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REDES SOCIAIS COMO NOVO MARCO INTERPRETATIVO DAS MOBILIZAÇÕES COLETIVAS CONTEMPORÂNEAS – Por: Paulo Henrique Martins As mobilizações sociais contemporâneas trouxeram grandes mudanças nos campos culturais, sociais e em relação aos marcos teóricos antigos positivistas. Todas essas mudanças acabaram por exigir a mudança de novos atores sociais, novas formas de resolução de conflitos, de forma a estender as influências ao âmbito coletivo, fugindo do reducionismo. Tais mudanças são de suma importância, pois apontam para um processo de deslocamento e diferenciação que são cruciais com outras mobilizações, de forma que haja uma fuga das articulações clássicas, graças ao surgimento de unidades independentes e heterogêneas que dedicam-se internamente à solidariedade. O que leva a crer que a complexidade da sociedade unida a contemporaneidade fez emergir redes invisíveis de grupos, com circuitos de solidariedade que destoam daqueles politicamente estruturados. A indiscutível presença das redes sociais, que são um conglomerado dinâmico de pequenos sistemas, foi determinante para que o novo paradigma surgido ganhasse notoriedade, visto que funcionam como forma de dirimir conflitos entre indivíduos grupos minoritários. O autor propõe que haja uma superação e mudança nos paradigmas ora adotados nas teorias acerca dos movimentos sociais, por meio da supressão das teses generalistas - que reduzem estruturalmente os movimentos - e também das teses individualistas, que resumem os movimentos sociais a jogos de estratégia concentrados nas mãos de uns poucos indivíduos, geralmente na busca do “capital social”. Crê-se que um entendimento mais vasto e profundo da ideia do que, de fato, vem a ser rede social, encontra inúmeros obstáculos graças às estratégias incrustadas pela colonização e naturalização das teorias sobre redes pelas teses utilitaristas e as da “rational choice”, que reduzem as ações da coletividade a movimentos egoístas e individualistas. Tudo isso, com vistas a inviabilizar o reconhecimento das redes sociais como peça importante nas mudanças históricas e culturais pelas identidades sociais. Por isso, faz-se inúmeras críticas acerca da incidência do colonialismo sobre as teorias das redes sociais. É imprescindível que se ressalte, que as redes sociais devem ser entendidas como base para que subsistam novos paradigmas na sociologia, no entanto, deve-se levar em conta dois pontos cruciais: é preciso, a priori, que se observe a teoria das redes em comparação com o network analysis, de forma que se compreenda que a teoria das redes proporciona um arcabouço reflexivo, enquanto o outro não passa de uma técnica utilitarista usada como meio de colonização da realidade social. O outro ponto relevante reside no fato de as redes sociais estarem sendo naturalizadas, de forma que um entendimento mais amplo acerca delas encontra entraves. Essa naturalização no seio do campo humanista se deu através de duas formas: a importação do termo de outras ciências – como a engenharia – despidos de criticidade, ou por meio da adoção de um sentido utilitarista, que analisasse as redes sociais superficialmente, encobrindo inúmeros pontos cegos da real complexidade em que as redes sociais estão inseridas. Partindo do ponto de vista da primeira estratégia, tem-se a redução da lógica da rede social a de outros tipos de rede da vida cotidiana, como rede de espionagem, rede elétrica, rede neural, etc. O que faria com que as redes sociais aparecem por acaso na sociedade, e essa simplicidade surge com base em uma interpretação funcionalista e simplificada das redes sociais. Partindo da segunda estratégia, sob o prisma da naturalização, as redes perpassam a ideia de lucro material, ou seja, o sentido utilitarista está impregnado de valoração moral baseada no mero interesse individual, contrapondo-se a uma visão humanitária e solidária do fenômeno. (MARTINS, P. H, 2010, p. 404) Ao partir desse pressuposto egoístico que prioriza as riquezas e bens materiais simbólicos e coletivos dos grupos, tem-se uma estagnação de entendimentos, visto que não há espaço para a cooperação e a solidariedade na organização da sociedade e dos movimentos sociais, quando se parte desse viés utilitarista, que por sua vez, tendem a incorporar, na análise das redes sociais, uma moral individualista e utilitarista. É imprescindível salientar que para que as redes sociais surjam como novo e legítimo paradigma sociológico, deve-se suscitar um debate acerca da correlação entre a realidade social atual e complexa e as teses teóricas novas. Diante disso, acredita-se que as leituras suscitadas pelas demais ciências