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O Brasil Pode CrescerMais

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O Brasil pode crescer mais?[1: Trabalho apresentado no Seminário de Conjuntura da FIPE em 26 de abril de 2012. Agradeço aos comentários dos participantes.]
Celso L. Martone
Universidade de São Paulo
Crescimento acima do potencial
Entre 2004 e 2011, a economia brasileira cresceu à taxa média de 4,4% ao ano, bem acima de sua taxa potencial de crescimento, que é aqui estimada ao redor de 3%. Este potencial pode parecer baixo, mas decorre de hipóteses razoavelmente otimistas sobre o comportamento dos seus determinantes. Supondo taxa bruta de investimento de 20% do PIB, relação capital-produto de 3,5 e taxa de depreciação do estoque de capital de 4%, chega-se à taxa de crescimento do estoque de capital de 1,7% ao ano. Supondo ainda que a força de trabalho cresça 2% ao ano e tenha participação de 60% na formação da renda, a acumulação dos dois fatores gera crescimento do PIB de 1,9% ao ano. A diferença para os 3% fica por conta do aumento anual da produtividade total, considerada de 1,1%. [1: Que o crescimento da produtividade total de fatores de 1,1% é uma hipótese plausível é comprovado pela evidência empírica recente. Veja-se P. C. Ferreira, R. Ellery Jr. e V. Gomes, Produtividade Agregada Brasileira (1970-2000): Declínio Robusto e Fraca Recuperação, Estudos Econômicos, v. 38(1), IPE/USP. São Paulo, jan-mar. 2008, e P. C. Ferreira, S. A. Pessoa e F. A. Veloso, On the evolution of TFP in Latin America, Ensaios Econômicos 723, EPGE-FGV. Rio de Janeiro, maio de 2011.]
A Figura 1 mostra a evolução do produto efetivo e do produto potencial, sob a hipótese de que a economia se encontrava em pleno-emprego no ano de 2000. A escolha desse ano como base para esta e as demais comparações feitas adiante é arbitrária, mas parece razoável, tendo em vista os seguintes fatos. Em 1999, sob a supervisão do FMI, o governo adotou uma nova política econômica (o famoso “tripé”), que gradualmente melhorou os fundamentos macroeconômicos e restaurou certa confiança no país, depois do desastre de 2008. Não houve choques internacionais. A economia cresceu 4,3%, a taxa de inflação foi de 6% e a taxa de câmbio manteve-se mais ou menos estável em torno de R$ 1,80 por USD. Esse relativo equilíbrio seria rompido pelo “apagão” de energia elétrica em 2001 e, na sequência, pelo pânico decorrente da eleição de Lula em 2002. Pelo critério adotado, a economia caminhou por baixo da curva de pleno-emprego entre 2001 e 2006 e, a partir daí, manteve-se sistematicamente acima dela, mesmo com a redução de crescimento em 2011.
A simples comparação feita acima sugere perguntas importantes, não só para entender o que se passou, mas também para lançar alguma luz sobre as perspectivas futuras. O que permitiu à economia brasileira crescer acima de seu potencial por cinco anos seguidos? Como foi possível manter a taxa de inflação relativamente estável nesse período? Porque o trade off entre crescimento e inflação foi tão favorável, ou seja, porque foi possível manter a economia funcionando acima de seu potencial sem precipitar a escalada da inflação? Nos tres últimos anos, a taxa de inflação superou a meta em 1,5 ponto de porcentagem, sem mostrar tendência de alta, o que pode ser considerado um preço baixo a pagar para manter a economia se expandindo acima de seu potencial medíocre.
Tres razões, todas elas associadas ao desempenho da economia mundial no período, ajudam a explicar o fenômeno descrito acima: o ganho substancial de termos de comércio, a redução da repressão financeira doméstica e a elevada liquidez internacional. A seguir, cada um desses fatores é examinado. 
 
Figura 1
Ganho de termos de comércio[2: Os dados internacionais são do FMI, World Economic Outlook, vários números. Os dados brasileiros são da Fundação de Comércio Exterior (FUNCEX).]
