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LIVRO - INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS CTS

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Projeto Institucional
Edital nº 015/2010/CAPES/DED
Fomento ao uso de tecnologias de comunição e informação nos cursos de graduação
Ciência, Tecnologia e Sociedade I
Módulo 
Introdução aos estudos CTS
Carla Giovana Cabral
Guilherme Reis Pereira
Carla Giovana Cabral
Guilherme Reis Pereira
Módulo 
Introdução aos estudos CTS
Natal – RN
Janeiro/2012
Módulo 
Introdução aos estudos CTS
Carla Giovana Cabral
Guilherme Reis Pereira
Ciência, Tecnologia e Sociedade I
COORDENAÇÃO DE PRODUÇÃO DE MATERIAIS DIDÁTICOS
Marcos Aurélio Felipe
GESTÃO DE PRODUÇÃO DE MATERIAIS
Luciana Melo de Lacerda
Rosilene Alves de Paiva
PROJETO GRÁFICO
Ivana Lima
REVISÃO DE MATERIAIS
Revisão de Estrutura e Linguagem
Eugenio Tavares Borges
Janio Gustavo Barbosa
Jeremias Alves de Araújo
Kaline Sampaio de Araújo
Luciane Almeida Mascarenhas de Andrade
Rossana Delmar de Lima Arcoverde
Thalyta Mabel Nobre Barbosa
Revisão de Língua Portuguesa
Camila Maria Gomes
Cristinara Ferreira dos Santos
Emanuelle Pereira de Lima Diniz
Janaina Tomaz Capistrano
Priscila Xavier de Macedo
Rhena Raize Peixoto de Lima
Rossana Delmar de Lima Aroverde
Revisão das Normas da ABNT
Verônica Pinheiro da Silva
EDITORAÇÃO DE MATERIAIS
Criação e edição de imagens
Adauto Harley
Anderson Gomes do Nascimento
Carolina Costa de Oliveira
Dickson de Oliveira Tavares
Leonardo dos Santos Feitoza
Roberto Luiz Batista de Lima
Rommel Figueiredo
Diagramação
Ana Paula Resende
Carolina Aires Mayer
Davi Jose di Giacomo Koshiyama
Elizabeth da Silva Ferreira
Ivana Lima
José Antonio Bezerra Junior
Rafael Marques Garcia
Módulo matemático
Joacy Guilherme de A. F. Filho
IMAGENS UTILIZADAS
Acervo da UFRN
www.depositphotos.com
www.morguefi le.com
www.sxc.hu
Encyclopædia Britannica, Inc.
FICHA TÉCNICA
Catalogação da publicação na fonte. Bibliotecária Verônica Pinheiro da Silva.
Cabral, Giovana.
 Ciência, Tecnologia e Sociedade I / Giovana Cabral e Guilherme Reis Pereira. – Natal: 
EDUFRN, 2011.
 76 p.: il.
Conteúdo: Aula 1 – A questão da neutralidade da ciência. Aula 2 – Ciência, Tecnologia e 
Sociedade: primeiras leituras. Aula 3 – Conversando sobre tecnologia. Aula 4 – Tecnologias 
sociais e desenvolvimento. 
Aulas 1 e 4 – autoria do professor Guilherme Reis Pereira. Aulas 2 e 3 – autoria da professora 
Giovana Cabral.
1. Tecnologia - Ciência. 2. Sociedade. 3. Desenvolvimento. I. Pereira, Guilherme Reis. II. Título.
 CDU 62:001.1
 C117c
Governo Federal
Presidenta da República
Dilma Vana Rousseff
Vice-Presidente da República
Michel Miguel Elias Temer Lulia
Ministro da Educação
Aloizio Mercadante Oliva
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN
Reitora
Ângela Maria Paiva Cruz
Vice-Reitora
Maria de Fátima Freire Melo Ximenes
Secretaria de Educação a Distância (SEDIS)
Secretária de Educação a Distância
Maria Carmem Freire Diógenes Rêgo
Secretária Adjunta de Educação a Distância
Eugênia Maria Dantas
© Copyright 2005. Todos os direitos reservados a Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – EDUFRN.
Nenhuma parte deste material pode ser utilizada ou reproduzida sem a autorização expressa do Ministério da Educacão – MEC
Apresentação Institucional
A Secretaria de Educação a Distância – SEDIS da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, desde 2005, vem atuando como fomentadora, no âmbito local, das Políticas Nacionais de Educação a Distância em parceira com a Secretaria de Educação 
a Distância – SEED, o Ministério da Educação – MEC e a Universidade Aberta do Brasil – 
UAB/CAPES. Duas linhas de atuação têm caracterizado o esforço em EaD desta instituição: a 
primeira está voltada para a Formação Continuada de Professores do Ensino Básico, sendo 
implementados cursos de licenciatura e pós-graduação lato e stricto sensu; a segunda volta-se 
para a Formação de Gestores Públicos, através da oferta de bacharelados e especializações 
em Administração Pública e Administração Pública Municipal.
Para dar suporte à oferta dos cursos de EaD, a Sedis tem disponibilizado um conjunto de 
meios didáticos e pedagógicos, dentre os quais se destacam os materiais impressos que são 
elaborados por disciplinas, utilizando linguagem e projeto gráfi co para atender às necessidades 
de um aluno que aprende a distância. O conteúdo é elaborado por profi ssionais qualifi cados e 
que têm experiência relevante na área, com o apoio de uma equipe multidisciplinar. O material 
impresso é a referência primária para o aluno, sendo indicadas outras mídias, como videoaulas, 
livros, textos, fi lmes, videoconferências, materiais digitais e interativos e webconferências, que 
possibilitam ampliar os conteúdos e a interação entre os sujeitos do processo de aprendizagem.
Assim, a UFRN através da SEDIS se integra o grupo de instituições que assumiram o 
desafi o de contribuir com a formação desse “capital” humano e incorporou a EaD como moda-
lidade capaz de superar as barreiras espaciais e políticas que tornaram cada vez mais seleto o 
acesso à graduação e à pós-graduação no Brasil. No Rio Grande do Norte, a UFRN está presente 
em polos presenciais de apoio localizados nas mais diferentes regiões, ofertando cursos de 
graduação, aperfeiçoamento, especialização e mestrado, interiorizando e tornando o Ensino 
Superior uma realidade que contribui para diminuir as diferenças regionais e o conhecimento 
uma possibilidade concreta para o desenvolvimento local.
Nesse sentido, este material que você recebe é resultado de um investimento intelectual 
e econômico assumido por diversas instituições que se comprometeram com a Educação e 
com a reversão da seletividade do espaço quanto ao acesso e ao consumo do saber E REFLE-
TE O COMPROMISSO DA SEDIS/UFRN COM A EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA como modalidade 
estratégica para a melhoria dos indicadores educacionais no RN e no Brasil. 
SECRETARIA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA 
SEDIS/UFRN
Sumário
Aula 1 A questão da neutralidade da ciência 7
Aula 2 Conversando sobre tecnologia 25
Aula 3 Ciência, Tecnologia e Sociedade: primeiras leituras 39
Aula 4 Tecnologias sociais e desenvolvimento 55
A questão da neutralidade 
da ciência
1
Aula
1
2
Aula 1 Ciência, Tecnologia e Sociedade I 9
Apresentação
Nesta aula, vamos discutir a ideia de neutralidade da ciência, partindo das origens da ciência moderna, constituída a partir do século XVI. A questão da neutralidade da ciência está no centro do debate entre os estudos sobre as características da ciência e seu 
papel na sociedade. A questão principal do debate é se a ciência é ou não infl uenciada pelo 
contexto sociocultural, pelos valores sociais, interesses políticos e econômicos. Tal discussão é 
importante porque a visão da ciência neutra tem implicações na escolha dos temas, na política 
que defi ne as prioridades de pesquisa e infl uencia as relações entre o ambiente científi co e os 
outros setores da sociedade.
Faremos um breve resgate das raízes da ideia de ciência neutra, autônoma e universal 
a partir do processo de formação da ciência moderna. É importante sabermos que a questão 
da neutralidade da ciência está relacionada a um modo de produzir conhecimento sobre os 
fenômenos da natureza baseado na matemática, que procurou defi nir leis gerais de alcance 
universal para controlar e transformar a natureza. Esse modo de fazer ciência separa a natureza 
(objeto) da sociedade (sujeito). 
Veremos que a visão dominante de ciência neutra, autônoma e universal está sendo ne-
gada pelo próprio avanço do conhecimento, com o surgimento de novas teorias nas ciências 
naturais que superam as anteriores, e por fatos históricos que estão relacionados ao uso da 
ciência para fi ns político-militares no desenvolvimento de armas e aplicação no processo de 
produção capitalista.
Objetivos
Estabelecer uma relação entre o método científi co e a visão 
dominante de ciência.
Conhecer o debate sobre a questão da neutralidade da 
ciência, a qual tem recebido muitas críticas por diversos 
autores ao longo do século XX. 
Determinismo 
mecanicista
é a ideia de que omundo 
estático da matéria é sus-
ceptível a ser determinado 
através de leis físicas e 
matemáticas. 
Aula 1 Ciência, Tecnologia e Sociedade I 11
A construção da 
ciência moderna 
Desde o século XVI, a ciência moderna foi se formando de acordo com um modo de 
produzir conhecimento que deveria se diferenciar do conhecimento da época, que estava 
ligado ao pensamento religioso. Este pensamento justifi cava a ordem feudal e o exercício 
do poder. De acordo com Hessen (1984, p. 49), as universidades, cujo sistema pedagógico 
era escolástico fechado, eram o centro das tradições feudais e toda a ciência era baseada na 
lógica aristotélica. “Tudo que não fosse encontrado em Aristóteles não existia”, diz Hessen 
(1984, p. 50). As universidades ligadas à Igreja não davam espaço para o desenvolvimento 
das ciências naturais. Enquanto os fi lósofos buscavam a verdade nos textos, os cientistas 
naturais buscavam a verdade no mundo, na natureza, inspirados pelos problemas técnicos da 
nascente burguesia mercantil. 
As grandes descobertas desse período, como o heliocentrismo de Copérnico e os estudos 
de mecânica de Galileu e Newton, convergiam para uma lógica da investigação na qual a mate-
mática era um instrumento de análise e também fornecia um modelo de representação da própria 
estrutura da matéria. Com base na matemática, eram feitas observação e experimentação para 
se alcançar um conhecimento profundo e rigoroso da natureza. Naquela época, o novo modo de 
fazer ciência teve a contribuição das refl exões fi losófi cas de Descartes, que também fundou a 
geometria analítica. Descartes introduziu um racionalismo radical, no qual as ideias eram colhidas 
independentemente da experiência.
