direito Empresarial. Por que não regularmos a empresa unipessoal de responsabilidade limitada?
A questão da função social do empresário.
Eu aplaudo, e até estrepitosamente, se os senhores me pedirem, Professor, diga um artigo do Código Civil que deixou o senhor feliz.
Então eu vou aqui no artigo 421 e digo, ah...este artigo foi uma maravilha. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato. Excelente, mas vejam que coisa curiosa, vamos saltar para o artigo 966, que é exatamente aquele que define, e para facilitar, aqui eu coloquei em último lugar a sociedade por quotas de responsabilidade limitada que esta teve muita alteração. Realmente era um tipo simples, muitos autores criticavam a sociedade por quotas, dizendo, ihh...mas é uma lei lacunosa, só tem 18 artigos, mas a grande verdade é que a sociedade por quotas funcionou muito bem no país, foi uma das que funcionaram melhor, para dizer a verdade. Os problemas que existiram, a doutrina e a jurisprudência foram a pouco e pouco resolvendo e agora realmente foram feitas várias introduções na sociedade por quotas e algumas são um pouco complicadas, por exemplo, a questão do quorum. Quorum de instalação, quorum de deliberação, antes tinha um tipo de quorum só, agora vocês vão ver, tem quorum de unanimidade, tem quorum de 3/5, tem quorum de 3/4, tem quorum de maioria absoluta. Isto realmente dificulta a compreensão do assunto.
Bem, mas o que eu queria, eu vou pular essa referência sobre a empresa. Aqui são considerações que, depois, se alguém quiser, eu posso comentar, o Professor Fábio Konder Comparato chama a atenção...bom tá aqui, eu queria chegar nessa...daqui a pouco eu volto para essa consideração do Professor Silvio Marcondes. Agora o que eu queria era ...aqui...o artigo 966 do Código diz: considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica, organizada, para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. Qual era a relação que eu queria fazer entre esse artigo e o 421, que eu acabei de ler há pouco a todos vocês e que fala na função social do contrato?
O Código deixa transparecer, às vezes, uma falta de organicidade interna. Ele, por exemplo, discorre no Livro da Parte Geral longamente sobre o ato jurídico e sobre o negócio jurídico. Já no Livro II, que trata do Direito da Empresa, ele usa a palavra atividade que é diferente de ato e não se detém no conceito de atividade. Ora, atividade é diferente de ato, vocês sabem disso, essa distinção foi fundamental para nós distinguirmos quando alguém era comerciante e quando não era comerciante. Ela é fundamental no Direito do Consumidor para saber se alguém que está fornecendo exerce uma atividade e portanto se enquadra no conceito de fornecedor ou se está praticando um ato isolado e, portanto, não se enquadra no conceito de fornecedor. Eu sou magistrado. Se eu resolvo vender o meu automóvel para um de vocês, eu não vou ser considerado fornecedor pelo Código de Defesa do Consumidor, por quê? Porque eu não estou exercendo atividade de venda de automóvel, eu estou vendendo um carro. Ato é algo isolado. Atividade é um conjunto sistemático e sucessivo de atos. Esta repetição sistemática de atos é que transubstancia esses atos em atividade, como dizia o Professor Silvio Marcondes. É fundamental, portanto, essa distinção entre ato e atividade, tanto para o Direito Mercantil quanto para o Direito do Consumidor. O nosso Código Civil estendeu-se longamente sobreo ato jurídico, sobre o negócio jurídico e fê-lo bem, sem dúvida, foi um grande avanço falar sobre o negócio jurídico, um conceito que houvera passado despercebido a Clóvis Beviláqua pelo tempo em que foi editado o Código de 1916. Agora, nada se falou sobre atividade e vejam, função social, ótimo, falou-se no artigo 421 sobre a função social do contrato mas falou-se algo sobre a função social do empresário? Nenhuma palavra. E é por isso que eu estou sugerindo, me permito avançar aos senhores e dizer, primeiro lugar, estou sugerindo a supressão, vocês já vão ver porquê, dessa expressão que está em vermelho no parágrafo único do artigo 966 e estou sugerindo que este parágrafo único se transforme em parágrafo segundo e se introduza um parágrafo primeiro, dizendo que a atividade empresarial deve ser exercida de acordo com a função social, para ficar simetricamente com o que está no 421.