sociais sobre as redes, não contribuem para a efetivação do caráter inovador da rede como marco interpretativo das recentes e atuais manifestações da sociedade. Entretanto, é possível que se avance na construção desse entendimento desde que se reconheçam os pontos que inviabilizam o debate. (MARTINS, P. H., 2010, p.405) Em meio a uma análise da produção acadêmica sobre o tema, o autor identificou alguns pontos importantes: existe uma produção rica e abrangente sobre as redes sociais, mas que mostra-se subdividida, por uma multiplicidade de visões acerca do que são as redes, o que dificulta a identificação de um dominante paradigma na sociologia. Para que haja uma desconstrução da visão naturalizada, deve-se, a priori, organizar e classificar a produção dos textos. Isso deve ocorrer partindo-se de noções mais rasteiras, do ponto de vista do discurso, o que fomentaria uma crítica contra o utilitarismo – que não se resumiria a significações imersas na seara científica, mas por meio de um pensamento hegemônico e, por vezes, autoritário, que relaciona a ciência com o neoliberalismo. Há, dentro dessas produções textuais analisadas, pelo menos duas formas de interpretação de redes: há um grupo de autores que aderem a uma visão simplista de redes, que não possui grande preparação teórica, muitos dos autores dessa corrente usam as redes como forma de explicar e compreender as mobilizações sociais, as transformações e organizações no campo trabalhista, ou ainda, discussões sobre gênero, violência, etc. O segundo grupo, no entanto, se divide em duas linhas de pensamento: a técnico pragmática: que aborda o pragmatismo no sentido comum, e fomenta o intercâmbio com redes sociotécnicas e a do utilitarismo individualista: são aqueles que acreditam na network analysis, para esses, as redes são utilizadas por indivíduos de forma autônoma, como mecanismo de mobilização de recursos e informações. Esse primeiro contato é importante, porque demonstra que o tema atrai o interesse de outras ciências sociais, mas de forma limitada graças a grande influência da argumentação que a teoria utilitarista possui nesse campo. Para que haja, efetivamente, uma desnaturalização das redes, faz-se mister que se promova um entendimento baseado em uma “dupla hermenêutica”, que é visualizada por meio de dois níveis, um subjetivo e um objetivo, um saber científico e o saber comum. (MARTINS, P. H., 2010, p.407). O questionamento interacionista sobre o qual o texto se sustenta, tem como base uma teoria contrária ao utilitarismo e que busca elucidar e estabelecer que uma dualidade entre rede objetivada e subjetivada além de falsa, deve ser superada, em detrimento de uma visão mais interacionista e baseada na reciprocidade. Busca-se, por meio de uma visão mais ampla acerca da complexidade, abrir os horizontes acerca do entendimento do que vem a ser as redes com base no instituído e no instituinte. Os posicionamentos ora apresentados visam, primordialmente, suscitar o debate sobre o quão simplistas são esses pensamentos individualistas, divididos e funcionalistas da realidade social. Com base na teoria antiutilitarista, a teoria das redes passa a pressupor a existência de paradoxais e abertos sistemas que passam a conversar com outros sistemas interativos, em uma dimensão fenomênica as vivências dos atores sociais, etc. É preciso que se verifique, que no que tange os estudos das redessociais, na seara sociológica, pode-se destacar dois desafios que não podem ser evitados: o conceitual, no qual os indivíduos compreendem as redes sociais como fenômenos históricos, que seriam frutos das diferenciações sócio-culturais das sociedades, já o segundo desafio está ligado a teoria utilitarista, que vê os indivíduos como seres egoístas e que a finalidade da vida social se resume ao atendimento das necessidades individuais ou dos grupos de interesse, e esse é o pensamento dominante acerca do que, de fato, são as redes. Paulo Henrique Martins, faz uma interessante diferenciação entre esses dois grupos em seu texto: Quanto ao primeiro grupo, o daqueles que entendem as redes não como artifício, mas como fenômeno histórico, temos aqui uma herança antiutilitarista e humanista ampla, que define a rede a partir de uma pluralidade de motivações, entre as quais o interesse é apenas uma das razões que explicam por que as pessoas interagem e formam a vida social. Esse pensamento não é hegemônico, contudo, como veremos, ele oferece as condições teóricas e metodológicas reais para pensar as redes como possibilidade de renovação do paradigma sociológico. O segundo eixo, o metodológico, é um desdobramento do primeiro eixo teórico. Aí, sim, as redes são meros artifícios, sua