Esse modo de fazer ciência se inicia com ideias claras e simples e não do sensível e dos 
fatos. Essas ideias são as ideias matemáticas que podem ser comprovadas. Para Galileu, o 
livro da natureza está inscrito em caracteres geométricos. Desse modo, a matemática vai 
propiciar um caráter racional para a ciência fazendo assim uma distinção hierárquica entre 
conhecimento científi co e conhecimento vulgar. Como consequência, para conhecer é preciso 
quantifi car e o rigor científi co é verifi cado pelo rigor das medições. Eram consideradas boa 
ciência as hipóteses que pudessem ser comprovadas. 
Outra característica do método científi co, que é a base da ciência moderna, é a simplifi -
cação da realidade porque a mente humana não consegue compreender a totalidade. Isso quer 
dizer que para conhecer é preciso dividir e classifi car e depois estabelecer relações sistemáticas. 
A primeira divisão consiste em separar as leis da natureza das condições iniciais, presumindo 
que essas leis têm uma ordem e estabilidade, isto é, elas não mudam com o tempo, são inva-
riáveis e determinantes. Em função disso, podem-se fazer previsões, controlar e transformar 
a natureza. A ciência moderna procura saber a causa formal dos fenômenos naturais, ou seja, 
como funcionam as coisas sem se preocupar com a fi nalidade dessas coisas. Diferente do 
conhecimento prático, no qual a causa e a intenção convivem.
A ideia do mundo-máquina presente no determinismo mecanicista se tornou a hipótese 
universal da época moderna e foi um dos pilares da ideia de progresso que surgiu no contexto 
da ascensão da burguesia e revolução industrial no século XVIII. A capacidade de entender leis 
da natureza que apresentam a ordem e estabilidade do mundo vai permitir a transformação 
tecnológica da realidade e do mundo. Como exemplo do avanço da ciência que propiciou a 
O Estado Moderno
é entendido como sendo 
um conjunto de instituições 
que procura manter a 
ordem e a paz social, bem 
como promover o desenvol-
vimento socioeconômico.
Aula 1 Ciência, Tecnologia e Sociedade I12
transformação da sociedade, podemos citar a descoberta da termodinâmica, que permitiu 
a introdução da máquina a vapor na produção industrial, aumentando o ritmo do trabalho e 
impulsionando o sistema capitalista industrial.
Como o determinismo mecanicista das leis de Newton possibilitava dominar e transformar a 
natureza, era uma forma de conhecimento que teve grande aceitação na época pela sua utilidade 
e funcionalidade em pleno período de transformação da sociedade industrial. O estudo dos fenô-
menos da natureza atendia aos interesses da burguesia de expansão econômica transformando 
matéria-prima em produtos industrializados. As demandas por certos conhecimentos, colocadas 
pela indústria da época, eram objeto de estudo dos físicos e matemáticos. Se o contexto histórico 
estabelece os desafi os para a ciência, então não há neutralidade. A racionalidade da ciência era 
adequada aos interesses de crescimento da economia capitalista e também contribuiu para a 
consolidação do Estado Moderno através das aplicações militares do conhecimento. 
Da mesma forma que era possível conhecer as leis da natureza, alguns intelectuais acredi-
taram que era possível investigar as leis que determinam a forma de organização da sociedade 
e prever os resultados das ações coletivas.
O método das ciências naturais foi utilizado pelos pesquisadores que queriam entender 
o funcionamento da sociedade. A aplicação desse método nos estudos sobre a sociedade do 
século XIX foi chamado de positivismo lógico e foi compartilhado por vários pensadores, entre 
eles Saint Simon, August Comte, Spencer, Durkheim e outros intelectuais do Círculo de Viena. 
Entre muitos cientistas formou-se um consenso de que era possível explicar os fenôme-
nos da natureza identifi cando leis invariáveis que não dependiam da ação humana. O método 
positivo de conhecimento da sociedade procurava identifi car as leis sociais que determinam 
o funcionamento da sociedade para prever fenômenos e agir visando à ordem e ao progresso. 
Desse modo, as ciências utilizavam regras de como produzir conhecimento que passavam 
uma visão determinista do mundo e um discurso de neutralidade da ciência para justifi cá-la 
como verdadeira. 
Em seu livro, M. Löwy caracteriza o positivismo por meio de três proposições: 
1. A sociedade é regida por leis naturais, isto é, leis invariáveis, independentes da vontade 
e ação humanas; na vida social, reina uma harmonia natural.
2. A sociedade pode, portanto, ser epistemologicamente assimilada à natureza (o que 
classifi caremos como “naturalismo positivista”) e ser estudada pelos mesmos métodos, 
démarches e processos empregados pelas ciências da natureza.
3. As ciências da sociedade, assim como as da natureza, devem limitar-se à observação e à 
explicação causal dos fenômenos, de forma objetiva, neutra, livre de julgamentos de valor ou 
ideologias, descartando previamente todas as prenoções e preconceitos (LÖWY, 1994, p. 17).
Os pioneiros do positivismo, Condorcet e Saint-Simon, faziam a defesa da neutralidade 
da ciência em relação às paixões e interesses das classes dominantes da época. Os positivistas 
se colocavam contra as doutrinas religiosas e o argumento de autoridade da ordem feudal-
-absolutista. A intenção deles era livrar o conhecimento da infl uência das crenças e da política 
feudal e absolutista. 
Diferente dos pioneiros que atacavam os preconceitos do Antigo Regime, Comte e 
Durkheim são autores positivistas que assumiram uma posição de defesa da ordem estabe-
lecida ao reconhecer a ideia de lei social natural, isto é, a existência de elementos imutáveis 
Aula 1 Ciência, Tecnologia e Sociedade I 13
na sociedade. Eles se tornaram conservadores da ordem estabelecida ao atacar os chamados 
preconceitos revolucionários do Iluminismo, as ideias socialistas e o marxismo. 
A infl uência do positivismo ao analisar a realidade de forma objetiva, baseada na comprova-
ção das hipóteses com dados empíricos, livre dos preconceitos, interesses e ideologias continuou 
no início do século XX com os autores do Círculo de Viena. O Círculo de Viena era um movimento 
a favor da concepção científi ca do mundo em termos de seu conteúdo lógico, epistemológico e 
metodológico e contra a teologia e a infl uênciada Igreja Católica. Na medida em que os autores 
positivistas davam um papel de destaque para a ciência no projeto político de uma sociedade em 
transformação, reconheciam que a ciência podia ter um impacto na sociedade. Então, como fi ca 
a ideia de neutralidade da ciência? Vamos discutir esse ponto na seção a seguir.
1
Você viu que no período de formação da ciência moderna foi preciso estabelecer 
formas de conhecer que se diferenciavam do conhecimento tradicional da Idade 
Média. Escreva um texto explicando quais características da ciência moderna 
permanecem até nossa época. Registre sua refl exão em seu caderno ou em 
arquivo eletrônico.
A neutralidade da ciência
 O debate sobre se a ciência deve ser neutra, livre de valores e interesses perpassa todo 
o século XX. Alguns autores defendem que a ciência deve ser descomprometida e não pode 
sofrer infl uência externa dos políticos e da cultura na qual o cientista está imerso, enquanto 
outros autores argumentam sobre a necessidade de orientar o desenvolvimento da ciência 
para atender interesses econômicos, políticos e sociais. Mas, antes de entrar nesse debate, 
você precisa compreender o que se entende por ciência neutra. 
A ideia da neutralidade signifi ca que a ciência não é infl uenciada pelo contexto social, 
político e econômico. Existe uma muralha separando a comunidade científi ca que protege a 
produção de conhecimento científi co das interferências dos interesses econômicos e políticos. 
Também não pode haver uma infl uência dos valores da sociedade em que vive o cientista. A 
imagem clássica do cientista é de um sujeito genial que fi ca em uma torre de marfi m isolado 
da sociedade. Os dados do objeto da pesquisa precisam ser analisados objetivamente sem 
serem contaminados pelo olhar do que a sociedade considerar bom ou mau. Uma vez que a 
ciência não sofreu nenhum tipo de infl uência externa ao ambiente científi co, ela é considerada 
neutra porque se criou uma barreira virtual entre a ciência e a sociedade. Nessa concepção, a 
produção de conhecimento científi co tem um desenvolvimento livre e espontâneo em busca 
da verdade.
Aula 1 Ciência, Tecnologia e Sociedade I14
Figura 1 – Imagem clássica do cientista 
Apesar de alguns autores, como os humanistas ingleses, defenderem um direcionamento 
da ciência para atender objetivos sociais e econômicos específi cos, era dominante no início 
do século XX a visão da ciência neutra. Só para citar alguns nomes, Polanyi, em sua confe-
rência Autogoverno na Ciência, se opõe à ideia da ciência dirigida e defende uma comunidade 
científi ca baseada na concepção de liberdade da ciência e sua desvinculação de interferências 
políticas e religiosas. Outro autor importante foi Merton que, em 1942, introduziu a ideia de 
que o cientista deve desempenhar suas atividades de acordo com um conjunto de normas e 
valores específi cos, entre eles o desinteresse.
É importante lembrar que o mundo estava em plena Segunda Guerra Mundial e sob regi-
mes totalitários, como o nazismo, que obrigava os cientistas a fazer pesquisa para produção de 
armas de destruição em massa. A intenção de Merton era mostrar que o nazismo e a ciência não 
podiam andar juntos. O autor concebe a comunidade científi ca como um subsistema autônomo 
em relação à sociedade. Dessa forma, Merton reforça a tradição da sociologia do conhecimento 
de que a ciência é neutra, isto é, o fenômeno deve ser investigado sem interferência dos valores 
sociais, interesses e opinião. Para fazer ciência, a razão precisa estar separada da emoção.
Como você pode notar, havia um consenso sobre a liberdade e autonomia da ciência 
em relação à sociedade que começou no Iluminismo, continuou nos estudos da sociedade, 
denominado de positivismo, e permanece impregnado nas mentes de muitos cientistas no fi nal 
do século XX. A valorização do conhecimento científi co baseado na observação dos fenôme-
nos para entender a realidade com ela é colocava a ciência acima da sociedade. Os cientistas 
acreditavam que a acumulação pura e simples de conhecimentos científi co-tecnológicos seria 
sufi ciente para garantir o progresso econômico e social de todos. Desse modo, essa visão de 
ciência introduziu a ideia de progresso como um desenvolvimento linear que começa com o 
avanço do conhecimento que transborda e se espalha para a sociedade, benefi ciando a todos. 