É claro que algumas de vocês ou alguns de vocês poderiam dizer, mas, Professor, se isso já está no 421, haveria necessidade de repeti-lo no 966? Sim, este seria um belíssimo debate, qual é a natureza jurídica da sociedade? Ela é uma instituição ou ela é efetivamente um contrato ainda que um contrato plurilateral? Nós sabemos que desde Ascarelli, este grande jurista italiano Túlio Ascarelli, que, para nossa sorte, veio aqui para o Brasil, por isso que o Professor Fábio Konder Comparato uma vez fez uma palestra e começou usando aquela célebre frase francesa – a quelque chose malleure est bon -sempre existe uma coisa de bom na infelicidade, não é? A Segunda Grande Guerra Mundial, com todos os seus horrores, fez com que judeus fugissem do massacre nazista e fascista, Ascarelli era um judeu italiano e fugiu do sistema político de Mussollini e foi tão bem acolhido entre nós aqui que ele passou a considerar o Brasil como sua pátria. E nos doou as suas obras e a nossa biblioteca lá possui um dos maiores acervos do mundo de livros de Direito Comercial que nos foi doado por ele. Pois bem, Ascarelli, melhor do que ninguém, mostrou que há uma diferença entre o contrato bilateral e o contrato plurilateral. Vejam que coisa interessante, não existe contrato bilateral que pode ter mais de duas partes. Vocês podem ter milhares de pessoas compondo uma parte, mas o contrato bilateral só tem duas partes, não pode ter mais do que duas partes. Os senhores podem ter 200 vendedores de um lado e 500 compradores do outro, no entanto esse contrato só tem duas partes, a parte que compra e a parte que vende. A mesma coisa na troca, a mesma coisa na locação, pode haver interveniência de terceiro num contrato, mas partes são só duas. Segurado e segurador, alguns milhares de beneficiários por um seguro de vida em grupo é a parte segurada, sempre só duas partes e Ascarelli dizia, nós podemos desenhar uma linha reta para desenhar, para designar o interesse das duas partes, as partes estão com interesses antagônicos, o comprador quer comprar pelo menor preço, o vendedor quer vender pelo maior preço. Na locação, o locador quer alugar pelo melhor preço e o locatário quer alugar pelo menor preço possível e por isso ele fazia uma linha reta, para mostrar o interesse de uma das partes em confronto com o interesse da outra parte. No contrato plurilateral, vejam, podem existir mais de duas partes, então ele dispunha em forma de círculo. Qual é a conseqüência disso, será que eu estou fazendo só teoria jurídica? Não, vejam os senhores, a exceção do contrato não cumprido, segundo a qual ninguém é obrigado a cumprir com sua obrigação enquanto o outro não cumpre a sua, basilar em matéria de direito contratual, basilar em se tratando dos contratos bilaterais, ela não se aplica aos contratos plurilaterais. Numa sociedade anônima nós temos o sócio A, B, C, D e E. Se o E não integraliza sua parte, o A pode não integralizar a sua? Ele pode não integralizar alegando que o E ou que o D ou que o B apenas integralizaram-na parcialmente? Evidentemente não. Ele seria um acionista remisso e responde perante a sociedade pela integralização de suas quotas. Não se aplica a regra da exceção do contrato não cumprido aos contratos plurilaterais. Portanto, não há dúvida nenhuma, a sociedade tem natureza de um contrato, sim, mas de um contrato plurilateral e o interesse das partes, e é por isso que ele punha em círculo, ele se justapõe uns aos lados dos outros, eles não têm interesses em conflitos, eles não estão em conflito um com o outro. Na verdade, todos têm um interesse comum que é a formação de uma pessoa jurídica que é a exploração de uma determinada atividade empresarial. Então, os senhores poderiam dizer e as senhoras poderiam dizer, bom, Professor Newton, mas se a sociedade tem a natureza de um contrato, contrato plurilateral, mas um contrato e se a norma do artigo 421 diz que a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato, seria perfeitamente possível aplicar-se esta norma conquanto topograficamente distante do livro que trata das sociedades a um eventual problema relacionado ao direito societário. E o que eu lhes responderia? Eu lhes responderia que sim, eu diria que como Magistrado, se eu tiver amanhã uma questão concreta em que eu possa invocar o artigo 421 na solução de um determinado caso, eu não hesitarei em invocá-la, mas eu pergunto, não seria preferível, assim como nós dissemos isso na parte dos contratos, não seria preferível