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Trabalho Final - Ética Médica - 2021_1

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HEAVEN IS A PLACE ON EARTH? BLACK MIRROR E A ÉTICA MÉDICA
por Cauê dos Santos de Oliveira
1. SAN JUNIPERO (S03E04) - BLACK MIRROR
1.1. Ficha técnica
Ano de lançamento: 2016
Direção: Owen Harris
Roteiro: Charlie Brooker
Elenco: Gugu Mbatha-Raw, Mackenzie Davis, Denise Burse, Annabel Davis, Raymond
McAnally e Gavin Stenhouse
1.2. Resumo
Nesse episódio, nós acompanhamos a chegada de Yorkie, uma garota tímida, em San
Junipero, uma cidade destinada à diversão e ao prazer. Em sua primeira noite, ela conhece
Kelly, uma mulher jovem sem inibições que só quer aproveitar o que a cidade tem de bom.
Até quase a metade do episódio, temos certeza que tudo se passa em 1987. Todavia, após
uma noite de diversão, Kelly desaparece e Yorkie decide procurá-la em outras décadas,
ficando evidente que se tratava de algum tipo de realidade virtual. No caso, San Junipero é
uma cidade criada para que as pessoas possam fazer upload de suas consciências no
momento da morte e viverem para sempre.
Quando Yorkie a encontra, Kelly explica que fugiu pois não queria começar um
envolvimento emocional, ela é apenas uma turista em San Junipero, já que ela tem 3 meses
de vida ainda e estava “só conhecendo” a cidade onde iria passar o resto da eternidade. Por
sua vez, sabemos que Yorkie tem um noivo e seu casamento será em poucos dias, portanto
provavelmente não retornaria a San Junipero. Durante a conversa das duas sobre essas
questões, Kelly decide que quer conhecer Yorkie pessoalmente e, mesmo reticente, Yorkie
aceita.
E aí está o plot twist do episódio. Kelly, na verdade, é uma mulher idosa e Yorkie, por sua
vez, está em estado vegetativo há 40 anos e irá se casar com seu cuidador para que ele
possa autorizar a sua eutanásia. Assim, Kelly decide voltar à San Junipero para pedir Yorkie
em casamento e ser ela a responsável pela passagem de sua amada.
A partir disso, entramos na real discussão do episódio. Yorkie quer que Kelly se junte a ela
para que possam ser felizes juntas para sempre em San Junipero, mas Kelly já havia
decidido que não queria isso, já que sua filha morreu jovem e não teve essa oportunidade e
seu marido decidiu que ele também não deveria ter. Kelly não acredita em um pós vida
espiritual e entende que tudo o que acontece em San Junipero faz parte de um programa.
Todavia, no final, Kelly decide morrer e entrar em San Junipero.
Por fim, enquanto acompanhamos a vida das duas cheia de alegria e festas, vemos que
tudo se passa dentro de um grande servidor em uma empresa de tecnologia. Isso significa
que essa eternidade é frágil o suficiente para ser deletada por uma falta de energia ou um
terremoto que derrube o prédio ou a simples falência da empresa.
2. ÉTICA MÉDICA EM SAN JUNIPERO
2.1. Principialismo Bioético
O princípio da autonomia estabelece que os envolvidos nos embates éticos devem ser
livres e esclarecidos para a tomada de decisões, em especial as partes mais vulneráveis
desses embates, que são os pacientes e os familiares. Assim, no episódio de Black
Mirror, podemos ver claramente que a autonomia de Yorkie, que está em estado
vegetativo há mais de 40 anos, não é respeitada. Ela está cansada de ficar naquele
estado, porém necessita casar com o seu cuidador para que ele autorize a sua
eutanásia, o que é bem questionável também, já que a paciente é considerada “sã” o
suficiente para se casar com outra pessoa, mesmo em estado vegetativo, mas não pode
decidir sobre o futuro da sua própria vida
Por sua vez, os princípios de não-maleficência e beneficência andam juntos. Se por um
lado, o primeiro coloca uma responsabilidade médica de não fazer mal aos pacientes
e/ou minimizar ao máximo os possíveis danos, o segundo estabelece que os
profissionais da saúde devem prezar por fazer o bem aos pacientes. Nesse sentido,
podemos ver na figura do cuidador e, até mesmo, na figura de Kelly, que ambos
buscavam cumprir com o desejo de Yorkie, a fim de não lhe causar nenhum mal,
prezando por uma morte digna, que a tirasse do estado vegetativo.
Por fim, o princípio da justiça estabelece a relação de equidade sobre as condutas
moralmente necessárias e corretas em relação à individualidade de cada paciente.
Desse modo, o episódio pode nos trazer diversos questionamentos: é justo uma
paciente ficar em estado vegetativo por 40 anos? É justo ela, nesse estado, ter que se
casar com um cuidador para finalmente ser autorizada sua eutanásia? É justo o(a)
médico(a) promover práticas de distanásia? Então, fica evidente que a justiça, além de
estar atrelada aos fundamentos legais, também se propõe a questionar a moralidade
das ações dos indivíduos.