A consequência dessa visão de ciência neutra que prega a necessidade de distanciamen-
to em relação ao contexto social, político e econômico tornou a ciência um assunto técnico 
exclusivo dos cientistas. Os demais segmentos e pessoas da sociedade não estariam capaci-
tados a discutir sobre quais problemas os cientistas deveriam se debruçar. Isso fez com que a 
política científi ca, que estabelecia quais eram as prioridades de pesquisa para receber recursos 
2
Aula 1 Ciência, Tecnologia e Sociedade I 15
públicos, fosse defi nida pelos próprios cientistas. Só que o conhecimento científi co tornou-se 
importante demais para ser deixado por conta dos cientistas, demasiadamente ocupados em 
fazer ciência. 
Existem vários exemplos na História que comprovam o impacto causado pela ciência na 
relação entre os países, como exemplo, temos o desenvolvimento de armas como a bomba 
nuclear. Você pode perceber o impacto da aplicação da ciência na vida das pessoas com a 
popularização de tecnologias, como o automóvel movido a álcool, celular, internet, micro-ondas 
etc. Ao longo do século XX, a ciência e a tecnologia assumiram um caráter político, ou seja, 
ambas são de interesse público por causa das transformações provocadas na vida das pessoas 
e no desenvolvimento socioeconômico. Mesmo com tantas evidências, existe uma tradição 
entre os cientistas naturais de manter uma autonomia e liberdade da ciência pura que os fazem 
resistir às iniciativas do governo de administração e direção do desenvolvimento científi co.
Apresentamos para você como se formou a ideia de neutralidade da ciência a partir da 
revolução científi ca dos séculos XVI e XVII. Na sequência, vamos discutir como essa ideia é 
questionada por diversos autores das ciências naturais e sociais.
Faça uma pesquisa na internet sobre algum caso de pesquisa em que houve 
interferência de valores morais, interesses políticos ou econômicos no desen-
volvimento da ciência.
Crítica da neutralidade 
da ciência
Nesse tópico, vamos apresentar a crítica de alguns autores à ideia de neutralidade da 
ciência. Veremos como as teorias mais recentes de físicos colocaram em xeque as bases da 
ciência moderna e também a interpretação de cientistas sociais que destacam a infl uência do 
momento histórico na produção de conhecimento científi co.
Crítica dos cientistas naturais 
baseada em novas teorias
A partir da segunda metade do século XX, a visão de ciência neutra, construída a partir 
das contribuições de Galileu, Newton, Descartes e dos positivistas, é colocada em dúvida em 
função do avanço do conhecimento de novas teorias que questionam as bases desse modelo 
de ciência. Essa visão também recebe críticas sociológicas de autores que defendem que 
Aula 1 Ciência, Tecnologia e Sociedade I16
existe infl uência do contexto sociocultural na produção de conhecimento. Quando teorias 
que formam as bases da ciência são negadas por outras, ocorre uma situação chamada de 
revolução científi ca. Se as bases da ciência moderna que deram origem à visão de ciência 
neutra estão sendo questionadas, consequentemente a objetividade e neutralidade da ciência 
também caem por terra.
O primeiro abalo no alicerce da ciência está relacionado à teoria da relatividade de Eins-
tein. Esse cientista contradisse a lei da física de Newton sobre as ideias de simultaneidade 
universal e de tempo e espaço absolutos. Einstein distingue a medição de acontecimentos em 
um mesmo lugar de acontecimentos em lugares distantes. Ele questiona como o observador 
pode saber o que aconteceu primeiro em lugares diferentes. Mesmo que o observador saiba 
qual é a velocidade da luz, não é possível medir porque não sabequal é a simultaneidade dos 
acontecimentos. Nesse sentido, Einstein conclui que é impossível verifi car a simultaneidade 
temporal em espaços diferentes. Se não há simultaneidade universal, a ideia de tempo e espaço 
absoluto de Newton deixa de existir. As leis da física se baseiam em medições locais, não têm 
a abrangência universal. 
O segundo abalo no alicerce da ciência é o princípio da incerteza de Heisenberg e Bohr, na 
área da mecânica quântica. Eles demonstram-nos que o conhecimento que temos da realidade 
é, inevitavelmente, afetado pela nossa interferência no objeto. O que conhecemos do real é 
a alteração que provocamos nele, não é o real em si. Um objeto que sai de um processo de 
medição é diferente de como entrou. Portanto, a mecânica quântica demonstra a interferência 
estrutural do sujeito no objeto. Se o rigor do conhecimento é limitado, as leis da física não são 
mais que probabilidades. Por outro lado, a hipótese do determinismo mecanicista é inviável 
porque a totalidade do real não é a soma das partes que dividimos para observar e medir. 
O terceiro abalo no alicerce da ciência é o teorema da incompletude de Gödel, que ques-
tiona o rigor da matemática. O resultado puramente matemático desse teorema é que prova 
a afi rmação de que nenhuma teoria formal pode ser, simultaneamente, poderosa, consistente 
e completa. Diz Santos (1988; p. 55-6): “Se as leis da natureza fundamentam o seu rigor no 
rigor das formalizações matemáticas em que se expressam, as investigações de Gödel vêm 
demonstrar que o rigor da matemática carece ele próprio de fundamento.”
Crítica dos cientistas sociais 
Alguns críticos da ideia de neutralidade da ciência adotam a sociedade como foco da 
análise para afi rmar a não neutralidade da ciência e da tecnologia. Boris Hessen, em “As raízes 
sociais e econômicas do Principia de Newton”, descreve os problemas técnicos colocados pela 
navegação marítima, pelas indústrias de mineração, metalúrgica e da guerra que demandavam 
conhecimento de mecânica.
Os problemas técnicos da navegação impulsionaram estudos de hidrostática, aerostática 
e ótica. O problema da trajetória da bala inspirou Galileu a estudar o movimento dos corpos, 
resistência e velocidade, a queda livre dos corpos. O recuo do canhão levou ao estudo da lei de 
ação e reação. Estes são exemplos de temas que a ciência procurou explicar que foram deter-
minados pelas necessidades da nascente burguesia, pelos interesses econômicos e políticos. 
A principal obra de Newton, Principia, sistematizou todos os problemas físicos da mecânica 
da época numa linguagem matemática abstrata sem indicar as fontes de inspiração. 
197019601885
1860 187018301818
Valores sociais
Segundo Lacey (1999, 
p. 124), valor social é 
uma característica muito 
importante para a socie-
dade, como por exemplo, 
o respeito aos direitos 
humanos. Valor cognitivo 
é uma característica que 
é valorizada em teorias 
(hipóteses); é uma carac-
terística de teorias aceitas 
como “boas”. 
Aula 1 Ciência, Tecnologia e Sociedade I 17
Além de Boris Hessen, que descreve o desenvolvimento da física a partir dos interesses 
econômicos e políticos, outros autores construtivistas mostram, com base em estudos de 
caso, que há infl uência das relações sociais e econômicas no desenvolvimento da ciência e 
tecnologia (C&T). Esses autores entendem que a C&T é uma construção social, ou seja, o 
desenvolvimento científi co e tecnológico é infl uenciado pela política, economia e cultura e 
também produz efeitos sociais e políticos.
O desenvolvimento tecnológico envolve confl ito e negociação entre grupos sociais com 
concepções diferentes acerca dos problemas e soluções. O desenho dos artefatos tecnológicos 
é defi nido pelas correlações de força entre os diferentes grupos sociais; portanto, não é um 
processo determinista. Um dos exemplos usados pelos construtivistas Wiebe Bijker e Trevor 
Pinch de como os usuários interferem no desenho do artefato é a história da bicicleta, que 
inicialmente tinha a roda dianteira grande e com tração para alcançar velocidade que servia 
como equipamento esportivo, mas não era adequada como meio de transporte devido à instabi-
lidade. O desenho da bicicleta gradativamente foi se adequando para atender melhor o usuário.
Figura 2 – Evolução da bicicleta
Entre os críticos da neutralidade da ciência, o fi lósofo Lacey faz uma discussão com 
foco na diferenciação entre valores cognitivos e valores sociais. Como já dissemos ante-
riormente, as características da metodologia científi ca devem seguir o interesse de entender 
os fenômenos. As prioridades e direção da pesquisa não devem ser moldadas por valores 
sociais particulares, isto é, devem ser neutras em relação a eles. Porém, para Lacey, a ciência 
moderna é conduzida de acordo com estratégias materialistas que valorizam o controle dos 
objetivos naturais. Só que no momento da aplicação fi ca evidente que a ciência não está livre 
de valores particulares. Para exemplifi car, o autor cita o caso das sementes transgênicas cujas 
pesquisas seguem uma estratégia materialista, deixando de lado estratégias alternativas, como 
a agroecologia, que poderia ser aplicada pelos movimentos sociais rurais nas comunidades. 
Para você entender melhor os confl itos de valores que podem ocorrer com o avanço da 
ciência, vamos tomar como exemplo o caso da pesquisa em genética. A polêmica em torno da 
pesquisa de manipulação genética com embrião humano deu origem a uma discussão sobre a 
ética na ciência e os limites do desenvolvimento científi co. A possibilidade de clonagem humana 
Aula 1 Ciência, Tecnologia e Sociedade I18
“Minha concepção de vida faz com que eu prefi ra a destruição de um embrião 
à sua instrumentalização como fábrica de órgãos por um projeto de pesquisa.” 
(Arnold Munnich, chefe do serviço de genética do hospital Necker, em Paris)
“Polêmica, que polêmica? Todos os especialistas estão de acordo.” (François 
Thépot, então diretor adjunto da Agência de Biomedicina da França, 2008).
“Temos receio que seja um golpe contra a continuidade das pesquisas.” 
(Diretora da Agência de Biomedicina demitida pelo governo de Nicolas Sarkosy)
é vista como um risco, principalmente, pelas pessoas ligadas à religião. Mas, por outro lado, 
os resultados da pesquisa podem contribuir para evitar doenças transmitidas de pais para 
fi lhos, como o câncer. Veja algumas opiniões a respeito dessa questão:
Na década de 1970, vários autores passaram a questionar a visão positiva e neutra da 
ciência e denunciavam os impactos negativos que podiam ser observados no uso da ciência e 
tecnologia (C&T). Havia vários casos que evidenciavam os efeitos nocivos da ciência. Só para 
citar alguns exemplos, os trabalhadores estavam perdendo o emprego por conta da introdução 
de novas tecnologias, o pesticida DDT provocava efeitos prejudiciais à saúde humana e o uso 
da C&T na Guerra do Vietnã com as bombas de Napalm.