repeti-lo lá onde estamos definindo a atividade do empresário, no artigo 966? Até porque, vejam os senhores, já é do direito positivo brasileiro uma norma na Lei de Sociedade por Ações mas aí só sobre a Sociedade por Ações que trata do acionista controlador e diz que o acionista controlador deverá usar o seu poder de controle, entre outras várias coisas, para atender a finalidade social. É o parágrafo único do artigo 116 da lei 6404, que eu vou tentar achar aqui para vocês, está aqui, o acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir a sua função social e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa. Vejam aqui, vamos parar a leitura só por um instante aqui, vejam como no próprio direito positivo brasileiro a teoria da empresa já vinha a pouco e pouco se infiltrando, reparem como as expressões aí, que eu até grifei, uma em preto e outra em vermelho, vejam como está nítida a distinção entre o que é empresa e o que é sociedade, entre o que é a empresa e o que é a sociedade anônima ou companhia. Uma com uma abrangência efetivamente muito maior do que a outra e aí prossigo na leitura, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender. Então vejam, desde de 1976 nós já temos uma norma, só que apenas destinada para o acionista controlador das sociedades por ações em que a questão da relevância social, do interesse social, a função social do acionista controlador foi posta em realce. Então, me parece que seria muito mais pertinente que agora que estamos definindo o que vem a ser o empresário no artigo 966, se fizesse junto com o “caput” deste artigo um parágrafo que teria mais ou menos o seguinte teor que eu sugeri aqui: o exercício da atividade empresarial para ser legítimo deve cumprir necessariamente a sua função social; aí, sim, nós teríamos uma simetria entre a Parte Geral do Código e a Parte Especial do Código.
Bom, muito bem, com isto nós podemos agora pular para uma outra parte... bom, aqui só que muito rapidamente eu queria dizer a vocês, para ilustrar, porque é que eu afirmei há alguns minutos que, na verdade, essa teoria da empresa, haurida do direito italiano já estava, de certa maneira, sendo absorvida pelo direito brasileiro mesmo antes da entrada em vigor do novo Código Civil. Então, num resumo que eu reconheço ser bem grosseiro eu digo a vocês que isso ocorria pelos seguintes fatores, por três fatores: em primeiro lugar, por influência da doutrina, em segundo lugar pela própria evolução dos nossos precedentes jurisprudenciais e vocês vãover que eu vou fazer referência daqui a pouco a alguns deles que foram sintomáticos em mostrar que na cabeça dos nossos Magistrados essa teoria da empresa já estava penetrando. De que maneira isto? Vejam que coisa interessante, as ações renovatórias de locação. A ação renovatória compulsória de locação. Sempre ela foi outorgada para quem? Para o comerciante. Na década de 30 editou-se uma lei que ficou conhecida por Lei de Luvas e que significava o que? Olha, precisa proteger o chamado ponto do negócio, não é? O que acontecia? O comerciante ia lá, desenvolvia sua atividade, enriquecia muito o local, ele se valorizava significativamente e depois o locador dizia não, eu não quero mais você aí, ele ia vender ou ele ia ocupar ou então queria um valor exacerbadamente maior para aquele aluguel. Então, veio uma lei para dizer não, precisa-se proteger o ponto do comércio, o ponto do negócio, aquele que com o seu trabalho contribuiu para enriquecer, mas isto, veja, vejam bem, era outorgado para quem? Para esta figura do comerciante. E na lei sempre foi assim. Muito bem, o que aconteceu depois de um certo passar de tempo? Nós começamos a ter alguns hospitais, começamos a ter alguns colégios, escolas que obtinham a renovação compulsória da sua locação e eram por acaso comerciantes? Num ou noutro caso podia ser, se fosse por exemplo, o hospital fosse revestido de sociedade anônima, as senhoras e os senhores sabem, o que é mercantil? É mercantil o que o legislador vem e diz que é. Quando for sociedade anônima não importa o que ela explora, ela é mercantil por força de lei. Então, se um hospital é constituído sob a forma de uma sociedade anônima, não importa o que ele faz, se ele presta serviço, se ele dá injeção, se ele opera, se ele mata, se ele cura, ele é uma sociedade mercantil. Mas um ou outro caso só é que a constituição dessas entidades a que eu me referi eram mercantis, eram sociedades anônimas, algumas eram sociedades