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ARIELY MESANINI MORTE ENCEFÁLICA Definição A morte encefálica representa um estado clínico irreversível em que as funções cerebrais (telencéfalo e diencéfalo) e do tronco encefálico estão irremediavelmente comprometidas por uma injúria que causa dano irreversível, caracterizada por coma aperceptivo, com ausência de reatividade supraespinhal e apneia persistente. Causas ➔ Vascular (isquêmica ou hemorrágica) ➔ Traumatismo crânio-encefálico ➔ Tumores intracranianos ➔ Encefalopatia ➔ Anóxia cerebral (afogamentos, pós-parada cardiorrespiratória) ➔ Intoxicação exógena Fisiopatologia A ME geralmente decorre da associação do aumento da pressão intracraniana, diminuição do fluxo sanguíneo cerebral e hipóxia do tecido encefálico. Isso acontece porque a maioria das causas que levam a ME induzem a descompensação do equilíbrio entre os componentes intracranianos (cérebro, liquor e sangue) responsáveis pela manutenção da pressão intracraniana. Aumentos da pressão intracraniana causam diminuição do fluxo sanguíneo cerebral e, consequentemente, hipóxia tecidual. Uma sequência própria de eventos fisiológicos ocorre nos pacientes críticos que estão evoluindo para morte encefálica, como por exemplo, disautonomia e disfunção miocárdica, disfunção endócrina, hipotermia, coagulopatia, apoptose e inflamação sistêmica. Cada uma dessas etapas, se não adequadamente identificada e tratada, levará a morte do corpo ou, na melhor das hipóteses, a dano e menor sobrevida do enxerto no receptor, no caso de o paciente ser um possível doador. A morte encefálica representa o processo final da evolução da isquemia cerebral, que evolui no sentido rostrocaudal até envolver regiões do mesencéfalo, ponte e medula, culminando com a herniação cerebral através do forame magno. O momento que precede a herniação cerebral é marcado por extremas elevações da pressão intracraniana, acompanhada da tríade de Cushing, que representa o esforço final do organismo na tentativa de manter a perfusão cerebral. A falência desse mecanismo promove a progressão da isquemia que, ao atingir a medula, interrompe a atividade vagal, levando a resposta autonômica simpática maciça, chamada de “tempestade autonômica”. Essa estimulação simpática desenfreada tem curta duração e caracteriza-se por taquicardia, hipertensão, hipertermia e aumento acentuado do débito cardíaco. Em paralelo a esses processos, uma diminuição do metabolismo basal reduz progressivamente o consumo de energia de cada órgão. Isso é útil porque protege o corpo de eventos adversos, como hipotensão ou hipoxemia, mas algumas vezes prejudica o diagnóstico de morte encefálica por conta da baixa produção de C02. A diminuição do metabolismo basal não permite que a PaC02 atinja ARIELY MESANINI níveis necessários para documentar lesão do centro respiratório, mesmo após 10 minutos de desconexão do ventilador mecânico, fazendo com que vários testes de apneia sejam inconclusivos. Alterações cardiovasculares: envolvem a intensa liberação de catecolaminas durante a descarga autonômica, produzindo grande vasoconstrição, que acarreta em hipertensão arterial, taquicardia e aumento da demanda de oxigênio do miocárdio, podendo causar isquemia e necrose miocárdica, além de disritmias cardíacas. A morte encefálica associa-se as disfunções sistólica e diastólica do coração. A maciça liberação de catecolaminas na circulação periférica, após uma catástrofe neurológica, ocasiona uma resposta hiperdinâmica que mimetiza as crises hipertensivas do feocromocitoma. Algumas alterações eletrocardiográficas podem ser vistas, como depressão ou elevação do segmento ST, ondas T invertidas, alargamento dos complexos QRS e prolongamento do intervalo QT. Pode ocorrer também a diminuição da fração de ejeção e um mosaico de anormalidades de movimento da parede