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ALTERIDADE COM RELAÇÃO À FORMAÇÃO MILENAR DA TERRITORIALIDADE NATIVA AOERGS José Roberto de Oliveira 02.09.2021 1 Alteridade do latim alteritas ('outro') é a concepção que parte do pressuposto básico de que todo o ser humano social interage e é interdependente do outro. Assim, como muitos antropólogos e cientistas sociais afirmam, a existência do "eu-individual" só é permitida mediante um contato com o outro (que em uma visão expandida se torna o Outro, ou seja, a própria sociedade diferente do indivíduo). 2 Assim, pode também se dizer que a alteridade é a capacidade de se colocar no lugar do outro na relação interpessoal (relação com grupos, família, trabalho, lazer e a relação que temos com os outros, etc...), com consideração, identificação e dialogar com o outro. Por fim, alteridade não significa que tenha de haver uma concordância, mas sim uma aceitação de ambas as partes. 3 4 A importância da alteridade numa perspectiva antropológica, quando qualquer pessoa entra em contato com outra de cultura diferente, ela deve entender, e compreender esta cultura sem fazer o juízo de valor ou com preconceitos, assim é possível entender, não só a cultura do outro, como também a nossa de forma mais ampla, a antropologia é conhecida como a ciência da alteridade, porque tem como objetivo o estudo do Homem na sua plenitude e dos fenômenos que o envolvem. 5 Com um objeto de estudo tão vasto e complexo, é imperativo poder estudar as diferenças entre várias culturas e etnias. Como a alteridade é o estudo das diferenças e o estudo do outro, ela assume um papel essencial na antropologia. A alteridade é importante nas relações sociais e no combate ao racismo, etc... 6 Em 2008, quando aprontava o Livro PEDIDO DE PERDÃO AO TRIUNFO DA HUMANIDADE pedi ao Irmão Antônio Cechin que escrevesse uma apresentação ao meu texto e ele, após ler o que eu havia escrito, escreveu UM PEDIDO DE PERDÃO AO POVO-RAIZ, onde aprofunda a ideia de que temos heranças com relação aos milhares de anos da presença humana entre nós e o que fizemos com aqueles povos para estarmos hoje nos locais onde eles viviam. 8 Em 1978, em preparação ao encontro de Puebla, Cechin, escreveu um livrinho sobre Sepé Tiaraju, o qual ele sempre pensou como o representante da história dos índios martirizados. “devia-se celebrar, além dos mártires tradicionais, a morte de milhares de índios sacrificados pelos Impérios Cristãos da Espanha e Portugal” afirmava textualmente nosso bispo-profeta Casaldáliga. 9 Casaldáliga cria a ‘Missa da Terra Sem Males’, que é também profundamente ecológica, consagrou-se oficialmente, como o primeiro grande pedido de perdão que os cristãos de nossa Ameríndia fazem a seus irmãos índios. Por isso mesmo, mais do que uma missa indígena é missa para ‘branco’ e com razão, encerra com um Compromisso Final em torno de uma trilogia de sentimentos: Memória / Remorso / Compromisso! 10 Sobre as comunidades ainda em estado nativo [escreve Cechin]: “Saindo de Porto Alegre por qualquer estrada que se tome, rumo a Pelotas pela BR 116, ou pela BR 390 no caminho da fronteira, ou ainda pela BR 101, costeando o litoral de sul para norte, nossos olhares darão, a toda hora, com gente acampada às margens das grandes rodovias, oferecendo um artesanato próprio, caracterizado por cestas multicoloridas e por animais esculpidos à força de canivete, tais como miniaturas de onças, tigres, tamanduás, capivaras, araras, jacus, lebres, etc”. 12 Em seus traços fisionômicos e pela cultura que exibem, não é preciso fazer muito esforço para identificá-los. São comunidades sobrantes das nações indígenas guarani, kaingang e charrua. A situação atual em que se encontram, de carência absoluta, de maneira nenhuma consegue nos remeter ao passado tribal em que viviam durante os milhares de anos que antecederam à “descoberta” do Brasil pelos europeus, no ano de 1500 e mais adiante, nos séculos 17 e 18, sob a influência das Missões dos Jesuítas. 13 No Prólogo do Livro, mostro que sou um dos herdeiros da raça nativa: Durante a infância passava as férias nas terras da avó Olinda Luis de Oliveira, uma verdadeira herdeira da genética guarani, em uma localidade chamada Carajazinho, que, em língua nativa se diz carajá mirim, ou seja, bugio pequeno. Estando no Carajazinho, lembra perfeitamente de ir a cavalo até as casas dos parentes, construídas de pau-a-pique, modelo herdado dos guaranis. 15 Na introdução do Livro cito que com o texto: Pretendo contextualizar as diversas forças que levaram a montagem do projeto, analisando o crescimento, o apogeu e o desaparecimento. Também mostrar que o Guarani não desapareceu, apesar do extermínio de parte da gente daquele período, sua genética e cultura continuam vivas no meio regional e estadual, e nos países do Mercosul (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai). 16 O povo nativo não desapareceu. Está vivo nas aldeias, mas também geneticamente no povo atual. Pretende mostrar esse lado histórico de forma clara para que a gente de nosso tempo compreenda melhor o jeito de ser de nossos contemporâneos e com isto busque soluções para a caminhada futura. Que o livro, de alguma forma, possa abrir o coração dos herdeiros dos mandantes das atrocidades contra os povos nativos daquele período histórico e que, de alguma forma, possam ajudar a reconstruir uma vida completa para os herdeiros que estão vivos. 