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Jean Piaget - Revista Mente Cérebro - Col Memórias da Pedagogia

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Pínto
I 896: Jean Piaget nasce
no dia 9 de agosto em
Neuchâtel, Suíça, filho
do professor de literatura
medieval Arthur Piaget e
de RebeccaJackson
f 9O7; Escreve texto so-
bre um pardal albino que
observara num parque
públicor esse trabalho é
considerado um prenúncio
de sua capacidade descriti-
va como cientista
l9l5: Forma-se em bio-
logia pela Universidade
de Neuchâtel
I 9l 8: Obrém o título de
doutor em ciência natural
pela Universidade de
Neuchâtel. Muda-se para
Zurique, onde estuda
psicologia e psicanálise,
trabalhando na clínica de
Eugen Bleuler. Escreve o
romance Rechercbe
l9l9: Muda-se para
a França e ingressa na
Universidade de Paris.
Tiabalha com testes de
inteligência infantil
l92l : Publica seu primeiro
artigo sobre psicologia e
inteligência no Journal ãe
Prycbologie.É convidado por
Edouard ClapaÈde e Pienr
Bovet pan ocupar um car-
go de direção no Instituto
Jean-Jacques Rousseau da
Universidade de Cenebra,
em seu país natal
1923: Casa-se com a psi-
cóloga Valentine Châte-
nay/ que será sua cola-
boradora nas primeiras
pesquisas com crianças.
Publica Alinguagem e o
þcusamento dø críøuça
I 925: Nasce Jacqueline,
sua primeira filha. Leciona
sucessivamente, até 1929 ,
psicologia, sociologia e fi-
Iosofia da ciência na Uni-
versidade de Neuchâtel
1927: Nasce sua filha
Lucienne
1928: Encontra o físico
Albert Einstein, que su-
gere ao pensador suíço
que pesquise as noções de
tempo e simultaneidade
na criança
I 929: Torna-se professor
de história do pensamen-
to científfco da Universi-
dade de Cenebra, função
que exercerâ até 1939.
Assume a diretoria do
Escritório Internacional
de Educação
l93l: Nascimento de
Laurent, seu filho caçula
1 936, Publica O uøscimento
da ínteligîrcia na criança,
baseado em observações
de seus filhos
1938: Assume o cargo
de professor de psicolo-
gia e sociologia da Uni-
versidade de Lausanne
(até 1951)
1939: Leciona sociolo-
gia na Universidade de
Cenebra (até 1952)
I 94O; Passa a lecionar
psicologia experimental
na mesma universidade
(até 1971). Torna-se ca-
tedrático de psicologia
experimental, diretor do
laboratório de psicologia
e presidente da Socieda-
de Suíça de Psicologia
l94l : Realiza trabalhos
sobre a formação dos
conceitos matemáticos e
físicos com as pesquisa-
doras Bärbel Inhelder e
Alina Szeminska
1942: Profere no Collè-
ge de France, em Paris,
uma série de conferências
que irão resultar no livro
A psicologia da inteligência
1946: Participa da ela-
boração da Constituição
da Unesco, órgão das
Nações Unidas para edu-
cação, ciência e cultura
1949: Recebe o título
de doutor Honoris causø da
Universidade do Brasil,
no Rio de Janeiro
I 9 5o: Public a Introdução à
eþ istemolo g i a g wíti c a, síntese
de seu trabalho teórico
1952:E convidado a le-
cionar na Sorbonne, em
Paris, sucedendo o filósofo
Maurice Merleau-Ponty
(permaneceria vinculado
à instituição universitária
francesa até 1963)
1955: Funda o Centro
Internacional de Episte-
mologia Cenética, que
dirigirá até o fim da vida
1966' Publica A psicologia
da criança, com Bärbel
Inhelder
1967; Deixa o cargo de
diretor do Escritório In-
ternacional de Educação,
órgão que será integrado à
Unesco em 1969. Escreve
Bi olo g i a e c onh ecimento
l98O: Moneem Cenebra,
no dia 16 de setembro
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WWW.VIVERM ENTECEREBRO.COM. BR VIVER MENTE&CÉREBRO
de Piaget, duas frlhas. Piaget casou-se, em 1923, com Va-
l.ntinJChatenay, formada em psicologia e colaboradora
em suas primeiras pesquisas sobre o desenvolvimento e
u ,.pr.r.i,ução de crianças. Os três filhos do casal' duas
meninas e um menino, nasceram em 1925 flacqueline)'
1927 (Lucienne) e 193 1 (Laurent)'
ean Piaget era suíço. Nasceu no dia 9 de agosto
de 1896 em Neuchâtel e morreu, com 84 anos, no
dia tO de setembro de 1980, em Cenebra' Foi o
primeiro filho de Arthur e Rebecca, sendo ele um pro-
i.rro, uniuersitário e ela, doméstica' Eles tiveram' além
POR LINO DE MACEDO
com Bleuler. Além disso, estudou e praticou psicologia'
em Paris, no Instituto Alfred Binet Nos longos e profícuos
anos de sua carreira universitária foi professor de diversas
Jisciplinas, em diferentes universidades' Lecionou psicolo-
*iu, r*ioloria e filosofia das ciências na Universidade 
de
Ñeuchâtel ç7ozs - lozo).Foi professor associado de história
do pensamento científrco na Universidade de Genebra
0g)g-pzg), de sociologia na Universidade de Genebra
irg¡g- tgsz)i, depsicologia e sociologia na Universidade
de Lausanne (1938- 1951), de psicologla experimental na
Universidade de Cenebra (1949-1971) e de psicologia
do desenvolvimento na Universidade Sorbonne (lgsZ-
1963). Sobre esta última referência, é importante lembrar
que Piaget foi o segundo professor não francês indicado
p.* ¿iiiglt u.u .át.dru na Sorbonne e que o primeiro foi
besiderius Erasmus, em 1510! Em 1971, recebeu o título
de professor emérito da Universidade de Genebra'
Além de incansável pesquisador e professor, Piaget
sempre exerceu importantes funções administrativas ou
político-científicas. Dentre elas, destacam-se o cargo de
di..ro. de estudos (chefe de trabalhos) do Instituto Jean-
Jacques Rousseau em Cenebra, a partir de 1 92 1, diretor
do Éscritório Internacional da Edr-rcação (que hoje integra
a Unesco), de 1929 a 1967 (38 anos), diretor do Instituto
de Ciên.iu, da Educação da Universidade de Genebra'
de 1933 a 1971(igualmente, 38 anos), diretor do Centro
lnternacional de Epistemologia Cenética, da Universidade
de Genebra, de 1955 a 1980 (25 anos)'
Pelas notas biográficas e curriculares acima apresen-
tadas, penso ser fácil aceitarmos o fato de Piaget ser
considerado como um dos mais importantes pesquisa-
dores e teóricos do século XX' Ele foi o propositor da
epistemologia genética, por intermédio da qual ao longo
de toda sua vida buscou corroborar teórica e experi-
mentalmente algumas hipóteses fundamentais sobre o
conhecimento humano e como e por que ele se constitui
ao longo de nosso processo de desenvolvimento'
Piaget sempre foi considerado um gênio pela preco-
cidade*de seu talento intelectual e pela originalidade e
importância de suas pesquisas e teorias sobre o conheci-
*.n,o humano. Publicou aproximadamente 50 livros e
centenas de artigos, coerente com sua idéia de que 
"não
podia pensar sem uma caneta nas mãos", pois para ele
pensar implicava escrever, Destaco, seguindo a seleção
ie Vonèche e Gruber, as principais publicações de Piaget'
Um primeiro artigo sobre um pardal albino (com 1 1 anos'
em 1907)¡ o rotun.. Recberche,em 1918¡ um artigo sobre
psicanálise (1920) e os primeiros artigos sobre psicologia
cogni tiva da criança (1 92 1) t os liv tos Lirg ua ! em e þ ensamento
,a".riorço (1923), O 1uízo e o røciocínio nø cnança 
(1924)' A
,onri',çio áì,0 ,orrol¡dod, Jísíca na criança (1927), O iuízo moral
no rrioiço( 1 9 3 2), O nascímeuto âa inteligêncía na criønçø 
(1 9 3 6)'
A ,onrtiuçao do real nø críança (1937), A conceþção do número
nø criauç) Og+t, com Alina Szeminska), A construção de
quantida'des Jßicas na criança 
(1942, com Barbel Inhelder)' A
jor*oçao áo símbolo na criança (1945) - além de livros sobre
u..pr.r.ntução de crianças sobre movimento, velocidade'
L-po . 