miocárdica. A morte encefálica leva a profundas alterações de pós-carga em decorrência da vasodilatação extrema, que repercute na pré-carga diminuída de forma relativa e absoluta, causando hipoperfusão coronariana. O colapso circulatório resultante desse mecanismo é, portanto, reversível, e a otimização da pré e pós-carga no doador resulta na melhora da contratilidade miocárdica, tornando viáveis para transplante, corações inicialmente considerados inviáveis. Alterações pulmonares: são decorrentes do aumento da permeabilidade vascular que também ocorre no território pulmonar, como resposta as alterações inflamatórias que cursam com a morte encefálica. Pacientes em coma podem ter lesão pulmonar por trauma, pneumonite de aspiração e embolia gordurosa. Uma vez excluídas essas possibilidades, edema pulmonar neurogênico, embora infrequente, deve ser considerado. A estimulação simpática maciça pode levar a graus extremos de venoconstrição pulmonar, favorecendo escape capilar de fluidos ricos em proteínas. A venoconstrição intensa interfere nas forças de Starling no pulmão e não é detectável por alterações na mensuração da pressão de oclusão da artéria pulmonar (POAP). Alterações endócrinas: ocorre a falência progressiva do eixo hipotalâmico-hipofisário, que evolui para um declínio gradual e inexorável das concentrações hormonais, principalmente do hormônio antidiurético (ADH). A redução dos níveis do hormônio antidiurético (ADH) é encontrada em cerca de 90% dos casos, desencadeando diabetes insipidus central, que se caracteriza por poliúria (> 250 mL/h por 4 horas consecutivas) e hipernatremia. Essa poliúria inicial pode passar despercebida, fazendo com que o tratamento da diabetes insipidus comece apenas quando o sódio sérico atingir valores tão altos quanto 165 mEq/ dL. Distúrbio tireoidiano também está presente. Diminuições bruscas nos níveis de triiodotironina (T3) são constatadas logo após a morte encefálica e têm sido implicadas na redução da contratilidade cardíaca, com depleção de fosfatos de alta energia e mudança do metabolismo aeróbico alterações endócrinas, ocorre a falência progressiva do eixo hipotalâmico-hipofisário, que evolui para um declínio gradual e inexorável das concentrações hormonais, principalmente do hormônio antidiurético (ADH). A redução dos níveis do hormônio antidiurético (ADH) é encontrada em cerca de 90% dos casos, desencadeando diabetes insipidus central, que se caracteriza por poliúria (> 250 mL/h por 4 horas consecutivas) e hipernatremia. Essa poliúria inicial pode passar despercebida, fazendo com que o tratamento da diabetes insipidus comece apenas quando o sódio sérico atingir valores tão altos quanto 165 mEq/ dL. Distúrbio tireoidiano também está presente. Diminuições bruscas nos níveis de triiodotironina (T3) são constatadas logo após a morte encefálica e têm sido implicadas na redução da contratilidade cardíaca, com depleção de fosfatos de alta energia e mudança do metabolismo aeróbico. ARIELY MESANINI Critérios para o diagnóstico de Morte encefálica Alguns fatores corroboram para o diagnóstico da morte encefálica, como por exemplo, causa do coma conhecida. Por isso, é muito importante que o médico consiga constatar o porquê de o paciente estar em coma, para poder atestar que há morte encefálica. Além disso, a causa não pode ser reversível, como em casos de intoxicação exógena, hipotermia, bloqueio neuromuscular, choque e encefalite de tronco encefálico. O nível de consciência deve estar profundamente alterado, com escore na Escala de Coma de Glasglow igual a 3. Outro fator que pode corroborar no diagnóstico de ME, são as alterações nas funções do tronco encefálico, estando completamente ausentes, são elas: reflexofotomotor, corneano, oculocefálico, oculovestibular, orofaríngeo e respiratório (apneia). Ademais, exames complementares podem