17 De Onde Veio o Povo Guarani? De origem mongol, pela obviedade dos traços e de sua biotipologia. Foi muito estudado pelos antropólogos de vários locais do mundo. Lugon (p. 24), citando Dr. Rengger, diz que “os traços fisionômicos são os da raça mongol... As mulheres têm os cabelos longos e lisos. Nos dois sexos, os cabelos só se tornam grisalhos numa idade muita avançada.” Carll Zimer, em O Livro de Ouro da Evolução (p. 470), uma espécie de Darwin revisado, diz que na comparação de 53 povos diferentes do planeta se chegou a conclusão que os Guarani são irmãos genéticos dos dois tipos de Japoneses e dos Inuites Siberianos. E muito próximos dos Chineses, Australianos e Indianos Asiáticos. 19 Palacios e Zofolli no Livro Glória e Tragédia das Missões Guaranis (p. 71), comenta que “O índio guarani parece ter ascendência do tronco asiático, mongólico, com possíveis componentes polinésios.” Das descobertas particulares e que mais me impressionam são as relacionadas com os guaranis e os japoneses. O bambu é um ou o elemento mais importante em ambas às culturas. Usado como material construtivo e de artesanato, tem o nome muito parecido em ambos os povos: no japonês, chama-se take e no guarani, taqua. As palavras taquara, taquapi, taquaruçu e tantas outras se referem ao tipo de bambu grosso, fino, felpudo. Entre tantas questões que levam a crer que entre 15.000 e 20.000 anos os guaranis e os japoneses estiveram juntos, muito próximos, ou mesmo formando um só grupo, é a questão das letras que formam suas línguas: em ambos os casos não há a letra “L”, corriqueira nas outras nações. 20 A tese levantada sobre o aparecimento do guarani na América é que saindo da Mongólia, o povo passou pelas ilhas do Japão, depois pelo conjunto das ilhas da Polinésia, mais tarde navegou pelas correntes quentes do Pacífico, e chegou à América, na altura do Peru, subiu os Andes e desceu pelas nascentes do rio Madeira, margens essas onde se encontram datações arqueológicas de sua presença há 8.000 anos. 21 Na época pré-colombiana e pré-cabralina, os protoMby’á e os protoCarios foram dois grupos humanos que se derivaram das grandes migrações iniciadas nos rios amazônicos e que, ao unirem-se, formaram o complexo étnico denominado “tupi-guarani”. O rio Araguaia foi possivelmente o mais utilizado para a saída da região amazônica. O ramo guarani chegou até o começo do rio Paraguai e afluentes, dirigindo-se, também, às bacias dosrios Paraná e Uruguai, até ao Atlântico. 23 Nas épocas anteriores das Missões, existiam grupos indígenas com diferentes níveis de desenvolvimento: nômades, seminômades, caçadores, pescadores, semi-sedentários e agricultores. Desses todos, o Guarani apresentava maior desenvolvimento e maior população. A ocupação do território pelos Guarani no Rio Grande do Sul se deu há mais de 2.000 anos, ocupando espaços tomados de outras nações indígenas como, por exemplo Kaingans, Charruas, Minuanos, Guenoas e outras. 24 O Mundo Nativo Americano e o Povo Guarani Segundo cálculos difíceis de serem confirmados, viviam na América cerca de 40 milhões de pessoas quando Colombo desembarcou na ilha de Guanaani, em 1492. Calcula-se que falavam 2.000 línguas, pois a maioria vivia em pequenas aldeias isoladas, apesar da existência de grandes impérios, com cidades maiores que Lisboa e Madri. Como todos sabem, antes do descobrimento da América o Guarani era uma língua somente falada e não escrita. Por isso a importância da linguagem nas tradições e nos hábitos. O ñande reko (modo de ser) tem como um dos elementos fundantes no povo Guarani a sua língua. 25 PORTUGAL Conforme Arnaldo Bruxel (p. 10), “O guarani era de estatura média, compleição robusta, cabeça grande, rosto largo e ovalado, olhos pequenos e vivos, nariz levemente achatado, dentadura firme e sem cárie, tez bronzeada, barba rala, cabelos pretos e lisos, andar rápido.” De acordo com André Luis R. Soares, em seu livro Guarani Organização Social e Arqueologia (p. 21), há uma unidade da família lingüística tupi-guarani anterior ao contato com o europeu. Há uma unidade lingüística comprovada pelos dicionários ao longo da conquista e da colonização, e há uma unidade da organização social entre os diferentes grupos de fala Guarani ao longo do contato e atualmente. 27 O povo Guarani habitava a região litorânea do sudeste ao sul do Brasil, entre os estados do Espírito Santo e Rio Grande do Sul, o estuário do Rio da Prata, às margens do Paraná, parte do território do Paraguai, Argentina, Uruguai e Bolívia. Lugon, na página 23, expõe “Grupos compactos de guaranis estavam escalonados até a Cordilheira dos Andes. Escreveu o Dr. Rengger: “Não é duvidoso que essa nação não tenha sido a mais numerosa da América do Sul”. Os guaranis formam uma raça de muitos milhões de almas, distribuídas de maneira mais ou menos densa sobre metade do continente.” 28 29 Soares (p. 92), informa que havia casas com 300 ou 400 pessoas, com prestígio do tuvichá, atraindo diversos vassalos a partir do prestígio do cacique. Esse, tradicionalmente, tinha muitas mulheres. A sua importância era dada pelo número de mulheres, pois essas trabalhavam e garantiam bens para distribuição a outros índios, aumentando assim o prestígio do cacique. Na página 93, escreve que, “A busca pelo prestígio, enquanto um dos pilares fundamentais do ethos, é o elemento que reúne diversas qualidades para a continuidade e unidade cultural. É pelo prestígio que se realizarão grandes festas, que se convidarão todas as pessoas ligadas, próximas ou distantes, é pelo prestígio que participarão das guerras.” 