Entre 2004 e 2011, o volume do comércio internacional cresceu à taxa média de 5,8% ao ano e só não foi maior (acima de 9%) em virtude da forte queda ocorrida num único ano (2009), por conta da crise financeira. O volume de comércio dos países em desenvolvimento (PD) como um todo aumentou mais do que isso (8,3% ao ano) e teria sido superior aos 10% não fosse pelo ano de 1999. No período, os termos de comércio dos PD aumentaram 14,7% (taxa média anual de 1,7%). A expansão do comércio mundial e o ganho de termos de troca produziram taxas excepcionais de crescimento do PIB desses países. Na média, os PD expandiram 6,8% ao ano e alguns deles tiveram taxas de crescimento exóticas, como o Azerbaijão (14,6%), Angola (12%) e a Arábia Saudita (16,7%). Em consonância com seu padrão histórico, a América Latina cresceu bem menos do que isso: apenas 4,4% ao ano, exatamente a taxa brasileira.
Vejamos o caso do Brasil. Entre 2004 e 2011, o volume de exportações de mercadorias aumentou apenas 17% (cerca de 2% ao ano) e seu preço unitário 126% (10,7% ao ano), ao passo que o quantum de importações expandiu 118% (19,2% ao ano) e seus preços 65% (6,5% ao ano). Esses números produziram o excepcional ganho de termos de troca de 37% (4% ao ano), muito superior aos 14,7% dos demais PD. 
A comparação entre o desempenho do Brasil e dos PD revela alguns fatos importantes. De um lado, chama a atenção o baixo crescimento do volume de exportações brasileiras (2% ao ano), em contraste com o dos PD (8,3% ao ano). Isso significa que o Brasil permaneceu desengajado do comércio internacional durante o boom desse período e perdeu participação nas exportações mundiais. Ou seja, o país não utilizou a crescente demanda externa para alavancar sua produção doméstica e seu crescimento. De outro lado, o país teve um aumento de primeira ordem de renda real pelo efeito termos de troca. Esse efeito, em grande parte decorrente do aumento de preços de commodities, representou um ganho de renda real da ordem de 0,5% ao ano entre 2004 e 2011. Portanto, temos aqui uma primeira explicação para o crescimento da economia acima de seu potencial no período: meio ponto percentual da diferença entre 4,4% (crescimento efetivo) e 3% (crescimento potencial) pode ser atribuido ao windfall gain proveniente da economia mundial. [3: A participação das exportações de bens no PIB é de 12,5%. Assim, um ganho médio anual de 4% de termos de troca implica um ganho de renda real médio anual de 0,5%. ]
Figura 2
Alívio da repressão financeira
No período em análise, o crédito total do sistema bancário evoluiu de 25,7% para 49,2% do PIB. O crédito “direcionado” passou de 9,3% do PIB para 17,6%, ao passo que o crédito “livre” aumentou de 16,4% para 31,6%. As taxas anuais de crescimento, em termos reais, foram inéditas: 16,5% ao ano para o crédito livre e 16% ao ano para o crédito direcionado. 
Essa redução significativa do grau de repressão financeira no Brasil pode ser atribuida a algumas causas. A mais importante delas parece ter sido a construção de credibilidade pública de que a taxa de inflação permaneceria dentro das metas fixadas pelo governo. Este processo foi iniciado com a adoção do regime de metas de inflação em 1999 e consolidado gradualmente, após a crise de confiança com a eleição de Lula em 2002, pela administração consistente da política monetária pelo Banco Central. Nunca é demais enfatizar a importância da inflação baixa e estável para a expansão dos mercados de capitais. Entretanto, provavelmente a estabilidade da taxa de inflação não teria sido possível não fossem o programa de consolidação fiscal iniciado em 1999, sob a orientação do FMI, e a superação da vulnerabilidade externa do país a partir de 2004, resultado da flexibilidade cambial e do boom da economia mundial. De um lado, a consolidação fiscal afastou o temor de novos confiscos de dívida pública e, de outro, a expansão mundial gerou um elevado grau de liquidez internacional, que criou uma importante fonte de financiamento para a economia doméstica e favoreceu a acumulação de reservas. A experiência brasileira da última década é mais um exemplo de que a melhor contribuição que o governo pode dar para o crescimento econômico é a consistência temporal de suas políticaseconômicas.