operacionalização depende quase exclusivamente de modelos matemáticos, que permitem a realização dos cálculos estratégicos dos atores envolvidos. Porém, no caso de se considerarem as redes como fenômenos históricos, então temos de ampliar tanto a compreensão do fenômeno rede – com a incorporação de abordagens fenomenológicas e hermenêuticas – como o uso de outros métodos e técnicas que permitam ampliar a atenção do observador para a realidade estudada. (MARTINS, P. H., 2010, p.408) A influência do utilitarismo, no que diz respeito ao entendimento sobre as redes sociais, elencou o egoísmo como principal motivo pelo qual os indivíduos decidem, no interior da sociedade, as suas preferências, levou muitos estudiosos a se dividirem quanto ao entendimento, que acabou por gerar disputas entre os estudiosos. Os estudiosos utilitarista apontam que a rede social é um recurso - artificial e estratégico - utilizado por indivíduos com finalidades e interesses puramente individuais e grupais, o que fortalece o pensamento dominante. Em contrapartida, muitos autores entendem as redes sociais como “pressupostos sistêmicos da vida social: a rede como condição significante para o processo de diferenciação social próprios de sociedades complexas.” (Martins, 2010, p. 411) O subjetivismo da análise das redes sociais deve estar integrado com outras abordagens interpretativas mais complexas, as quais muitos estudiosos das redes desconhecem. Para que se alcance essa complexidade, deve-se levar em conta os diferentes níveis da percepção humana, as narrativas da vida em sociedade, as emoções, as linguagens diferenciadas, tudo isso com vistas a abarcar a complexidade real da sociedade humana, para conseguir teorizar o mais próximo possível do real. Como forma de tentar explicar a racionalidade e os interesses dos atores sociais, as teorias se valem de uma visão racional e de um individualismo metodológico para, partindo de um viés utilitarista e por meio de análises dedutivas, tentar dar conta da complexidade das práticas sociais, nas quais não possuem total êxito. Os estudos sobre redes valem-se de de meios como teoria de gráficos e álgebra linear, funcionalismo, individualismo metodológico, etc. que se comunicam sem rigor teórico entre si. A hegemonia do utilitarismo implica uma distância ainda maior entre a pretendido novo paradigma sociológico. Paulo Henrique Martins, destaca um segundo ponto importante a ser analisado: “A aliança das teorias utilitaristas nas ciências sociais – representadas, sobretudo, pelo individualismo metodológico e pela “racional choice” – busca promover um novo campo teórico, o do Capital Social, que se supõe poderia aparecer como a síntese teórica máxima nos estudos sobre redes sociais.” (Martins, 2010, p. 412) O que Martins chama atenção, que a ambição inerente a isso, tende a camuflar uma sistematização ideológica única com vistas a incidir sobre o pensamento acerca das redes sociais As interpretações feitas pelos prismas mais conservadores sobre redes, tendem a defender o pensamento dominante e favorecer metodologias quantitativas, acreditando, equivocadamente, que a realidade se fundamenta em gráficos matemáticos ou na aplicação de dados relacionais e funções algébricas. Como forma de não deixar que as ciências sociais e seu poder sejam negligenciados e esquecidos, buscam-se meios que desvelem as teorias colonizadoras e evidenciem, por meio de uma sociologia reflexiva, um entendimento mais vasto e preciso acerca das mobilizações sociais, políticas e culturais. O autor acrescenta que, baseado no novo paradigma sociológico, as redes sociais devem legitimar-se pelas mudanças propiciadas pelas história e pelas novas teorizações acerca dos movimentos sociais contemporâneos e, de forma que fique claro, que muitas das produções acerca da finalidade e influência das redes sociais eram limitadas por visões reducionistas e simplórias, se mostrando insuficientes para elucidar a complexidade dos movimentos, inclusive minoritários, na sociedade. A análise apresentada pelo autor, revela uma preocupação com as formas pelas quais as redes sociais são simplificadas e pormenorizadas pelas teorias dominantes, o que interfere diretamente na sua introdução como novo paradigma sociológico. De forma acertada, ele critica a forma utilitária e a neutralização das redes sociais nos discursos majoritários, por meio de uma análise crítica e pontual acerca do tema, o autor consegue explanar o conteúdo de forma objetiva, sem superficialidades e de modo que o leitor consegue compreender e participar da análise feita por meio das reflexões que o texto provoca.
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