Nesse sentido, a degradação ambiental, o desemprego tecnológico e o uso destrutivo da 
C&T vão contribuir para a desconstrução da ciência neutra e conter a euforia sobre os resulta-
dos do avanço científi co e tecnológico. Vários autores afi rmam que a ciência carrega valores e 
não está isolada da sociedade e muito menos é neutra e livre de infl uências externas ao meio 
acadêmico. Nesse período, se fortalece o argumento de que a ciência precisa ser controlada 
e dirigida para solucionar problemas relevantes da sociedade. 
Já os críticos mais radicais da neutralidade, como os marxistas Coriat e Gorz, vão defen-
der a tese de que a C&T é gerada sob a égide da sociedade capitalista e, por isso, é construída 
de forma que seja útil e funcional para aquela sociedade, isto é, ela faz parte da engrenagem 
do sistema capitalista. A ciência e tecnologia estão comprometidas com a manutenção da 
sociedade onde foi produzida e, por isso, não seria funcional e nem adequada em um sistema 
social muito diferente, como se imaginava o socialismo. Também não poderia ser utilizada 
para a construção deuma nova sociedade em uma direção diferente daquela que orientou o 
seu desenvolvimento.
Os marxistas argumentam que as ciências e as técnicas de produção trazem a marca das 
relações de produção e da divisão de trabalho capitalistas na sua orientação e especialização. 
Para fi car mais claro para você, vamos exemplifi car com o caso do socialismo da União Sovi-
ética. Coriat afi rma que um dos principais motivos da falência do socialismo soviético foi ter 
copiado o modelo de organização de produção capitalista. Foi mantida a hierarquia na divisão 
do trabalho e a burocracia assumiu o papel que era da burguesia no capitalismo. 
3
Aula 1 Ciência, Tecnologia e Sociedade I 19
Assim, pode-se dizer que C&T não existe historicamente de forma abstrata como é en-
sinada nos diversos cursos. A C&T tem características de sua época e da sociedade onde se 
desenvolve. O sucesso do cientista está ligado à utilidade do conhecimento para alcançar os 
objetivos da sociedade. No caso da sociedade capitalista, esse objetivo é promover a inovação 
para gerar mais riqueza para as grandes empresas. Desde os tempos de Galileu e Newton, 
a C&T tem sido predominantemente uma ferramenta utilizada na sociedade capitalista para 
dominar a natureza e explorar os desprovidos de meios de produção. Por isso, por mais que 
a C&T tenha se desenvolvido, isso não implicou em desenvolvimento social e nem em uma 
relação sustentável com a natureza.
Com base no que foi apresentado anteriormente, escreva um texto argumentan-
do a favor ou contra a neutralidade da ciência, respondendo à seguinte questão: 
Para você, a busca de conhecimento é independente de interesses pessoais, 
econômicos e políticos ou procura atender objetivos específi cos?
Nova concepção da ciência
A ideia da neutralidade da ciência que se desenvolve a partir de uma lógica interna, da 
curiosidade do cientista desprovido de interesse que se isola no laboratório, passou a con-
viver com a visão de que a ciência é condicionada pelo contexto social, pelas circunstâncias 
do momento histórico e orientada por objetivos de desenvolvimento econômico e social. A 
ciência também deixa de ser vista como ponto de partida para se alcançar desenvolvimento 
tecnológico e passa a atender as necessidades dos usuários. Dito de outra forma, não é mais 
a ciência que empurra a tecnologia de forma linear, mas o mercado e as necessidades dos 
usuários que puxam o desenvolvimento científi co.
Essa mudança de entendimento sobre como é produzido o conhecimento científi co e, 
principalmente, sobre os impactos benéfi cos ou maléfi cos que podem ser gerados, provocou 
uma mudança da política de C&T, na qual as agências de fi nanciamento passam a defi nir 
temas e áreas do conhecimento que recebem recursos visando o desenvolvimento científi co 
e tecnológico em áreas consideradas mais importantes para o país. Nesse novo contexto 
do fi nal do século XX, os cientistas continuam a ser os principais atores da política de C&T, 
mas tiveram que dividir espaço com os gestores públicos, os empresários e os políticos na 
defi nição das prioridades. 
Aula 1 Ciência, Tecnologia e Sociedade I20
Política científi ca e tecnológica
Agora vamos mostrar como essa mudança da política ocorreu na prática usando a ex-
periência do governo brasileiro.
No caso do Brasil, foram elaborados os Planos Básicos de Desenvolvimento Científi co e 
Tecnológico (PBDCT) a partir da década de 1970, visando à geração e transferência de conhe-
cimento científi co e tecnológico para diversos setores produtivos nacionais, principalmente 
investir nas áreas de energia, agropecuária, transporte, telecomunicações e defesa. Em função 
da crise do petróleo, o País precisava descobrir mais reservas para diminuir a dependência 
de importação. Além de fi nanciar pesquisa de fontes alternativas de energia como biomassa, 
geração de energia hidrelétrica e o Programa Nacional do Álcool.
No fi nal da década de 1990, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo 
(FAPESP) fi nanciou uma pesquisa científi ca de sequenciamento do genoma da bactéria Xylella 
fastidiosa, causadora da doença chamada amarelinho que ocorre na produção de laranja. A 
pesquisa foi realizada por uma rede de pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento. 
O projeto foi reconhecido por duas das mais conceituadas revistas científi cas: a americana 
Science e a inglesa Nature publicaram um artigo sobre a pesquisa. 
Figura 3 – Imagem dos genes da bactéria Xylella fastidiosa 
Leituras complementares
Aula 1 Ciência, Tecnologia e Sociedade I 21
Considerações fi nais
Quando se faz uma crítica à herança da ciência moderna, não podemos esquecer os 
benefícios propiciados pelo seu avanço como a melhoria das condições de vida. Quero dizer 
que devemos reconhecer que a ciência desempenhou um papel importante na transformação 
da sociedade e na geração de riqueza. Através dela, também passamos a conhecer melhor o 
mundo em que vivemos. A lógica de conhecer para poder dominar os recursos naturais foi útil 
para um estágio de desenvolvimento, mas teve como consequência uma relação predatória 
com o meio ambiente. Nos últimos anos, a humanidade tem sido afetada pelos desastres na-
turais que são provocados pela própria ação do homem. Ademais, a visão determinista e de 
neutralidade da ciência mascara a utilização do conhecimento pelo capital e difi culta projetar 
estratégias alternativas de desenvolvimento. 
PIZANI, Marilia. Tecnologia e Política em Marcuse. Revista Cult, ed. 127, mar. 2010. Disponível 
em: <http://revistacult.uol.com.br/home/2010/03/tecnologia-e-politica-em-marcuse/>. Acesso 
em: 23 fev. 2011.
A autora faz uma análise da crítica de Marcuse à neutralidade da ciência presente no livro 
Ideologia da sociedade industrial. Segundo Pizani, Marcuse argumenta sobre o uso da tecno-
logia como forma de controle e coesão social que começa com a introdução das máquinas 
nas fábricas e se estende para a vida social. 
A ILHA. Direção de Michael Bay. EUA: DreamWorks Distribution LLC, 2005. 
O fi lme retrata uma situação em que cientistas e empresários inescrupulosos produzem 
clones humanos. O fi lme é um bom exemplo para se pensar os objetivos da ciência e os limites 
éticos para seu desenvolvimento. Veja detalhes no endereço: <http://www.planetaeducacao.
com.br/portal/artigo.asp?artigo=472>.
1
2
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Resumo
Aula 1 Ciência, Tecnologia e Sociedade I22
Nesta aula, você aprendeu que a ideia de neutralidade da ciência tem sua 
origem no modo de produzir conhecimento científi co que procurava identifi car 
as leis que determinam o mundo, o que permitia que a sociedade pudesse 
controlar e transformar a natureza. De acordo com esse objetivo da ciência de 
conhecer as leis de funcionamento da natureza para poder dominar os fenômenos 
naturais, as ciências naturais foram úteis para o desenvolvimento da sociedade 
industrial. Exemplifi camos como os estudos da mecânica foram importantes para 
o desenvolvimento da navegação e da indústria do sistema capitalista. Entretanto, 
a ciência moderna deixou como herança uma forma de conceber o mundo na 
qual a sociedade se vê separada da natureza e o progresso signifi ca controlar e 
transformar a natureza. Também foi passada uma visão determinista, na qual a 
evolução social e econômica da sociedade é resultado do desenvolvimento científi co 
e tecnológico. Mostramos que a ciência não é neutra, isto é, ela é infl uenciada pelos 
interesses econômicos, políticos e valores de um determinado período.
Autoavaliação
Você concorda ou discorda com a ideia de neutralidade da ciência?
Explique as implicações da visão de neutralidade da ciência na relação entre ciên-
cia e sociedade. 
Discuta a relação entre natureza e sociedade com base nos desastres naturais, 
identifi cando a forma de ocupação nas cidades.
Anotações
Aula 1 Ciência, Tecnologia e Sociedade I 23
Referências
BIJKER, W. et al. The Social construction of Technological systems. Cambridge: MITPress, 1990.
DAGNINO, Renato. Neutralidade da ciência e determinismo tecnológico:um debate sobre a 
tecnociência. Campinas: Editora Unicamp, 2008. 
HESSEN, Boris. Raízes Sociais e Econômicas do Principia de Newton. Revista Brasileira do Ensino 
de Física, v. 6, nº1, pp.37 - 55, 1984. Disponível em: <http://www.sbfi sica.org.br/rbef/pdf/vol06a06.
pdf>. Acesso em: 23 fev. 2011. 
LACEY, H. Is science value-free? values and Scientifi c Understanding. Londres: Routledge, 1999.
LÖWY, Michael. As aventuras de Karl Marx contra o Barão de Münchhausen: marxismo e positi-
vismo na sociologia do conhecimento, 5ª ed. revista. São Paulo, Cortez, 1994.
OLIVEIRA, Marcos. Sobre o Signifi cado Político do Positivismo Lógico. Revista Espaço Acadêmico, 
ano II, n. 13, jun. 2002. 