Estimar o efeito sobre o crescimento econômico do período produzido por financial deepening não é tarefa simples. No caso das empresas, o crédito pode ser visto como um insumo no processo de produção. Maior uso do crédito permite o gerenciamento mais eficiente do processo produtivo e, portanto, ganhos de produtividade. No caso dos consumidores, o crédito permite a antecipação do consumo no tempo e, portanto, o aumento temporário do nível de consumo. Esses dois efeitos, contudo, não devem ser superestimados, pela simples razão de que as taxas reais de juro incidentes sobre o crédito bancário são proibitivas: em média, 30% ao ano para as empresas e 45% ao ano para os consumidores. Taxas reais dessa magnitude, quando comparadas com a taxa anual de crescimento da renda real (4,4%), fazem com que um processo de expansão do consumo apoiado no crédito se esgote rapidamente, pelo aumento da relação dívida-renda dos consumidores, como mostra a conhecida relação:
 (
onde d é a relação dívida-renda, s é a taxa de poupança (despoupança, se negativa), r a taxa real de juro, g a taxa de crescimento da renda real e d0 a relação dívida-renda inicial. Mesmo com nenhum endividamento adicional, ou seja, apenas pela rolagem da dívida inicial (faça s=0 na equação), a relação dívida-renda aumenta cerca de 40% ao ano no caso dos consumidores. Os dados de endividamento das famílias comprovam a equação: a relação dívida-renda saiu de 18% em 2005 e atingiu 43% em 2011, um período de apenas 6 anos. 
Expansão fiscal
Entre 2004 e 2011, as despesas primárias do “governo central” aumentaram 6,2% ao ano, em termos reais, fazendo com que sua relação com o PIB subisse de 19% (média de 2001 a 2004) para perto de 22% (Figura 3). A receita total passou de 21% para 24% do PIB, o que atenuou o efeito negativo da “gastança” sobre o superávit primário. Nesse periodo, os investimentos federais aumentaram apenas 0,6 ponto de percentagem em relação ao PIB, o que mostra que a expansão concentrou-se nas despesas correntes (custeio e transferências de renda). É provável que a expansão fiscal de Lula tenha tido algum impacto sobre o consumo e a renda real no período, compondo mais um elemento para explicar o crescimento da economia acima do potencial. Pode-se argumentar que as maciças transferências de renda realizadas (previdência, programas sociais, inchaço da burocracia, aportes ao BNDES, corrupção) tenham estimulado o consumo e, portanto, tido efeito líquido positivo sobre a demanda agregada, pelo menos no curto prazo. É claro que o resultado da política fiscal teria tido efeitos mais permanentes, do ponto de vista do crescimento potencial da economia, se o ganho extraordinário de receita tivesse financiado investimentos públicos em infraestrutura, ao invés de transformar-se em consumo. No entanto, a distribuição de renda e o aumento do consumo sempre se sobrepuseram aos demais objetivos da política econômica. Exemplo disso foram as medidas “anti-cíclicas” adotadas em 2008-09, no bojo da crise financeira internacional. Mais sobre este ponto na seção final. 
Figura 3
Déficit em conta-corrente
Entre os períodos 2003-2006 e 2007-2011, a taxa bruta de investimento aumentou 2,8 pontos percentuais: de 16,5% para 19,3% do PIB. Na média dos mesmos períodos, o resultado da conta-corrente no balanço de pagamentos reverteu 2,9 pontos percentuais, de um superávit de 1,4% para um déficit de 1,5% do PIB, ao passo que a taxa doméstica de poupança permaneceu rigorosamente estável em 17,5%. Essa taxa é composta por poupança privada de 19,5% do PIB e despoupança governamental de 2%. Ou seja, a disponibilidade de financiamento externo, associada ao estado de elevada liquidez internacional, mesmo após a crise de 2008, criou as condições para o aumento da taxa de investimento e, portanto, do crescimento potencial da economia para os 3% supostos acima. Sob a hipótese plausível de que o déficit em conta-corrente entre 2,5% e 3% do PIB seja sustentável, o crescimento potencial de 3% também poderá se manter no futuro. [4: Com taxa de investimento de 16,5%, a taxa potencial de crescimento ficaria em 2,5%, pelo critério adotado aqui.]
Fatores temporários
Os tres primeiros fatores identificados como responsáveis pelo crescimento da economia acima de seu potencial entre 2004 e 2011 (ganho de termos de troca, expansão do crédito e expansão fiscal) são claramente temporários. De um lado, não é razoável supor que novos ganhos de termos de comércio sejam viáveis no contexto de uma economia mundial crescendo abaixo de sua média histórica, como tem sido o caso. A própria China, cuja demanda é hoje importante para determinar a trajetória de preços de commodities, tem reduzido significativamente sua taxa de expansão. Nesse cenário, é mais provável que o país sofra quedas nos termos de troca. De outro lado, o uso do crédito como alavanca para o aumento do consumo além do crescimento da renda está se esgotando pelo rápido efeito do juro real exorbitante sobre a relação renda-consumo. Da mesma forma, a expansão fiscal daqui em diante deverá ser modesta, tendo em vista que a receita real do governo não deverá crescer como no passado recente, pelo menor crescimento da economia doméstica e mundial e pelo esgotamento da capacidade de tributar. Tudo o mais constante e se tudo correr bem, o Brasil poderá crescer ao redor dos 3% ao ano nos próximos anos. Portanto, a expansão de apenas 2,7% em 2011 e o número similar que é previsto para 2012 não são surpreendentes.