"rpuço 
(no p.iíodo 1946-1948), doTrataâo de
lógica (1g4g) , Ãe In*odução à eþßtenololia genéttca 
( 1 950' em
ti'ê, uolurn., ), Biologia i conbecimento (1967) e A equilibração
das estruturas cognitiuas (197 5)
Em 1918, com 22 anos, Piaget fez seu doutorado em
ciências naturais, na Universidade de Neuchâtel' defen-
dendo uma tese sobre moluscos' Em 1919'1920' estudou
psicologia (metodologia experimental e medida)' em
2uriqur, com Lipps e \Øreschner e clínica psiquiátrica
VIVER MENTE&CÉREBRO
o PENSADOR StJíÇO lean Piaget, criador da
epistemologia genética, em seu escritório em 1965
ESPECIAL PIAGET
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ADULTOS SÃO CRIANÇAS eUE VINGARAM. O projeto qr¡e atravessou a vicla cle Pìar.¡et Ioi a conslrução cle ut'¡r virctrlo essetrcial etrtre a
criança e o acJulto. Acinra, o jovem Jean com seus pais, Arthur- Piaqet e Rel¡ecca Jacksorr, e suas dLlas irrrãs, ell 1906
lt
Uma das formas pelas quais ele fez isso foi realizar
centenas e centenas de experimentos com seus muitos
colaboradores. Esses estudos empíricos caracterizam-
se de um modo geral pela proposição de problemas a
crianças de diferentes idades (na maioria dos casos, com
idade a partir de 4 anos). Esses problemas correspondiam
a temas analisados por cientistas e filósofos, mas em uma
perspectiva abstrata e teórica. A originalidade do modo
de pesquisar de Piaget e colaboradores, por intermédio do
método clínico desenvolvido por ele, consistiu em criar
situações concretas em que perguntas ou tarefas são pro-
postas às crianças. Além disso, as respostas são analisadas
segundo estádios ou níveis ordenados de compreensão
ou realização das questões. Por esse meio, Piaget pôde
apresentar formas de organização do pensamento e da
VIVER MENTE&CÉREBRO
ação bem como a superação destas formas segundo um
desenrolar cuja direção é o encontro com o pensamento
do adulto (seja como pergunta ou como resposta) no qual
ela (a criança) vai pouco a pouco se tornando.
Graças ao seu modo de investigar, Piaget pôde, em um
projeto que lhe consumiu toda a vida, construir o vínculo
que une nossas duas grandes referências, a criança e o adul-
to. A criança, como representante e o próprio futuro da
humanidade. O adulto, como depositário e responsável pela
transmissão e aperfeiçoamento crítico do legado de nossa
cultura e sociedade. De fato, a criança - qualquer criança - é
o ancestral do ser humano. Os adultos são crianças que vin-
garam. Quando nasce uma criança, é o ser humano que tem
uma nova opor¡¡nidade e desafio de desenvolver os recursos
sem os quais não sobreviverá, não sobreviveremos.
A ORIGINALIDADE DO ITIÉTONO DE PIAGET CONSISTIU
EM PROPOR SITUAÇOES CONCRETAS PARA AS CRIANÇAS
ESPECIAL PIAGET
As crianças têm como problema reconstruiç criar,
inventar, descobrir valores/ esquemas cognitivos, afetivos
e sociais etc, fundamentais ao seu processo de desenvolvi-
mento. Para isso, dependem dos adultos que delas cuidam
e lhes ensinam (ou deveriam ensinar ou favorecer) tudo
aquilo que devem aprender, no limite de suas possibilida-
des, para se educarem pouco a pouco e, assim, tornarem-se
membros de sua cultura ou sociedade. Tiata-se de uma
tensão constante, pois podemos e devemos cuidar e ensinar
as crianças, mas não podemos aprender, sofrer, morrer
ou realizar por elas. Piaget propôs um elo entre nossas
referências (a criança e o adulto), de um modo diferente
do que é praticado, por exemplo, nas escolas e famílias.
Nestas instituições, a criança é um aluno e um filho. Na
proposta de Piaget, aluno e filho são vistos na perspectiva
da criança que sempre foram, mas que nem sempre sabe-
mos respeitar, observar ou compreender.
Consideremos agora uma extensão da problemática
de investigação de um mesmo tema na perspectiva da
criança e do adulto, As crianças não nascem sabendo
falar ou representar seus pensamentos, necessidades,
sentimentos etc. pela via da palavra, dos gestos ou de
qualquer outra forma de representação. No começo do
primeiro ano de vida, por exemplo, nem mesmo sabem
WWW.VIVERM ENTECEREBRO.COM.BR
VALENTINE CHÂTENAY se casou com Piaget en 1923 e foi sua
colaboraclora nas primeiras pesquisas sobre o desenvolvimento e a
representação de crianças. Ao lado, o casal no início dos anos 1920
coordenar as diversas partes de seu corpo entre si ou em
relação a atividades ligadas às pessoas, espaço, tempo e
ob;etos. Vão efetuando estas conquistas em um processo
lento e complexo, registradas e analisadas magistralmente
por Piaget, em estudos realizados com seus próprios filhos,
publicados nos famosos livros O nascimento da inteligência
nø criança (1937), A construção áo real nø criønça (1937) e A
Jormação do símbolo na criønça (1945).
O adulto, ao contrário, pode recorrer a diferentes
formas de linguagem (gestual, oral, escrita, imagética
etc.) e representação. Disto decorre uma diferença muito
grande, para considerarrnos a perspectiva da criança, temos
de relacionar suas ações e, mais do que isso, os esquemas
que expressam suas coordenações com o desenvolvimento
do pensamento. Ora, uma coisa é aprender a organizar
no espaço e no tempo as ações. Outra é transpor €ssas
mesmas realizações e compreensões corporais (expressas
porvia predominantemente sensório-motora) ao plano do
pensamento. Para isso, segundo Piaget, as crianças devem
enfrentar e superar ao menos três grandes obstáculos.
Primeiro, reconstruir no plano do pensamento aquilo que
adquiriram no plano da ação. Segundo, descentrar, isto
é, aprender a considerar as mesmas ações agora não mais
em uma perspectiva focada no próprio corpo, mas em sua
perspectiva simbólica ou figurativa, expressas, por exem-
plo, em forma de imitação, jogo, desenho, representações
ou imagens mentais. Terceiro, cooperação¡ no sentido de
que as ações são agora realizadas em um contexto social,
interativo, que supõe comunicação, explicação, argumen-
tação, construção de narrativas etc. Em outras palavras, se
as crianças desde muito cedo sabem reagir à linguagem
do adulto (sobretudo os responsáveis por seu cuidado) e
mesmo dependem disso para sua sobrevivência, elas não
sabem agir por essa via, sendo esta conquista, como vimos,
muito lenta e laboriosa.
Para ilustrar as diferenças entre realizar e compreender
um mesmo problema em uma perspectiva sensório-motora
ou simbólica e, mais que isso, operatória (isto é, com uma
compreensão no plano do pensamento equivalente à lógica
das ações realizadas no plano do corpo) vou resumir um
experimento de Piaget sobre tomada de consciência do
LINO DE MACEDO é professor titular de psicologia do desen-
volvimento do lnstituto de Psicologia da USP e autor de Ensoíos
construtivistos (Casa do Psicólogo) e Ensaíos pedagógicos: como
construir umo escolo pora todosl (Artmed).
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PIAGET VIVER MENTE&CÉREBRO
Fl
andar de gatinhas, realizado com crianças entre 5 e 12
anos e também com adultos.
O experimentador primeiramente pediu à criança que
engatinhasse alguns metros de um lugar a outro Num
,.gìndo momento, pediu que explicasse como fez para
en-gatinhar, isto é, como utilizou os movimentos dos
bruço, e das pernas nesta posição para se locomover'
Num terceiro, sobretudo para as crianças mais novas'
qualquer problema. Todos souberam fazê-lo de modo
l..diuto å .orr.,o, salvo alguns problemas de vergonha
ou timidez da parte dos adultos. Quanto às representações
sobre o engatinhar, Piaget encontrou três níveis sucessivos
de explicaçao. No primeiro, apresentado principalmente
pelas crianças mais novas, a descrição era muito diferente
. ind.p.nd.nte do modo como engatinharam' As crianças
duuu* dois tipos de respostas. Diziam ter engatinhado
l- pr^cET eARTTA DE EXpERTÊNcns srMpLES PARA rlusrRAo o I
LnEòoNSTRuÇÃo srMBóLIcA DE AÇ9ES sENsóRIo-MoroRAS-
pediu que reproduzissem os movimentos no corpo de
um urso de brinquedo ou que dessem instruções a um
adulto ou outra criança para engatinharem Num quarto
momento, principalmente para as crianças mais velhas
e os adultos, pediu que indicassem uma letra que cor-
respondesse, ainda que esquematicamente, à imagem
ou forma do gesto realizado, isto é, que sintetizasse o
esquema de engatinhar.
Os resultados desse experimento sobre a tomada de
consciência do andar de gatinhas são muito interessantes'
Quanto ao engatinhar, propriamente dito, não houve
pondo primeiro as duasmãos para frente e depois os dois
pé, ou, então, que tinham movimentado uma mão, depois
a outra, depois uma perna (ou joelho) e finalmente a outra'
No segundo nível de explicação, os sujeitos diziam que
primeiro tinham movimentado braço e perna direita e'
depois, braço e perna esquerda. Ou então o contrário'
prirn.i.o, biaço . p€rna esquerda e em seguida braço e
perna direita.