tipicamente civis, prestadoras de serviço com os seus atos constitutivos levados a registro no Registro Civil de Pessoas Jurídicas e, no entanto, obtinham a renovação compulsória da locação, por quê? Por quê, se isto não estava nem previsto na lei? Vejam que reflexão interessante a ser feita. Obviamente o que passava pela cabeça dos Magistrados que aceitaram que se fizesse a renovação compulsória nesses casos, obviamente ocorria que esses Magistrados percebiam que lá existia uma organização, havia uma atividade organizada para produção ou para circulação de bens ou de serviços. Então, estava em causa não defender exclusivamente o comerciante, o ponto do negócio, aquele que valoriza o local. O bem jurídico relevante aí era toda aquela organização empresarial, toda aquela estrutura que havia sido montada e em relação à qual haveria múltiplos interesses interagindo, então o direito tinha interesse em proteger este novo valor e vejam que isto chegou a acontecer também em relação a concordatas que foram concedidas, vejam, o que é concordata? Concordata é um favor legal, todos aqui sabem disso, não é, vem da lei belga que fala que é um favor que se dá para o comerciante “malleurez et de bone effort”, para o comerciante infeliz e de boa fé; não sei se é sempre verdade isso que ocorre, mas enfim, isso são outros R$500,00, nós não vamos discutir nesse momento, fica para uma vez que o Dr. Caruso me convidar para falar sobre falência e concordata, eu virei com muito prazer e sempre com esta promessa de que absolutamente será gratuito, se eu receber alguma coisa, eu faço a doação para o Fome Zero aí. Isto é uma outra discussão, evidentemente, uma outra discussão, uma discussão muito séria porque nós precisamos melhorar o instituto da concordata no Brasil, nós precisamos introduzir o instituto da recuperação da empresa, isto sim e já se faz nos Estados Unidos, se faz na Itália, se faz na França e nós não, nós temos ou a falência ou a concordata e na verdade as duas funcionando muito mal, essa é que é a verdade. Não há quem não reconheça isso, eu não conheço um jurista, eu não conheço um jurista conhecedor do Direito Comercial que não defenda a pronta reformulação integral do nosso diploma de 1945, é uma luta na qual eu me enfiei já faz mais de 20 anos e vou continuar, enquanto eu tiver energia para falar sobre isso, eu vou continuar falando. E também vejam, o terceiro fator pelo qual eu afirmei que, na verdade, a teoria da empresa já vinha penetrando no nosso Direito, é que a legislação que foi sendo editada tinha o caráter de um direito empresarial. Vejam, é absolutamente errôneo algumas pessoas, de maneira muito fora da realidade, acham que o nosso Direito Comercial era o direito que estava nessa parte que foi revogada pelo Código Civil, aquela parte de 1850. Ora, é claro que esta parte foi revogada e agora só ficou do velho Código de 1850 só ficou vigente a parte do direito marítimo, é a única coisa que ficou vigente, o resto foi tudo incorporado pelo Código Civil, operou-se uma unificação do direito obrigacional que, a meu ver, era tranqüila, era pacífica. A Suíça já tinha feito isso em 1800 e qualquer coisa, a Itália fez em 1942, não havia porque não unificar o direito obrigacional porque no fundo, mesmo com o Código Comercial de um lado e o Código Civil do outro, o Professor Fábio Comparato já dizia muito bem isso, nós não tínhamos dois sistemas, era um sistema só. Se vocês pegarem, o que era um mandato mercantil? o que era locação mercantil? O que era a fiança mercantil? Era, a fiança mercantil era a fiança do Direito Civil com regras específicas, mas não era um sistema diferente, tanto que o Código Comercial mandava aplicar subsidiariamente o Código Civil e eu sempre disse para os meus alunos isso, olha todo comercialista precisa conhecer Direito Civil. O civilista não precisa conhecer Direito Comercial mas o comercialista precisa conhecer tanto o Direito Comercial quanto o Direito Civil. É lógico, porque o Direito Comercial sempre esteve necessariamente jungido, umbilicalmente ligado ao Direito Civil. Mas vejam, o que era o Direito Comercial? Vocês querem ver? Esta é uma afirmação que eu não posso deixar de fazer e ela está até fora dos slides, se os senhores me fizerem a seguinte pergunta: Professor, quer dizer que com esta unificação, nós temos toda a matéria do Direito Comercial ou do Direito Empresarial, para usar a terminologia mais moderna, nós estamos com tudo isso dentro do Código Civil?
