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CCJ0009-WL-AMMA-03-Narrativa jurídica simples e narrativa jurídica valorada

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Aula 3 – conteúdo dos slides
O aluno deverá ser capaz de: 
Distinguir a narrativa jurídica simples da narrativa jurídica valorada;
 Identificar as características que marcam esses dois tipos de narrativa;
- Compreender a relação entre o tipo de narrativa e a peça processual produzida;
- Conhecer as principais características da narrativa jurídica. 
Situação 1: André reside em certo imóvel, localizado na Zona Sul do Rio de Janeiro, de propriedade de João. André deixa de pagar o aluguel e João pretende ajuizar ação de cobrança cumulada com despejo.
Situação 2: Maurício é filho de Marcos, que registrou a criança assim que essa nasceu. Aos quatro anos do menor, Maurício constitui nova família e cessa o pagamento da pensão alimentícia. Marcos, representado em juízo pela mãe, pretende ajuizar ação de alimentos em face do pai.
Situação 3: Alexandre Conduzia seu veículo pela Avenida Presidente Vargas, no Rio de Janeiro, quando parou no semáforo da esquina com a Avenida Rio Branco. Estela, dirigindo desatenta, porque acabara de terminar seu namoro com Antônio, abalroou a traseira do automóvel de Alexandre, causando-lhe dano material computado em R$ 3.300,00 (três mil e trezentos reais). Alexandre pretende ser ressarcido em juízo.
Situação 4: Morador do apartamento 105 de certo condomínio, que comprou o imóvel há um ano, tem problemas constantes com vazamentos provenientes do apartamento 205. Em fevereiro de 2007, além da constante umidade e do cheiro de mofo, o morador do apartamento 105 viu seu teto de gesso do banheiro cair e destruir o box de vidro. O prejuízo (contando mão-de-obra e material) foi orçado em R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais).
Situação 5: Albertina, durante as férias no Rio de Janeiro, é atingida por disparo de arma de fogo, de origem desconhecida, e procura hospital público municipal para receber atendimento. Chega andando e conversando normalmente com seus familiares. Duas horas depois, ainda não havia sido atendida. Uma enfermeira informa que não há cirurgião de plantão, razão da demora. Transferida para outro hospital, chega já em estado grave e morre logo depois, em decorrência de anemia aguda.
	SITUAÇÃO DE CONFLITO
	João (locador)
	André (locatário)
	Direito
	Dever
	Direito
	Dever
	receber o aluguel
	possibilitar o uso pacífico do bem
	usar de forma pacífica o bem
	pagar o aluguel
	Tem o direito de receber o aluguel, pois o locatário não honra com essa obrigação há 3 meses
	Descumpriu a obrigação de pagar os aluguéis e, assim, motivou o locador a buscar a tutela do Judiciário para garantir esse direito. 
	SUJEITO PASSIVO
	SUJEITO ATIVO
	SITUAÇÃO DE CONFLITO
	João (locador)
	André (locatário)
	SUJEITO PASSIVO
	SUJEITO ATIVO
	PROCESSO
	SUJEITO ATIVO
	SUJEITO PASSIVO
	Autor
	Réu
	Suposto titular do direito violado
	Suposto titular de dever descumprido
	PEDIDO
	CONTESTAÇÃO
	Pagamento dos aluguéis
em atraso e despejo
	Não pode pagar os aluguéis porque passa por dificuldades financeiras
Como vimos na primeira aula, as peças processuais têm um denominador comum: precisam narrar os fatos importantes do caso concreto, tendo em vista que o reconhecimento do direito subjetivo da parte passa pela análise dos fatos importantes do conflito e das circunstâncias em que ocorreram.
	NARRATIVA SIMPLES DOS FATOS
	NARRATIVA VALORADA DOS FATOS
	É uma narrativa sem compromisso de representar qualquer das partes. Deve apresentar todo e qualquer fato importante para a compreensão da lide, de forma imparcial.