Apenas o terceiro nível de explicação correspondia
exatamente ao que todos tinham realizado para engatinhar
com o corpo. Ou seja, nesse nível diziam que tinham en-
'i*
'¡soRRróRto 
DoMÉsTlco. Muitas das análises c1e Piaget clecorret¡.de estLrdos realizados 
corrì set¡s próprios filttos
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"rfur., 
t: scrrs trôs filhos, jacq.cli.r:, [.trcienne e tar¡re.t, ern nreaclos da década 
¡c 1930
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MÉN/NOS 8R/NCANDO (1 955), tela de Candido Portinari. Para Piaget, há uma grande diferença entre aprender a
orc¡anizar as ações no espaço e no tempo e transpô-las ao plano do pensamento
gatinhado avançado primeiro com uma das mãos e a perna
contrária, por exemplo, mão esquerda e perna direita, e em
seguida, igualmente, o oposto, ou seja¡ mão direita e perna
esquerda - e assim sucessivamente. Em outras palavras,
neste nível os sujeitos descrevem o engatinhar de modo
equivalente ao que fazem, isto é, como um gesto em que
pernas e braços avançam alternando-se de modo trocado,
um braço e a perna oposta e vice-versa, o outro braço e
la perna contrária correspondente. Quanto à escolha de
uma letra que simboliza o gesto, Piaget também encontrou
três tipos de resposta. Na de primeiro nível, os sujeitos
escolhem aletraZ, no segundo, a letra N e no terceiro,
letra X - eue, de fato, é a que melhor corresponde ao
squema do engatinhar.
Penso que o experimento sobre o andar de gatinhas é
uito ilustrativo do que dissemos acima da complexidade
e aprender primeiramente a coordenar ações no plano
fvww.vtvr n na E NTEc E REB Ro. co M. B R
do corpo e depois, igualmente, no plano do pensamento.
Sabemos o quanto é laborioso, apesar de todo incentivo
e facilitação dos pais, amigos e parentes, a aprendizagem
do andar de gatinhas por uma criança pequena. Sabemos
também que essa aprendizagem é condição para a seguinte,
o andar com as duas pernas de modo ereto, um marco
importante e decisivo em nosso processo de hominiza-
ção. Mas saber engatinhar não implica de imediato saber
explicar a seqüência dos movimentos que utilizamos para
isso e indicar um modelo ou imagem (uma letra, no caso)
que a sintetize.
Como estudioso e professor da história do pensamento
científico, Piaget sabia que tal dificuldade - compreender
ou realizar com palavras ou fórmulas aquilo que domi-
namos ou produzimos com nossas ações ou observando
as ações de outras pessoas ou obletos - também ocorria
com adultos. Quantos séculos transcorreram e quantos
VIVER MENTE&CÉREBRO 11
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I
I
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conhecimentos tivemos de elaborar para passar, por exem'
plo, do gesto de salgar um alimento para a compreensão
química do como e por que isso acontecet Quanto tempo
foi necessário e quantas gueffas e disputas ocorreram até
que os adultos pudessem elaborar leis e códigos que disci-
plinassem regras e valores em favor da vida coletival Quão
dlfícil é sustentar isso, como um dever que torna possível
a vida social e que expressa o direito a uma equanimidade,
quase sempre esquecida em favor de interesses pessoais ou
de certos grupos em particularl Mas o fato é que, dado isso,
passamos a supor que a transmissão desses conhecimentos
ou códigos para as crianças deve ser fácil e imediata.
Detalhamos um dos experimentos de Piaget sobre
o problema e a importância da tomada de consciência
no processo de construção do conhecimento, para enu-
merar, pois isso é tudo que podemos fazer neste texto,
tantos outros temas que Piaget pesquisou e refletiu ao
longo de sua vida intelectual e científica' Sejam alguns
deles, abstração e generali zação, realizat e compreender,
aprendizagem e percepção, observáveis e coordenações,
julgamento via inferências ou conceituações, classiffcar
e ordenar, construir os possíveis e o necessário em um
VIVER MENTE&CÉREBRO
sistema, espaço e tempo, jogo e imitação, linguagem e
representação, simpatia e força de vontade, esquemas
afetivos e cognitivos, heteronomia e autonomia, formas
elementares da dialética, competir e cooperar, liberdade
e responsabilidade, paz e compromisso social.
Tendo morrido em 1980, portanto, há 25 anos, qual
a importância de considerarmos as pesquisas e teorias de
Piaget sobre o como e o porquê do processo de desenvol-
Respondo a essas perguntas invocando nossa eterna -
hoje, mais do que nunca - necessidade de valorizarmos
educação e o cuidado das crianças como um presente
garante ou ameaça o futuro da humanidade.
Sabemos o quanto vivemos hoje um problema
gerações, que se expressa de vários modos. Crianças tas,
mais crianças filhas de jovens mães, que as
sem um projeto de maternidade e sem a segurança
um parceiro para compartilhar a criação e a educação
seus filhos. Crianças que, apesar do direito de recebe
uma educação formal nas escolas não vêem sentido
aprendizagem e nos modos como seus professores
ensinam, que chegam à quarta série sem saber ler e
ver.
um(
com
lhes
t
A CUUTURA lÚntcA DAS CRIANÇAS NÃO TEM UM
LUGAR VALORIZADO NA ESCOLA OU MESMO EM CASA
vimento das crianças? Qualo legado de suas
't2 ESPECIAL
¡\(.¡\o E ABSTRAçAO Piaget sabia que compreender com palavras ou fórmulas as ações realizadas e observadas
Iliìì('\cr'ìta uma dific¡.¡ldade tanto para crianças quanto para adultos. Acima, uma cJas séries
.r, .li.rr o fotógrafo irrglês Eadweard Muybridge decornpõe o movimento clos corpos.
:me
:mas
rmas
dade
. com expectativas e exigências adultas tão grandes que
Qual 1lþ., tiram um tempo para ser apenas crianças.
as d¡ ¡ Jovens delinqüenies, drogados, deprimidos por não
nvol- iterem oportunidades de trabalho ou educação superior.
-lAdultos 
que em casa agem como se fossem reféns de seus
llfilhos, que não se sentem autorizados para educar, para
llimlor limites¡ que se sentem culpados por não poder' rþuidar de seus filhos, que se sentem abandonados ou
Itraídos por seus companheiros nesta tarefa. Adultos que,
riçöes?þor trabalharem fora de casa, não sabem ou não podem
¡¿ - eþuidar de seus fflhos em casa e só podem fazê-lo por uma
rmos aþubstituição para menos.
tte ouei As máquinas, as comidas prontas etc. resolvem e fa-
ver. Crianças ricas que tratam seus professores como mais
um empregado, que sofrem com uma agenda tão apertada,
cuidados e educação dos adultos, preparando-se assim
para/ pouco a poucor se tornarem um deles em seu sentido
pleno? Meus quarenta anos de estudo e ensino da teoria
e pesquisas de Piaget só fazem conffrmar minha hipótese
de que suas contribuições continuam válidas, sobretudo
se soubermos aplicá-las bem.
Em uma escola que se quer para todas as crianças é fun-
damental que os adultos (professores e outros responsáveis
por sua educação) considerem seus recursos (cognitivos,
afetivos, sociais etc.) de aprendizagem e desenvolvimento.
Mais do que isso, é fundamental que considerem os interes-
ses das crianças. Sabemos, por exemplo, que elas, quando
não estão entregues aos problemas e necessidades do coti-
diano (comer, dormir, cuidar da higiene e saúde, estudar),
encontram um prazer fi.rncional incansável na realização de
jogos e brincadeiras, na apreciação de histórias e contos
fantásticos (via livros, televisão, cinema, música, relatos
dos adultos etc.). Ora, essa cultura lúdica das crianças não
tem um lugar valorizado na escola e mesmo em casa só
acontece preferencialmente pela via midiática.
Mesmo na educação infantil, cada vez mais se tenta
ensinar conteúdos disciplinares na perspectivaséria,
racional e "ob¡etiva" dos adultos. Brincar e jogar são
proibidos, contidos ou ignorados. Por isso, às vezes só
podem se manifestar de modo inadequado ou circuns-
. filltam muitos problemas do dia a dia em casa, mas não
:ma deþa máquinas para cuidar de crianças e as escolas não são
eberantf-omo transmitir aos mais jovens, em casa, na escola, na
rnça d{ida da cidade, os conteúdos, os valores, as técnicas que
rnças teitas, como instituição, para substituir a vida em família
ação d{s integrarão em nossa sociedade e cultura nos termos em
:ebererrlue isso hoje é exigido? Como desenvolver a autonomia
lo nest{roral, afetiva, cognitiva, social e física das crianças para
,res lheþe possam se emancipar, nos limites de suas posiibihda-
e escrefes e necessidades, de sua dependência com relação aos
,L PIAGEÍWW.VIVERMENTECEREBRO.COM.BR
VIVER MENTE&CÉREBRO 13
tancial (zombarias e violência entre colegas na sala de
aula, brincadeiras nos intervalos, na volta de carro para
casa). Como recorrer aos jogos e passatempos tão caros
às crianças em nossos projetos de sua formação ou orien-
tação? Álé. dirro, como considerar os diferentes níveis
d. .o-pr..nsão e realização das crianças sobre temas
,afar.nt., ao conhecimento científfco que elas devem'
pouco a pouco, dominar?
O desafio da educação, como sabemos, é articular de
modo interdependente duas tarefas muito difíceis: inte-
o DESAFIO DA EDUCAÇÃO É ¿,nncuLAR INTEGRAÇÃO
NA SOCIEDADE E DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA
hab¡lidades e competências mínimas para sua autonomia
e responsabilidade pessoal, ao preço de torná-la parte da
sociedade como um todo, o que implica dominar informa-
çöes, valores e técnicas já construídos 
pelos mais velhos'
Estudar Piaget e transmitir seus ensinamentos é uma
tarefa difícil. Como vimos, ele escreveu muitos livros e
como todo grande autor analisou muitos temas e propôs
uma teia de signiffcações, coerente e complexa, expressan-
do um modo de conhecimento e uma forma de praticar a
como às imensas diffculdades que devem superar em seu
processo de emancipação).
