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1 Beatriz Almeida – Medicina UFCG Turma 78 Hemorragia intraparenquimatosa Também chamada de hemorragia intracerebral espontânea, trata-se da formação aguda e não traumática de uma coleção de sangue (hematoma) no parênquima encefálico. Corresponde por cerca de 10% de todos os AVEs r pela maioria dos AVEs hemorrágicos. É extremamente letal, levando ao óbito (geralmente nas primeiras horas ou dias) em 50% dos casos. É consequência da ruptura de um vaso localizado no parênquima cerebral que não se comunica com o espaço subaracnoide o Tipos mais comuns: 1. Hemorragia intraparenquimatosa hipertensiva (principal) 2. Hemorragia lobar pela angiopatia amiloide (em idosos) o Fatores de risco: HAS (principal), raça negra, idoso, angiopatia amiloide, alcoolismo, hipocolesterolemia (CT < 160 mg/dl), anticoagulantes, trombolíticos, cocaína e outros simpaticomiméticos, MAV, tumores (hemorragia tumoral é mais comum em tumores malignos). o Prognóstico: nível de consciência, volume do hematoma, presença de hemoventrículo, aumento do hematoma Volume < 30 ml e Glasgow > 8: mortalidade em 30 dias = 19%. Volume > 60 ml e Glasgow ≤ 8: mortalidade em 30 dias = 91% A recuperação do déficit neurológico no AVEh é muito mais provável do que no AVEi, já que não ocorreu morte neuronal, porém a recuperação é mais lenta. Principais causas: 1. Hemorragia hipertensiva: degeneração da parede de pequenas artérias perfurantes (as mesmas do AVE lacunar), levando a pequenas roturas e formação dos falsos microaneurismas de Charcot-Bouchard (pequenas dilatações dos ramos terminais das artérias cerebrais), que podem romper → 50% dos casos 2. Angiopatia amiloide: microdepósitos do betapeptídio amiloide (congofílico) em pequenas artérias corticais ou na junção corticossubcortical, os depósitos causam fraqueza da parede vascular, propensa ao rompimento. A angiopatia amiloide é uma doença dos idosos (> 65 anos) e pode ou não vir associada à doença de Alzheimer Responsável por cerca de 30% das HCI Pode ocorrer no lobo occipital (mais comum), parietal, temporal ou frontal. 3. Outras causas, menos comuns, de hemorragia intraparenquimatosa (20% dos casos): TCE Transformação hemorrágica de AVE isquêmico Sangramento tumoral Drogas: cocaína, anfetaminas → sedar com benzodiazepínicos Drogas anticoagulantes e trombolíticos (neste caso parece apenas aumentar risco de sangramento em paciente com fator de risco – ex.: trombólise no AVE isquêmico agudo) No caso de AVE hemorrágico que ocorre em paciente durante uso de heparina, além da suspensão imediata do fármaco, é necessário neutralizá-lo com sulfato de protamina. Se estiver usando cumarínico (warfarin), a neutralização é feita com reposição de plasma fresco congelado, além de uma dose de vitamina K 10 mg SC. Outra opção seria o complexo protrombínico, rico em fatores vitamina K- dependentes. Se o uso for de AAS, pode ser necessária a reposição de concentrado de plaquetas Trombolítico: reposição de crioprecipitado Ruptura de MAV (cirurgia de ressecção da MAV ou radiorerapia esterotática), aneurismas (EI com aneurisma micótico roto), hemangiomas cavernosos Trombose do seio sagital superior → fazer heparina plena Anemia falciforme Vasculite cerebral Fisiopatologia: O hematoma cresce ao longo de 3-6h, formando em seguida um coágulo → em volta do hematoma surge edema vasogênico e citotóxico (isquêmico) ao longo de 12-72h → contribuindo para o efeito de massa → provoca desvio da linha média e eventual herniação encefálica e óbito. 