	É uma narrativa marcada pelo compromisso de expor os fatos de acordo com a versão da parte que se representa em juízo. Por essa razão, apresenta o pedido (pretensão da parte autora) e recorre a modalizadores.
	Sugerimos iniciar por “trata-se de questão sobre...”
	Sugerimos iniciar por “Fulano ajuizou ação de ... em face de Beltrano, na qual pleiteia ...”
VISTOS, relatos e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL N° 1.172/96, em que é apelante CASA DE SAÚDE SANTA HELENA LTDA e apelado HAMILTON DA PAIXÃO AMARÃO E S/MULHER. 
ACORDAM os Desembargadores que integram a 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por maioria, em dar provimento parcial ao recurso para restringir a indenização ao dano moral e despesas com funeral, vencido o Des. João Wehhi Dib que julgava a ação improcedente. 
Ação de responsabilidade civil, pelo rito sumaríssimo, em razão da morte de criança recém-nascida. Apontou-se como fato gerador da responsabilidade da ré o fato de ter sido dado alta hospitalar ao filho dos autores logo após o seu nascimento quando ainda não tinha condições físicas para tal. É o relatório. 
A sentença (fls.30/35), acolhendo parcialmente o pedido, condenou a ré a pagar aos autores indenização por dano moral – 100 salários mínimos – despesas com funeral e pensões vincendas, a serem apuradas em liquidação, durante nove anos, compreendidos entre os 16 e os 25 anos do filho dos autores. 
Recorre a vencida (fls.37/41) sustentando que não existe nos autos prova da culpa da apelante, hão podendo esta ser presumida, mormente em se tratando de criança nascida de mãe desnutrida e fumante. Assim, prossegue, culpar a apelante pelo infeliz acontecimento importa em imputar-lhe responsabilidade pelo procedimento dos próprios pais que, sem condições, resolveram ter mais um filho. 
Aduz não ter a sentença considerado a baixa situação social-financeira dos apelados, causa principal da mortalidade infantil, e que a introdução da sonda não foi a causa-mortis da criança. Pede a reforma da sentença. 
Ao responder o recurso (fls. 46/47), pugnam os apelados pelo seu desprovimento. 
	PEÇAS PROCESSUAIS
	NARRATIVA SIMPLES OU VALORADA?
	SE VALORADA, A FAVOR DE QUEM?
	Petição inicial 
	
	
	Contestação 
	
	
	Apelação 
	
	
	Sentença 
	
	
	Parecer 
	
	
	Acórdão
	
	
	Observação: não se trata de dizer que a PEÇA seja imparcial (simples) ou valorada, mas que a NARRATIVA assim possa ser classificada. 
Para o exercício desta semana, recorremos a um trecho de importante romance da literatura jurídica – Em segredo de Justiça� – cujo enredo versa sobre o possível assédio sexual praticado por um conhecido advogado carioca contra sua jovem secretária. Sugerimos a leitura do livro.
Leiamos a narrativa extraída desse romance.
1- A autora, conforme se verifica de sua própria qualificação, detém o grau de bacharel em administração de empresas.
2- Esse diploma foi conquistado não sem esforço, melhor se diria até, com grande sacrifício. Órfã de pai aos nove anos de idade, mais velha de três irmãs, teve a autora muito cedo que começar a trabalhar, para ajudar sua mãe no orçamento doméstico; ainda adolescente, menor de idade, aceitava pequenas tarefas remuneradas, posando para comerciais de televisão, ocasionalmente desempenhando pequenos papéis dramáticos em telenovelas.
3 - Terminado o curso colegial, procurou e encontrou emprego estável, indo trabalhar como secretária em conhecida empresa industrial.
4-	Foi progredindo em suas funções e logo, mercê de seu esforço e competência, já atendia a um dos mais graduados diretores da empresa.