Neste sentido, a educação inclusiva de que tanto se
fala hoje (eu mesmo acabo de publicar um livro -E'nsaios
pedagfuiicos' como construir uma escolø þara todosl - sobre este
tema) é um termo redundante, pois educação, por mais que
ela nunca tenha cumprido esse ideal, é sempre inclusiva
no duplo sentido que a caracteûza - libertar, até onde
possível, a criança de sua precariedade, inconsistência,
não completude e dependência, via aquisição de esquemas,
gïar as crianças na sociedade adulta (aprender conceitos'
informações. regras e atitudes valorizadas em uma dada
cultura ou grupo social etc.) e¡ ao mesmo tempo, favorecer
o desenvolvimento de sua autonomia. Penso que, ainda
hoje, ou ficamos reféns do primeiro objetivo (impondo
às crianças o domínio de conteúdos escolares sem levar
em conta as especiffcidades e os limites de seus processos
de desenvolvimento) ou ftcamos reféns do segundo (sub-
metendo-nos aos caprichos e vontades das crianças bem
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o
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A EDUcAçÃo lNcLUslvA de que se fala hoie é um termo redundante, 
pois educação é sempre inclusiva, no duplo sentido de libertar a
criança de sua precariedadu "i" 
t-n¡-ru pårt. ou sociedade. Abaixo, crianças em atividade'de pintura em escola de 
são Paulo (2000)
14 VIVER MENTE&CÉREBRO
t
3
It
;,
Lla
A IOVEM PROFESSORA (c. 1 736),
tela de Jean-Baptiste-Siméon Chardin
vida. Se quisermos, como é próprio de nossa cultura atual,
consumi-lo rápida e facilmente, isso não dará certo. Além
disso, como ocorre, igualmente, com todos os grandes
autores, são muitos os seus admiradores, mas também
muitos os seus adversários. O problema é que às vezes o
grande autor só sobrevive pelos slogans que divulgam
sobre ele. E os slogans, positivos ou negativos, são apenas
slogans, divulgam uma forma segura e imediata de ver ou
criticar certa realidade ou modo de pensar, mas que nem
sempre fr¡ncionam. Como ir além dos slogans? Sabemos
ou queremos fazer isso?
Escuto muitas críticas a Piaget. Diz-se que ele desprezava
a escola e seus problemas específicos (formação de profes-
sores, relação professor aluno, cotidiano da sala de aula, a
escola como instituição e o problema da educação formal
etc.). Quando lembramos para estas pessoas que Piaget, na
condição de diretor do Escritório Intemacional da Educação
da Unesco por 38 anosr ao seu modo, contribuiu para uma
análise crítica dos diferentes modos de pensar a educação
e o desenvolvimento da criança na escola, diz-se que isso é
insuffciente. Esquecidos de que há muitos e muitos modos
de se construirum conhecimento, diz-se que os professores
necessitam de uma metodologia ou uma d¡dática para suas
práticas pedagógicas e que Piaget não tem uma. Diz-se que
as propostas inspiradas na teoria de Piaget não conseguiram
resolver o principal problema da escola (alfabetizar todas
as crianças), como se um autor, qualquer autor, pudesse ser
responsável diretamente por aquilo que fazem em nome
Como se determinada visão de conhecimento pudesse
conta da complexidade da educação das crianças na
e da complexidade dos fatores que conspiram a favor
contra essa realização.
articularconstruções coletivas com construções individuais
ou restritas aos interesses de certo grupo?
O leitor que pôde me acompanhar até aqui terá obser-
vado de que posição estudo e ensino a teoria de Piaget.
Faço-o na perspectiva daquilo que sempre busquei ser ou
me tornar: um professor de psicologia do desenvolvimento
que ousa dizer em nome das crianças - a real e a eterna-
mente presente dentro de nós - aquilo que elas nem sempre
podem dizer por si mesmas de um modo direto e em uma
linguagem que os adultos possam entender ou valorizar.
Além disso, busco pensar esta criança no contexto, dentro
e fora da escola, de educar para enfrentar as vicissitudes
deste mundo, do modo como ela pode conhecê-lo no
espaço e no tempo de suas realizações ou compreensões.
Será isso possível? O estudo da obra de Piaget faz-me
pensar que sim. Ao menos é o que tenho tentado fazer,
conffante na importância disso, como lembra o verso de
Fernando Pessoa,
A criança ¡ue Jui chora na estradø,
Deixei-a ali 4uardo oim a ser Quem sou,
E boþ, 4uanáo uejo Que o que sou í nadø,
Volto a buscá-la ali onde fcou. s\4c
The essential Piaget: an interpretative reference and guide. H.
Cruber e J. Vonèche (org.). Basic Books (Nova york),19i7.
dai
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aral
I
I
-i I
. Diz-se que hoje o problema é o da "desconstrução"
de hábitos, atitudes e conhecimentos que se tornaram
) e não o da construção, desconsiderando-se
ue ela implica sempre uma "desconstrução", igual e
, daí decorrendo o eterno problema dos
lores e do sofrimento gerado pelo desafio de que algo
se torna em Êunção de seus aspectos condicionados
perspectivas, realizar um percurso em favor
um tornar-se¡ ao preço de abrir mão ou superar o que
está constituído). Por exemplo, concordamos que vale
pena destruir árvores para fabricar folhas brancas para
e aprender na escola. Mas vale a pena destruir
res para outros tantos interesses? Como articular os
'rentes aspectos, os prós e os contras, que compõem
determinado sistema? Como Íazer davida um projeto
vale a pena construir, sustentar e aperfeiçoarl Como
L pnclww.vtvERMENTEcEREBRo.coM.BR VIVER MENTE&CÉREBRO 15
de nós. De seu primeiro livro, Rechercbes (1918)' a seu
lguém disse certa vez: Piaget não é um indivíduo,
é uma instituição. Na medida em que adentramos
f-l u epistemologia e a psicologia genéticas, criações
desse pensador, essa sensação vai crescendo dentro
Ele adletivou sua epistemologia como genética (gênese,
origem, nascimento, construção, desenvolvimento, for-
*uçao, noção), o nascimento da inteligência, a formação
do ,ítbolo, a construção do real, a noção de tempo' a
origem da idéia de acaso, a gênese das estruturas lógicas
elelentares, da lógica da criança à lógica do adolescente,
a construção do número, desenvolvimento da imagem
mental, psicogênesee história das ciências, são expressões
que aparecem em títulos de livros seus e que traem suas
preocupações epistemológicas e genéticas'- 
M.i.o quando a forma lingüística não indica, a preo-
cupação genética está presente¡ como nestas expressões,
encontráveis em outros títulos de livros seus' a linguagem
e o pensamento, o raciocínio, a representação do mundo,
o juízo moral, a representação do espaço, a geometria
espontânea, aprendizagem e conhecimento, mecanismos
da percepção, imagem mental, epistemologia do espaço'
lógìca e conhecimento científico, biologia e conhecimen-
tol estruturalismo, memória e inteligência, contradição,
tomada de consciênc ia, fazer ecompreendeç equilibração,
comportamento motor da evolução, abstração reflexionan-
t., çn.ruliração, possível e necessário, para uma lógica
das significações.
A pesquisa desses problemas, sob o ponto de vista
sua gênese, no sujeito - qualquer indivíduo, historican
situado -, nada tem de interesse educacional imediato'
motivos, entretanto, fazem o educador debruçar-se
esse patrimônio: (a) a questão da formação dos con
tos; (b) as obras educacionais escritas por Piaget'
O primeiro dá conta de que na medida em que
sociedides humanas criam a instituição escola, fazem-
para que ela dê conta do conhecimento¡ ela é
POR FERNANDO BECKER
o EPTSTEMÓLOCO EM SEU CABINETE. Piaget não foi
educador, mas um pensador para quem o
central era compreender como se passa
último (póstumo), Vers une logique âes signifcøtions (1987)'
duas constatações, aparentemente contraditórias, vão se
confrgurando: a inventividade, revelada numa obra que
surpreende a cada novo volume e a profunda coerência'
sem prejuízo dessa inventividade'
ú*u obru que se estende por mais de 20 mil páginas
- mais de 60 livros, centenas de artigos -, confeccionada
num período de mais de 60 anos, contando com cada vez
mais colaboradoras e colaboradores, contínuos ou even-
tuais. Obra cujos temas foram discutidos, em numerosas
ocasiões, em seminários públicos que contavam com
convidados de trânsito internacional e das mais diferentes
disciplinas. (Relaciono vários desses colaboradores, sem a
pretensão de esgotar a lista, Noam Chomsky, Lucien Cold-
*unn, M. Bunge, Thomas Kuhn, J'-B' Grize, Vinh-Bang,
J. Bruner, Rolando Garcia, P. Fraisse, Jerry Fodor' Jacques
Monod, Seymour Papert, Massimo Piattelli-Palmarini, Hi-
lary Putnam, Gregory Bateson, Cuy Cellérier,Jean-Pierre
Changeux, G. G. Granger, J. Ladrière, G' V' Henriques'
V. E. Beth, B. Mandelbrot, L. Apostel, inclusive as mais
próximas, como B. Inhelder, M. Bovet, H' Sinclair, A'-N'
Perret-Clermont - quase todas e todos co-autores nas
publ icações dos É,udes á' Ép ßtemolo g ie G iníti Que')
Já se dlsse muitas vezes que Piaget não foi um educa-
dor. De fato, sua preocupação voltava-se para problemas
epistemológicos' Tälvez, o mais central de todos fosse
.rt., Crro se þassø de tm conhecimeilto mais simþles þara um mais
comþlexolRespondendo a esse problema, responderia a seu
verdadeiro objetivo, Como pode o ser humano fazer ciên-
cia? Ou, o que é a mesma coisa, como pode o ser humano
chegar a conhecimentos universais e necessários?