ser necessários, a exemplo do eletroencefalograma (EEG), arteriografia convencional e arteriografia isotópica. O período de observação é variável. Assim, o diagnóstico clínico definido,EEG isoelétrico e observação de 6 horas, definem o diagnóstico de morte encefálica. Sem exames confirmatórios, 12 horas de observação são necessárias. Em casos de lesão anóxica, 24 horas são necessárias para o diagnóstico de ME. Já a arteriografia convencional com estudos dos 4 vasos, carótidas e vertebrais, abrevia o tempo de observação, desde que demonstre ausência de circulação intracraniana. Abordagem ➔ O fundo de olho nessa situação tem como objetivo identificar papiledema, que é sinal de hipertensão intracraniana ou hemorragias. ➔ A 1ª medida é a estabilização clínica do paciente com ABCD primário e secundário, aferição de glicemia capilar e monitorização. Caso não haja causa imediatamente reversível para o coma, deve-se proceder à intubação orotraqueal para proteção das vias aéreas. ➔ Após estabilização clínica, deve-se coletar uma anamnese focando em informações que possam levar à descoberta da causa do coma, como histórico de trauma, uso de drogas, comorbidades, medicamentos de uso do paciente e de familiares e histórico de distúrbios psiquiátricos. ➔ O exame neurológico deve ser rápido e objetivo e envolve basicamente a avaliação do nível de consciência, pupilas e fundo de olho, motricidade ocular extrínseca, padrão respiratório e padrão motor. Nível de consciência- ESCALA DE GLASGOW ➔ É avaliado pela escala de coma de Glasgow (ECG), que avalia 3 parâmetros de resposta: abertura ocular, melhor resposta verbal e melhor resposta motora, com pontuação variando de 3 a 15. ➔ A soma dos resultados entre 13 e 15 significa lesão leve, entre 9 e 12 é moderada e entre 3 e 8 é grave ➔ (coma). ➔ A ECG permite avaliar a evolução do quadro. A escala de Glasgow, que avalia abertura ocular (vai de 1 a 4), resposta verbal (de 1 a 5) e resposta motora (de 1 a 6). Alguns locais podem adicionar a reatividade pupilar a essa escala. Nesses casos, se ambas as pupilas não forem reativas à luz, subtrai-se 2 pontos do total obtido anteriormente. No caso de somente um olho não reativo, retira-se 1 ponto e, se ambos forem reativos, nenhum. Ela é orientada em 3 tópicos principais: ARIELY MESANINI ➔ Abertura ocular ➔ Resposta verbal ➔ Resposta motora Cada tópico recebe uma nota, de acordo com o achado clínico apresentado pelo paciente. No final soma-se as notas atribuídas. A nota máxima é 15, o que demonstra baixo comprometimento encefálico, já a nota mínima é 3, demonstrando grave comprometimento. As notas podem ser associadas aos níveis de comprometimento do encéfalo da seguinte maneira: ➔ 15-13: Traumas leves ➔ 12-9: Traumas moderados ➔ 8-3: Trauma grave Obs: Pontuação menor ou igual a 8 é indicação para a abordagem ativa da via aérea. Porém, vale ressaltar que antes da realização dos 3 passos de Glasgow, deve-se primeiro verificar se há algo que esteja atrapalhando o exame, como por exemplo fatores que atrapalham a comunicação, ou até mesmo outras lesões. Ou seja, deve-se observar se o paciente apresenta algo que não permita realizar o exame. Vale ressaltar que cada um dos três tópicos funciona de maneira independente, devendo ser analisado de forma independente. Isso se deve ao fato, de que algumas vezes existem comprometimentos que atrapalham a realização de alguma etapa, o que é suprido pela realização das duas outras etapas do exame. Os fatores que podem atrapalhar a realização de uma das etapas são: ● Fatores pré-existentes: ○ Linguagem ou diferenças culturais; ○ Défice intelectual ou neurológico; ○ Perda auditiva ou impedimento de fala. ● Efeitos do tratamento atual: ○ Intubação ou traqueostomia; ○ Sedação ● Efeitos de outras lesões ou lesões ○ Fratura orbital/craniana; ○ Disfasia ou hemiplegia; ○ Dano na medula espinhal. Quando não existir a possibilidade de avaliar uma etapa de Glasgow, segundo as diretrizes de 2017 para essa escala, não se deve indicar um número, mas sim “NT” na escala, o qual indicará “não testado”. Durante algumas etapas do processo, deverão ser feitos pressões sobre a pele, a fim de notar alguma resposta. Esses estímulos deverão ser feitos por meio de estimulação física com pressão na extremidade dos dedos, trapézio ou incisura supraorbitária. ARIELY MESANINI Pupilas e fundo de olho A avaliação das pupilas: deve-se observar o diâmetro das pupilas, sua simetria ou assimetria (iso ou anisocoria), os reflexos fotomotor direto e consensual. Exemplos de alteração pupilar: ➔ Intoxicação por atropina: pupilas dilatadas sem reflexo fotomotor; ➔ Intoxicação por opiáceos: pupilas mióticas com reflexo fotomotor; ➔ Intoxicação barbitúrica grave: pupilas fixas; ➔ Morte encefálica: pupilas médio fixas; ➔ Herniação uncal: anisocoria com pupila midriática sem reflexo fotomotor ipsilateral à lesão expansiva. Motricidade ocular extrínseca Devem ser avaliadas as respostas de movimentação horizontais, verticais espontâneas e as passivas por meio do: ➔ Reflexo oculocefálico (manobra dos olhos de boneca): realiza-se movimentos bruscos da cabeça para o lado D e E. ➔ Reflexo óculo-vestibular (prova calórica): se injeta água gelada no conduto auditivo externo de um lado e a seguir do outro lado. No paciente com o tronco preservado, haverá desvio dos olhos para o lado estimulado. Deve-se observar se há comprometimento da movimentação conjugada dos olhos ou movimento espontâneos anormais. Padrão motor A presença de sinais motores focais sugere doença estrutural, embora algumas doenças metabólicas como hipoglicemia, encefalopatia hepática ou urêmica possam cursar com sintomas focais. Hemiparesia sugere lesão estrutural contralateral, postura em decorticação sugere lesão supratentorial enquanto em descerebração sugere lesão infratentorial. Flacidez e ausência de reflexos sugerem lesão periférica associada. ARIELY MESANINI Protocolo de morte encefálica Critérios de abertura Para iniciar um protocolo de ME, o paciente deve preencher alguns critérios bem estabelecidos. É essencial que o paciente esteja em Glasgow 3, sem incursões ventilatórias voluntárias e sem condições confundidoras para o coma, como uso de sedação e bloqueadores neuromusculares, hipotermia ou distúrbios metabólicos graves, hipóxia ou hipotensão. Além disso, todo paciente com suspeita de ME deve ter comprovada por exame de imagem (tomografia ou ressonância de crânio) uma lesão estrutural encefálica suficientemente grave para justificar o exame neurológico encontrado. Pré-requisitos para abertura do Protocolo de ME Coma não perceptivo: É um coma em que as respostas motoras que saem de regiões supraespinais estão comprometidos, dessa forma, não há resposta motora quando algum estímulo, principalmente estímulo doloroso é feito. O valor do sódio sérico idealmente deve ser próximo ao normal, entretanto, caso esteja alterado pode ser consequência do descontrole endócrino-metabólico decorrente do processo fisiopatológico de ME. Quanto aos critérios hemodinâmicos, choque descompensado, tratado com doses altíssimas de drogas vasoativas, acompanhado por acidose metabólica grave e altos níveis de lactato sérico não indicam a abertura do protocolo. O exame clínico e muitos dos exames confirmatórios perdem sua validade em condições de extrema labilidade hemodinâmica. Portanto, o ideal é iniciar o protocolo com doses estáveis de drogas vasoativas e com exames de perfusão compensados. Deve-se respeitar o critério que solicita que o paciente adulto esteja com pressão arterial média (PAM) > ou = 65 mmHg ou pacientes pediátricos seguindo a tabela de meta de pressão arterial pela idade. Pressão arterial recomendada para menores