30 Soares (P. 209 e 210), esclarece que, o cuñadazgo “Consiste na prática de transformar uma pessoa sem laço sangüíneo num parente político por afinidade, o cunhado.” Sobre a base cultural do povo Guarani, Melià, na página 126, escreve: “Hoje sabemos que o máximo valor cultural dos guaranis é sua religião, uma religião da palavra inspirada, “sonhada”, pelos Xamãs e “rezada” em prolongadas danças rituais... A missão jesuítica não realizou, pois, uma conversão da religião guarani, senão uma substituição.” 31 No atual território do Rio Grande do Sul, habitavam diversas tribos indígenas antes da entrada dos conquistadores guaranis, que, ao chegarem trouxeram uma nova cultura. Eram agricultores e com isso puderam mudar as condições do território na relação com as outras tribos e nações indígenas pré-existentes. Os Guarani guerreavam com arco, flecha e tacapes. Como eram cultivadores, podiam acumular alimentos para executar operações militares. Também foram auxiliados com a antropofagia que permitia obter proteína durante as guerras, sem necessitar perder tempo na caça. Abaixo, as tribos que viviam no atual território gaúcho e que, de alguma forma, conviveram com a entrada do Guarani. 33 O povo Tupi, que tinha o mesmo tronco lingüístico do Guarani, possuía uma profunda crença na imortalidade da alma; em verdade como as outras tribos. Dizia que a alma dos bons, depois de morrer, iria habitar além das Montanhas Azuis, em lugar maravilhoso, vedado a traidores. Os Kaingang encontravam-se localizados na região central, entre os estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, ocupando os planaltos destes estados. Falam a língua do tronco Jê. Sempre fugiram do processo de colonização. Acreditavam que a alma dos bons e dos bravos ia para o Paiquerê, campos paradisíacos que nem eles mesmos sabiam determinar. 34 Os Carijó ocupavam o albardão entre a Lagoa dos Patos e o Atlântico, a região de Osório e Torres, penetrando em Santa Catarina. Os Caaguá dominaram o planalto campestre e o nordeste do Rio Grande do Sul, tronco originário dos Coroado. Povo que o Padre Cristóvão de Mendoza tentou missionar, sendo morto em 1635. Os Guananá situavam-se nas matas campestres do Alto Uruguai, sob a denominação de Ibirajara, confrontavam-se com os Tape. Os Tape situavam-se entre as bacias do Taquari e Jacuí, no centro do Rio Grande do Sul. 35 Os Arachane ou Pato localizavam-se na região ocidental da Lagoa dos Patos, de forma diferente dos outros índios da vasta região, tinham os cabelos encaracolados, todavia também foram guaranizados e com muita facilidade foram se mesclando com os brancos. Os Minuano estiveram arrinconados junto à Lagoa Mirim. Sempre tiveram boa relação com os portugueses que os contratavam para lutar contra os guarani. Pela pressão colonizadora, transferiram-se para a Serra do Jarau. Os Guenoa localizavam-se nas terras entre o sul do Ibicuí e o rio Negro, Camaquã e o Vacacaí. Eram muito belicosos e causaram muito medo aos primeiros jesuítas. 36 Os Charrua foram um importante povo na formação do Estado. Estiveram presentes na redução de São Borja e ajudaram os guarani nas suas estâncias. Cavalarianos temíveis, lanceiros, laçadores e boleadores excelentes. Foram auxiliares históricos na formação estancieira e fronteiriça do Rio Grande do Sul. Obviamente que os Guarani ocuparam este vasto território da América do Sul a partir de muita luta. No entanto, ao chegar o povo europeu, as relações neste vasto território estavam bem reguladas e estabilizadas, como a natureza das relações nativas permitia. Muitas tribos foram guaranizadas por força dessas lutas. 37 Entre 1568 e 1768, foram 200 anos de trabalhos apostólicos dos jesuítas entre os índios da América. É indubitável que sua presença e seu modo exemplar de evangelizar mudou o continente americano, especialmente no momento em que assumiram o lado dos nativos, como no caso dos guaranis que estavam pressionados pela busca portuguesa de escravos para suas lavouras, especialmente nas de São Paulo, ou pelos espanhóis que buscavam índios para suas encomendas, que, a bem da verdade, não eram nada diferentes que a escravização. 38 Sobre a implantação das Reduções Jesuíticas Palacios observa (p. 130): “Conseguida a comunidade agrícola, favorecida pela boa seleção de terras com alta fertilidade e adiantando-se a seu entorno colonial e a sua época, os jesuítas criaram uma sociedade que foi durante século e meio um modelo de desenvolvimento social, econômico, cultural e cristão. E nunca estará demais repetir que essas transformações lograram com grupos indígenas em um estado de desenvolvimento neolítico.” 39 A cerca das reduções, Melià (p. 242), escreve:“As reduções eram povos de índios nos quais congregavam de fato vários cacicados. O novo espaço colonial urbanizado a modo dos povos de espanhóis, porém sem espanhóis morando neles, devia facilitar a instrução religiosa, a vida “política e humana” e a agricultura. Os missioneiros eram de fato os representantes da administração colonial, sendo os principais responsáveis da programação da vida cristã e política.” 