SANTOS, Boaventura de Sousa. Um discurso sobre as ciências na transição para uma ciência pós-
-moderna. Estud. av. [online]., v. 2, n. 2, p. 46-71, 1988. ISSN 0103-4014.
Anotações
Aula 1 Ciência, Tecnologia e Sociedade I24
Conversando sobre tecnologia
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Aula
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Aula 2 Ciência, Tecnologia e Sociedade I 27
Apresentação
Nós todos temos um entendimento do que seja tecnologia. Esse entendimento pode se originar das nossas vivências e experiências cotidianas, do que assistimos na televisão, lemos na internet, em livros, de aulas que tivemos na escola e na própria universidade. 
O que vamos discutir nesta aula é o quanto do que entendemos por tecnologia está impregnado 
de uma visão restrita e como essa visão restrita limita um entendimento ampliado e crítico. O 
que estamos tentando dizer? No senso comum, na mídia, e também teoricamente, há uma visão 
de tecnologia que a considera apenas ciência aplicada. Isso deixa de lado todo o conhecimento 
tecnológico que o homem construiu ao longo de sua existência, da história da humanidade e 
leva-nos a acreditar que a tecnologia e o seu avanço são as responsáveis pelo bem-estar e a 
qualidade de vida das pessoas. É sempre assim?
Refl etir sobre esse assunto implica conhecer as imagens mais correntes sobre tecnolo-
gia – intelectualista e instrumentalista – e um conceito que desconstrói essa ideia, atraindo as 
dimensões social, ambiental, ética para ampliar o nosso entendimento. Esse conceito é o de 
tecnologia como prática cultural ou prática tecnológica. 
Com isso, a exemplo do que discutimos no texto anterior sobre a não-neutralidade da 
ciência, vamos tentar compreender que a tecnologia não é neutra: há interesses, crenças, 
valores envolvidos; há relações de poder, um tempo, uma história.
Essas questões permeiam os objetivos desta aula. Vamos conhecê-los?
Objetivos
Compreender que a tecnologia não é neutra e está per
meada por interesses, crenças, valores.
Conceituar prática tecnológica.
Refl etir sobre a relação entre tecnologia e desenvolvimento 
social e humano.
Aula 2 Ciência, Tecnologia e Sociedade I 29
A tecnologia nossa de cada dia
Vamos começar a nossa aula com uma pesquisa. Vamos lá! 
Escolha um site de busca e coloque a palavra-chave “tecnologia”. O que você 
encontrou? Liste os três primeiros links e faça um resumo (até 30 linhas) do que 
eles contêm sobre tecnologia. Vamos discutir os seus achados em sala de aula.
Em sua pesquisa, você encontrou uma série de textos e fi guras representando a tecnolo-
gia. De uma forma geral, elas simbolizam a visão preponderante, que é a de perceber/entender 
a tecnologia como aplicação da ciência. Uma vez que se tenha um conhecimento científi co e 
este seja aplicado, temos uma tecnologia. Essa ideia se concretiza especialmente em artefatos. 
A visão de tecnologia como aplicação da ciência é restrita e traz vários problemas que 
limitam nossa visão de mundo, o que se refl ete no modo como pensamos e agimos em socie-
dade, seja no âmbito da esfera privada (nossa casa, família, amigos, companheiro/a), seja na 
esfera pública (trabalho, cidade, país, etc.). Vamos discutir alguns desses problemas. 
Em primeiro lugar, pensar em tecnologia apenas como artefato leva-nos a não considerar a 
ideia de tecnologia como um conhecimento que não está necessariamente relacionado à ciência 
na forma como a conhecemos hoje. Ciência pode ter vários signifi cados. Aqui, simplifi cando, 
estamos considerando-a como o resultado do trabalho e da decisão dos cientistas, não es-
quecendo as relações que empreendem com outros grupos e os contextos social e histórico 
em que se realizam. Automóveis, telefones celulares, computadores, relógios, televisores 
são exemplos de artefatos. Em sua pesquisa na internet, você encontrou vários deles, não é 
mesmo? Pense no signifi cado desses artefatos em sua vida, em seu cotidiano. 
Outro problema é que ao entendermos tecnologia apenas como um resultado da aplicação 
da ciência mostramos certo desprezo por uma análise singular do que é tecnologia, ou seja, 
a vemos como redutível à ciência. 
Em outro sentido, a tecnologia como aplicação da ciência está relacionada ao chamado 
modelo linear de desenvolvimento, que tem infl uenciado sobremaneira as políticas públicas 
em ciência e tecnologia de vários países, inclusive o Brasil, nos últimos tempos. Nesse mode-
lo, tudo começa com a pesquisa científi ca, que depois é aplicada. Convertida em tecnologia, 
levaria ao desenvolvimento científi co e tecnológico que, por sua vez, geraria desenvolvimento 
econômico, e a partir dele, desenvolvimento social e humano. Esse é um modelo que embute 
a ideia de determinismo tecnológico. Em poucas palavras, que a ciência e a tecnologia de-
terminariam a vida em sociedade, trariam bem-estar e qualidade de vida, necessariamente. 
Aula 2 Ciência, Tecnologia e Sociedade I30
Veja que apresentamos duas importantes questões: pensar a tecnologia apenas como 
artefato e aplicação da ciência (reducionismo); entendê-la como determinante da vida em 
sociedade (determinismo). Vamos discutir essas questões?
 O fenômeno técnico 
A cultura distinguiu o homem de outros animais e uma série de atributos seus o levou a 
desenvolver ferramentas técnicas. Pedras, paus e ossos empunhados habilmente foram usados 
pelos hominídeos para caçar ou se defender. Logo, essas pedras, paus e ossos transformaram-
-se em lanças, facas e machados, suprindo de certa maneira no homem a falta de garras, 
presentes em predadores melhor dotados anatomicamente (PALACIOS et al, 2001, p. 35). O 
homem desenvolveu uma habilidade técnica (BAZZO; PEREIRA, 2009, p. 66).
Assim, essa habilidade técnica dotou a pedra de outro sentido. Podemos dizer que deu 
ao homem mais poder e, a grosso modo, ele passou de “caça” a “caçador”. A habilidade téc-
nica do homem evoluiu: ele dominou o fogo, aprendeu a cozinhar os alimentos, domesticar 
os animais, construir casas, fundir metais, etc. Isso não se deu sem intervenções no meio.
Segundo Palacios et al (2009, p. 36), a técnica transforma o meio e/ou recria as condições 
da existência humana: (1) ela permitiu a transformação do meio em que os seres humanos 
desenvolveram sua vida, mudou as formas de vida humana; (2) também criou obras para durar 
longo tempo, prolongou a vida das pessoas, por exemplo. 
Em certo sentido, a existência humana é um produto técnico, tanto quanto os próprios 
artefatos que a fazem possível. Não se pode pensar, portanto, em separar a técnica da essência 
do ser humano. Seguramente, a técnica é uma das produções mais características do homem, 
mas também é certo que os seres humanos são, sem dúvida, o produto mais singular da 
técnica. (PALACIOS et al, 2009, p. 36). 
Em cada época há um tipo de intervenção humana em especial. Em outras palavras, desde 
que percebeu suas habilidades, o homem vem modifi cando o meio em que vive. Essa não é 
uma questão simples e requer uma permanente contextualização.
Se no Paleolítico, por exemplo, o homem vivia em poucos grupos na terra e os mate-
riais que utilizava para acender uma fogueira provocavam pequeno impacto sobre o meio, 
isso mudou radicalmente ao longo da história da humanidade: fl orestas foram devastadas, 
rios desviados ou cobertos por cidades, vilarejos inundados por barragens e hidrelétricas, 
praias e morros invadidos por construçõesilegais e clandestinas. E o que isso tem a ver com 
tecnologia? Bombas nucleares mataram milhares de pessoas, navios derramaram oceanos 
de petróleo no mar, pesticidas contaminam fauna, fl ora e seres humanos, reatores de usinas 
nucleares explodiram; contas bancárias e bases de dados são invadidas por crackers; nossa 
vida é controlada por celulares e vigiada por câmeras a que se atribui segurança. Vamos per-
guntar mais uma vez: e o que isso tem a ver com tecnologia? 
Aula 2 Ciência, Tecnologia e Sociedade I 31
As imagens da tecnologia 
Nós vimos no início deste texto que uma das visões mais usuais sobre tecnologia defi ne-a 
como aplicação da ciência. Já pontuamos que isso traz uma série de problemas e restringe 
nosso entendimento, especialmente se buscamos uma visão mais ampla da relação entre 
ciência, tecnologia e sociedade. Vamos discutir um pouco esse conceito usual. Em primeiro 
lugar, vejamos este trecho de Palacios et al (2001, p. 37). 
“A tecnologia poderia ser considerada como o conjunto de procedimentos que 
permitem a aplicação dos conhecimentos próprios das Ciências Naturais à pro-
dução industrial, fi cando a técnica limitada ao momento anterior do uso dos 
conhecimentos científi cos como base do desenvolvimento industrial.”1
1 Tradução livre da autora, em julho de 2011.
Ele nos traz diversas questões para discutirmos. Tratemos de pelo menos duas: 
1) A dependência da tecnologia de outros saberes;
2) A utilidade da tecnologia.
Quando consideramos a tecnologia como aplicação da ciência, esta, na sua forma tra-
dicional, exerce enorme infl uência nos produtos e processos resultantes. Isso quer dizer que 
o caráter de atividade pretensamente neutra, autônoma e universal da ciência se refl ete na 
tecnologia, que é entendida apenas como a sua aplicação. Em outras palavras, ciência seria o 
conhecimento teórico; tecnologia, o conhecimento prático. 
Uma tradição acadêmica que amparou e respaldou essas ideias foi a que se originou 
do Positivismo Lógico. Na opinião dos positivistas, segundo Palacios et al (2001, p. 38), as 
teorias científi cas explicavam o mundo por meio de enunciados objetivos, racionais e livres 
de valores externos à ciência. 
Na mesma linha, o conhecimento científi co era visto como um processo progressivo e 
acumulativo, que substituía a ciência anterior. Essas teorias poderiam ser aplicadas em alguns 
casos, já a ciência pura não tinha qualquer relação com a tecnologia. 
Positivismo Lógico
 é uma fi losofi a oriunda 
das discussões de um 
grupo de pensadores que 
se reunia no chamado 
Círculo de Viena, no início 
do século 20. Eles foram 
responsáveis por uma re-
tomada da ideia de ciência 
pretensamente neutra e 
autônoma em relação à 
sociedade.
