Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Daniel Carlini – MEDUNEB13 Página | 1 Pneumonia Adquirida na Comunidade (PAC) Introdução e definições Pneumonia é um processo inflamatório agudo, acometido por vírus, bactérias ou fungos – em geral, a infecção fúngica é mais frequente em imunossuprimidos. Figura 1 Alvéolos pulmonares preenchidos com exsudato. A pneumonia adquirida na comunidade se refere, de modo geral, àquela que acomete o indivíduo fora do ambiente hospitalar – ou, pelo menos, após as primeiras 48 horas da admissão. Ainda assim, são excluídos dessa definição os pacientes que: Nos últimos 90 dias, permaneceram hos- pitalizados por tempo superior a 2 dias. Residem em casas de repouso; Receberam atb endovenoso ou quimio- terapia nos últimos 30 dias; Fazem tratamento em clínica de hemodi- álise. Do ponto de vista epidemiológico, a impor- tância da pneumonia se dá por ser uma co- mum causa de morbidade e mortalidade, com aproximadamente 20% dos episódios resultando em hospitalização. No Brasil, a PAC é a segunda causa de internação e a ter- ceira causa de mortalidade. Etiologia Os agentes etiológicos variam conforme a localidade, características do paciente e a gravidade da PAC. Em ordem decrescente, os mais comuns são: O pneumococo é o germe mais isolado. Infe- lizmente, em até 50% dos doentes com PAC não conseguem isolar o agente causador. Os germes atípicos são assim chamados por não serem detectados pela coloração de Gram e nem cultivados em meios de cultura padrão. Nesse grupo, estão incluídos: Myco- plasma pneumoniae, Clamydophila pneumo- niae, Legionella pneumophila e vírus respira- tórios. Estudos sugerem, ainda, que parte das PAC são causadas por infecções mistas, com en- volvimento de um germe atípico. Particularidades etiológicas 1. Haemophilus influenzae não-tipável e a Moraxella catharralis acometem pacientes com doenças broncopulmonares prévias; 2. Staphylococcus aureus é visto em pacien- tes que estão se recuperando de uma in- fecção pelo vírus Influenza. Daniel Carlini – MEDUNEB13 Página | 2 3. Pseudomona sp acomete, principalmente, pacientes imunocomprometidos, com uso prévio de atb de amplo espectro, com do- ença pulmonar estrutural, com repetidas exacerbações de DPOC e frequente uso de glicocorticoides ou atb. 4. Bacilos Gram-negativos (BGN) entéricos são causa incomum de PAC, exceto em pacien- tes etilistas ou com risco de aspiração e PAC grave. Recomendações à investigação etiológica A realização de testes etiológicos não é ne- cessária nos casos de pacientes com PAC não grave com tratamento ambulatorial. As- sim, permaneceram as recomendações para a realização de exames que busquem a etio- logia somente para pacientes com PAC grave ou não respondedora à terapia inicial. Na seleção de testes a serem realizados, deve-se levar em conta a idade do paciente, a presença de comorbidades, a gravidade da doença e o tratamento anti-infeccioso pré- vio. Quanto aos métodos para a identificação mi- crobiológica, destacam-se os radiológicos (como a UST) assim como os microbiológicos (como o Multiplex PCR e matrix-assisted la- ser desorption ionization-time of flight mass spectrometry, uma metodologia promissora para a identificação rápida de patógenos). Os exames microbiológicos direto e de cul- tura de amostra de escarro devem obedecer aos critérios de qualidade da amostra, isto é, menos de 10 células epiteliais e mais de 25 leucócitos por campo examinado. Pacientes com PAC grave devem ser investi- gados etiologicamente com os exames bási- cos disponíveis: exame direto e cultura de escarro, assim como hemocultura, testes para detectar antígenos urinários para S. pneumoniae e Legionella sp., testes soroló- gicos e eventual cultura para germes atípi- cos. Em alguns casos específicos, podem ser realizados testes de galactomanana e 1-3- beta-glucana para fungos, assim como tes- tes de biologia molecular para vírus e ger- mes atípicos. Em pacientes com ventilação mecânica, sem resposta à terapêutica inicial, com suspeita de agentes etiológicos menos comuns ou com necessidade de diagnóstico diferencial (como tumores, vasculites ou doença inters- ticial pulmonar): pode ser necessária a co- leta de amostras de forma invasiva, via bron- coscopia, aspiração endotraqueal, lavado broncoalveolar ou toracocentese, em casos com derrame pleural do mesmo lado da le- são. Fisiopatologia Em indivíduos saudáveis, existem colônias de microrganismos na orofaringe e nasofa- ringe. Mas como tais microrganismos atin- gem o parênquima pulmonar? Isso pode ocorrer por meio de 3 vias: 1. Microaspiração A microaspiração de microrganismos pre- sentes na naso/orofaringe é a principal forma de entrada destes no parênquima pul- monar, o que ocasiona uma disbiose. Nor- malmente, porém, as vias aéreas inferiores permanecem estéreis. Isso ocorre graças aos mecanismos de defesa, como os reflexos glóticos, proteínas do complemento, imuno- globulinas, secreção de peptídeos com ação antimicrobiana e inibição da adesão bacteri- ana ao trato respiratório. Até mesmo a pró- pria colônia endógena da nasofaringe do in- divíduo representa um mecanismo protetor, uma vez que ela compete com patógenos por nutrientes. 