40 Na Primeira fase, onde hoje é o Estado do Paraná foram 13 reduções, no Mato Grosso do Sul, cerca de 8 reduções e no atual Rio Grande do Sul estava a Região do Tape e sobre ela os jesuítas fundaram 18 reduções. A primeira foi São Nicolau, no dia 3 de maio de 1626, pelo Padre Roque Gonzales de Santa Cruz, em local bem próximo à atual Cidade de São Nicolau. Essa fundação marcou o início da colonização do Estado. Em seqüência fundaram-se: São Francisco Xavier, em 1626, ao lado do rio Uruguai, abaixo da foz do rio Piratini, fundada por Roque Gonzáles. Nossa Senhora Candelária do Ibicuí, em 1627, próxima a Cidade de Alegrete. Assunção do Ijuí, em 1628, fundada por Roque Gonzales, ao lado do rio Ijuí, hoje no município de Roque Gonzales. Nossa Senhora Candelária do Piratini ou Caçapaa-mini, em 1628, entre os rios Piratini e o Ijuí, fundada pelo Padre Roque Gonzales. 41 Nossa Senhora dos Santos Mártires do Caaró, em 1628, pelo Padre Roque Gonzales e Afonso Rodrigues, local onde foram martirizados, nesse mesmo ano. Apóstolos, em 1631, próximo ao rio Ijuizinho, São Carlos, em 1631, nas nascentes do rio ijuí, próximo a cidade de Panambi. São Tomé, em 1632, fundada pelo Padre Pedro Romero, Manuel Bertot e Luís Ernot, próximo à cidade de Jaguari. São José, em 1632, assumida pelo Padre José Cataldino, próximo à Cidade de São Vicente do Sul. Natividade, em 1632, próximo a Cidade de Júlio de Castilhos. São Cosme e Damião, em 1632, dirigida pelo Padre Adriano Formoso, próximo a Cidade de Santa Maria. Jesus Maria, em 1632, entre a cidade de Candelária e Botocaraí. Sant’Ana, em 1632, próximo à cidade de Candelária. São Miguel Arcanjo, em 1632, fundada por Cristóvão de Mendoza e Pedro Romero, próximo a São Martinho. São Cristóvão, em 1634, próximo à Vera Cruz. São Joaquim, em 1634, próximo à cidade de Arroio do Tigre. Santa Tereza, em 1634, próximo à cidade de Passo Fundo. 42 Sobre o bandeirantismo e a necessidade de tornar os índios escravos Solera (p.314), escreve: “O pretexto de submetê-los, garantia indispensável de sobrevivência para os núcleos populacionais recém-criados, logo deu origem a prática criminosa já citada, que visava apresar o nativo para o trabalho escravo. Neste caso não existe o tão decantado heroísmo bandeirante que a história consagrou, mas sim uma iniciativa aventureira e economista cujo objetivo eram lucros fáceis ainda que a qualquer preço. Esta fase foi de um aniquilamento sem precedentes na vida dos autóctones e amparavam-se na utopia de que “vendiam o serviço escravo e não a pessoa; mas como tinham que vender o serviço, o que fazer com a pessoa? ia junto!” 43 Fontes, como Montoya, Charlevoix, Pastells, Bruxel e outros, apontam o número de trezentos mil índios levados como escravos, sem esquecer que um número não contado é o dos mortos e feridos com os ataques e especialmente com a transmigração do Guairá, hoje Estado do Paraná, até o sul, em que os documentos contam milhares de mortos durante a viagem. 44 Em 1636, chegou à região do Tape a primeira bandeira paulista com intenções de escravizar os índios reduzidos. O comandante foi Antonio Raposo Tavares. Apesar da contraposição dos jesuítas, começaram o apresamento pela redução de Jesus Maria, de onde levaram milhares de índios como escravos. Em 1638, chegaram outros bandeirantes que se apoderaram dos povos de Santa Teresa e Apóstoles, também chamada de Caazapa-Guaçu. Nessa oportunidade, o superior Diego de Alfaro conseguiu que o Governador de Asunción Pedro de Lugo y Navarra o auxiliasse enviando 60 arcabuzeros, que se somaram aos 2.000 guaranis missioneiros relativamente instruídos militarmente, comandados pelo irmão Torres. A força integrada, no dia 17 de janeiro de 1639, derrotou a bandeira que tinha como chefe Fernão Dias Pais Leme. Nesse episódio, foram libertados outros 200 índios que já estavam aprisionados. Nessa batalha, foi morto com um tiro de arcabus o superior padre Diego de Alfaro. 45 À morte do superior, somada às milhares de índios escravizados e aos saques sofridos desde a bandeira de Raposo Tavares, decidiram-se os jesuítas a abandonar o Tape, assim como já havia ocorrido com Guairá. Desde 1626, quando ocorreu a primeira fundação em terras do Tape, hoje Rio Grande do Sul, até o momento da retirada do último índio cristianizado no ano 1640, passaram-se 14 anos. Migraram 18.500 almas, conforme Larguia (p. 19). Santos Missioneiros... Deixaram para traz o gado que havia sido introduzido em 1634 e que se multiplicou maravilhosamente. Esse gado é que fez a base da economia para as reduções no seu retorno a partir de 1682 e também depois formou o gado do tropeirismo, das charqueadas e fazendas do Rio Grande do Sul. 46 A Batalha de M’Bororé Cansados de serem atacados pelos Bandeirantes, os Jesuítas conseguem autorização para uso de armas de fogo e treinam os Guaranis para a Guerra. 4.200 indígenas se preparam para combater contra 6.800 pessoas das forças paulistas. A Batalha ocorreu no rio Uruguai e a vitória Missioneira foi tão importante que mudou a história do Brasil, pois os bandeirantes mudaram a partir deste fato a sua política expansionista para encontrar ouro e pedras preciosas no Oeste brasileiro, especialmente as minas de Minas Gerais. 48 Moacyr Flores comenta (p. 47): “Em 1680 os portugueses se estabeleceram na Colônia do Santíssimo Sacramento com finalidades militares de estender a fronteira do império luso até o Rio da Prata e de criar um entreposto de contrabando, conforme se pode ler no regulamento trazido por D. Manuel Lobo e se deduz pelas atividades dos comerciantes ali estabelecidos. Esse contrabando inverteu o fluxo comercial dos produtos da região platina, que antes seguiam para os portos do Pacífico, para o porto de Buenos Aires, através da Colônia do Santíssimo Sacramento. A Espanha não conseguiu estancar essa sangria em sua economia, pois o contrabando contava com o apoio de autoridades rio-platenses. Só há corrupção quando as autoridades são coniventes.” 