E qual é a resposta que eu vou dar a vocês?
Eu vou dizer, claramente ,não. Só foi unificada a parte obrigacional, nós só vamos abandonar aquela velha parte do Código Comercial de 1850. Agora, os senhores querem ver? Os modernos contratos mercantis, o leasing, a franquia, a faturização ou factoring, todas essas modernas técnicas estão totalmente fora, estão em legislação extravagante e toda a matéria do direito marcário, toda parte do direito industrial, as invenções, os privilégios, o Código Civil tem alguma coisa a respeito disso? Nada. Isto está no Código da Propriedade Industrial. A parte do Direito Autoral, a parte de informática, lei 9609, lei 9610, os títulos de crédito a que eu me referi há pouco, isto é matéria de convenção internacional. As senhoras e os senhores sabem disso. O Brasil aderiu às convenções de Genebra na década de 30, foi até uma coisa muito curiosa porque nós ficamos durante muito tempo sem saber se elas estavam em vigor ou não, o Brasil só em 1942 é que depositou, naquele tempo era Sociedade das Nações, não era nem Organização das Nações Unidas e agora do jeito que as coisas vão também não se sabe se vai continuar existindo. Depois só em 1966 é que o Brasil por dois decretos do Presidente da República colocou em vigor as convenções e aí nós tivemos uma situação curiosíssima aí, e eu até conto para descontrair um pouco o ambiente, que eu sei que estou cansando vocês com tanta informação feita de forma abrupta, mas eu conto para vocês uma coisa pitoresca. O meu Professor de Direito Comercial, saudoso Professor Mauro Brandão Lopes, não, foi um pouquinho depois, um pouquinho depois,depois do Ernesto Leme, foi o Professor Mauro, fui aluno dele e ele nos ensinava a letra de câmbio, a nota promissória e o cheque, ele sempre se referia à Convenção de Genebra e se referia à nossa lei interna. No caso da letra de câmbio e da nota promissória, a lei 2048, 2044 de 1908 e a lei do cheque, uma lei de 1912. Naquele tempo a gente não tinha coragem de fazer pergunta para o professor, não é, mas eu como eu fui um sujeito sempre meio anárquico, meio rebelde, um dia eu não me contive e perguntei ao querido e saudoso Professor Mauro Brandão Lopes: Professor, o senhor está explicando para nós uma coisa e o senhor diz: porque o decreto 2044 diz de tal jeito, a Convenção de Genebra diz de tal jeito, afinal de contas por que é que nós estamos estudando um mesmo título por duas leis diferentes e a gente tem que trazer na sala de aula os dois textos de lei para poder acompanhar? E ele me respondeu muito categoricamente: porque eu não sei dizer qual é que está em vigor. Vejam vocês, que coisa incrível, não é, e o pior é que a resposta dele estava certa, estava certa. De 1966 a 1971 nós não sabíamos o que estava em vigor. Só em 71 foi que o Supremo Tribunal Federal acabou se pronunciando definitivamente que efetivamente estavam em vigor no Brasil as Convenções de Genebra. Até hoje nós não consolidamos e o saudoso Professor Rubens Requião do Paraná, quando esteve no Congresso Nacional falando sobre este projeto, ele disse, olha, antes de fazer o Código Civil, vamos reformar a Lei de Falência, vamos unificar a legislação sobre título de crédito. O que a Europa fez na década de 30, nós conseguimos fazer com o cheque, mas depois de 50 anos. Em 