de 16 anos: ARIELY MESANINI A temperatura deve estar acima de 35˚C. O início do protocolo deve ser adiado até a correção da hipotermia. É muito importante atentar para a suspensão de drogas sedativas, hipnóticas e bloqueadoresneuromusculares. O tempo de suspensão deve levar em conta a meia-vida das drogas, forma de infusão, presença de insuficiência renal e hepática. O ideal seria a dosagem dos níveis séricos das drogas, principalmente em pacientes com disfunção renal e hepática, mas essa opção não é amplamente disponível. Portanto, o bom senso do médico é essencial nesse momento. A tabela abaixo sugere os tempos mínimos de suspensão de drogas para abertura do protocolo de ME. Legenda: T: Tempo de suspensão DU: Dose única DI: Dose intermetente (inferior ou igual a 3 doses em 24 horas) IND. CONTÍNUA: Infusão Contínua ou DI superior a 3 doses em 24 horas IR: Insuficiência Renal IH: Insuficiência Hepática Medicamentos potencialmente depressores do Sistema Nervoso Central utilizados em doses terapêuticas usuais (ex.: fenobarbital enteral, fenitoína, clonidina, dexmedetomidina, morfina) não contraindicam a abertura do protocolo de morte encefálica. Nos casos de intoxicação exógena ou abuso de drogas, disfunção renal ou hepática grave, é recomendável aguardar tempo de suspensão superior a cinco meias-vidas para iniciar o protocolo. Esse tempo dependerá da dose total de sedativos e também da gravidade da disfunção orgânica. Nessas situações, deve-se optar por uma prova gráfica de fluxo sanguíneo cerebral como exame complementar. Exames clínicos Contempla a execução de dois exames clínicos, um teste de apneia e um exame complementar comprobatório. Os exames clínicos devem ser realizados por dois médicos diferentes, tendo estes que ser capacitados para determinar a ME, ou ser especialista ou ter pelo menos 10 protocolos de ME executados ou ter experiencia com pacientes comatosos. Um dos exames deve ser feito por um especialista em Neurologia/Neurocirurgia, Medicina intensiva ou Medicina de urgência, se não houver dois médicos não capacitados podem participar do protocolo. ARIELY MESANINI A avaliação clínica deve confirmar que o paciente está em coma aperceptivo (ausência de resposta motora após compressão do leito ungueal – ausência de resposta supra-espinhal), ausência dos reflexos de tronco e de incursões respiratórias aparentes. O reflexo pupilar à luz ou reflexo fotomotor é um reflexo que controla o diâmetro das pupilas em resposta a intensidade da luz que incide sobre a retina, auxiliando, desse modo, na adaptação a vários níveis de iluminação. O reflexo fotomotor testa os nervos cranianos II e III. Nos exames clínicos para detectar morte encefálica, as pupilas devem estar fixas, com dilatação média ou completa, na linha média ocular e que não devem apresentar qualquer resposta à estimulação por luz forte e direta sobre elas, por pelo menos 10 segundos. O reflexo consensual deve estar ausente. Deve ser dada atenção especial a história de cirurgia oftalmológica, uso de midriáticos tópicos, atropina venosa e trauma ocular ou da face. O reflexo córneo-palpebral tem como via aferente o nervo trigêmeo (NC V), com seus núcleos localizados na ponte e sua via eferente é o nervo facial, com núcleos de mesma localização. Para testar esse reflexo, estimula-se a córnea com a ponta de uma gase, algodão ou swab, sendo que, no paciente vigil, a resposta é de piscamento bilateral, em decorrência de uma resposta pontina, enquanto no paciente em ME, o estímulo não produz nenhuma resposta de defesa. Evite exames repetidos ou com intensidade que possa lesar a córnea, uma vez que o paciente pode não estar morto ou, se estiver, as córneas poderão ser eventualmente utilizadas para transplante. O reflexo óculo cefálico tem como via aferente o nervo vestíbulococlear (NC VIII), que tem seus núcleos