2 Beatriz Almeida – Medicina UFCG Turma 78 Pode ocorrer rotura do hematoma para os ventrículos (hemoventrículo), sendo uma causa de hidrocefalia aguda hiperbárica. Após 2-3 semanas o edema regride e a periferia do hematoma começa a perder densidade (depósito de hemossiderina e metemoglobina). Quadro clínico: Cefaleia súbita de forte intensidade + vômitos + agravamento da hipertensão arterial + déficit neurológico focal instalando-se ao longo de 1-3h + rebaixamento da consciência ao longo de 3-6h. Para a prova: cefaleia + déficit neurológico focal + rebaixamento da consciência (subagudo) Hemoventrículo: pode surgir rigidez de nuca (diagnóstico diferencial da HSA) Hemorragias lobares: pode ocorrer convulsões na abertura do quadro Lesão ovalada hiperdensa (“branca”), indicando a presença de sangue (hematoma intraparenquimatoso). Está localizado exatamente no putâmen esquerdo, estendendo para a cápsula interna. Caso clínico: Dá entrada no PS um paciente de 58 anos, masculino, hipertenso não controlado, pardo, trazido por familiares. O relato é de uma cefaleia súbita, associada a vômitos em jato, que evoluiu minutos depois com dificuldade de falar (disartria), desvio da comissura labial e hemiplegia fasciobraquiocrural à direita. Ao exame, está em estado confusional, PA = 220 x 130 mmHg, hemiplégico à direita (com flacidez e arreflexia), Babinski à direita, e disártrico. Após algumas horas, evoluiu com estado torporoso. Os olhos estavam tonicamente desviados para a esquerda (contrários à hemiplegia). o A tríade deficit neurológico focal agudo (hemiplegia) + cefaleia + rebaixamento da consciência deve sempre apontar para o diagnóstico de hemorragia intraparenquimatosa, neste caso, hipertensiva. o Qual é a localização mais provável? A grande pista é o desvio do olhar conjugado contrário à hemiplegia (lesão supratentorial), apontando para a hemorragia putâmen-capsular (tipo mais comum de AVE hemorrágico hipertensivo). o O que fazer neste momento? Depois de colocar o paciente em decúbito, cabeceira elevada 30-45º, acesso venoso periférico e iniciar terapia anti- hipertensiva parenteral, devemos encaminhá-lo imediatamente para a realização de uma TC de crânio não contrastada. o A Ressonância Magnética (RM) é outra opção plausível, com sensibilidade semelhante à TC para detecção de hemorragia. Síndromes clínicas: 1. Hemorragia do putâmen (30-40% dos casos): é a mais comum, hemiparesia ou hemiplegia fasciobraquiocrural proporcionada contralateral (devido à extensão para cápsula interna), disartria, déficit sensitivo moderado contralateral, desvio do olhar conjugado contra a hemiparesia/plegia. Pode ocorrer afasia motora na hemorragia putaminal esquerda 2. Hemorragia lobar (30% dos casos): segunda forma mais comum de AVCHI, comum em idosos > 70 anos, não hipertensos ou hipertensos leves Crise convulsiva em 10% dos casos, deficit neurológico na dependência do lobo acometido, semelhante aos achados do AVE isquêmico (ex.: hematoma parietal direito: astereognosia contralateral, anosognosia, heminegligência, apraxia construcional; hematoma occipital esquerdo: hemianopsia à direita...). 3 Beatriz Almeida – Medicina UFCG Turma 78 Occipital: hemianopsia contralateral. Parietal: hemianestesia discreta e astereognosia contralateral, com afasia de condução, apraxia ideomotora e acalculia (hemisfério esquerdo) ou heminegligência e anosognosia (hemisfério direito). Temporal: afasia de Wernicke e amnésia anterógrada, delirium (hemisfério esquerdo). Frontal: hemiparesia contralateral com predomínio braquial (mão e braço). Geralmente quadro restrito a regiões pequenas: cursa com hemianopsia isolada, afasia isolada, etc. 3. Hemorragia talâmica (15-20% dos casos): Extensão para a cápsula interna: hemianestesia ou hemiparestesia contralateral proeminente, hemiplegia fasciobraquiocrural contralateral Tálamo esquerdo: afasia motora com preservação da repetição Tálamo direito: heminegligência Extensão para o hipotálamo e teto do mesencéfalo: diversos distúrbios pupilares e da oculomotricidade → miose ipsilateral (síndrome de Horner), anisocoria não fotorreagente, desvio do olhar para baixo e para dentro (convergência), desvio do olhar conjugadopara o lado hemiplégico (wrong way eyes), desalinhamento vertical (olho ipsilateral para cima), nistagmo de retração. 