24 VIVER MENTE&CÉREBRO
conhecimentos simples para conhecimentos
UMDIVISOR
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ção I
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VIVER MENTE&CÉREBRO
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e
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vel por repassar às novas gerações o que as mais antigas
sabiam. Esse obietivo assumiu um novo sentido com a
produção científica moderna e com a impressionante
produiao científfca contemporânea. O papel da escola
revestiu-se de tal importância que é difícil imaginar que
apareça alguém, hoje, propondo uma "sociedade sem
.r.olur" - quando lvan Ilich a propôs, há mais de trinta
anos, já foi um escândalo (na verdade, ele propunha uma
alternativa para a escola vigente). Pode-se pensar hoje
numa nova modalidade de escola, mas não a ausência de
escola. De mais a mais, a própria escola sente-se limitada
frente a essa ingente tarefa' repassar ao aluno a gigantesca
produção científi ca contemporânea.
Em segundo lugar, o próprio Piaget adiantou-se e
escreveu numerosos textos (coletados em' Para onáe uai
a eâucação¡ Psicologia e þeáølolia¡ Sobre ø pedøgogiø) em que
føzer e comþreenáu Ogzq), øbstração reflexiorante 
(1977) e
'genualização (1g78)t a partir daí, prestar atenção sobre
.orno .1ã pensa o conhecimento, se como conteúdo oui
como estruturâ; e , erìtão; pensar a aprendizagem huma-i
na. Feito isso, poderemos confrontar as concepçöes da:
epistemologia genética com as concepções escolares dei
conhecimento e de aPrendizagem 
il ;
A FORMAÇÃo oos CONHECIMENTOS f t
Disse Glánbattista Vico: "A humanidade é a obra delEï a
mesma". Glvez a expressão mais acabada da affrmaçãr
desse fflósofo italiano do século XVIII tenha sido reali
zada pela obra de Piaget. Pelo menos no que se refere {
formaçao dos conhecimentos. Para Piaget, a ação human{
constitui a ponte entre a realidade e arazáo' O conhe
cimento, aqui pensado como estrutura ou capacidade,
só secundariamente como conteúdo, é construído pe
sujeito¡ não é determinação genética (inatismo), por
importante que seja a contribuição do genoma, como
é doação de uma inteligência superior¡ nem é determin
do meio, por maior que seja sua contribuição' Pergunta-
de onde o sujeito retira os materiais de construção?
r pARA O pENSADOR SUíÇO, A AÇÃo HUMANA
L..*siiiur A poNTE ENTRE A REALTDADE E A RAZLO
pensa, a partir dos seus achados, as possibilidades da
escola e seus desmandos' o ensino e seus equívocos/ a
aprendizagem e suas incompreensões'
Vamos discorrer sobre três temas, dentre tantos, para
dizer como vemos o Piaget dos últimos anos de sua vida,
especialmente nas obras sobre tomada de consciîncia (197 4) '
26 VIVER MENTE&CÉREBRO
ESPECIAT
T
o PROCËSSO DE ABSTRAÇAO descrito por Piaget ìmplica uma reorganização das características dos objetos em outro patamar. Acima, uma
representação visual desse processo nas telas Arvore vermelho (1908), Arvore cinza (1911) e Mocieiro floridct (1912), de Mondrian
'/)e
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[o ou
uma-
es da
'es d€
'a dela
mação
r reali'
efere à
umana
conhe'
Cade, t
,.o-
De duas fontes, responde Piaget. Dos observáveis, isto
é, dos objetos sobre os quais age, retirando qualidades
que são próprias desses objetos (coq forma, consistência,
tarnanho, fsensação de] peso) e das características materiais
das ações (pôr, ajuntaE separal puxar, empurraî, trazer,
levar, bater, suspenderetc.). E das coordenações das ações
(não observáveis, porque endógenas). Exemplos, a criança,
ainda pré-operatória, "funde" seriação e classificação, lon-
gamente exercitadas no brinquedo, inventando o número;
llo ponto de chegada das operações concretasi reúne pro-
posições construindo hipóteses e inferindo algo inusitado
dessas novas proposições; o adolescente trabalhando com
grandes números chega à noção de infinito ou é capaz de
entender a lógica das placas dos carros utilizando uma
combinatória. Cada uma dessas novidades foi gerada por
reorganizações internas (endógenas) do sujeito, sem apelo
direto e imediato a observáveis, ao contrário, afastando-se
cleles. O número, a hipótese, o infinito, a combinatória não
do se fala de ação, em Piaget, não se quer dizer sempre a
mesma coisa. Tänto o ato da criança de enfileirar carrinhos
quanto a resolução de uma equação matemática por um
adulto são ações; esta, porém, é uma ação interiorizada:
uma operação.
As ações podem ser, pois, de diferentes graus de
acordo com a função que o sujeito lhes atribui. Por
exemplo, se o sujeito quer simplesmente conseguir
algum resultado prático, procede a uma ação de pri-
meiro grau; se quiser compreender o que fez, a açã,o é
diferente, tem outra performance: trata-sede uma ação
de segundo grau, uma ação não mais sobre objetos,
mas sobre ações anteriores. Ação de segundo grau é
aquela pela qual o sujeito se apropria dos mecanismos
da ação de primeiro grau. Enquanto esta persegue o
êxito, aquela busca a compreensão. Se quiser que um
automóvel se desloque, por 100km, tenho de dirigi-lo
(ignição, câmbio, aceleração, direção...), fazendo isso,
nascem dos observáveis¡ originam-se das coordenações
do pelrl clas ações do sr.rjeito por um esforço reflexionante, ãom
por mai'tornada de consciência (abstração refletida).
lmo nãr Pensemos a ação para entende r a coordenação das ações
.minaçãi- esse termo importante criado por Piaget. Os movimen-
gunta-s{tos, os comportamentos de qualquer indivíduo humano,
áo? podem ser considerados ações de diferentes níveis. euan-
\L ptAGf\^/VW.VTVERMENTECEREBRO.COM.BR
li
ll':
FERNANDO BECKER é professor titular da Faculdade de Educa-
ção e do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRGS
e autor de Da oção à operoção: o cominho da oprendizogem em
Pioget e Freire (DP&A), A epistemologío do professor (Vozes),
Educaçõo e construção do conhecimento (Artmed) e A orígem do
conhecimento e o aprendízagem escolor (Artmed).
VIVER MENTE&CEREBRO 27
obterei êxito, ou seja, percorro a distância desejada'
Poderei simplesmente esquecer o que ft2. Poderei,
também, retornar ao que ffz e, passo a passo, recuperar
esse fazer, simbolicamente (por exemplo, calcular o
tempo médio desse deslocamento)' A finalidade dessa
segunda ação é a compreensão (teoria), enquanto a da
primeira foi o sucesso (prática).
As ações do nosso cotidiano, em sua grande maioria,
são práticas, de primeiro grau¡ nós as realizamos sem nos
darmos conta - é o plano do senso comum ou do bom
truir uma complexidade de esquemas que funcionam no
"piloto automático". Podemos ignorar essas ações. Porém,
podemos retornar a elas, após obter o êxito buscado, e
debruçarmo-nos sobre elas ou sobre suas coordenações'
Em outras palavras, tomarmos posse delas, tomar consci&tcia
dos seus mecanismos íntimos. Todas as criações humanas
mais perenes - artes, ciências, ftlosoffa, mecânica, eletrô-
nica etc. - são conquistas desse processo.
Esse esforço de retomar um conjunto de ações até exer-
cer domínio sobre elas, Piaget chamou , em 79V , de abstração
senso, plano anterior a qualquer preocupação científtca'
Isso não signiffca que essas ações sejam simples' Para
fazermos uma idéia da complexidade dessas açöes, apa-
rentemente banais, é só tentarmos treinar um cachorro
para que ele as execute - como buscar um jornal na banca
da esquina. Para darconta de tais açöes, tivemos de cons-
t ;3#fl iJãîïËä ;iä'åånÌËiìå""!"? $Hr l
reJlexionønte.Essa forma de absüação tem dois desdobramen-
tos. Se retirarmos dos objetos ou das açöes observáveis
características que não pertencem aos objetos ou a essas
ações, mas que nós projetamos neles, estaremos procedendo
a abstraçöes þxudo-unþíricas - falsamente empíricas, porque
as características retiradas não pertencem aos objetos ou à
materialidade das ações; pertencem às coordenaçöes das
ações do sujeito. Se, porém, retirarmos características das
coordenaçöes das açöes tom ando consciência de que e de como
fizemos isso, estaremos procedendo a abstrações refl*idas'
Para Piaget, tanto a lógica quanto a matemática, que um
indivíduo utiliza durante toda sua vida, são construídas dessa
forma. As ciências da lógica e da matemática, por sua vezl
foram construídas dessa forma pela humanidade.