na ponte, mas sua via eferente se dá pelos nervos da musculatura extrínseca do olho (NC III, IV e VI). Como este é um exame que demanda mobilização da cabeça, ele não deve ser realizado em casos de lesão cervical. A cabeça é movimentada, rodada rapidamente para os lados enquanto se observa se ocorre o movimento ocular na direção contrária (olhos de boneca). Testam-se os movimentos no plano sagital fletindo e estendendo a cabeça, mas como a flexão do pescoço implica algum risco de extubação acidental, essa fase do teste não é considerada essencial. Os movimentos devem ser performados para ambos os lados. Na morte encefálica, ou seja, na ausência do reflexo, o olhar do paciente acompanhará a movimentação cefálica realizada. O reflexo vestibulococlear tem sua via aferente através do nervo vestibulococlear (NC VIII), que tem seus núcleos na ponte e sua via eferente se dá pelos nervos responsáveis pela ARIELY MESANINI musculatura extrínseca do olho, ou seja, os nervos oculomotor (NC III), abducente (NC IV) e troclear (NC VI). Ele têm seus núcleos localizados no fascículo longitudinal medial, que se encontra na transição entre o mesencéfalo e a ponte. Antes de iniciar o exame, deve-se certificar de que não há obstrução do canal auditivo por cerume ou qualquer outra condição que dificulte ou impeça a correta realização do exame. Com a cabeceira do leito elevada a 30º, é realizada a infusão de 50 mL de líquido no conduto auditivo externo. Deve-se observar por um minuto a ausência de movi- mentos oculares. O teste deve ser realizado bilateralmente e aguardar ao menos cinco minutos entre um ouvido e outro. O reflexo de tosse também pode ser testado, pois este também se dá a nível do tronco encefálico. Ele tem como via aferente de reflexo o nervo glossofaríngeo (NC IX), que tem seus núcleos localizados no bulbo, e sua via eferente se dá via nervo vago (NC X), com seus núcleos também localizados no bulbo, ou seja, o teste verifica a função bulbar do paciente comatoso. Como esta é a porção mais baixa do encéfalo, em casos de lesões superiores, muitas vezes esse pode ser um dos últimos reflexos a serem perdidos na evolução do paciente com morte encefálica. Não deve ser observada nenhuma reação de tosse, náusea, sucção, movimentação facial ou de deglutição ao tracionar e empurrar levemente o tubo endotraqueal ou com a realização de qualquer estímulo da faringe e laringe. Desse modo, pacientes com o reflexo preservado terão como reação tosse, náuseas, movimentação facial e/ou movimento de deglutição. Na impossibilidade de realizar um dos reflexos unilateralmente, como nos casos de perfuração timpânica ou lesão grave de globo ocular, os pares cranianos poderão ser testados do lado contralateral. A descrição do exame clínico deve ser sempre anotada no termo de determinação de morte encefálica e no prontuário. Caso exista lesão bilateral que inviabilize a análise do mesmo reflexo de tronco, o protocolo não poderá ser executado. A presença de reatividade infra-espinhal pode ocorrer em pacientes com ME e decorre da atividade reflexa de medula. Os exames clínicos devem ser realizados com intervalo mínimo de tempo entre eles. Em adultos, o intervalo entre os testes deve ser de, no mínimo, 1 hora. Intervalo entre os exames clínicos de acordo com a faixa etária do potencial doador Teste de apneia O centro respiratório está localizado no bulbo e é estimulado com altos níveis de gás carbônico. O teste de apneia verifica o estímulo do centro respiratório à hipercapnia e seu objetivo é avaliar a integridade da região pontobulbar. É uma etapa de execução médica e que requer monitorização e cuidados, a fim de garantir a segurança do paciente durante o teste. De forma ideal, o paciente que será submetido ao teste de apneia deve estar hemodinamicamente compensado (PAS ≥100 mmHg ou PAM ≥65 mmHg), sem