5- Trabalhava há algum tempo, quando, desejosa de ter formação superior, ingressou, após passar no concurso vestibular, na faculdade de administração.
6- Foram mais quatro anos e meio de luta árdua e a autora, trabalhando durante o dia e estudando. à noite, conseguiu finalmente o ambicionado diploma.
7- Faltava-lhe agora trabalhar na profissão que escolhera e para a qual se capacitara. Era, porém, uma opção difícil. Como secretária, era uma profissional experiente, tendo atingido o topo da carreira; como administradora, tinha um diploma de curso superior completo, mas nenhuma experiência. Onde quer que fosse trabalhar, provavelmente deveria começar com uma remuneração inferior àquela que auferia na empresa industrial.
8- Uma tarde, a autora foi procurada por seu então chefe, Sr. Horácio de Melo Alencar, que lhe perguntou se ela gostaria de ir trabalhar como administradora em um escritório de advocacia, por umsalário igual ao que então percebia como secretária.
9- A autora, de início, manifestou surpresa, chegando a duvidar do que julgava ser tanta sorte. O Sr. Alencar, porém, tranqüilizou-a: tinha um amigo - o Sr. Ranulfo Azevedo - homem sério, advogado conceituado, que procurava justamente uma administradora profissional para seu escritório de advocacia.
10- Como se tratava de firma ainda pequena, não fazia questão o Sr. Ranulfo de um ou de uma profissional experiente: queria alguém que tivesse um diploma, bom senso, disposição para trabalhar, e, sobretudo, vontade de crescer junto com a organização.
11- Lembra-se a autora de que, já naquela ocasião, comentara com o Sr. Alencar que “pobre quando vê muita esmola, desconfia" e que estava achando a oportunidade "boa demais para ser “verdade”.
12-	O Sr. Alencar disse	, contudo, que já tinha conversado a respeito com o Sr. Ranulfo e que tinha sido, aliás, o próprio Sr. Ranulfo o primeiro a dizer que estava procurando alguém para administrar seu escritório e que se manifestara entusiasmado, ao saber que ela, autora, a secretária de seu amigo Alencar, tinha recentemente se formado em administração.
13- O ex-chefe da autora chegou' até a acrescentar que fora o próprio Sr. Ranulfo que, ao mesmo tempo em que elogiava os atributos físicos da autora, perguntara quanto ela ganhava e pedira permissão ao Sr. Alencar para convidá-la para trabalhar com ele, Ranulfo.
14- Por aí já se vê, desde o primeiro momento, quais fossem as intenções do réu, misturando indevidamente, como qualificações para preencher o cargo vago em sua empresa, dotes de beleza física e aptidões profissionais.
15- Permite-se a autora, nesse passo, a bem da precisão da narrativa dos fatos, transcrever a expressão exata que teria sido usada pelo réu: de fato, segundo o Sr. Alencar, seu amigo Ranulfo teria dito:
“_ você quer me dizer que sua secretária é formada em administração? Mas ela é 'gostosa demais'! Você ia ficar muito chateado se eu convidasse ela para trabalhar comigo?"
16- A frase desrespeitosa foi transmitida ipsis litteris à autora pelo Sr. Alencar. A autora, porém, infelizmente, não a tomou devidamente em conta.
17- A oportunidade que se apresentava era excepcional: atendia rigorosamente àquilo com que a autora vinha sonhando, desde que ingressara na faculdade. O réu, além disso, era amigo de longa data do Sr. Alencar, um profissional conhecido, muito bem sucedido na profissão, tinha reputação de homem sério. Usara por certo apenas por troça, "de brincadeira”, em conversa com um amigo, a expressão chula, mas certamente, em seu escritório, jamais ousaria ultrapassar os limites do respeito e da conveniência.
18- Assim pensando, e encorajada por seu chefe, a autora aceitou a oferta e, em fevereiro de 1990, foi contratada para o cargo de gerente administrativa da firma: "Escritório de Advocacia Ranulfo Azevedo".