4. Hemorragia cerebelar (10-15% dos casos): vertigem, vômitos repetidos, ataxia da marcha, desequilíbrio e cefaleia occipital. Pode não haver ataxia cerebelar na manobra dedo- nariz e calcanhar-joelho Não há déficit motor Outros achados: desvio do olhar conjugado (contrário ao lado da hemorragia), paralisia do abducente ipsilateral, desalinhamento vertical, bobbing ocular (movimentos conjugados rápidos para baixo e lentos de retorno ao centro), blefaroespasmo. Compressão do tronco encefálico: disartria, disfagia, rebaixamento da consciência (coma), apneia (herniação do forame magno). Hidrocefalia hiperbárica: paraparesia, Babinski bilateral, rebaixamento da consciência (coma). 5. Hemorragia pontina (5-10% dos casos): pupilas puntiformes (< 1 mm) e fotorreagentes, coma profundo, tetraplegia, postura de descerebração, hiperpneia, diaforese, perda do ROC e do ROV, perda do córneo-palpebral. Hipertensão intracraniana: Na hemorragia intraparenquimatosa, forma-se um halo de edema, com importante efeito de massa e desvio da linha média à TC. Como a calota craniana não expande, o tecido cerebral hipertenso tende a comprimir ou deslocar o diencéfalo (tálamo, hipotálamo) e o mesencéfalo superior, onde estão os neurônios da formação reticular ascendente ativadora, levando o paciente ao estado de coma. O rebaixamento da consciência também é explicado pelo hipofluxo cerebral, que depende da Pressão de Perfusão Cerebral (PPC), representada pela fórmula PAM – PIC (PAM = Pressão Arterial Média; PIC = Pressão Intracraniana). Se a hipertensão intracraniana se agravar, pode ocorrer a herniação cerebral transtentorial: uma porção do cérebro é lançada para baixo, através da fenda tentorial, comprimindo o tronco encefálico, com grande risco de infarto, hemorragia e lesão irreversível do tronco, culminando na morte encefálica ou no colapso cardiorrespiratório. Clinicamente, o paciente que está “herniando” vai rebaixando cada vez mais o nível de consciência chegando ao coma profundo, com perda do reflexo fotomotor (pupilas não reagem à luz), arritmia respiratória e postura de descerebração (espontânea ou após estímulo). Tratamento: Internar em UTI Cabeceira elevada a 30º nos que não estiverem hipovolêmicos, devido a HIC Suporte ventilatório: intubação orotraqueal e VM Instalação de ventriculostomia e PAM invasiva nos casos graves (Glasgow ≤ 8) Instalação de cateter enteral (cuidado contra a broncoaspiração) Controle glicêmico, hidroeletrolítico e da temperatura corporal Manter natremia até 150 mEq/L, a hiponatremia agrava o edema cerebral e piora a HIC, soro glicosado é deletério aos neurônios Suspender anti-hemostáticos (AAS, heparina, varfarina) em uso Tratar hipertensão arterial (labetalol ou NPS): 1. PAS entre 150 e 220 mmHg e sem contraindicação para o tratamento agudo da PA: tratar com o objetivo de reduzir agudamente a 140 mmHg. 4 Beatriz Almeida – Medicina UFCG Turma 78 2. PAS > 220 mmHg: tratar com redução ainda mais agressiva com infusão IV contínua e monitorização frequente da PA. 3. Na abordagem da HIC, devemos reduzir a PAM de forma a manter a pressão de perfusão cerebral (PPC = PAM – PIC) de 50-70 mmHg (ou 60-80 mmHg, segundo alguns autores). Indicações de abordagem cirúrgica: hematoma cerebelar > 3 cm (discutível caso 1-3 cm), em hematomas supratentoriais a cirurgia é controversa (considerar em pacientes que estão piorando o déficit neurológico e hematoma de pelo menos 30ml e superfície ≥ 1 cm) Acompanhamento com Raio X de tórax e ECG Reintrodução dos antiplaquetários e anticoagulantes nos pacientes: Consenso AHA/ASA Introdução de heparina profilática após 1-4 dias do AVEh, desde que haja evidência de que o sangramento cessou e AAS em baixas doses após 1-2 semanas. Reintroduzir anticoagulação plena apenas 3-4 semanas após o AVEh. Se o risco de tromboembolismo for muito alto (ex.: idoso com FA e AVE isquêmico prévio), podemos antecipar essa data para até 1 semana após a hemorragia, sempre pesando a relação custo x benefício. O uso de métodos mecânicos para profilaxia de TVP nesses pacientes (meias de compressão graduada, compressão pneumática intermitente) deve ser sempre encorajado.
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