Aula 2 Ciência, Tecnologia e Sociedade I32
Tomas Kuhn criticou essa ideia oferecendo como alternativa a teoria das revolu-
ções científi cas. Segundo essa teoria, a ciência evoluiu por rupturas: há períodos 
normais (ou estáveis) e momentos de “anomalias”, que dão origem às revolu-
ções científi cas. São construídas, então, novas teorias, que apresentam melhores 
resultados para um determinado problema, constituindo um novo paradigma. 
Assim, uma consequência marcante dessa concepção é que, ao se conferir um estatuto 
de neutralidade à ciência, este é diretamente transferido à tecnologia (BAZZO; PEREIRA; VON 
LINSINGEN, 2008, p. 182). Como vimos, conferir neutralidade à tecnologia a destitui de re-
lações com a sociedade, seja em sua produção ou aplicação. Essa visão constrói a imagem 
intelectualista de tecnologia. E a relação entre tecnologia e utilidade?
Há quem considere, como Bazzo, Pereira e von Linsingen (2008, p. 182), que a percepção 
do caráter utilitarista da tecnologia é a mais presente no meio técnico, ou seja, nos lugares em 
que circulam profi ssionais como os/as engenheiros/as. Acreditamos que fora desse meio, no 
chamado senso comum, também é habitual que se veja a tecnologia como algo que auxilia, 
melhora a vida das pessoas, torna certas tarefas mais fáceis, traz bem-estar. O que você pensa 
sobre isso? Já parou para pensar nessas questões?
Vista de uma maneira utilitarista, a tecnologia acaba restringindo-se a uma analogia com 
ferramentas e produção de bens e serviços oriundos da aplicação de conhecimentos científi cos. 
Esta é a visão instrumentalista da tecnologia. Também temos aqui o problema da transferência 
do estatuto de pretensa neutralidade da ciência. Não é raro que ouçamos que a tecnologia não 
é boa nem ruim, e que os prejuízos são advindos do seu uso. 
Quer dizer, então, que os usuários é que são responsáveis por seus benefícios ou male-
fícios? E quanto a quem projetou? A empresa ou indústria que produziu e comercializou não 
teriam nenhuma responsabilidade?
Isso é bastante problemático. Vejamos o que dizem Bazzo, Pereira e von Linsingen (2008, 
p. 183). 
“Segundo essa visão, a universalidade associada à tecnologia avaliza a trans-
ferência de tecnologia entre sociedades independentes e, muitas vezes, em 
detrimento de suas especifi cidades culturais. Por conta disso, o ensino das 
técnicas, a princípio, pode ser vinculado à ética da responsabilidade social ape-
nas em sentido restrito. Por extensão, permite-se ao engenheiro a isenção da 
responsabilidade pública do que produz e de seus efeitos”. 
Aula 2 Ciência, Tecnologia e Sociedade I 33
Os/As engenheiros/as e outros/as profi ssionais das áreas científi cas e tecnológicas estão 
realmente isentos de eventuais “efeitos colaterais” de seus projetos, cálculos, processos, 
produtos e serviços? O que sabem sobre assumir uma postura ética? 
Uma postura ética e comprometida com uma sociedade mais igualitária e justa requer a 
superação de entendimentos de tecnologia que passam pelas visões intelectualista e instru-
mentalista. Isso pede que se veja a tecnologia não apenas como artefato, mas que se tenha 
em conta seu caráter sistêmico.
O conceito de prática tecnológica 
Ao desconstruir o conceito de tecnologia apenas como ciência aplicada, podemos 
defi ni-la também como uma série de sistemas que são projetados para realizar alguma 
função, instrumentos materiais e tecnologias de caráter organizativo (PALACIOS et al, 
2001, p. 42). 
 “O tecnológico não é somente o que transforma e constrói a realidade física, mas também 
aquilo que transforma e constrói a realidade social.” (PALACIOS et al, 2001, p. 42) 
Na concepção de Radder (1996 apud PALACIOS et al, 2001, p. 42), há cinco caracterís-
ticas que distinguem a tecnologia. Vejamos o quadro a seguir (Quadro 1).
Características da tecnologia
Realizabilidade
Confere concretude à tecnologia, ou seja, a tecnologia tem que estar realizada; 
perguntar “onde”, “quando”, “por quem”, “para quê” e “por quê” são fundamentais para 
estudá-la.
Caráter sistêmico
Uma tecnologia não se resume a artefatos. Qualquer tecnologia está inserida em um 
ambiente sociotécnico que a viabiliza. Por exemplo, um automóvel é uma tecnologia 
que necessita de uma série de elementos para funcionar – rodovias, postos de 
abastecimento, refi narias, gasodutos, publicidade, consumidores, etc.
Heterogeneidade Tecnologias são constituídas de componentes que não são iguais, têm diferentes tipos e procedência. 
Relação com a ciência
Há uma ampla e diversa relação entre a ciência e a tecnologia. Além do conhecimento 
científi co, há o “saber como fazer”, materializado em habilidades, técnicas teóricas, 
observacionais e experimentais, assim como resultados científi cos objetivados em 
produtos, materiais e instrumentos.
Divisão do trabalho
A realização de uma tecnologia pressupõe uma dependência entre os agentes 
envolvidos, não um funcionamento incondicional. Há uma divisão do trabalho e 
diferentes relações de poder entre quem desenvolve, produz, opera e usa a tecnologia.
Quadro 1 – Características da tecnologia 
Fonte: Palacios et al (2001, p. 42-43), com base em Radder (1995). Traduzido e ligeiramente modifi cado pela autora.
A considerar o caráter sistêmico, a interpretação de tecnologia como prática tecnológicaé um dos conceitos mais interessantes e contributivos para desconstruir a ideia reducionista 
de tecnologia como ciência aplicada. 
Definições de tecnologia e prática tecnológica
ASPECTO CULTURAL
Objetivos, valores e códigos 
éticos; crença no progresso 
consciência e criatividade
ASPECTO ORGANIZACIONAL
Atividade econômica e industrial; 
atividade profissional; usuários e 
consumidores; sindicatos
ASPECTO TÉCNICO
Conhecimento, destreza e técnica; 
ferramentas, máquinas, químicos, 
pessoal, recursos e resíduos
Significado geral 
de tecnologia
Significado geral 
de tecnologia
Aula 2 Ciência, Tecnologia e Sociedade I34
O conceito de prática tecnológica foi proposto por Arnold Pacey na década de 1980. Ele 
expressa diferentes aspectos envolvidos na tecnologia: o organizacional, o técnico e o cultural. 
Antes de discutirmos, vamos conhecê-los de maneira esquematizada nesta fi gura. 
Figura 1 – Defi nições de tecnologia e prática tecnológica
Fonte: Pacey (1990, p. 19).
Nesta fi gura, vemos que aos aspectos organizacional, cultural e técnico correspondem 
diferentes questões. Em geral, eles são compreendidos de maneira estanque. Ao aspecto 
cultural, por exemplo, vinculam-se valores, questões éticas; o aspecto organizacional vincula 
a atividade industrial, profi ssional e usuários/consumidores; já conhecimento, destreza, má-
quinas e ferramentas pertencem à esfera do técnico. 
Erroneamente se acredita que essa esfera funcione de maneira independente às demais. 
Assim, costuma-se tratar as dimensões social e humana e seus problemas no âmbito dos 
aspectos cultural e organizacional da tecnologia. Dessa forma, isentamos a técnica de seu 
conteúdo humano e social, ignorando a existência de valores nessa atividade (PACEY, 1990, 
p. 18; CABRAL, 2006, p. 28-50). 
O que o conceito de prática tecnológica propõe é um diálogo entre os aspectos orga-
nizacional, cultural e técnico, mostrando-nos que a tecnologia não é autônoma em relação à 
sociedade, tão pouco neutra em termos de valores. Segundo Palacios et al (2001, p. 44), o 
conceito de prática tecnológica permite uma relação que não é linear: entre indivíduos e gru-
pos (os que desenvolvem, produzem, comercializam e consomem), agentes (individuais e/ou 
coletivos), materiais e meios disponíveis e fi ns a desenvolver.
Agora, comece a prestar mais atenção no que você ouve, lê, assiste sobre tecnologia(s). 
Tente perceber se a ideia de tecnologia que está sendo construída corresponde a uma imagem 
intelectualista, instrumentalista ou ambas. Veja se em algum dos espaços (virtuais também!) 
se trata da tecnologia considerando suas relações com a ciência e a sociedade, ou seja, se é 
1
2
Resumo
Aula 2 Ciência, Tecnologia e Sociedade I 35
promovido um diálogo entre os aspectos cultural, organizacional e técnico. Este texto termina 
aqui, mas a nossa conversa sobre tecnologia está apenas começando. 
Neste texto, vimos que todos nós temos um entendimento do que seja 
tecnologia e que, muitas vezes, esse entendimento nos condiciona a ver 
tecnologia apenas como ciência aplicada. Discutimos que essa é uma visão muito 
restrita, limitada. Isso traz uma série de problemas, por exemplo, ignora-se todo 
o conhecimento tecnológico que o homem construiu ao longo de sua existência, 
da história da humanidade; leva-nos a acreditar que a tecnologia, seu avanço, 
são, por si só, responsáveis pelo bem-estar e a qualidade de vida das pessoas. 
Nesta aula, percebemos que a relação entre avanço tecnológico e bem-estar e/
ou qualidade de vida das pessoas não é tão direto. Refl etimos sobre as imagens 
mais correntes sobre tecnologia – intelectualista e instrumentalista. Conhecemos 
o conceito de prática tecnológica, ou seja, o fazer tecnológico desconstrói a ideia 
restrita de tecnologia como ciência aplicada, considerando os aspectos cultural, 
organizacional e técnico, há uma série de interesses, crenças, valores envolvidos. 
Em outras palavras, quer dizer que a tecnologia não é neutra.
Autoavaliação
No princípio desta aula, você pesquisou sobre tecnologia na internet e elaborou 
um resumo a respeito. Nós discutimos vários aspectos concernentes aos seus 
achados de pesquisa. Agora, retome o seu resumo e, a partir dele, escreva um 
comentário crítico com base nas questões do texto Conversando sobre tecnologia.
Com base nas discussões desta aula, vamos refl etir sobre as tecnologias e o nosso 
cotidiano. Primeiro, pense em um período do seu cotidiano (manhã, tarde ou noi-
te) e com quais tecnologias você interage. Depois, imagine esse mesmo período 
sem as tecnologias as quais você está habituado a usar e escreva um texto de até 
30 linhas. 