19- Os primeiros meses foram gratificantes. A autora dedicava-se com afinco .às tarefas que lhe eram cometidas. Sua posição era especialmente. delicada, cabendo-lhe gerenciar um grupo que incluía profissionais de nível superior, sobre os quais não tinha qualquer ascendência hierárquica.
20- Mas a autora: parecia vencer o desafio: organizou novas rotinas, mudou a decoração do ambiente, pôs em dia e modernizou a cobrança de honorários aos clientes, imaginou e implantou métodos modernos e eficientes de administração.
21- Em verdade, a despeito de sua pouca idade, a autora logo se impôs no ambiente de trabalho, ganhando o respeito e a consideração das cerca de trinta pessoas que trabalhavam na firma, entre advogados, estagiários, secretárias e funcionários.
22- O próprio réu, de início, parecia encantado, mais com a competência profissional que com os alegados atributos físicos da autora, comportando-se geralmente de forma respeitosa, formal,quase cerimoniosa.
23- A seriedade do réu, contudo, era apenas hipócrita máscara, atrás da qual se escondia um verdadeiro e imoral sátiro, um autêntico maníaco sexual.
24- Essa faceta começou a ficar clara em uma ocasião muito marcante.
25- Ao final de junho, o Escritório de Advocacia Ranulfo Azevedo organizou, como fazia todos os anos, uma convenção em um hotel fora da cidade.
26- Era reunião de dois dias, congregando advogados e estagiários e respectivas famílias. Saíam todos do escritório em uma sexta-feira à tarde, em um ônibus fretado. Durante todo o dia de sábado e na manhã de domingo os advogados e estagiários debatiam temas profissionais, ligados à gestão do escritório ou a assuntos propriamente jurídicos. As noites de sexta-feira e de sábado, porém, eram puramente sociais, dedicadas à confraternização.
27- A autora foi convidada para o seminário. De início, teve dúvidas em aceitar o convite. Sabia que era a primeira vez que alguém, não diretamente ligado às atividades profissionais da firma, participava de uma convenção daquele tipo. Finalmente, face à insistência do réu, sentindo-se honrada, aceitou.
28- Não levou, porém, acompanhante. Nem a autora, nem o réu, cuja esposa estava, na ocasião, ao que foi dito, em viagem ao exterior.
29- Na noite de sexta-feira houve de fato uma grande confraternização. Todos conversavam animadamente; o jantar foi agradável e havia muita amizade e alegria. Mas nada de anormal ou grave aconteceu e, por volta das onze horas da noite, já todos estavam recolhidos.
30- Aconteceu, isto sim, na noite de sábado. Nessa noite, após o jantar, um conjunto tocava música de dança. Sem acompanhante, o réu tirou a autora várias vezes para dançar. À medida que a noite se desenvolvia, cada vez mais procurava o réu a proximidade corporal com a autora.
31- Os outros casais aos poucos iam se recolhendo aos respectivos aposentos até que, cerca de uma hora da madrugada, só restavam dançando autora e réu, este último, a essa altura, completamente embriagado.
32- Tocado pelo álcool, o réu perdeu o controle de si mesmo e começou a tentar seduzir a autora, com palavras eloqüentes ,carregadas de sensualidade imoral.
33- A autora, é claro, resistiu sempre, até que, finalmente, desvencilhou-se do réu e saiu andando apressadamente até seu quarto.
34- O réu, porém, seguiu-a e, com o pé, impediu-a de trancar a porta, dizendo cruamente, em alto e bom som:
"- Esta noite eu vou dormir aqui com você".
35- O constrangimento era total e invencível., No silencioso hotel de fim de semana, todos estavam recolhidos. O réu, completamente embriagado, deixava desenganadamente claras suas lascivas intenções. Somente com grande escândalo, do qual todos os demais hóspedes do hotel e, principalmente, os profissionais integrantes do escritório por certo tomariam conhecimento, poderia a autora ter resistido a suas lúbricas investidas.