A ação que leva ao êxito não é suffciente, pois, para
construir conhecimento. A ação que constrói conhecimen-
to é aquela que se apropria dessa ação primeira que levou
ao êxito. Como diz Aldous Huxley' "Experiência não é o
que se fez, mas o que se faz com aquilo que se fez". Tèoria
não se faz com a prática/ mas com a negação da prática e
com a apropriação das coordenaçöes das ações práticas
em um novo patamar. Se teoria se ffzesse com a prática, o
torneiro mecânico, que trabalha na linha de montagem,
chegaria a produzirum novo design de automóvel. Acontece
que ele pode passar 30 anos nessa prática sem conseguit
conceber ou "desenhar" umþrotótiþ0. Não que ele seja in'
capaz de fazê-lo¡tudo foi disposto, nesse meio, para
ele não se apropriasse do que fez. Começa-se a fazer teori
negando a imediatidade da prática e utilizando-a
matéria-prima e não como produto acabado das const
ções teóricas. Afinal, a lógica da prática é a
L!çAO DE PTANO (1916), de Henri Matisse. A preocupação
da epistemologia genética não se dirige ao
conhecimento-conteúdo, mas ao conhecimento-estrutura,
condição de assimilação de qualquer conteúdo
ESPECIAL
VIVER MENTE&CÉREBRO
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rô-
ler-
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CRIANÇA BRINCANDO COM CAMINHAO (1953), de Picasso.
A criança, ainda pré-operatória, "funde" ser¡ação e classificação,
longamente exercitadas no brinquedo, inventando o número
í'len-
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I*¡áas.
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das ações que deram certo no passado¡ ela não dispõe de
respostas adequadas a problemas novos. É próprio da boa
teoria romper com essa lógica.
Uma das descobertas de Piaget é a de que a ação tem
êxito precoce com relação à compreensão. Frente a proble-
rnas novos, as crianças/ os adolescentes e também os adultos
podem inventar respostas que resultem em êxito imediato.
Podem, também, ter de enfi'entar uma sucessão de tentativas,
corrigindo erros, até chegar a um acertoi fazern isso por
regulações sucessivas, para além das regulações automáticas.
Ti'ata-se, neste caso, de "ações cr-dos êxitos são progressivos
e não mais precoces". Tänto no caso do êxito imediato (or-
ganizar os carrinhos num autódromo de brinquedo) quanto
no do êxito mediante regulações ativas (aprender a andar
de bicicleta ou dirigir um carro), a compreensão é tardia,
pode, inclusive não acontecer.
Quão pouco compreendemos das regulações ativas
rra aprendizagem da escrital O que compreendemos
do processo de redação de textos? Qual o tamanho da
nossa ignorância a respeito dos processos envolvidos na
descoberta científica? Quem, por exemplo, compreen-
de o conjunto das regulações do sistema nervoso de
um piloto de Fórrnula 1? Ou o conjunto das regulações
cognitivas realizadas pelo formulador da teoria quântica?
Or,r o processo das regulações operatórias na formulação
s, para maternática da condensação de arquivos para transmissão
:imen- via internet2 Ou a sucessão de regulações ativas, seguidas
: levou de novas regulações ativas sobre as regulações ativas
rão é o anteriores, até chegar a regulações ativas de enésima
Tèoria potência, no pensamento de um formulador de teoria
rática e sociológical2 Quantas soluções geniais a humanidade
rráticas produziu, geradas, em cérebros individuais, cujas re-
.ática, o gulações ativas ignoramos2 "Fazer é compreender em
Itagem,,ação uma dada situação em grau suficiente para atingir
contec€ os fins propostos, e compreender é conseguir dominar,
rnseguirem pensamento, as mesmas situações até poder resolver
: seja in.os problemas por elas levantados, em relação ao porquê
para quee ao como das ligações constatadas e, por outro lado,
,er teoriaUtilizadas na ação" (Fazer e compreenáer).
-a como, O processo de abstr.ação em qualquer nível consta
aonr,ru'fenrpre de dois passos. Primeiro, retiram-se caracterís-
rroduçãolicas dos objetos, das ações ou das coordenações das
lSòes, de um patamar, e projeta-se esse material para
lutlo patamar mais elevado (reflexionamento)¡ reor_
ro faniza-se, então, esse novo patamar em função dessas
lovas características (reflexão). Essa reorgan izaçãotà' 
þresenta novidades devidas a dois motivos: é único o
tAL ptAGEþw.vIvERMENTECEREBRO.COM.BR
comportamento, naquele momento, de retirar aquelas
característicasi e o patamar para onde foram transferidas
tais características é daquele indivíduo, historicamente
datado e sociologicantente situado, e de mais ninguém.
Täl reorgarrização, com suas idiossincrasias, aconteceu
naquele indivíduo e em mais ninguém.É por isso que,
segundo Piaget, esse processo é criador de novidades. Na
verdade, é criador de capacidades cognitivas novas, que
o sujeito não possuía. Elas consistem, pois, num aumento
da capacidade de aprender ou, se quiser, de conhecer. É
por esse processo que surge/ às vezes, uma novidade ou
algo que nunca existiu; é o que ocorre/ provavelmente,
quando alguém descobre, cria ou inventa algo novo. Täis
soluções não têm lugar no mundo real, mas no mundo
das estruturas ou no mundo dos possíveis que ultrapassa,
indefinidamente, o mundo real.
*
o
VIVER MENTE&CÉREBRO 29
d
t
5-
4
pl
m
p
QUEBRA-CABEÇA. O caminho 
para passar da estrutura mais simples 
à mais complexa é o das regulações atlvas' 
mediante
É por isso que o autor da epistemologia 
genéti-
.u uf,.*u qu" àuulqutr ato de inteligência envolve
construções anteriores do sujeito' Essas 
construçöes
;;;1..; segundo vários critérios: da centração à
;;;;;;;;ã. da periferia aos centros do sujeito e do
;;;;;;, Ji iniiferenciação.à diferelciaeã7' de regu-
lacöesautc¡máticasaregulaçöesativas,deescolhas
t"åã"t.t.",.s a escolhas deliberadas' da compreensão
ão, obj.to, à conceituação das a.ções' da assimilação
;ä;; assimilação conceitual' de coordenações 
sim-
ples a coordenações indefinidamente complexas' 
do
bxito à compreensão, dos planos restritos 
e provisórios
;;;;;;";ão de conjunto, sempre-na dependência
;fi; ;; uçao .fttiuu do sujeito' E é-sempre bom
lembrar que as ações não têm poder 
ilimitado' elas
,ao iiti,¿us pelomeio físico e' sobretudo' pelo 
meio
tå.t.i t,'r., ,.gundo Piaget, "pode acelerar' 
retardar ou'
"rJ,l.i"ått 
ã manifestação de um estágio"'
'Ertigio 
é definido como uma organização com-
pl."u {u. coordena todos os movimentos' 
compor'
VIVER MENTE&CÉREBRO
tamentos ou atos de inteligência Piaget 
chama es
o.guniruçao de estrutura de conjunto o"t ::-ti:t:i
riza por integrar os estágios anteriores'.manter 
ur
"rJ.'"t 
¿. ruärrão (se nsório - motor' pré- operatóri
operatório-concreto, operatório 
-f ormal)' passar
olo..rro, de preparação.e de acablt"t " 
t" 
:"^ 1:
;r;.*;i";tu, it equilrbrio final' Longe de ser re
itiJ", " 
r"t,nulao dti'u' estruturas é atravessada p-irrolig*, 
ou otstáculos à sua generalização a 
po
ää; pod., afirmar, no que concern€ I f:lli
dos conhecimentos, a existência de 
dois indiví
;;t"-nä em qualidade nem em.duração 
de
o1*.rro, de formação; podemos falar' 
apenas'
*¿diu, de idade (cronologia)' Não é tão raro 
enc
trar-se indivíduos adultos operatório-concretos 
e'
ori åo...,Urios (pesquisas de Mosheni' 
em vila
int.rior do Irã) ou crianças de 10 anos' em esc(
ãe periferia, ainda pré-operatórias' ou.crianças
"nor.orn 
poucos sinais de exercício da capaci
,.p..r.n,uitva (pesquisas de Montoya)'
30
ESPECIAL
CONHECIMENTO-ESTRUTURA E
APRENDIZACEM ESCOLAR
A preocupação da epistemologia genética não se
dirige, como vimos, ao conhecimento-conteúdo tal
como é tratado pelos currículos escolares. Sem atro-
pelar o conteúdo, que utiliza como mediador, Piaget
preocupa-se com o conhecimento-estrutura¡ isto é, o
conhecimento construído que funciona como condição
de assimilação de qualquer conteúdo. Assim como não
consigo servir-me de água sem um recipiente adequado,
não poderei assimilar um conhecimento-conteúdo sem
de consciência da ação, de seus mecanismos íntimos ou
de suas coordenações. Essas tomadas de consciência
procedem, segundo Piaget, "da periferia para o centro,,
(uu âiagrama), isto é, das zonas de adaptação ao ob;eto (p,
periferia) até atingir as coordenações internas da ação (C
e C'). Uma criança de 9 anos pode ter sucessivos êxitos
atingindo um alvo com um objeto preso a um cordão, após
sucessivos movimentos giratórios (funda), sem saber como
procedeu para conseguir o êxito (uer diagrøma abaixo).