arritmias, sem hipóxia (Saturação de oxigênio >94%), com temperatura normal ( T >35 C°) e controle metabólico adequado. Etapas que devem ser seguidas para que o teste obtenha sucesso: ARIELY MESANINI 1. Oxigenar o paciente com O2 a 100% por 10 minutos – garante a saturação completa da hemoglobina circulante e diminui o risco de hipóxia; 2.Coletar uma gasometria arterial inicial – deve demonstrar hiperóxia e pCO2 entre 35 e 45 mmHg; 3. Desconectar o ventilador e inserir um cateter de oxigênio com fluxo de 6-8 l/min na traquéia ao nível da carina; 4. Observar atentamente a presença de movimentos respiratórios por 10 minutos; 5. Coletar a gasometria arterial final – deve demonstrar pCO2 acima de 55 mmHg; 6. Reconectar o paciente à ventilação mecânica. O teste será considerado positivo para ME caso não existam quaisquer movimentos respiratórios e a gasometria final demonstre pCO2 acima de 55 mmHg. E o teste deve ser interrompido caso exista movimentos respiratórios ou instabilidade como hipotensão arterial, hipoxia ou arritmias. Em alguns casos, a prova da apneia não consegue ser finalizada por hipoxemia importante durante o teste. Nessas situações, existe a possibilidade da execução do teste mantendo a conexão na ventilação mecânica, em pressão expiratória contínua (CPAP), manobra essa preferencial para todos os potenciais doadores de pulmão. Essa estratégia melhora a viabilidade dos pulmões para uma eventual doação. Exame complementar Sua indicação é de demonstrar de forma inequívoca a ausência de atividade elétrica ou metabólica cerebral ou ausência de perfusão sanguínea cerebral. O eletroencefalograma (EEG) detecta a atividade elétrica cerebral e é necessário um exame com no mínimo, 21 canais. Como vantagem, pode ser feito na beira do leito e tem como desvantagem, a interferência com os outros equipamentos eletrônicos. O doppler transcraniano é um método não-invasivo que avalia o fluxo sanguíneo cerebral. O fluxo de sangue é avaliado através de janelas ósseas. Como vantagem, é um exame portátil, feito ao lado do leito do paciente. Porém, pode apresentar falsos negativos (fluxo sanguíneo cerebral mesmo em casos de ME) nos pacientes submetidos à craniectomia descompressiva ou válvula de derivação ventricular, neonatos com fontanela aberta e uso de balão intra-aórtico. A arteriografia cerebral avalia o fluxo sanguíneo após a injeção de contraste nas artérias carótidas e vertebrais. Como desvantagens, estão a necessidade de transporte do paciente para a sala cirúrgica e o uso de contraste, que pode interferir na função renal do paciente. A cintilografia cerebral demonstra a circulação sanguínea por meio da injeção de radioisótopo tecnécio 99m. Também requer a remoção do paciente até o local adequado para realização do exame. Caso um primeiro exame não seja compatível com ME, está indicada a sua repetição após um prazo de 24-48 horas sem a inviabilização do protocolo. Não é necessária a repetição dos exames clínicos ou do teste de apneia. A fim de garantir a segurança do processo, o mesmo tipo de exame deve ser utilizado, preferencialmente, para a repetição. Conduta após o termino do protocolo Após a realização de todas as etapas do protocolo (dois exames clínicos + teste de apneia + exame complementar), é feito o diagnóstico de ME. Nesse momento, o paciente é legalmente declarado morto e o termo de declaração de morte encefálica (TDME) deve ser preenchido e enviado para a CET (controlador estadual). ARIELY MESANINI Passos: (1) Comunicar o médico assistente; (2) Comunicar a família do paciente – sem falar sobre transplante de órgãos; (3) Comunicar a central de doação de órgãos, e considerar o protocolo, se indicado; (4) Enviar uma cópia da declaração ao órgão controlador estadual; (5) Registrar todos os passos do protocolo na Folha de evolução e na Folha padronizada. Comunicação de