1985, nós editamos a lei do cheque aí, sim, consolidando as normas a que nós nos obrigamos na Convenção de Genebra mais aquelas que nós nos reservamos, não é, porque a Convenção de Genebra tinha um anexo II que facultava às partes contratantes dizerem em determinado ponto, não, este ponto do tratado eu não quero para mim porque a minha tradição é diferente e eu quero adotar a minha tradição cambiária, e aí nós promovemos pela Lei do Cheque, que é da década de 80, a consolidação dessas normas relativas ao cheque. Mas vejam vocês que coisa interessante, o Professor Fábio Comparato diz assim, essa é uma das matérias que nós não tratamos com muito entusiasmo porque ela revela o alto grau de irresponsabilidade do nosso poder público, é a expressão dele, referindo-se evidentemente à omissão que houve no nosso Congresso Nacional nessas décadas anteriores em relação a não ter promovido a devida introdução dessas convenções de Genebra em nosso meio. Mas, enfim, tudo isso para lhes dizer o que? Que esta matéria também o Código Civil não atingiu, embora exista um artigo lá, o 903 que diga: salvo disposição diversa em lei especial aplicam-se aos títulos de crédito as disposições constantes deste capítulo, que é o título VIII do Livro II; vejam, não há, na verdade, norma do Código Civil que nós vamos encontrar como possível de ser aplicada na hipótese de uma lacuna, nem para a lei de duplicatas nem para a lei sobre letra de câmbio e nota promissória e muito menos para o cheque. O que significa que realmente esta parte o Professor Mauro Brandão Lopes quis para títulos atípicos, títulos inominados, títulos que porventura venham a ser criados. Se eles forem criados, eles têm que obedecer aquela sistemática prevista no título VIII mas não vamos encontrar lá supedâneo para resolvermos um problema ou com cheque ou com letra de câmbio ou com duplicata ou com nota promissória e assim por diante. Então vejam quanta matéria que está dentro do direito comercial e que não foi absolutamente mexida pelo novo Código Civil. Aqui eu exemplifico com alguns textos, vocês querem ver? Aqui, vocês vêem aí várias, a matéria de falência e concordata, como eu disse, é, lamentavelmente está toda ela fora do Código Civil. Querem ver outra curiosidade? Sociedade por ações. Houve alguma mudança com o Código Civil na Sociedade por ações? Dois artigos o Código Civil editou, o artigo 1088 e o artigo 1089. Um para dizer que o capital é dividido em ações e o outro para dizer que se aplica a lei especial.
E aí eu pergunto aos senhores, não sem uma ponta de constrangimento. Há alguma utilidade para esses dois artigos?
Qual é a relevância de nós termos esses dois artigos? Vamos abrir lá. 1088 – Na Sociedade Anônima ou Companhia, o capital divide-se em ações, obrigando-se cada sócio ou acionista somente pelo preço de emissão das ações que subscreveram ou adquiriram. Eu pergunto a qualquer uma das senhoras ou dos senhores, se no primeiro dia de aula que tiveram sobre a sociedade por ações se não aprenderam que a responsabilidade do acionista se dá exatamente dessa forma e já consta da lei 6404, que está em vigor desde 1976 e já constava no decreto 2627 de 1940.
Segundo artigo, 1089 – a Sociedade Anônima rege-se por lei especial, aplicando-se-lhe, nos casos omissos, as disposições deste Código.