49 Segunda Fase Missioneira Depois da expulsão estabelecida pelos Bandeirantes e o estabelecimento das reduções do lado direito do rio Uruguai, retornaram a partir de 1682. Voltaram por estas duas razões básicas: primeira, a econômica, pelo gado que estava espalhado por todo o território que depois foi chamado Rio Grande do Sul; e segunda pelas questões de ocupação territorial, pois os portugueses davam sinal de avanço, especialmente com a fundação da Colônia de Sacramento. 50 Os Sete Povos das Missões -São Francisco de Borja: Fundado em 1682 -São Nicolau: Transmigrou no ano de 1687 -São Luiz Gonzaga: Fundado em 1687 -São Miguel Arcanjo: Transmigrou em 1687 -São Lourenço Mártir: Fundado em 1690 -São João Batista: Fundado em 1697 -Santo Ângelo Custódio: Fundado em 1706 Onde ficou mais tarde território do Brasil ficaram 7 Povos mais as estâncias ervateiras e de gado. Na Argentina 15 Reduções e no Paraguai 8. 52 Quanto às oficinas, escreve Bruxel (p. 44) que: “Em cada Redução havia umas 30 ou 40 oficinas: de escultura, pintores, ferreiros, tecelões, chapeleiros, curtidores, carpinteiros, oleiros, etc. Enquanto o permitia o volume das matérias-primas, localizavam-se as oficinas no segundo pátio. Outras se situavam fora do povoado, como as olarias que, além de grandes fornos, exigiam extensos galpões para a secagem dos adobes, ladrilhos e telhas. Também se encontravam fora do povoado as carpintarias, onde a madeira de construção, depois de desbastada do mato, eratrabalhada com traçador, machado e enxó. Os matadouros, por razões de higiene e comodidade, só poderiam estar fora do povoado, e não no segundo pátio... Ali no segundo pátio estavam certamente os açougues, em que se cortava e repartia a carne para cada família.” Exportação... 53 As casas dos índios, no tempo anterior às reduções, eram de pau-a-pique, herança comum ainda no interior desta região da América. Quando da entrada dos primeiros padres no início dos anos 1600, construíram com mesmo material (palha, taquara, madeiras e barro). Só depois é que os materiais foram sendo a pedra e o tijolo. Após a liberdade inicial, que permitia várias famílias em uma grande casa, os padres muniram as casas com paredes divisórias para cada núcleo familiar. Por volta de 1725, as casas já eram cobertas de telhas e as paredes, ao menos até uns 85 centímetros acima do chão, eram de pedra. O restante das paredes eram formadas de adobe, um tijolo não queimado e com adequado acabamento, pode durar muito tempo. Havia casos que as casas eram toda de pedra. Exemplos as de São Inácio e Trinidad. 54 As casas estavam próximas umas das outras porque, desde o início, os padres observaram a cultura dos índios de estarem no coletivo e nunca agindo ou estando separados. A mobília da casa era simples. Havia algumas prateleiras embutidas na parede para guardar as panelas de barro, os porongos de água potável e recipientes para guardar as sobras. Alguns ganchos para guardar a roupa e nos cantos alguma caixa para guardar os produtos frescos vindos da roça. Não havia mesa nem cadeiras. Fundamental era a lareira, feita de pedras e sem chaminés, que tornava preta a cor do interior das casas. 55 O cotiguaçu, um dos locais mais interessantes das reduções jesuíticas, era o símbolo da fraternidade com que a sociedade cuidava dos necessitados. Local que servia de asilo e orfanato. Além de viúvas e órfãs desamparadas, acolhia mulheres abandonadas, servia também de reformatório de mulheres. Cotiguaçu, em Português, significa casa grande. Situava-se ao lado do cemitério, com altos muros, fechado em quadrilátero. A sala das recolhidas comunicava com o jardim interno por um largo corredor coberto, onde as inquilinas faziam seus trabalhos manuais e recreações. A coordenação era feita por uma anciã superior. Havia autorização para algumas saídas diárias: ir às missas e ao rosário. 57 Sobre a organização política das reduções, Lugon, (p. 87), apresenta a apreciação feita na revista Lês Jésuites et lê Secret de leur Puissance: “Esse Estado índio respondia às exigências democráticas mais modernas, visto que, longe de formar uma massa oprimida por funcionários todo-poderosos, os cidadãos não viam suas liberdades entravadas senão na medida em que o interesse geral o exigisse; nessa república, o funcionário indígena livremente escolhido era apenas um órgão da prosperidade pública, privada de preocupações egoístas.” Os corregedores e todos os funcionários eram escolhidos pelo próprio povo em eleições anuais. A eleição tinha lugar nos últimos dias de dezembro ou no primeiro dia do ano, conforme os documentos de Muratori. 58 59 Bruxel, na página 83, “O uso da erva-mate (Ilex Paraguarienses) tem origem feiticeira, sendo ritualmente sorvida pelos médicos-feiticeiros (“pajés”), em suas adivinhações e diagnósticos. Por isso os espanhóis, inicialmente, consideraram seu uso um vício infamante, proibido pelo governo e punido pela igreja com a excomunhão. Tais restrições foram finalmente levantadas... O preparo da erva-mate era, essencialmente , o mesmo de hoje em dia. Os ramos, sapecados à noite, eram logo amontoados num jirau (grade de varas), com fogo lento por baixo, até estalarem de seco. Para sua melhor conservação, a erva, depois de moída, era bem socada em sacos de couro cru (“tércios”), que a comprimiam mais e mais, à medida que ressecavam... Vendia-se muita erva de Povo a Povo, ou antes, trocava-se erva por gado ou lã e algodão, sem possibilidades de exploração, porque tudo era tabelado por consenso comum.” 