36- Não restou à autora senão aceder e passar a noite com o réu. Enojada, vencendo a repugnância, por várias vezes permitiu que ele a possuísse, sempre para evitar o escândalo.
37- Manhã bem cedo, retirou-se o réu para seu próprio quarto e, algumas horas depois, de cara lavada, como se nada tivesse acontecido, presidia a reunião da manhã de domingo.
38- A autora cuidava que todo aquele pesadelo não duraria mais que uma noite e que, novamente sóbrio, o réu se desculparia ou, pelo menos, tentaria fingir que nada tinha acontecido.
39- De fato, foi assim que procedeu o réu durante todo o domingo, no hotel, e na viagem de volta.
40- Na segunda-feira a autora apresentou-se ao trabalho, ainda desconfiada, mas pronta a iniciar esforço consciente para relegar o episódio- a merecido esquecimento. O emprego ainda era um bom emprego; a autora precisava dele; agora mais que nunca, pois sua mãe, já idosa, estava prestes a submeter-se a uma delicada intervenção cirúrgica. O réu, até ali, tinha sido um bom patrão. Tudo afinal não passara de uma noite de bebedeira.
41- Ao final do expediente, porém, o réu chamou a autora, dizendo que precisava conversar com ela e oferecendo uma carona. Cuidando, ingenuamente, que receberia o tão esperado pedido de desculpas, a autora aceitou o convite.
42- Mais uma vez,porém, para sua desgraça, enganou-se. O réu desejava, isto sim, reiterar que apreciara imenso a noite passada com ela, que insistia em chamar “uma noite de amor"; que não tinha deixado de pensar nela um só minuto e que queria repetir a experiência.
43- Agora não havia mais a desculpa da embriaguez. O réu estava sóbrio e sua voz, firme, decidida; simplesmente, com estarrecedor cinismo e despudor, convidava a autora a ser sua amante fixa, a ter “um caso" com ele.
44- A autora não sabia o que. fazer: aceitar não podia; não queria envolver-se com o réu, um homem casado e, ao que se dizia, bem casado; por outro lado, estava implícito no convite que a recusa significaria para a autora a demissão do emprego. 45- Procurou a autora, em desespero, ganhar tempo. Pediu uma semana para pensar, ao que o réu, surpreendentemente, respondeu que esperaria...
"_ ...porque tinha certeza que ela ia ser 'boazinha' e aceitar sua proposta".
46- Durante uma semana, o réu nada disse. Manteve-se discreto, absolutamente frio, com o cinismo impávido e arrogante do conquistador profissional.
47- Não deixou, porém, de sinalizar, indireta e ofensivamente, as vantagens que adviriam para a autora de aceitar suas propostas indecorosas; interessou-se mais por seu trabalho, sugeriu a contratação de um auxiliar para suas funções, acenou com a perspectiva de um aumento de seus vencimentos.
48- Passada a semana de prazo, voltou o réu novamente à carga de modo direto: perto do final do expediente, como sete dias antes, ofereceu à autora uma carona, que esta não teve como recusar.
49- Conversavam no trajeto; a autora, hesitante, relutante, com medo de negar, sentindo-se coagida, ameaçada de perder o emprego. O réu, gentil, polido, falsamente sedutor, mas deixando clara a opção: ou a autora se transformava em sua amante fixa ou teria que procurar rapidamente um novo emprego.
50- A autora, nervosa, entretida na conversa difícil, não observava para onde estavam se dirigindo. De repente, em uma curva, o réu saiu com o carro da estrada e entrou em um motel, pedindo imediatamente a chave da suíte presidencial.
51- Novamente o constrangimento; novamente o envolvimento, as insinuações, a criação de situações sem saída. E novamente a autora é forçada a aceder aos caprichos sexuais do réu.
