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política e ciência política

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1
POLÍTICA AO ALCANCE DE TODOS
Brasília – 2004
UNIDADE I:
POLÍTICA E CIÊNCIA POLÍTICA
SENADO FEDERAL
Senador GERALDO MESQUITA JÚNIOR
2
Reprodução livre desde que citada a fonte.
Mesquita Júnior, Geraldo.
Política e Ciência política / Geraldo Mesquita Júnior.
– Brasília : Senado Federal, 2004.
40 p. – (Política ao alcance de todos ; 1)
1. Ciência política, história. 2. Filosofia política. 3. Sociologia
política. I. Título. II. Série.
CDD 320
Endereços para contato com o gabinete do
Senador Geraldo Mesquita Júnior:
Em Rio Branco – AC: Rua Copacabana, no 148, Bairro Vila Ivonete
CEP 69914-380, Tels.: (68) 244-1260 e 244-1994
Em Brasília – DF: Senado Federal, Gabinete no 12
CEP 70165-900, Tel.: (61) 311-1078, Fax: (61) 311-3029
Correio eletrônico: geraldo.mesquita@senador.gov.br
3
SUMÁRIO
Pág.
Apresentação – Caminhos: Tortuosos ou virtuosos ...................................
I – O fascinante mundo dos gregos .........................................................
II – O instigante mundo da filosofia .........................................................
III – O fascinante e instigante mundo da política .......................................
IV – Um salto estimulante: da teoria à sociologia ......................................
V – Um caminho intrigante: da sociologia à ciência política ........................
VI – Um caminho provocante: o mundo ainda por descobrir ......................
5
7
11
15
21
27
32
4
5
CAMINHOS: TORTUOSOS OU VIRTUOSOS
A política está no centro de nossas vidas. Nem sempre percebemos
como ela nos influencia, nos impõe regras e controla nosso comportamento,
obrigando-nos a fazer coisas que não desejamos ou aceitar condutas com as
quais não concordamos. Sem que possamos notar, ela nos impõe o mundo em
que vivemos e aquele em que serão obrigados a viver nossos filhos. Estabele-
cerá se desfrutaremos de uma ordem social justa ou se teremos que suportar
a injustiça que convive conosco e está ao nosso lado todos os dias, afrontando
nossos sentimentos. Dirá se nossos filhos terão maiores ou piores oportunida-
des de vida. Com as dificuldades que todos os dias temos de enfrentar e ven-
cer, nem sempre nos damos conta de que, apesar de tudo, a política depende
sobretudo de nós.
Se nos conformamos, se fingimos ignorá-la e aceitamos passivamente
suas regras, tudo continuará como está. Só há uma forma de mudá-la, de
influenciá-la e, o que é mais importante, de transformá-la para, por meio dela,
mudarmos o mundo que herdamos. Esse caminho chama-se participação. Para
mudar a política, temos de participar dela, de todas as formas possíveis. Mas
só podemos participar, conhecendo como ela funciona, quais os seus mecanis-
mos e como podemos influenciá-la.
Este curso, aberto a todos, sem exigências, matrículas, exames ou
vestibular, é um convite para que você se junte a nós e também participe desse
esforço para mudar a política em nosso País, transformando-a em um instru-
mento de progresso, prosperidade e igualdade para todos. Com estes pequenos
textos, esperamos que você também participe da luta que muitos brasileiros
empreendem todos os dias, muitas vezes de forma anônima, não para explicar,
entender ou percorrer os caminhos tortuosos da política, que alguns preferem
trilhar. O que desejamos é mostrar os caminhos virtuosos que ela pode signifi-
car para todos nós, se formos capazes de unirmos nossos esforços aos muitos
que, ao longo de séculos, desde os tempos imemoriais, vêm participando desta
luta, utilizando-a como um meio de aperfeiçoarmos o país desigual e injusto em
que nos toca viver.
6
Se você está disposto a participar deste esforço, leve-a a seus amigos
e conhecidos, divulgue-a entre os que possam se interessar por ela e explique,
você mesmo, como pedir e receber, gratuitamente, essas despretensiosas
lições cujo objetivo é, como indica o seu título, colocar a política ao alcance
de todos.
Brasília, janeiro de 2004.
Geraldo Mesquita Júnior
7
I – O Fascinante Mundo dos Gregos
De Filosofia, todos nós já ouvimos falar. Para
que serve, qual a sua utilidade e sua finalidade, qua-
se nunca paramos para pensar. Pois esta é a princi-
pal finalidade da Filosofia. Ela nos ensina e nos obri-
ga a pensar. Se você procurar essa palavra nos
dicionários, vai encontrar muitas definições e algu-
mas explicações. Vai saber, por exemplo, que é de
origem grega e significa amigo (philos) do saber ou
da sabedoria (sophós). Nem sempre foi assim. No
grego antigo, a palavra “sophós” queria dizer sábio.