más notícias Deve ser feita uma comunicação clara e efetiva, pois é essencial em vários aspectos cotidianos, possibilitando o entendimento adequado das mensagens. A má notícia é aquela que altera drástica e negativamente a perspectiva do paciente, ou seus familiares, em relação ao futuro. As pessoas que recebem uma má notícia nunca esquecem onde, quando e como a informação foi transmitida para elas. Sendo assim, o profissional de saúde deve estar preparado para comunicar uma má notícia da melhor forma possível, tentando ser claro e simples na linguagem e proporcionando um bom entendimento da informação aos familiares/paciente. O Decreto nº 9175/2017 torna obrigatória a informação da abertura do protocolo para diagnóstico de ME aos familiares do paciente. Da mesma forma, a resolução do CFM nº 2173/2017 salienta que: “Os familiares do paciente ou seu responsável legal deverão ser adequadamente esclarecidos, de forma clara e inequívoca, sobre a situação crítica do paciente, o significado da ME, o modo de determiná-la e também sobre os resultados de cada uma das etapas de sua determinação. Esse esclarecimento é de responsabilidade da equipe médica assistente do paciente ou, na sua impossibilidade, da equipe de determinação da ME.” Diante da necessidade de comunicar o óbito ao final do protocolo de ME e da necessidade da realização da entrevista familiar devem ser observados alguns cuidados: ➔ Programe a reunião com a presença dos familiares mais próximos e o responsável legal; ➔ Escolha um local privado, com boa iluminação e ventilação. Tenha água e papel toalha à disposição; ➔ Não fale sobre doação de órgãos antes da conclusão do protocolo; ➔ Revise a história clínica do paciente; ➔ Elimine barreiras físicas que podem estar presentes na sala; ARIELY MESANINI ➔ Sentem-se; ➔ Atente-se para a comunicação não-verbal, evite braços e pernas cruzados; ➔ Desligue o celular; ➔ Faça um resumo das informações desde o início da internação até a evolução para ME; ➔ Utilize linguagem simples, evite termos técnicos; ➔ Esclareça as dúvidas da família, certifique-se que a família compreendeu que o paciente está morto; ➔ Permita o silêncio; ➔ Após a comunicação do óbito pela equipe médica da UTI, o profissional da CIHDOTT/OPO continuará conduzindo a entrevista familiar e o oferecimento da possibilidade de doação; ➔ Recomenda-se que a entrevista seja realizada por no mínimo dois profissionais treinados em comunicação em más notícias. É importante ressaltar que os familiares estarão vivenciando as fases do luto: negação, revolta, barganha, depressão e aceitação. O tempo necessário para cada pessoa é variável e individual. A possibilidade de doação só deve ser informada à família após a aceitação da morte. Existem vários protocolos e diretrizes sobre comunicação em más notícias. As principais etapas que devem ser cumpridas são: preparação para a transmissão da notícia, a informação propriamente dita e a resposta empática à reação do paciente/família. É esperado que, diante do diagnóstico de uma doença grave, os pacientes e familiares fiquem fragilizados. Diante disso, a Humanização na área da saúde é essencial para proporcionar conforto aos que necessitam de cuidados médicos. A relação de ajuda, desenvolvida por Carl Rogers, pode auxiliar os profissionais de saúde a desenvolver esta tarefa, que é inerente à profissão. A relação de ajuda tem como objetivo facilitar a passagem pela situação de crise, produzida pela perda, e a expressão adequada do luto. A comunicação interpessoal é uma habilidade fundamental a ser adquirida, pois ela possibilita a excelência do cuidar em saúde. Referências TANNOUS L A, et al. Manual para notificação, diagnóstico de Morte Encefálica e manutenção do potencial doador de órgãos e tecidos. Curitiba, PR. ed. 3a, 2018.
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