2. Macroaspiração A macroaspiração se refere à aspiração de partículas maiores. Isso ocorre por falhas nos reflexos de tosse e da glote, fazendo com que o indivíduo aspire conteúdos gás- tricos e esofágicos. Tal situação é comum em pessoas muito alcoolizadas, as quais pos- suem tais reflexos comprometidos. Daniel Carlini – MEDUNEB13 Página | 3 3. Disseminação hematogênica Por meio das circulações sanguínea/linfá- tica, um microrganismo pode migrar de um foco infeccioso à distância até o parênquima pulmonar. Nesse sentido, o desenvolvimento da pneu- monia está relacionado com as interações entre a virulência do patógeno, a quanti- dade de inóculo e a resposta imune (inata/adaptativa) do indivíduo. Desse modo, a consolidação da PAC pode indicar deficiência na defesa do hospedeiro, exposi- ção a um mecanismo virulento ou uma ino- culação excessiva. A partir disso, entende-se como o tabagismo facilita o desenvolvi- mento de uma pneumonia, uma vez que ele prejudica as respostas imunes do indivíduo. É interessante perceber que alguns micror- ganismos desenvolveram mecanismos espe- cíficos para superar as defesas do hospe- deiro e, assim, estabelecer a infecção. Fatores de virulência: Chlamydophila pneumoniae produz um fator ciliostático; Mycoplasma pneumoniae pode cortar o cílio; Influenza reduz a depuração do muco traqueal que pode durar até 12 semanas após a infecção; Streptococcus pneumoniae produz fato- res de virulência, como proteases que clivam a IgA, cápsula que inibe a fagoci- tose, penumolisina, neuroaminidase e hialuronidase; Micobactérias, Nocardia sp e Legionella pneumophila são resitentes à atividade microbicida dos fagócitos. Em adição aos fatores de virulência, o paci- ente pode possuir fatores que piorem a sua defesa. Assim, algumas das condições pre- disponentes para PAC são: tabagismo, eti- lismo, DPOC, hipoxemia, edema pulmonar, desnutrição, bronquiectasia, idade > 65 anos, episódio prévio de PAC, obstrução brônquica mecânica, uremia, imunossupres- são, fibrose cística e síndromes que interfe- rem na motilidade ciliar. Quadro clínico As queixas mais relatadas são tosse, febre, dor torácica e dispneia. Extremos de idade (crianças e idosos): po- dem evoluir sem febre, apresentaralteração de nível de consciência e dor abdominal. Achados do exame físico Palpação – FTV aumentado, pois a onda me- cânica, quando em meio sólido (consolida- ções, massas), aumenta a frequência. Percussão – macicez ou sub-macicez. Ausculta – murmúrio vesicular reduzido, cre- pitações (ou estertores), sopro tubário (som próximo de vias aéreas centrais, mas nas porções periféricas do pulmão). À ausculta da voz, broncofonia (a voz auscultada é idên- tica à voz falada), egofonia (“voz caprina”) e pectorilóquia afônica (a voz sai sussurrada, mas a ausculta é normal). Diagnóstico O diagnóstico é dado pelo quadro clínico compatível e alteração na radiografia de tó- rax. Uma TC de tórax também pode ser pe- dida para maiores detalhes. Exames complementares: Escarro; Hemocultura; Aspirado e lavado broncoalveolar; Testes sorológicos; Antígenos urinários; Métodos moleculares. Estratificação de risco Utiliza-se a ferramenta CURB65. Confusão mental; ureia acima de 50; respi- ração (frequência) acima de 30 ipm; baixa PA (menor que 90x60 mmHg); 65 anos ou mais. Daniel Carlini – MEDUNEB13 Página | 4 Tomada de conduta CURB65 < 2 – Ambulatório; CURB65 = 3 – Enfermaria; CURB65 > 3 – UTI. Tratamento Paciente no ambulatório: a) Paciente previamente hígido: macrolídeo (preferencialmente, por cobrir germes atí- picos) ou beta-lactâmico. b) Paciente com comorbidades: macrolídeo + beta-lactâmico; quinolona respiratória. Paciente na enfermaria Faz-se associação de macrolídeo e um beta- lactâmico. Eventualmente, opta-se por qui- nolona em monoterapia. Paciente na UTI: a) Beta-lactâmico + macrolídeo; ou beta-lac- tâmico + quinolona. Obs.: essa associação se faz necessária, pois, conforme aumenta a gravidade do paciente, maior a sua vulnerabilidade para germes atí- picos. Nesse caso, quem mata os germes atí- picos são o macrolídeo ou a quinolona respi- ratória. b) Pacientes com risco para pseudomonas (aqueles com algum comprometimento pulmonar, como DPOC, sequela de TB e bronquiectasia) – beta-lactâmico com co- bertura para pseudomonas + quinolona. Prevenção Cessar tabagismo; Reduzir etilismo; Garantir um bom status nutricional; Evitar contato com crianças doentes; Cuidar da higiene oral; Vacinar contra influenza/Pneumococo.
Compartilhar