60 A pecuária fez a base da economia das reduções. Era o principal elemento de consumo interno. O couro era um elemento essencial de exportação. Inesquecível neste item a formação do principal prato gastronômico do Sul do Brasil, o CHURRASCO 62 Quanto ao trabalho, os guaranis, durante o período reducional, tinham uma jornada diária de seis horas, diferente e muito à dos países Europeus que chegavam a ter, no mesmo período, dez horas ou mais. Uma outra informação importante é que todos trabalhavam, mesmo os caciques. Às mulheres competia zelar pelo arranjo doméstico, executar trabalhos de costura, jardinagem e lavagem das roupas nos lavadouros públicos. Trabalhavam em grupos nas varandas. As obras depois de terminadas eram remetidas ao armazém no fim de cada dia. 63 Montesquieu em o Espírito das Leis disse que a República Guarani foi na época o único estado industrial da América do Sul. Sendo verdade tudo o que o grande escritor como Montesquieu diz, e também uma plêiade como Voltaire, Kautski, Paul Lafargue, Lugon, Desroches, Charlevoix, Muratori e tantos outros. 64 Um dos fatos levantado pelos historiadores das Missões é justamente o que Lugon, na página 210, descrevendo os escritos do Padre Cardiel, diz que “O jogo de bola recebia todos os favores. Os guaranis foram, de resto, inventores do futebol. Cardiel observa que suas bolas eram de borracha e muito mais elásticas do que as da Europa. Em vez de lançarem a bola com as mãos, jogavam-na com os pés. Até os velhos se apaixonavam pelos espetáculos esportivos”. 65 A educação foi um dos elementos fundamentais para o desenvolvimento do projeto, exemplo que hoje se deveria tomar daquele período, pois retirar um povo do Neolítico e colocá-lo no Barroco em tão curto espaço de tempo foi realmente uma das maiores façanhas da humanidade. 66 Escreve o Padre Cardiel, concedia-se uma atenção muito especial à educação das crianças de ambos os sexos, pois de sua educação dependia a prosperidade da República Guarani. A pedagogia escolar dos jesuítas era inspirada pelas condições da vida do povo. A escola era totalmente dirigida para a vida prática, profissional e utilitária. Enquanto certas crianças se especializavam nos trabalhos de madeira ou tecelagem, outras aprendiam a contabilidade, pois a redução tinha necessidade de fiscais, controladores e contadores. Para as meninas, tinham-se criado escolas de costura e bordados, onde se aprendia a confeccionar os ornamentos de igreja e roupas de festas. Havia duas séries completas de classes, meninos e meninas, com uma média de dois mil alunos em cada redução. A frequência era obrigatória dos sete aos doze anos. 67 O Tratado de Madri, de 13 de janeiro de 1750, no seu Artigo 16, diz: “Quanto aos burgos e aldeias que Sua Majestade Católica cede na margem oriental do rio Uruguai, os missionários abandoná-los-ão com seus móveis e bagagens, levando consigo os índios para que se estabeleçam em outras terras pertencentes à Espanha. Os ditos índios poderão igualmente levar seus bens, móveis e gados, as armas, pólvora e munições que possuam. Os burgos e aldeias serão entregues na forma prescrita à Coroa de Portugal, com todas as suas casas e edifícios, e a propriedade imóvel do terreno.” 68 Herói Guarani, Missioneiro e Rio–grandense – Lei 12.366/2005. Herói da Pátria brasileira – Lei 12.032/2009. Pedido de Canonização – 10 de Novembro de 2015. Reconhecimento como ‘Servo de Deus’ pelo Vaticano – 24 de abril 2017. Com a reação dos guaranis ao terrível Tratado de Madri de 1750, que previa a retirada dos Sete Povos Missioneiros para a outra banda do rio Uruguai, iniciou-se as tratativas para retirada à força da população guarani. Sobre a Guerra Guaranítica e a construção da educação dos guaranis reduzidos, Padre Melià na página 128, escreve: “Porsorte está a Guerra Guaranítica que vem a desmentir em grande parte a excessiva submissão dos índios à vontade dos padres; isto sim é um excelente fruto da educação.” 70 No momento da expulsão, havia setenta e sete missioneiros jesuítas nos Trinta Povos. 42 espanhóis, 13 alemães, 11 argentinos, 8 italianos, 2 húngaros e um francês. Nove tinham mais de 70 anos, e vinte e quatro mais de sessenta, a maioria entre 40 e 59 anos. 71 Os Anos 1768 a 1801 Com a brusca expulsão dos jesuítas, iniciou-se o processo final de destruição dos 30 Povos Missioneiros. Imediatamente, uma nova organização administrativa tomou conta dos 30 Povos, com uma forma muito parecida à anterior, porém com mais pessoas, salários e burocracia. Pelo total desconhecimento do mundo guarani e pela exploração do guarani em piores condições que nas encomendas, aos poucos os índios foram deserdando, cada vez em maior número. Neste período os moradores foram se empregando como peões nas áreas espanholas e especialmente nas terras em que os portugueses começaram a ocupar. Outros profissionais, como os das indústrias foram para as principais cidades. 72 A tomada portuguesa de 1801 Maneco Pedrozo, Borges do Canto e seus companheiros sublevaram os milicianos guaranis que revistavam na guarda espanhola de San Martin. Não lhes resultou difícil sublevar seus vizinhos e parentes, os milicianos guaranis, quem depois de 34 anos de sofrimentos pela administração civil espanhola, estavam fartos dos maus tratos e da exploração a que eram submetidos. 