A conclusão que eu sou obrigado a tirar, uma de duas. Ou eu digo que esses dois artigos são inócuos e pouca utilidade podem trazer ou, para ficar ainda pior a emenda do que o soneto, esse segundo artigo é meio perigoso. É meio perigoso porque diz que, nos casos omissos aplicam-se as disposições deste Código e o Eminente Professor Alfredo Gonçalves de Assis Júnior, Professor Titular de Direito Comercial do Paraná, jantando comigo um dia, disse assim: Newton, a sociedade entre marido e mulher está regulada no Código, nós, se aplicarmos subsidiariamente, podíamos imaginar a hipótese de uma sociedade anônima agora entre marido e mulher, o que seria jovial e pitoresco, não é, pensarmos numa sociedade anônima entre marido e mulher, inclusive com ações cotadas em bolsas de valores. Aí então, ficaria lindo. Vejam, o capítulo da Sociedade em Comandita por Ações. O capítulo da sociedade em comandita por ações e acho que eu vou só mencionar mais essa curiosidade para não cansá-los muito, porque eu sei que se eu for continuar falando aqui, nós vamos até às três horas da tarde. O que nós vamos usar? A lei de sociedade por ações que está em vigor tem um capítulo sobre a sociedade em comandita por ações. O que, convenhamos, também é algo meio anódino. Quantas sociedades em comandita por ações os senhores conhecem? Então, nós ficamos chovendo no molhado porque nós ficamos discutindo aquelas coisas, aquelas aporias e vamos ficar brigando por alguma coisa às vezes que nem existe; mas enfim, a sociedade em comandita por ações para alguns ela poderá ressurgir, tendo em vista a questão de responsabilizar aqueles que efetivamente comandam uma atividade empresarial, então o sistema de responsabilidade dos administradores das sociedades anônimas nem sempre é eficaz, então estabelecer-se a responsabilidade patrimonial do caso dos sócios da sociedade em comandita por ações pode ser que venha ainda a vingar, não se sabe. O futuro a Deus pertence. Mas o fato é que nós tivemos um capítulo e temos um capítulo lá na lei de sociedade por ações. Então, é claro que se pode colocar a questão. Mas qual deles prevalece?
Uma outra coisa curiosíssima, nós temos uma lei complementar que veio muito depois do Código Civil, muito depois da Constituição de 88 e que estabelece o seguinte, toda lei que sai no Brasil agora tem que mencionar expressamente aquilo que está revogando. A Lei Complementar nº 95 depois foi complementada pela Lei Complementar nº 107, se não me falha a memória. Isto é, nós temos de ter no final, no final de uma lei, nós temos de ter mencionado tudo o que está sendo revogado. O que diz o artigo 2045 do Código Civil? Revogam-se a lei 3071 de 1º de janeiro de 1916, que é o Código Civil do Clóvis Beviláqua. E a Parte Primeira do Código Comercial, lei 556, de 25 de junho de 1850. Muito bem, então, em que ficamos? E a Lei de Sociedade por cotas? O Código Civil não quis regular de novo a sociedade por cotas? Se quis, não precisava revogar expressamente aqui o 3708, se quis regular novamente a sociedade em comandita por ações não tinha que dizer o capítulotal da lei 6404 fica revogado? Então, vejam bem, nem tanto ao mar nem tanto à terra. Eu não estou de acordo com a amplitude que se está querendo dar e contra a qual o Professor Miguel Reale fica muito chateado, não sei se vocês viram o último artigo dele no jornal “O Estado de São Paulo”. Ele diz assim que ficou muito, é um trecho que ele diz assim: o que não se compreende é que se proponham emendas sem justa causa ou em hipóteses inamovíveis, como é a proposta feita por um Deputado Federal visando a supressão dos artigos que estabelecem a responsabilidade civil objetiva ou a possibilidade de revogação dos contratos nos casos de onerosidade excessiva, resultante de fatos graves e imprevisíveis, matéria já admitida por predominante doutrina. É claro que eu estou irrestritamente de acordo com o Professor Miguel Reale quando ele se queixa de uma tentativa que está existindo de fraturar, vamos dizer assim, o novo Código, com alterações substanciais, com alterações profundas, na espinha dorsal do Código. Contra isso eu também me oponho, agora