O trade off entre crescimento e inflação 
A segunda questão interessante é porque a taxa de inflação subiu apenas moderadamente no período, diante do fato de que o PIB efetivo manteve-se permanentemente acima do potencial a partir de 2007 (Figura 1). A rigor, a taxa de inflação só se descolou significativamente da meta nos últimos dois anos, quando ficou em 6,2%. É provável que o caráter “benigno” do trade off entre crescimento e inflação, na visão dos policy makers brasileiros, os tenha estimulado a explorá-lo, isto é, a manter o curso da expansão fiscal e a ser mais lenientes com o controle monetário. A Figura 4 mostra os ciclos de contração e expansão monetária ao longo da última década, em que prevaleceu o regime de metas. Ao invés de medir esses ciclos pelos movimentos do juro nominal, como é usual, a figura os mede pela taxa de expansão de M1, o que é equivalente. Há forte aderência entre a taxa de aumento de M1 e a taxa de inflação nove meses depois, ambas as variáveis medidas em termos de taxas de variação nos doze meses anteriores. [5: A equivalência entre juro nominal e M1 para medir a política monetária supõe que a demanda de moeda seja estável, uma hipótese plausível no horizonte de tempo considerado.]
Figura 4
Uma maneira alternativa de avaliar a política monetária faz uso da paridade real de juro, definida como a taxa real de juro internacional (sobre títulos do tesouro dos EUA) mais o prêmio de risco do Brasil. Sob perfeita mobilidade de capital e sem interferência do Banco Central, a taxa real de juro doméstica deve convergir para a taxa de paridade real no longo prazo. [6: A taxa real de paridade é definida por 1+t = (1+r*)(1+s)/(1+p*), onde r* é a taxa de juro sobre os T-bonds de 2 anos, s é o prêmio de risco (EMBI-Brasil) e p* é taxa de inflação nos EUA. A expressão não considera custos de transação, impostos (IOF) e outras restrições cambiais. Deve-se notar também que a igualdade entre a paridade real e a taxa real doméstica pressupõe que a taxa real de câmbio esteja em equilíbrio de longo prazo, definido pela paridade de poder de compra. ]
A Figura 5 faz uma comparação simples entre a taxa selic real e a hipotética taxa real de paridade de juro, a partir da implantação do regime de metas de inflação. Como seria de se esperar, exceto em períodos de grande turbulência nos mercados financeiros (a eclosão da crise financeira no final de 2008 e começo de 2009), a taxa real doméstica tem sido mantida bem acima da paridade pelo Banco Central a partir de 2004. A razão dissoé óbvia: a taxa real de paridade é menor do que a taxa “neutra” de juro real doméstica, esta definida como a taxa real de juro que equilibra os fluxos de investimento e poupança ao longo do tempo. Como a missão do Banco Central é manter a taxa de inflação dentro da meta, ele tem que calibrar a taxa básica de juro, no curto prazo, em nível compatível com a taxa “neutra”. O diferencial de juro resultante, em condições de normalidade no mercado internacional de capitais, tende a estimular um fluxo permanente de arbitragem financeira a favor do mercado doméstico e tende a apreciar a taxa de câmbio. 
É interessante observar que em 2011 a taxa real de paridade foi negativa, pelo fato de as taxas reais de juro de curto prazo nos EUA serem suficientemente negativas para dominar o prêmio de risco-Brasil. Essa situação, ainda que temporária, ajuda a explicar porque tem sido possível ao Banco Central brasileiro reduzir sua taxa real abaixo dos 4% ao ano sem provocar fuga de capitais, depreciação cambial e aumento da taxa de inflação. Enquanto as grandes economias permanecerem bem abaixo de seu potencial de produção, é provável que o governo brasileiro (e o Banco Central) continue a explorar essa circunstância favorável. 