74 Tomada Espanhola de 1828 No dia 26 de agosto, se leu na Convenção de Santa Fé o comunicado do Ministro da Guerra, dando comunicação à correspondência do Brigadeiro Rivera, Segundo General da Divisão do Norte. Nesses dias, começaram a chegar a Itaqui correspondências de chefes argentinos, felicitando o General pela conquista. 75 Como era de se prever, as negociações foram levadas para a entrega das Missões Orientais a fim de que a guerra cessasse. O Lord Ponsomby, interlocutor inglês, advertiu que sem a devolução das Missões ao Brasil seria impossível conseguir a paz. As negociações finalmente chegaram a um acordo sobre a base da independência absoluta da Província Oriental ou ex-Cisplatina, que passaria a constituir uma nação independente do Brasil e Argentina. Em 27 de agosto, no Rio de Janeiro, se firmou o tratado preliminar de paz entre a Argentina e o Império do Brasil. Rivera leva muitos Guaranis ao Uruguai, os quais muitos retornaram a partir de 1832. 76 O Povo Atual e Reflexo Antropológico O povo nativo Guarani, que chegou há cerca de 2.500 anos, continua vivo. Alguns como índios em suas aldeias, como a Tekoá Koenjú, em São Miguel das Missões e em tantas outras, distribuídas pelos países da área fronteiriça do Mercosul. Insistir-se-á forte quanto aos milhões de descendentes desse povo miscigenados nas vilas, bairros, no interior, nas pequenas e grandes cidades. 78 Depois da invasão de 1801, Larguia insiste que os portugueses repetiram nos povos orientais o processo iniciado em 1754, que era o de distribuir, geograficamente, e mesclar os guaranis com a população crioula. Das almas que habitavam os Sete Povos, em 1828, estavam somente 2.000 como índios. O restante estava se miscigenando no amplo território. 79 O Frei Luiz Carlos Susin, no livro Sepé Tiaraju, 250 Anos Depois, no capítulo 4, Sepé Tiaraju e a Identidade Gaúcha, escreve que: “... Não é, propriamente, nas lendas e nos causos, nas figuras míticas e nos gemidos que ainda se escutariam nas regiões das charqueadas ou das Missões que estão as assombrações a nos gelar a espinha. Estão nos rostos indiáticos, mestiços e caboclos, que jazem vivos como esfinges nas periferias, nas vilas e nos ônibus da área metropolitana, arranchados por todo canto nas periferias das grandes e das pequenas cidades, identidades desgarradas. Esses rostos e esses corpos não visíveis para a aristocracia acadêmica e política, a cavalo com vidro fumê, que não circula pelas periferias ou de ônibus de vila.” 80 E continua dizendo que “Se culturalmente e socialmente, em nosso meio “quem passa de branco, negro é”, então o mesmo se pode dizer dos descendentes indígenas mestiçados e acaboclados: há multidões ao nosso redor. Desmemoriadas por um lado, mas continuando a contar suas narrativas por outro, sem mesmo saber bem por quê. 82 Os vazios de suas memórias e a baixa auto-estima de seus rostos e sotaques são ingredientes perigosos para a violência indomada do gaúcho, mas suas narrativas e sabedoria, como bem percebeu Simões Lopes, são a resistência de uma anterioridade a todo dualismo fronteiriço, a possibilidade de uma hospitalidade que tem o segredo da remissão e da reconciliação – as vítimas sobreviventes que têm o poder de resgatar os vencedores manchados de sangue... 83 Na vida real continuam gaúchos peões e usuários de coletivos, de periferia e beira de estrada, que se reúnem em “gauchada” ou “indiada”, em torno de algum “índio velho”, ou, ainda melhor, “qüera velho”: são todos indícios de uma identidade mais antiga, mais ancestral e mais enraizada do que a identidade gaúcha forjada mais ou menos oficialmente no entrevero dos confrontos de interesses resolvidos na degola e na necessidade de domar pela estética e pelo ritual a violência e as suas assombrações”. Encerra com a frase certa: “índio é nobre”. 84 Para quem tem “olhos de ver”, olhe para os pobres desta vasta região. Ande pelas ruas e vilas. Muitos dirão que hoje a maioria dessas cidades é de brancos portugueses, espanhóis, alemães, italianos e de tantas outras etnias que vieram depois. Não esqueçam, que a base genética do povo e a cultura dominante são da ancestralidade nativa. Reconhecer isso é dar oportunidade desta grande região ao seu autoconhecimento. E se “somos diferentes” como povo nativo, expressão que todos que nos conhecem dizem, é importante, valorizar e trabalhar para encontrar o nosso caminho próprio no desenvolvimento sonhado e esperado. 85 86* Veja que o gado entrou em 1634 Quanto aos nativos estarem vivos além das aldeias, nas pessoas que não reconhecem em si mesmas o fato de serem descendentes da genética e cultura, é importante verificar que isso ocorre não só com os guaranis, mas praticamente com todos os nativos do Brasil e da América. Entender a presença nativa é entender o jeito de ser e as diferenças existentes dentro do continente chamado Brasil e também as diferenças existentes nos vizinhos países da América. Tem-se um perfil socioeconômico muito diferente do restante do mundo. Estudar a base antropológica formadora desses povos é dar uma oportunidade de se conhecer e projetar os melhores caminhos para o futuro. Nenhuma nação indígena terminou, apenas se mesclou com outros povos. A genética continua viva nos corpos que ainda andam pelas nossas terras. 