não me oponho e acho que até que é de bom alvitre fazê-lo que neste projeto do Deputado Ricardo Fiúza, existam alterações salutares, alterações pontuais, não alterações na estrutura do Código que agora eu acho que deve ser preservada, mas, sim, pequenas alterações tópicas. Por que é que nós vamos deixar, por exemplo, e o próprio Professor Miguel Reale reconhece isto. Agora aqui eu vou estar dando uma do sapateiro porque eu vou pular, vamos para o 1704. Agora vocês vão me dizer, o senhor disse que não ia além dos sapatos mas agora já foi para a sandália, não é? 1704 – parágrafo único – se o cônjuge declarado culpado vier a necessitar de alimentos e não tiver parentes em condições de prestá-lo nem aptidão para o trabalho, o outro cônjuge será obrigado a assegurá-los, fixando o juiz o valor indispensável à sobrevivência. Quer dizer, então, até o cônjuge culpado vai receber alimentos do cônjuge inocente. Isto para mim não faz o menor sentido e o próprio Professor Miguel Reale, neste artigo que saiu no dia 29 de março, ele propõe abertamente a supressão deste parágrafo. Então, é claro que há muitas alterações que devem ser feitas, porque foram descuidos, porque foram elaboradas antes mesmo da Constituição de 1988; os artigos que tratam, por exemplo, da fusão, da cisão, da incorporação, vejam bem, foram feitos na década de 60. Toda esta disciplina na lei 6404 está muito mais aprimorada do que esses artigos do Código Civil. Então, é claro que algumas alterações são absolutamente necessárias, como foi absolutamente necessário tirar aquele artigo. Eu estava fazendo uma videoconferência em Brasília e veio uma pergunta do Ceará, não me lembro de que lugar, que aliás não tinha nada a ver com o que eu estava falando mas o perguntador devia estar tão aflito de ter visto esse artigo aqui, que ele falou, não, deixa eu perguntar para esse professor que está falando aí se ele concorda ou não.
E é o artigo 374. A matéria da compensação no que concerne às dívidas fiscais e parafiscais é regida pelo disposto neste Capítulo. Um capítulo que está regulando a compensação em direito privado. E foi colocado aqui matéria de compensação e matéria tributária. E é claro que eu me pronunciei completamente contrário à existência desse artigo. Isso aqui parece um ovni, mas já foi retirado. No governo, o governo Lula já editou uma medida provisória tirando este artigo. Este artigo é um disparate. É um rematado disparate. Como era um rematado disparate, isto eu critiquei, mas foi corrigido no Senado, o artigo que equiparava as aplicações em Bolsa de Futuros a jogo. Era o artigo 815 e que agora vocês podem verificar que mudou a redação, artigo 816 agora – as disposições dos artigos 814 e 815 não se aplicam aos contratos sobre títulos de Bolsa, mercadorias ou valores em que se estipulem a liquidação exclusivamente pela diferença entre o preço ajustado e a cotação que eles tiverem no vencimento do ajuste. Isso é matéria específica. Vejam, não se pode misturar. Quando a gente fala em lei 4595, a chamada lei da reforma bancária, quando nós falamos na lei 4728, que é a lei do mercado de capitais, são matérias específicas e que, evidentemente, não poderia, não seria próprio que o Código Civil regulasse essa parte. Aliás, uma curiosidade histórica. O Clóvis Beviláqua em 1916 já reclamava como tinha saído o Código de 16 quando regulou essa matéria e disse: isso aí é melhor deixar para lei especial, porque saíra um artigo regulando esta questão dos contratos futuros.
Bem, meu caro Presidente, eu sinto que teria vontade ainda de continuar a lhes falar durante muito tempo, mas sei o quanto tudo isto se torna cansativo e, portanto, eu vou me permitir ficar nessas singelíssimas considerações que fiz a vocês, muito sintetizadas, muito rudimentares mas, efetivamente, me colocando desde já, à disposição para qualquer outra oportunidade que, porventura, venham a desejar ou para algum tema de natureza mais específica, será sempre para mim um grande privilégio estar aqui com todos.
Muito obrigado pela paciência com que me ouviram.

Outros materiais

Materiais relacionados

Perguntas relacionadas

Perguntas Recentes