52- F0rmava-se assim uma situação irreversível. autora e réu, agora, eram amantes. Não havia como voltar atrás.
53- Irremediavelmente enredada pelo patrão, era agora prostituída, obrigada a entregar seu corpo para não perder o emprego. Nada mais restava agora à autora senão manter as aparências e associar-se ao réu no negregando esforço de manter desconhecido o espúrio conúbio.
54- A rel.ação, vivida às ocultas, durou alguns meses. A autora, porém, sofria muito; não saía mais de casa. Sua condição de amante fixa de um homem casado, ainda por cima seu patrão, tornava-a uma pessoa amarga, dissimulada.
55- O único lugar que freqüentava, além do trabalho, era o motel, sempre o mesmo, uma ou duas vezes por semana pelo menos, ao final do expediente. De vez em quando, quando o réu tinha o.pretexto de alguma viagem, exigia que a autora o acompanhasse ou que, antes ou depois, passasse com ele uma noite inteira, o que a obrigava a inventar mentiras constrangedoras para sua velha mãe, com quem ainda morava.
56- Mas não paravam aí os sofrimentos. Também por um outro particular a situação era cruel: além de seus sonhos profissionais, a autora evidentemente tinha também sonhos como mulher, os sonhos de toda moça: ter uma relação afetiva normal, sólida, casar-se, gerar e criar os próprios filhos.
57- Aos poucos esses sonhos iam se frustrando. Como poderia ela, sentindo-se como se sentia, uma prostituta, entregando-se a práticas sexuais com um homem que não amava, conseguir desenvolver um outro tipo de relação, mais puro e mais saudável?
58- Um dia, porém, apesar de tudo, a autora apaixonou-se por um rapaz solteiro, um jovem médico, dois anos mais velho que ela, que conheceu na festa de casamento de sua irmã.
59- Sua paixão, para sua felicidade ou desgraça, foi correspondida e logo iniciava ela, cheia de esperanças, um namoro saudável.
60- Estava, porém, carregada de culpas. Não podia continuar nem mais um minuto levando uma vida dupla: amando com pureza o jovem médico, ao mesmo tempo em que mantinha com o patrão uma relação adúltera e pecaminosa. O rompimento com o réu, nas circunstâncias, tornou-se inevitável.
61- O réu, porém, inconformado, insistia, prometia, ameaçava, gritava; chegou mesmo, certa vez, a agredir fisicamente a autora.
62- Finalmente, deixou-a ir. Mas, no dia seguinte, como era de se esperar, a autora estava demitida.
63- Não parou aí a baixeza do réu. Vingativo, contou ao namorado da autora o caso que tivera com ela, mostrando-lhe, inclusive, fotografias suas em posições obscenas.
64- A mãe da autora, por sua vez, mal recuperada da cirurgia a que se submetera, não resistiu à sucessão de crises emocionais da filha e faleceu pouco depois.
65- A própria autora adoeceu seriamente. Não conseguia arranjar emprego; tinha vergonha. O réu, pessoa conhecida e influente na sociedade, cuja separação recente era assunto das crônicas de intrigas, provavelmente denegrira seu nome.
66- Poderia a autora alongar-se ainda, por páginas e páginas no relato de seus tormentos. Não o faz. Não é preciso. V. Exa. saberá, com sua sensibilidade de magistrado, avaliar com precisão quão duros foram esses tempos de tormento e humilhação que o comportamento reprovável do réu causou à autora.
Questões
a) Resuma, em até cinco linhas, qual a versão narrada pela parte autora.
b) Identifique, na transcrição desse segmento, pelo menos três informações que a parte ré não teria narrado. Justifique por quê.
C) Identifique pelo menos dois recursos linguísticos que visem a valorar os fatos a favor da parte autora.
� LACERDA, Gabriel. Em segredo de justiça. Rio de Janeiro: Xenon, 1995, p. 10-20.

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