Anotações
Aula 2 Ciência, Tecnologia e Sociedade I36
Referências
BAZZO, Walter Antonio; PEREIRA, Luiz Teixeira do Vale. Introdução à Engenharia. Florianó-
polis: EDUFSC, 2009.
BAZZO, Walter Antonio; PEREIRA, Luiz Teixeira do Vale; VON LINSINGEN, Irlan. Educação 
Tecnológica: enfoques para o ensino de engenharia. Florianópolis: EDUFSC, 2008.
CABRAL, C. G. O conhecimento dialogicamente situado: histórias de vida, valores huma-
nistas e consciência crítica de professoras do Centro Tecnnológico da UFSC. 2006. 205 f. 
Tese (Doutorado) – Universidade Federal de Santa Catarina, Pós-Graduação em Educação 
Científi ca e Tecnológica, Florianópolis, 2006.
PACEY, Arnold. La cultura de la tecnología. México: Fondo de Cultura Económica, 1990.
PALACIOS, Eduardo Marino García et al. Ciência, tecnología y sociedad: una aproximación 
conceptual. Madrid: Organizacíon de Estados Iberoamericanos, 2001.
Anotações
Aula 2 Ciência, Tecnologia e Sociedade I 37
Anotações
Aula 2 Ciência, Tecnologia e Sociedade I38
Ciência, Tecnologia e 
Sociedade: primeiras leituras
3
Aula
2
1
Aula 3 Ciência, Tecnologia e Sociedade I 41
Apresentação
Você sabe o que é CTS? CTS não é apenas a disciplina que você cursa na Escola de Ciências e Tecnologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (ECT/UFRN), tão pouco somente é uma sigla que embute Ciência, Tecnologia e Sociedade. Em um sentido 
mais geral, estamos falando das inúmeras possibilidades de relacionar a ciência, a tecnologia 
e a sociedade; já em um sentido mais específi co, falamos de um campo interdisciplinar, cujas 
refl exões buscam desconstruir a ideia de que ciência é um conhecimento neutro e tecnologia 
somente artefatos e sistemas que trazem sempre benefícios para as pessoas. 
Nesta aula, você vai conhecer as origens do campo Ciência, Tecnologia e Sociedade e 
como suas discussões têm sido apropriadas na educação científi ca e tecnológica em diversos 
países. Vamos dialogar sobre o signifi cado dessas discussões para a sua formação no Ensino 
Superior e a sua atuação profi ssional. 
O que você pensa a respeito e as suas expectativas têm muito a contribuir nesse diálogo. 
Vamos começar?
Objetivos
Conceituar ciência e tecnologia, levando em consideração 
aspectos históricos e sociais.
Identifi car as dimensões sociais e éticas da atuação de 
cientistas e engenheiros.
1
Aula 3 Ciência, Tecnologia e Sociedade I 43
Antes de continuarmos a nossa leitura, vamos realizar uma atividade. Escreva 
em seu caderno ou em um arquivo eletrônico um breve texto (até 20 linhas) que 
responda a seguinte questão: o que são relações entre a ciência, a tecnologia 
e a sociedade? Esse registro é importante para que o(a) professor(a) possa 
considerar o seu entendimento, e que você mesmo possa verifi car se houve 
alguma mudança em sua forma de pensar sobre o tema.
Após a conclusão dessa atividade, retome a aula. Boa leitura!
Um campo interdisciplinar, 
uma disciplina nova 
Nesta aula, aproximamo-nos da ciência e da tecnologia por meio da História e Filosofi a das 
Ciências. Agora, vamos inter-relacionar ambas com o ambiente de sua realização: a sociedade. 
Quer dizer que vamos discutir como ciência e tecnologia interagem entre si e com a sociedade 
e também como nos situamos nessa relação.
Vamos ver que a expressão Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) tem uma história 
e que essa históriacomeça em meados da década de 1960 e início dos anos 1970, quando 
diversos grupos passam a contestar com mais veemência o uso da ciência e da tecnologia em 
guerras, seu impacto ambiental, o controle da aplicação dos conhecimentos pelo Estado. De lá 
para cá, vários países se apropriaram da expressão CTS. No Brasil, por exemplo, há diversos 
grupos que realizam pesquisas com base no campo interdisciplinar CTS em universidades 
públicas. Há também uma discussão sobre a relação ciência, tecnologia e sociedade que não 
necessariamente se utiliza do pensamento desse campo interdisciplinar.
De qualquer forma, essa é uma discussão nova e que aos poucos integra currículos de 
pós-graduação e de graduação. A Escola de Ciências e Tecnologia é um exemplo. Pensando 
em uma formação mais ética e responsável de seus alunos, integrou a discussão CTS em seu 
currículo, criando três componentes curriculares CTS obrigatórios e outros eletivos. Isso quer 
dizer que você terá a oportunidade de se qualifi car diferenciadamente em relação a outros es-
tudantes, entender o importante lugar que você ocupa como profi ssional e cidadão. Lembre-se 
que ciência e tecnologia são atividades humanas e construídas social e historicamente, e você 
se relaciona com elas o tempo todo.
Os textos didáticos que estamos começando a escrever e as aulas que construímos 
com vocês levam em conta fi nalidades. Vamos conhecer algumas delas (PALACIOS; OTERO; 
GARCÍA, 1996, p. 25). 
Aula 3 Ciência, Tecnologia e Sociedade I44
FINALIDADES
RELACIONAR conhecimentos de campos acadêmicos que estão habitualmente separados, por exemplo, Filosofi a 
da Ciência, História da Tecnologia, Sociologia do Conhecimento, Economia.
REFLETIR sobre os fenômenos sociais e as condições da existência humana a partir da perspectiva da ciência e 
da técnica/tecnologia.
ANALISAR as dimensões sociais do desenvolvimento tecnológico.
Quadro 1 – Alguns objetivos da Educação CTS.
Fonte: Baseado em Palacios, Otero e García (1996, p. 25).
Esses aspectos aliam-se a propósitos formativos. Quer dizer que buscamos, com o 
componente curricular CTS 1, que você desenvolva competências e habilidades afi ns com 
esses propósitos (Idem, 1996). 
PROPÓSITOS FORMATIVOS
ANALISAR e avaliar criticamente as realidades do mundo contemporâneo e os antecedentes e fatores que 
nele infl uem.
COMPREENDER os elementos fundamentais da investigação e do método científi co.
CONSOLIDAR uma maturidade pessoal, social e moral que lhe permita atuar de forma responsável e autônoma.
PARTICIPAR de forma solidária no desenvolvimento e melhoria do seu entorno pessoal.
DOMINAR os conhecimentos científi cos e tecnológicos fundamentais e as habilidades básicas da área/profi ssão 
que você escolher.
Quadro 2 – Ações para uma leitura crítica do mundo 
Fonte: Baseado em Palacios, Otero e García (1996, p. 25).
Aspectos e objetivos assim já são trabalhados no Ensino Médio, em países como a Espa-
nha. Naquele país, a trajetória de discussão crítica da relação ciência, tecnologia e sociedade e 
também do campo interdisciplinar CTS é um pouco mais longa que no Brasil. E tem infl uenciado 
fortemente o que tem sido feito aqui e em outros países da América Latina. Mas Brasil e outros 
países latino-americanos também têm sido infl uenciados por correntes do pensamento CTS 
oriundas da Inglaterra e dos Estados Unidos da América do Norte.
Por meio do chamado “silogismo CTS” (VON LINSINGEN, 2004, p. 2), grupos de pes-
quisadores buscam uma educação científi ca e tecnológica que abandone o lugar de partícipe 
tímido e contribua na busca de soluções para os problemas sociais (BAZZO; PEREIRA; LIN-
SINGEN, 2008, p. 159).
Aula 3 Ciência, Tecnologia e Sociedade I 45
Esses autores, que são professores de Engenharia há muitos anos no Brasil, entendem que: 
A inclusão de estudos no campo CTS toma importância ímpar em países que começam 
a aprofundar suas análises na imbricada relação entre desenvolvimento tecnológico e 
desenvolvimento humano. E parece consenso que, apesar da importância dos avanços 
dos conhecimentos que permitem dominar mais e mais a natureza, por mais paradoxal 
que possa parecer, a maior parte da civilização experimenta ainda necessidades básicas 
ainda não atendidas que se confi guram como absurdas, dadas as muitas possibilidades 
técnicas que dominamos para resolver os problemas que as geram. Também é consen-
so que, para resolver tais problemas, bastaria, em princípio, animar a vontade política 
de nossas sociedades e dos que elegemos como representantes (BAZZO; PEREIRA; 
LINSINGEN, 2008, p. 160). 
Vamos refl etir? 
As questões que seguem serão preferencialmente trabalhadas em grupo e 
em sala, com a orientação de seu/sua professor/a. Mas você pode escolher duas 
delas e refl etir a respeito. Registre sua refl exão em seu caderno ou em arquivo 
eletrônico. Escreva quantas linhas desejar. 
1) Quais são os elementos tecnológicos do meu entorno?
2) Poderíamos suprimir esses elementos das nossas vidas?
3) Que relações você acredita haver entre ciência, tecnologia e sociedade?
4) Alguns grupos estão à margem do desenvolvimento tecnológico. Há algo 
a corrigir?
5) Poderia descrever alguma mudança na sua vida cotidiana que tenha relação 
com a aparição de elementos tecnológicos?
A origem do campo interdisciplinar CTS
A expressão CTS representa tanto um objeto de estudo quanto um campo interdisciplinar. 
O que isso quer dizer? Vamos nos apropriar do texto de um pensador espanhol do campo CTS, 
José A. López Cerezo (2003), para explicar.
Quando nos referimos ao objeto de estudo, estamos levando em conta os fatores sociais 
que infl uenciam a mudança científi co-tecnológica e também as consequências sociais e am-
bientais dessa mudança. Há muitos exemplos. Pense sobre o impacto de uma guerra que se 
Aula 3 Ciência, Tecnologia e Sociedade I46
utiliza de armas biotecnológicas e nucleares. Qual o objetivo das tecnologias produzidas em 
guerras? E os resultados do Projeto Manhattan, você conhece?
Também encontramos muitos exemplos de sérios impactos ambientais relacionados 
à ciência e tecnologia, desde derramamentos de petróleo, acidentes com usinas nucleares, 
poluição industrial, intoxicação de fauna, fl ora e seres humanos por pesticidas e outras subs-
tâncias tóxicas.