Além disso, a partir de certo nível, verifica-se uma
influência decisiva da conceituação sobre a ação. A ação
ma essade que ouçam atentamente a exposição do conteúdo,
-uru.¡s'feita pelo professor, e repitam esse conteúdo tantas
¡.r urnaVezes quantas forem necessárias... Se isso for feito e
:ratórioÊ aprendizagem não acontecer, ou o aluno é acusado
'rsa, 
po'de re lapso - indolente, preguiçoso, indisciplinado
u de fori- ou a "máquina" (o cérebro, a mente) deve ter vindo
: ser retiÇom alguma falha - genética, certamente. A escola
sada po$valla a partir dessas duas justificativas combinadas
ra pont$ue, aliás, revelam concepções epistemológicas, a
iormaçã[rimeira (empirista) recai sobre o comportamento
ldivídudo aluno; a segunda (apriorista) sobre suas condições
o ¿. t.{révias, especialmente as herdadas. A escola naå se
m uila { A conceituação resulta de construções, devidas à ação
,m escolÞ sujeito, e não do ensino - por mais que um ensino
anças deÞnstormado possa colaborar com esse processo. Con_
:apacidaSue-se chegar a uma estrutura conceitual - ferramenta
hdamental do pensamento _ por progressivas tomadas
iCIAL PIAC'IWV.VIVERM ENTEC EREBRO.COM, BR
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Ç <_ P ________-_+ c,
(Piaget, Atonada dc consciêtrcía)
VIVER MENTE&CÉREBRO
[,åf î^ì^:ii'itsåRJfr äläüì3î,treffi?i[fiî^]
um conhecimento-estrutura. Mais, não se consegue as_
similar um conteúdo mais complexo com uma estrutura
mais simples. Com a mesma estrutura com que uma
criança de 9 anos assimila um jogo de caça ao tesouro
não consegue assimilar um jogo de charadas que utiliza
apenas proposições ou hipóteses.
O caminho para passar de uma estrutura mais sim_
ples a uma mais complexa é o das regulações ativas,
mediante abstrações - empíricas e reflexionantes,
pscudo-empíricas e refletidas. Ações de primeiro e
de segundo graus, portanto. O ensino escolar con_
vencional não apresenta a mínima competência para
dar conta disso além de, freqüentemente, atrapalhar
esse processo e, no limite, até impedi_lo. Esse ensino
acredita que todos podem aprender qualquer coisa des_
passa a ser corrigida e pode ser melhorada em função da
conceituação. É .rr. o sentido da afirmação de piaiet de
que a tomada de consciência inverte a ordem da gênese;
isto é, o que vinha primeiro, na ordem da gênese _ a ação
com seu êxito precoce -/ vem depois na nova ordem das
construções conceituais mediante regulações ativas; a ação
que gerava a conceituação passa, agora/ a ser gerada por
ela, isto é, passa a sofrer modiffcações da conceituação
originada da tomada de consciência. Tüdo inicia com
a ação, depois surge a conceituação que modifica, de
retorno, a ação, num ciclo interminável; de fato, numa
espiral ascendente cujas espiras se alargam a cada nova
construção. A conceituação vai se tornando hegemônica
sem jamais prescindir da ação, sua matéria_prima.
Considerando o diagrama, a ação do sujeito vai pro-
duzindo modificações em duas direções correlativas: C e
C'. A direção C', a da causalidøde,é a produzida a partir das
ações sobre os obletos, o sujeito age sobre eles, modifi_
cando-os¡ é a função da assimilação. Sua ação depende,
sempre, de construções prévias, mesmo o recém_nascido
depende dos reflexos formados antes do seu nascimento.
31
dade) e da interiorização (implicação significante)' 
Todas
as constr.,çOes que se iniciam no cotidiano 
do bebê e se
;;;b";;.té as últimas fronteiras criadas pela ciência 
da
iå'1. ¿îp."¿em das conexöes construídas na direção 
C''
èårli.,i.*ente, todas as conexões internas construídas'
d."d;; exercício dos reflexos e das primeiras coordena-
õ;; *.çao e da preensão, até as últimas fronteiras 
da
lógi.u 
" 
da matemática, dependem das conexões 
construí-
¿.i'"u ¿ir.Cao C. As construções de um mundo 
objetivo
J.p.nd.* das construçöes do mundo subjetivo' Para
Ë;t;;, ;o;deremos falar de interiorização da cultura se
houver, antes, a interiorização das ações¡ 
a,condição da
int.rioiituçao da cultura é a interiorizaçãodas 
ações'
"Ora, sobre esse ponto em que a junção da ação 
e do
pensamento é a mais íntima, intervém' da maneira 
mais
decisiva,arelaçãogeraldeisomorfrsmo,quesepodedis-
..*i, """. o 
fisiolãgico e a consciência' o isomorfrsmo 
da
.."r"lt¿"¿. e da implicação, tal que, neste c.aso específico'
essa combina çáo sui generis de produção 
e de conservaçao
que caracteriza a operação corresponde.a uma 
comPosição
paralela no que.ontt'nt à causalidade' E neste sentido
i-futndurn.nte unitário que se 
pode qualificar a operação'
como ução interiorizada" (Føzer e comþreenáer) ' i-- 
Pu.u qu. um aluno, de qualquer idade'compreenda 
o que
a escola lhe ensina, precisa ter construído 
os instrumentos
conceituais (estruturas) necessários 
para assimilar esses
;;;;;J"t. Se ele chegár à escola sem esses instrumentos'l
não aprenderá. Se a escola não estiver 
preparada para com'l
preender esses processos - e agir de acordo -' o aluno' alénl'
ã. ;" aprendeq levará a culpa do próprio fracasso'
"Pensar é agir sobre o ob¡eto e transformá-lo"' 
diz
piug.i. Ñun.u Z dtmui' lembrar que "obieto" não inclu
apenas as coisas materiais, mas tudo o 
que pode set
0."t"¿" pelo homem: as relações 
sociais' 
" 
*Y:d:,:ti,;
Surgem desse processo as noções de objeto' 
espaço' tempo
e relação causal'- '-Àäir.çao 
C, a da imþlicøção signrfcante'é produzida 
pelo
sujeito rob.a .1. ñìeSlrìo¡ ela consiste numa 
"conexão entre
significações" ou na realização de conexões 
entre esquemas
lãi.t *ått produz os instrumentos lógicos 
com os quais
O.nrutor, como a equivalência, a 
reciprocidade' a transi-
Otát¿. e, também, todos os instrumentos matemáticos'
Ër;;;ìt ú" C refere-se às conexões lógico-matemáticas
0." " 
,"i.ta constrói no seu âmbito' no plano da sua
,lbl.tiuláud.; às operações, portanto O movimento 
da
toiada de consciência dá-se, pois' da periferia 
P para os
..n,ro, C e C'. Com a mesma atividade' o sujeito 
constrói
as duas dimensões correlativas com 
as quais situa-se no
;""d;' a causalidade com a qual compreende o mundo
em que se situa e a implicaçio significante 
com a qual
.otpr..nd. a si mesmo inserido no mundo'-" 
öui.u forma de olhar para esse processo é encará-lo
como movimento correlativo da exteriorização 
(car-rsali-
VIVER MENTE&CÉREBRO
PENSAR É RctR sogRE o oBJETo E TRANSFoRMÁ-Lo' 
Na frase de
il;;,; "1;" 
"obleto" inJ'i 
'"tuço"t 
sociais'.mundo-simbólico e
;;;;í,rtl. produções culturais e construções científicas
[ãlt.o, o *undo conceitual, as produções culturais' 
aì
construções científicas "
Utu aonaapção de conhecimento gera' necessariarUma concepçao qe cullllçLtrrtrrrrv ¿íLru' "-:-""-- ,f
mente, r.,tu aon.tpção de aprendizagem' Porém' 
se r
.onh..i..nto é, desde o início, uma capacidade constru
cuja estruturação básica demora aproximadamtnt:,15 ?
; ;;. ,. prolángu, por regulações ativas' pela vida 
a
#;;;;"..pção á. aprendizagem deve contemplar
só a capacidade de assimilar conteúdos' 
mas a capacida
å" .""ir.t. as formas ou estruturas capazes de assimi
conteúdos. Se o meio fornecer condições aproprla
elas poderão transformar-se indefinidamente' qo,is 
a
d. 
"rtrut.,rudas 
são estruturantes' "Um meio adl¡lto
32
ESPECIAL
AS
SC
da
las,
na-
rda
ruí-
tivo
)ara
"a se
cda
edo
mais
: dis-
no da
:ífico,
vação
rsição
:ntido
:ração
dinamismo intelectual pode ocasionar um atraso geral no
desenvolvimento das crianç as" (Problemas deþsicologia gnítica).
Piaget refaz, em todas as dimensões, as concepções usuais
nos meios escolares. "O ideal da educação não é aprender
ao máximo, maximizar os resultados, mas é antes de tudo
aprender a aprender, é aprender a se desenvolver e aprender
a continuar a se desenvolver depois da escola" (i/enr).