Figura 5
 
Além da conjuntura internacional, o aparente sucesso em explorar o trade off cai por terra quando se consideram tres outros aspectos do problema. Primeiro, o diferencial de inflação entre o Brasil e os países industriais, que vinha se mantendo em pouco mais de 2 pontos percentuais até 2008, dobrou para mais de 4 pontos percentuais a partir de 2009. Este fato revela duas coisas: que há um custo social importante da política, sob a forma de aumento da inflação e que o compromisso com a meta de inflação e sua eventual convergência para a inflação mundial foi relaxado nos tres últimos anos. Segundo, a taxa de variação de preços dos serviços (uma proxy para os bens domésticos ou nontraded), subiu para cerca de 9% ao ano, bem acima da inflação média do IPCA. Mais do que a variação do IPCA médio, que inclui os chamados “preços administrados” e os preços dos tradable goods, a variação de preços dos bens domésticos é um indicador da pressão de demanda no mercado doméstico. Terceiro, como mostra a Figura 6, o custo unitário da mão-de-obra no setor industrial (o salário nominal corrigido pela variação da produtividade média do trabalho) aumentou 8,3% ao ano na média do período, como reflexo do crescente “aperto” do mercado de trabalho. Ou seja, o salário médio real na indústria cresceu ao redor de 4% ao ano acima do aumento da produtividade, o que representa um efeito de cost push de grande magnitude sobre os preços industriais. Deve-se notar que esta taxa é bem próxima da taxa de aumento dos preços dos serviços, como deveria ser, pois o componente de mão-de-obra é predominante na formação dos custos deste setor.
A Figura 6 também mostra o aumento do custo unitário da mão-de-obra em dólares: entre 2004 e 2011, a taxa média de incremento foi de 16% ao ano, totalizando aumento acumulado de pouco mais de 180%. Numa economia aberta, em que os produtores adquirem insumos a preços internacionais ― não é exatamente o caso do Brasil, ainda protecionista, o que agrava o problema ― o que determina a competitividade internacional são os diferenciais de salários, o principal insumo doméstico. Exceto pela mudança da produtividade, esta variável é o inverso da relação “câmbio-salário”, de pouco uso hoje em dia. Não deve surpreender, portanto, o encolhimento do setor industrial brasileiro ou o fenômeno da “desindustrialização” diante de perda de competitividade internacional desta magnitude. [7: Pode-se argumentar que, em 2004, a taxa real de câmbio ainda estava acima do equilíbrio, de tal forma que a perda de competitividade industrial foi menor do que os 180%. Se tomarmos 2005 como base, ao invés de 2004, a perda cai para 11% ao ano ou 87% no período 2005-2011, o que continua sendo um número enorme. ]
 
Figura 6
O problema da taxa real de câmbio
Sob a hipótese razoável de que a taxa real de câmbio esteve em equilíbrio no ano 2000, a apreciação do real era de 38% em 2011, segundo a estimativa da teoria de paridade de poder de compra. Como se vê na Figura 7, a taxa real de câmbio esteve ao redor do equilíbrio em 2005 e, a partir de 2006, inicia o período de apreciação, que persiste até hoje. [8: É importante observar que o efeito Balassa-Samuelson, que explica desvios da PPP no longo prazo, em função de diferenciais de aumento de produtividade entre países, sugere que a taxa real de câmbio deve ter aumentado ao longo do período analisado. De fato, o Brasil tem sido, por décadas, um país “lento” relativamente aos seus principais concorrentes internacionais, em termos de aumentode produtividade, especialmente na produção de bens domésticos (nontraded goods). Isso significa que o cálculo pela PPP pode subestimar a taxa real de câmbio de equilíbrio. ]
				
Figura 7
Parte da apreciação do real pode ser atribuída a fatores internacionais, que fizeram com que o dólar depreciasse, em termos efetivos (em relação a uma ampla cesta de moedas), em torno de 17% a partir de 2000. Na verdade, o longo ciclo de depreciação do dólar inicia em 2003 e persiste até os dias atuais. Portanto, deve-se esperar que o real, ao lado das demais moedas, aprecie junto com a cesta do dólar. Entretanto, a apreciação do real foi muito além disso, como mostra a Figura 8. Tomando 2000 como base, o real valorizou praticamente em partes iguais perante o dólar (17%) e as demais moedas do mundo (18%). O fortalecimento do real diante das moedas de seus concorrentes comerciais, que tem acentuado o fenômeno da “desindustrialização”, a estagnação das exportações e a extraordinária expansão das importações, deve ser atribuída a fatores domésticos, ou seja, ao tipo de política econômica executada a partir de 2006. Dito de outra maneira, o governo brasileiro não soube ou não quis proteger sua moeda em relação aos concorrentes diretos no mercado internacional. A prioridade dada à expansão do mercado interno, sobretudo ao consumo, criou um viés contra a produção local de tradable goods, através da apreciação cambial. Além disso, a apreciação contínua do real convenientemente ajudou a manter a taxa de inflação controlada em face do excesso de demanda. 