Veja este quadro! Ele faz uma cronologia que nos interessa conhecer. 
1957
A União Soviética lança o Sputnik, o primeiro satélite artifi cial ao redor da Terra. Causou 
uma espécie de convulsão social, política e educacional nos Estados Unidos da América do 
Norte e outros países ocidentais.
O reator nuclear de Windscale, Inglaterra, sofre um grave acidente, criando uma nuvem 
radioativa que se espalha pela Europa Ocidental.
Explode nos Urais o depósito nuclear Kyshtym, contaminando uma grande extensão circundante 
à União Soviética.
1958 A NASA é criada como uma das consequências do Sputnik.
1959 Conferência de C.P. Snow, em que se denuncia o abismo entre as culturas humanística e científi co-tecnológica.
Anos 60 Desenvolvimento do movimento de contracultura, em que a luta política contra o sistema vincula o seu protesto em relação à tecnologia.
1961 A talidomida é proibida nos Estados Unidos, após causar mais de 2.500 defeitos de nascimento.
1962
Publicação de Silent Spring, de Rachel Carson. Essa autora denuncia, entre outras coisas, 
o impacto ambiental de pesticidas sintéticos como o DDT. É o que defl agra o movimento 
ecológico.
1963 Tratado de limitação de provas nucleares.
Afunda o submarino nuclear USS Thresher, seguido pelo USS Scorpion (1968).
1966 Um B 52 com quatro bombas de hidrogênio explode perto de Palomares, Almeria, contaminando com radioatividade uma grande área.
Com base em motivos éticos e políticos, profi ssionais de informática constituem um movimento 
de oposição à proposta de criar um banco de dados nacionais nos EUA.
1967
O petroleiro Torry Canyon sofre um acidente e verte uma grande quantidade de petróleo nas 
praias do Sul da Inglaterra. A contaminação por petróleo começa a ser algo comum emtodo o 
mundo desde então.
1968 O papa Pablo VI torna público um rechaço à contracepção artifi cial.
Graves revoltas nos EUA contra a Guerra do Vietnã (a participação norte-americana incluiu 
sofi sticados métodos bélicos, como o napalm).
Maio de 68 na Europa e EUA: protestos generalizados contra o sistema.
Quadro 3 – Breve cronologia de um fracasso
Fonte: Adaptado de García et al (1996 apud PALACIOS, 2001).
2
Aula 3 Ciência, Tecnologia e Sociedade I 47
Repare na cronologia e você verá que os eventos registrados em nosso quadro se situam, 
principalmente, nas décadas de 60 e 70 do século XX. É um período de intensa movimentação 
social, de reivindicações e contestações contra regimes ditatoriais, preconceitos contra mu-
lheres, negros, grupos étnicos, homossexuais – um tempo que mudou a história.
Esse é o contexto em que se origina o campo interdisciplinar CTS. Ele reuniu as refl exões 
das Ciências Sociais e das Humanidades para pensar esse momento de crise em relação à 
credibilidade da ciência e da tecnologia e seu apoio público; voltou seu olhar a um uso irracional 
dos recursos naturais e à falsa crença da neutralidade científi ca e sua autonomia em relação 
à sociedade. Cientistas e engenheiros também são pessoas com valores, crenças, interesses 
e tudo isso se enreda nas pesquisas em que eles investem. O problema é que o entendimento 
ainda corrente do que é ciência “neutraliza” as relações sociais que uma determinada pessoa 
tem e até mesmo sua história. Isso continua sendo ensinado aos cientistas, aos engenheiros 
que, por sua vez, continuam pensando que as suas pesquisas e projetos são neutros, ou seja, 
não têm impacto social, ambiental, político. Essa seria uma postura ética?
No contexto em que o campo CTS surgiu também circulava certo ceticismo em relação à 
ciência e à tecnologia, divinizadas após a Segunda Guerra. Um conceito que se tornou muito 
conhecido foi o de Síndrome de Frankenstein.
Esse conceito remete diretamente ao texto publicado em 1818 por Mary Shelley – 
Frankenstein, ou o moderno Prometeu. Remete-se à relação homem e natureza, referencia 
um temor de que as mesmas forças que são utilizadas para controlar a natureza podem se 
voltar contra nós, homens e mulheres, destruindo-nos. O trecho do livro em que o “monstro” 
diz a Victor Frankenstein “tu és o meu criador, mas eu sou o teu senhor” expressa essa pos-
sibilidade (CEREZO, 2003, p. 117). Frankenstein faz uma citação ao mito de Prometeu. Você 
conhece esse mito? 
Pesquise em sites da internet sobre o mito de Prometeu e escreva um resumo 
entre 10 e 20 linhas. 
Não temos os 100 
mil genes com que 
sonhávamos...
Mas, em 
compensação...
Temos carrões... 
DVD... fornos 
mico-ondas!!!
Aula 3 Ciência, Tecnologia e Sociedade I48
Adaptado de: João Garcia – Os cientistas. Disponível em: <http://jaogarcia.blog.uol.com.br/>. Acesso em: 18 jan. 2011.
Frankenstein é um exemplo de literatura 
que entremeia em seu discurso a 
TECNOFOBIA, ou seja, um medo 
exagerado da tecnologia moderna.
Em um outro extremo, ao aceitarmos 
os desenvolvimentos da ciência e da 
tecnologia e suas inovações de forma 
acrítica, nos vinculamos à TECNOFILIA.
Vamos pensar a respeito? Você tem ou já teve atitudes tecnofóbicas e tec-
nofílicas? Compartilhe essas experiências com seus colegas.
Leia a tirinha a seguir.
Tirinha “Os Cientistas”, de João Garcia. 
Aula 3 Ciência, Tecnologia e Sociedade I 49
Posso viver sem televisão, celular e internet? Eu não consigo, e você? Ninguém precisa 
deixar a tecnologia de lado. Ser crítico em relação a ela não é desconsiderá-la, mas procurar 
enxergá-la sob vários prismas e não permanecer passivo. Langdon Winner (1987) chamou 
esse comportamento apassivado de “sonambulismo tecnológico”.
Esse sonambulismo se origina da ideia de que não podemos criticar, interferir ou mesmo 
participar das decisões que dizem respeito aos desenvolvimentos científi cos e tecnológicos. 
Você já pensou por quê?
Um outro conceito do campo CTS que vale a pena conhecer é o de alfabetização científi ca 
e tecnológica. Para entendê-lo, vamos comentar alguns aspectos relacionados aos entendi-
mentos que temos do que é ciência e do que é tecnologia. 
Concepções de ciência? 
Há uma concepção tradicional, que ainda impera no senso comum (por exemplo, o 
imaginário popular) e também entre os pesquisadores de que ciência é um empreendimento 
objetivo, neutro, baseado em um código de racionalidade não infl uenciada por fatores externos 
e autônomo em relação à sociedade (PALÁCIOS et al, 2001, p. 12). Esse é um dos entendi-
mentos. Pode ser o mais comum, ainda, mas não é o único e vem sofrendo fraturas desde a 
segunda metade do século 20. Nós lemos sobre isso ao comentar a origem do campo CTS.
Nós podemos denominar essa concepção como ciência neutra, mas também podemos 
nos utilizar da expressão concepção essencialista e triunfalista da ciência.
Esse entendimento fundamenta um modelo clássico de política científi ca baseado no que 
denominamos “modelo linear de inovação”, ou seja: 
Uma das questões que está na origem desse entendimento e das suas repercussões na 
política de ciência e de tecnologia é a própria metodologia da ciência. Em vários momentos 
da história da humanidade, defendeu-se a ideia de que havia uma forma infalível de se obter a 
verdade e essa forma seria por meio do método científi co. Cerezo (2003, p. 119) descreve o 
método científi co como uma combinação de racionalidade lógica e observação cuidadosa. A 
avaliação por pares, ainda segundo o mesmo autor, “se encarregará de velar sobre a integrida-
de intelectual e profi ssional da instituição” (CEREZO, 2003, p. 119-120). Em outras palavras, 
quer dizer que a correta aplicação do método é que vai garantir o bom funcionamento desse 
código de conduta. Assim,
Aula 3 Ciência, Tecnologia e Sociedade I50
[...] nessa visão clássica, a ciência somente pode contribuir com um maior bem-estar 
se esquece da sociedade para buscar exclusivamente a verdade. Quer dizer, a ciência só 
pode avançar perseguindo o fi m que lhe é próprio, o descobrimento de verdades sobre a 
natureza, se mantém livre da interferência dos valores sociais por mais beneméritos que 
sejam. Analogamente, só é possível que a tecnologia possa atuar como cadeia transmis-
sora no desenvolvimento social se se respeita sua autonomia, se esquece da sociedade 
para atender unicamente a um único critério de efi cácia técnica (CEREZO, 2003, p. 120). 
Dessa forma, ciência e tecnologia são apresentadas à sociedade como formas que sobre-
vivem autonomamente em relação à cultura, como atividades com valor neutro, uma espécie 
de “aliança heroica de conquista da natureza”. 
 No século 20, essa ideia foi bastante fortalecida por um movimento que fi cou conhecido 
como Empirismo Lógico, que surge nos anos 1920 e 1930, por meio de Rudolf Carnap, que 
acaba se aproximando da sociologia funcionalista da ciência desenvolvida por Merton nos 
anos 1940 (CEREZO, 2003, p. 120; PALACIOS et al, 2001, p. 14).
Esse tipo de pensamento foi contestado e uma de suas críticas mais conhecidas é a que 
Tomas Kuhn escreveu, em 1962, no livro A estrutura das revoluções científi cas.
Kuhn buscou responder à clássica questão “O que é ciência?” pesquisando episódios 
da história da ciência, como o desenvolvimento da teoria dos corpos celestes da era moderna 
(heliocentrismo). Na teoria de Kuhn, a ciência tem períodos estáveis, que ele denominou 
ciência normal. São períodos sem alterações bruscas na dinâmica da ciência, sem alterações 
que levem a uma mudança mais pronunciada. Para esse pensador, esse é um período em que 
os cientistas se dedicam a resolver “quebra-cabeças” por meio de um paradigma que é com-
partilhado em determinada comunidade científi ca. A acumulação de problemas não resolvidos 
nesse período pode acarretar o surgimento de anomalias, que podem fraturar o paradigma 
vigente. Isso pode dar lugar a um outro período, extraordinário, que Kuhn denominou revolução 
científi ca (KUHN, 2000).
Veja que, dessa forma, o critério

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