Se olharmos, com coragem, o patrimônio que nos legou
a epistemologia e a psicologia genéticas e confrontarmos
com ele a escola, concluiremos que ela deverá modificar
radicalmente seu objetivo e, por conseqüência, seus pro-
cedimentos. Piaget, reiteradas vezes, denunciou o prejuízo
que podemos causar com o ensino indiscriminado' "(...)
cada vez que ensinamos prematuramente a uma criança
alguma coisa que poderia ter descoberto por si mesma, esta
criança foi impedida de inventar e conseqüentemente de
entender completamente. Isso obviamente não signiffca
que o professor deve deixar de inventar situações experi-
mentais para facilitar a invenção de seu aluno".
O ob;etivo da aprendizagem escolar não será mais a
estocagem de conteúdos ("acervo cultural da humanida-
de"), mas a construção de estruturas que não é outra coisa
- conteúdos que as ciências, hoje, investigam, inclusive
com os recursos da mais avançada tecnologia, como ocoffe
com a neurologia e a genética. Depois dele, não podemos
mais pensar as capacidades humanas de conhecimento e
de aprendizagem da mesma forma como pensávamos.
Muitas conquistas de sua pesquisa e reflexão foram apenas
citadas neste texto. Contemplamos suas últimas obras pela
relevância dos conceitos que traz, pela forma como o faz
e porque são desconhecidas até por estudiosos seus. Por
isso, buscamos conffgurar um pouco sua concepção de
conhecimento através das marcas da tomada de consciên-
cia, do fazer e compreender, da abstração reflexionante e
da generalização; e a de aprendizagem gerada no âmbito
dessa concepção de conhecimento. Conhecimento e
aprendizagem assim pensados incidem sobre o ensino e as
relações pedagógicas escolares causando tal impacto que é
impossível continuar com o cotidiano escolar convencional
- trata-se, com razão, de um divisor de águas. Entretanto,
nada do que é humano acontece porum passe de mágica ou
porque o desejamos. E preciso muito trabalho, individual
e institucional, para produzir as transformações, na escola
ou fora dela, que essas novas concepções da psicologia e
da epistemologia genéticas possibilitam, úMca o que que visar o aumento da capacidade de aprendizagem. Os
,.,.nio, conteúdos terão função instrumental e deixarão de ser um
rr €Ss€s fim em si mesmo¡ passarão a ser eleitos a partir das neces-
nentos sidades individuais e não a partir do princípio arbitrário
ra com.i 
vigente de que todos devem aprender as mesmas coisas. A
ro, alén 
aprendizagem poderá ser vista, então, como um caminho
). para a construção da autonomia - ob.¡etivo apontado fre-
.1o,,, dii qüentes vezes por Piaget. Afinal, "o conhecimento não é
io inclu,feito para tentar dissolver o mistério das coisas, mas, pelo
,ode se,contrário, para o revelar" (Edgar Morin).
ndo sirrr Note-se, ainda, que são inumeráveis as pesquisas
turais, a'atualmente em andamento, inspiradas pela obra de Pia-
rget e sua criação metodológica - o método clínico, em
.cessarirfsicologia e epistemologia genéticas, e, ultrapassando as
-ém, se 
,Ironteiras.disciplinares ("Eu não quero fronteiras para a
onstruídÇrencra', 
dizia ele, em 1967), em projetos conjuntos com
re 15 anf, 
rntormática e, até, com a neurologia (diz A. Battro que
,ida afotr'raget 
fez um tratado do cérebro sem neurologia¡ está
,molar nPa 
h.ora de interpretar esses resultados com a neurologia
,uoa.idaftual); 
e, flo que se refere ao ensino, em todas as áreas
."'urririÈndl 
este é Praticado.
rrooriadl Acabamos de fazer uma pequena análise de um tópico
,"rni, ulto 
pensamento de um autor que transformou concepçöes
,åulto ,Jt"tpeito das capacidades e dos limites do sujeito humano
cr¡r_ pr¡dww.vtvERMENTEcEREBRo.coM.BR
A teoria de Piaget. J. Piaget em Monual de psicologio da crianço, vo!.
4 - Desenvolvimento cognitivo f , L. Carmichael. EPU/Edusp, 1925.
A tomada de consciência. J. Piaget. Edusp/Melhoramentos,
1977.
Abstração reflexionante: relaiões lógico-aritméticas e ordem
das relações espaciais. J. Piaget. Artes Médicas, 1995.
Biologia e conhecimento. J. Piaget. Vozes, 1973.
Conversando com Jean Piaget. J.-C. Bringuier. Difel, i9ZB.
Fazer e compreender. I. Piaget. Edusp/Melhoramentos, 1928.
lntrodução. B. lnhelder, em Vers une logique des significations, R.
Garcia e J. Piaget. Murionde (Cenebra), 1982,
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rice-Naville. Artmed, 1 998,
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Recherches sur la généralisation. l. Piaget. p.U.F. (paris, EEG
xxxvt), 1978.
,,o IDEAL DA EDUCAÇÃO NÃO É tr¿¡xtMIZAR
OS RESUTTADOS, MAS APRENDER A APRENIDER" lt
VIVER MENTE&CÉREBRO 33
þara a aþrendizagem da matemática
pon Krrtn Srocco Stutol-P
m biólogo, que desenvolveu estudos sobre epis-
temologia e ficou conhecido como o psicólogo
da infância, viria a modificar profunda e deÊniti-
vamente as bases nas quais se assentava o assim chamado
ensino tradicional da matemática.
O cenário de mudanças no ensino já havia começado
a se delinear na pedagogia antes de Piaget iniciar seus
estudos a respeito de como as pessoas, em particular as
crianças, constroem conhecimentos. tabalhos como
os de Pestalozzi,Froebel, Maria Montessori, Decroly e
Dewey já atentavam para o valor da infância na educação,
e abriram, cada um a seu tempo e modo, caminhos para
que se repensasse o ensino da matemática na fase inicial
da escola, levando em conta esse fator.
No entanto, será sem dúvida a partir dos estudos de
Piaget e suas valiosas contribuições sobre como se dá
a construção do conhecimento lógico-matemático.que
entrará em cena, para não mais sair, a idéia de que, se é
importante a preocupação sobre como ensinamos mate-
mática, essa preocupação não faz sentido dissociada de
uma outra, que se traduz por como se aprende matemática,
como se pensa matematicamente ou como são construídos
os conhecimentos a respeito dessa ciência.
Como é sabido, Piaget nunca foi nem pretendeu ser
um pedagogo¡ foi um epistemólogo que durante toda a
sua vida procurou indagar como se produziam os novos
conhecimentos durante o processo de desenvolvimento
humano. Ainda assim, são inegáveis as contribuições
teóricas de Piaget para a tarefa educativa, em particular
para o ensino e a aprendizagem da matemática.
Desde que, em 1941, foi lançado por Piaget o livro A
gêuese áo nfunero ua criarçø , em parceria com Alina Szeminska,
decorrem direta ou indiretamente das investigações do
fundadordo Centro de Epistemologia Cenética alguns dos
mais valiosos trabalhos que de forma inédita perscrutaram
sobre como são construídos os conceitos de número,
as noções temporais, as representações de espaço, os
conceitos de velocidade, medição, as primeiras noções
geométricas e as representações simbólicas nas crianças.
VIVER MENTE&CÉREBRO
Desse conjunto de estudos vêm dados inéditos para
aqueles que se interessam pelo conhecimento matemático
nas crianças - dentre eles o de que o conceito de número,
brevemente falando, é uma construção feita pela criança
por meio da síntese de duas relações básicas, a de ordem
e a de inclusão hierárquica, em oposição à idéia de que a
criança adquire o conceito de número abstraindo empiri-
camente essa propriedade de um conjunto de objetos.
Olhando por esse caminho são possíveis de listar
trabalhos tais como os de Constance Kamii, sobre a
construção do número e da aritmética pela criança; de
Hérmine Sinclair, que deu continuidade ao estudo
a construção do símbolo na criança, analisando de mod
muito particular a produção de notações matemáticas
musicais; de Gérard Vergnaud, que investigou as estru
operatórias envolvidas na resolução de problemas ari
ticos; ou os estudos do próprio Piaget em Le
de la notiott áe temþs cbez t'enJant, sobre a construção pe
criança das noçöes e conceitos relativos a tempo.
um desses pesquisadores, entre tantos outros, contribui
para formar um universo de diretrizes sobre faces d
da aprendizagem matemática.
No entanto, essas obras falam por si, estão ao alca
de todos, tornam visíveis os conceitos que prete
abordar, A nosso ver, há uma outra contribuição advi
dos trabalhos de Piaget e seus seguidores, que não
respeito à construção de noçöes e conceitos propriame
ditos, mas que fez a diferença em muito do que hoje
pensa, se escreve ou diz sobre a matemática na esco
e que influenciou a forma de ensinar matemática, ou
diretrizes para uma didática da matemática.
Não se pode dizerque hajauma didática da matemáti
piagetiana. Primeiro porque isso seria um exagero¡ uma
que não se faz de uma teoria epistemológica uma pro
de ensino, e segundo porque a didática de uma disc
O CONCEITO DE NÚMERO, para Piaget, é uma construção
pela criança por meio da síntese das relações básicas de or'
inclusão hierárquica. Ao lado, Zero o nove (1 930), de lasper
34
ESPECIAL

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