87 No livro “O Índio no Rio Grande do Sul, Perspectivas”, de 1975: “Manoel Bonfim afirma, com base na historiografia clássica relativa ao Brasil, que noventa por cento dos operários e soldados, infantes, e canoeiros, abridores de picada, vaqueiros e lavradores e, ainda, guias insubstituíveis, assim como curandeiros de posse de um herbário riquíssimo, foram índios aliados aos colonizadores lusos”. “A plasticidade somática, a receptividade antropológica do indígena brasílico ou rio-grandense ao homem europeu, foi um fator fundamental na caracterização da nacionalidade brasileira nos dois primeiros séculos. E essa caracterização vincou o seu fácies antropológico, social e psíquico, em todos os quadrantes do território nacional. Serviu de traço de união basilar às outras etnias europeias, africanas ou asiáticas, que se foram acrescentando ao glomerado racial.” 88 Arnaldo Bruxel (p. 83 a 87): Diziam os padres que todos os anos fugiam alguns, com mulher própria ou alheia, em geral para as cidadesespanholas, mas às vezes para bandos nômades formados por Charrua e ou Minuanos, os primeiros gaudério, sementes dos futuros gaúchos. Depois de 1750, e especificamente em 1757, uns 3.000 guaranis acompanharam Gomes Freire para Rio Pardo. Depois, espalhados para vários lugares, levaram seus vícios e tradições, especialmente o uso da erva-mate. Entre 1757 e 1801, a fuga para os campos portugueses ia continuando. Bruxel, diz que em 1801, depois da conquista portuguesa, muitos dos guaranis se espalharam pelas estâncias portuguesas. Escreve que “Tanto mais que em parte nem saíram de suas terras, já que os portugueses as iam pedindo em mercê às suas autoridades, empregando os índios, sobretudo como posteiros de estâncias.” 89 Temos a impressão de que todos estes índios bem depressa desapareceram, quanto a seus nomes, debaixo dos nomes de seus patrões”. Afirma que entre 1757 e 1830 devem ter integrado a população luso-brasileira milhares e milhares de índios, enchendo a campanha de mestiços, que, depois de uma ou duas gerações, desapareciam debaixo dos nomes brasileiros. 90 O Governador Marcelino de Figueiredo, secundando o Alvará Régio, publicou em 31 de julho de 1773 um edital sobre a repartição das terras aos moradores da Capitania, no qual ordenou: “Toda pessoa militar ou particular de bom procedimento e de sangue limpo que casar com alguma índia que tenha as mesmas circunstâncias, será preferido nestas mesmas datas de terras e se lhe dará ferramenta para cultura e dote e será em iguais circunstâncias preferido para todos os empregos e cargos nobres na forma das Reais Ordens de El-Rei Nosso Senhor, para cuja execução todos devemos concorrer...” 91 Sentia o Governador a necessidade de apressar a incorporação dos índios ao mundo português. Em 11 de agosto de 1777, é criado o regulamento da Escola da Aldeia dos Anjos, com regime de meia clausura dos meninos índios, permitindo que o contato de seus alunos com os pais índios fosse feito do meio-dia às 2 horas. Exigiu-se que falassem em Português, “cuja língua devem sempre e somente falar os meninos para perderem o Guarani”. Proibidos de falar e escrever em Guarani, esses meninos acabavam por se incorporar ao meio luso-brasileiro que os cercava e delimitava. Tornaram-se, espiritual e culturalmente, brancos. Os índios integrantes desse projeto se integraram ao caudal demográfico do Rio Grande do Sul. 92 A 2 de fevereiro de 1778, surgiu a escola das meninas: o Recolhimento das Servas de Maria Santíssima. O regulamento determinava que a idade para a matrícula seria de 6 a 12 anos. Entre tantas observações, referia-se a quando houvesse brancos interessados em desposá-las, o Comandante deveria examinar a condição e seriedade do candidato, de tudo dando ciência ao Governador, para que fossem providenciados o enxoval e o dote. Condição sine qua non dessa e de outras opções de conduta: domínio da Língua Portuguesa. O Governo determinou o rebatismo dessas criaturas com nomes portugueses. 93 O modo de ser (ñande reko): Não é difícil observar um povo mais contemplativo e de forma de agir mais relacionado com os ritmos da natureza. As aceitações de novidades religiosas são tradicionalmente adaptadas ao meio das comunidades. A verdadeira história do cooperativismo começaria nas Missões. Escutando o presidente da Organização das Cooperativas do Estado do Rio Grande do Sul, Vergílio Périus, defende as idéias do estudioso Rafael Carbonell de Masy, de que é chegada a hora de resgatar a verdade sobre a origem da primeira cooperativa, surgida em 1627. 94 O povo nativo tem um potencial imenso. O gênio das missões, Sepp, escreveu sobre os nativos, na página 245 e 246 isto: “Para os serviços mecânicos, porém, têm olhos de lince. O que viram uma só vez pode-se estar convencidíssimo que o imitarão. Não precisam absolutamente de mestre nenhum, nem de dirigente que lhes indique e os esclareça sobre as regras das proporções, nem mesmo de professor que lhes explique o pé geométrico. Se lhes puser nas mãos alguma figura ou desenho, verás daí a pouco executada uma obra de arte, como na Europa não pode haver igual”. Os pensadores sobre o desenvolvimento precisam se aperceber desses perfis. 96 Os guaranis e outros indígenas, definitivo e felizmente, não foram todos mortos na Guerra Guaranítica. Foram espalhados e hoje a genética nativa está completamente viva nos bairros, interior e nas cidades desta macrorregião da América do Sul. 98 EM TERMOS DE ALTERIDADE: ** Antes** ... Quem foram suas tataravós? Geneticamente e culturalmente quem Eu sou? Eu respeito as diferenças e viabilizo uma educação diferenciada para estes diferentes? Como eu olho meus alunos que não sabem que são descendentes dos povos nativos? Como eu trato estas diferenças antropológicas? Como oriento meus professores para estas realidades? 100
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