 
Figura 8
O problema do policy mix
	A política econômica brasileira foi caracterizada, a partir de 2004, por expansão fiscal, voltada para o aumento do consumo, e aperto monetário, para manter a taxa de inflação mais ou menos na meta. Essa combinação só conseguiu garantir a expansão da economia acima de seu potencial e a inflação sob controle pelos efeitos temporários da bonança mundial, como vimos acima. Na verdade, o policy mix brasileiro beneficiou-se com uma sobrevida entre 2008 e 2010 pela ampla oferta de financiamento no mercado internacional. A partir de 2011, no entanto, o país tem crescido pouco abaixo de seu potencial. A perspectiva de que a economia mundial cresça menos do que sua média histórica nos próximos anos não deverá alterar este cenário.
	A resposta do governo, na tentativa de prolongar taxas de crescimento mais elevadas, tem sido “mais do mesmo”, porem com uma novidade: ao lado de easy fiscal, adicionou-se easy money a partir de 2011. Este novo policy mix não é melhor do que o anterior e pode tornar-se pior do que ele, pois não conseguirá aumentar o crescimento medíocre da economia e poderá produzir aumento substancial da taxa de inflação. 
	Alem do aumento contínuo das despesas de custeio e transferências, a expansão fiscal pós-crise de 2008 passou também a se caracterizar por uma multitude incoerente de “renúncias fiscais”, que visam a beneficiar setores específicos da economia. Isso se traduz na concessão de subsídios e incentivos a produtores e consumidores, nos continuados aportes de recursos ao BNDES, no protecionismo sem qualquer direção e, como a conta tem que fechar, na redução dos investimentos públicos. 
 A expansão monetáriase manifesta pela manutenção da taxa básica de juro, em termos reais, muito abaixo da taxa “neutra” da economia, estimada por muitos ao redor dos 6% ao ano, e na pressão sobre os bancos federais (BB e CEF) para reduzirem as taxas de juro de suas operações de crédito. O Banco Central parece crer que, se a taxa de inflação ameaçar fugir de controle, sempre será possível adotar medidas “macro-prudenciais” para restringir o crédito, ou seja, intervir arbitrariamente nas relações financeiras dentro do setor privado. O voluntarismo em matéria de política econômica tem uma longa história de fracassos, como a própria experiência brasileira com os planos de estabilização dos anos 80 e 90 demonstram. 
	Existe razoável consenso, entre os economistas, de que o policy mix dos últimos oito anos está errado e pode produzir problemas graves no futuro, inclusive uma redução da já medíocre taxa potencial de 3%. Para aumentar esta taxa, é necessário aumentar a taxa bruta de investimento dos atuais 20%, o que requer, por seu turno, o aumento da taxa doméstica de poupança. Para isso, a grande contribuição que o governo pode dar é restaurar sua capacidade de poupança, isto é, reverter uma despoupança de 2% do PIB para algo positivo. [9: Veja-se o interessante artigo de A. Segura-Ubiergo, The Puzzle of Brazil’s High Interest Rates, IMF Working Paper 12/62. Washington, D.C., fevereiro de 2012. O autor mostra que o diferencial de juro real entre o Brasil e a média dos países emergentes pode ser explicado, em grande parte, pela diferença de taxas de poupança. A melhor maneira de reduzir o juro real no Brasil é aumentar a taxa doméstica de poupança para nível similar aos demais países.]
	Portanto, o policy mix atual deve ser mudado na direção de tight fiscal-neutral money. Em relação ao estado atual, isso implica em apertar ambas as políticas. No caso da política monetária, é necessário gradualmente retornar à taxa neutra de juro (algo em torno de 6% ao ano) antes que a taxa de inflação fuja da meta. Isso nada mais é do que reassumir a lógica do regime de metas, que foi abandonada a partir de 2011. No caso da política fiscal, isso significa reduzir as despesas correntes em relação ao PIB ao patamar em que se encontravam no início do governo Lula (algo em torno de 3 a 4 pontos percentuais). Essa guinada de política econômica sem dúvida leva tempo (alguns anos), mas parece ser a melhor alternativa para garantir a taxa potencial de crescimento de 3% e gradualmente elevá-la, num ambiente de inflação baixa e estável.

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