2.2. Biotecnologia
A principal questão levantada pelo episódio é “O que acontece na vida pós-morte?”.
Para isso, o episódio parte do conceito de que a consciência de alguém é algo que pode
ser “copiado” para um servidor. Assim, podemos refletir sobre diversas questões que
envolvem a biotecnologia e os conflitos éticos. Se por um lado as descobertas de novas
tecnologias trazem avanços à sociedade, por outro, elas trazem novos dilemas éticos.
Partindo do princípio de que a consciência é um bem pessoal de cada ser, que o define,
a principal questão bioética envolvida é: como autorizar que uma empresa/alguém
detenha total e completo poder sobre o indivíduo?
Como trazido anteriormente, uma empresa privada, TCKR, é responsável por armazenar
essas “almas” eternamente em seus servidores e cuidar da realidade virtual de San
Junipero, porém, caso qualquer coisa aconteça com a empresa, como a falência, o que
aconteceria com a consciência das pessoas? Se nesse mundo fictício as pessoas
morrem fisicamente, mas suas consciências continuam a viver para sempre, como
garantir os princípios éticos dessas consciências?
Assim, a autonomia da pessoa em decidir se quer ou não o procedimento é garantida,
porém como saber se a autonomia da sua consciência será preservada? Em um mundo
virtual, em que não existe a morte, como essa consciência decide a hora que não quer
mais estar em San Junipero? Como saber se essa consciência, de fato, representa o
desejo do indivíduo físico?
Além disso, como a manutenção de San Junipero depende de uma empresa privada e
necessita de uma mão de obra refinada, o que aconteceria com essas consciências se
os familiares parassem de pagar para manter seus entes queridos ali? Como garantir
que a família, que estará em posse da consciência do indivíduo, respeite os desejos
desse?
2.3. Terminalidade
Se por um lado há uma discussão sobre a tecnologia por trás do universo de San
Junipero, podemos colocar que a terminalidade também é uma questão central do
episódio. Yorkie está em um estado vegetativo há 40 anos, mas sua consciência está
vivendo tranquilamente em San Junipero, dessa forma, sua consciência deseja que seja
feito o procedimento de eutanásia, em que há interrupção ativa imediata da vida, sem
que o paciente sinta nada. No Brasil, essa prática é considerada crime, mas no universo do
episódio, ela pode ser realizada mediante autorização do cônjuge ou familiar, por isso que
Yorkie iria se casar com seu cuidador.
Desse modo, podemos nos questionar se essa possibilidade de transferência da
consciência para um servidor altera o modo como enxergamos a terminalidade da vida. Se
hoje há um grande tabu em se falar sobre a morte, já que ninguém sabe o que acontece
após ela, será que com esses programas a morte deixará de ser um dilema humano?
Trazendo esses questionamentos para a prática médica, será que a morte passaria a ser
banalizada, afetando, assim, a arte terapêutica, já que não há mais o fim da vida?
Por fim, cabe destacar que Yorkie estava em um estado vegetativo e sua “consciência”
queria a eutanásia, mas até que ponto podemos confiar nesse desejo? Ela realmente queria
isso, ou apenas queria isso porque sabia que ali em San Junipero teria uma vida tranquila?
Se não houvesse San Junipero, seu desejo seria o mesmo? Até que ponto o cuidador, ou até
mesmo Kelly, pode confiar no que a consciência de Yorkie deseja?
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
3.1. Heaven is a placeon Earth?
A música “Heaven is a place on Earth” toca diversas vezes durante o episódio, e, dessa
forma, após assistirmos ao episódio, podemos transformar essa frase em uma
pergunta: o “céu” é um lugar na Terra? Principalmente porque vemos que, em um futuro
distópico, a humanidade evoluiu ao ponto de conseguirmos ter uma vida “eterna”, sem o
corpo físico, mas com a nossa consciência preservada em realidades virtuais. Dessa
forma os computadores que armazenam a consciência de alguém seriam o “céu”?
Alguém que acredita em um “céu” espiritual, gostaria de viver eternamente?
Apesar de parecer uma ótima solução, vemos que no próprio episódio, Kelly fica dividida
entre escolher uma morte “natural” ou se deseja ir para San Junipero, já que sua filha
morreu jovem e não teve essa oportunidade e seu marido decidiu que ele também não
deveria ter.
Assim, vemos que uma nova tecnologia pode impactar diretamente em diversas questões
humanas, gerando até mesmo conflitos existenciais, já que coloca “em xeque" noções do
pós-vida, e, desse modo, trazem novos conflitos éticos e bioéticos. No contexto da ética
médica, a principal questão que fica em aberto com esse episódio, no meu ponto de vista,
é, se a consciência é o que nos define, seria ético um procedimento para copiá-la? Isso
poderia ser considerado clonagem?

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