Depois, como muitos se passavam por sábios sem o
serem, o vocábulo passou a significar também im-
postor. Segundo explica o filólogo (outra palavra gre-
ga: amigo da erudição, dos discursos, das letras) e
dicionarista Antenor Nascentes, em seu Dicioná-
rio etimológico da língua portuguesa1 , foi o filó-
sofo Pitágoras* quem, achando a designação pre-
tensiosa, e para fugir a seu significado negativo,
preferiu substituí-la por sua forma atual, de amigo
do saber ou da sabedoria, em vez de sábio. Foi as-
sim que surgiu a palavra Filosofia e passaram a de-
signar-se filósofos os que a ela se dedicam.
O simples ato de pensar não significa que
estamos filosofando. Filosofar, portanto, é uma for-
ma específica, diferente de pensar. Quando busca-
mos a explicação das coisas, indo às suas origens, e
dessa forma de pensar chegamos a uma conclusão
a que outros também chegariam a partir do mesmo
raciocínio, aí sim, estamos raciocinando filosofica-
mente, ou, em outras palavras, filosofando. O filóso-
fo é, assim, aquele que busca as verdades univer-
sais, a razão das coisas. Um bom exemplo é quando
tentamos explicar e entender o fundamento das pa-
lavras, dos conceitos e dos princípios que são uni-
versais. A palavra e o conceito de “justo” servem para
isso. O que é justo ou o que significa “ser justo”?
1
 NASCENTES, Antenor. Dicionário etimológico da Língua Portuguesa. Rio
de Janeiro, Livraria Francisco Alves, 1932
PITÁGORAS (* ca. 580 a.C.
em Samos † ca. 500 a.C.,
Metaponto)
Filósofo e matemático
grego, fundador da irmandade
pitagórica que, embora de
cunho religioso, formulou os
princípios que influenciaram
o pensamento de Platão e
Aristóteles e contribuíram
para o desenvolvimento da
matemática e da filosofia
racionalista no mundo oci-
dental. Pitágoras emigrou
para o sudeste da Itália, cer-
ca de 532 a.C., provavelmen-
te para escapar do governo
tirânico de Samos, onde nas-
ceu e estabeleceu sua academia
onde professava Ética e Po-
lítica em Cróton (atual Cro-
tona).
Hoje é difícil distinguir os
ensinamentos de Pitágoras
dos de seus discípulos. Ne-
nhum de seus escritos chegou
até nós e seus seguidores sem-
pre sustentaram suas doutri-
nas apoiando-se na autorida-
de do mestre. Credita-se a ele
a teoria da significância fun-
cional dos números, aplicá-
vel tanto ao mundo objetivo
quanto à música.
Entre inúmeras outras
descobertas atribuídas a ele
incluem-se o teorema dos
triângulos retângulos que,
muito provavelmente foi de-
senvolvido por seus seguido-
res. A maior parte da tradição
intelectual pitagórica perten-
ce mais ao campo místico do
que efetivamente à tradição
acadêmica.
8
Poderíamos responder: É tudo o que tem a ver com
justiça. E aí voltamos à razão inicial. E o que é justi-
ça? Poderíamos responder: é tudo o que diz respeito
a ser justo. Essa forma de pensar e tentar responder
a uma questão universal voltando sempre ao mesmo
ponto chama-se sofisma, (sóphisma) outra palavra
de origem grega que significa sutileza. Sofisma era
essa forma de tentar resolver as questões com um
jogo de palavras que não explicavam a resposta que
se buscava. O uso desse recurso se disseminou
entre alguns filósofos que passaram a se chamar
“sofistas”, adeptos dessa escola que se exercita-
vam sustentando o pró e o contra em toda sorte
de questões.
Assim como inventaram uma nova forma de
pensar, investigar e especular, de que nasceu a Filo-
sofia, os gregos também criaram inúmeras outras
palavras que representam, até hoje, instituições tão
importantes quando Política,Governo, Democracia,
Anarquia, Monarquia. Algumas dessas palavras, man-
têm seu significado original até hoje. É o caso, por
exemplo, de Monarquia termo derivado da palavra
monarca (monárches), aquele que governa sozinho,
donde monarquia passou a significar governo de um só.
Não é o caso de outras, como Democracia. Juntando
duas palavras, demos que significa povo e krat, raiz
de krátos, que significa força, criaram a palavra
demokratía, força ou governo do povo. A democra-
cia grega, porém, era um conceito diferente do que
temos hoje a respeito de governos democráticos. Ne-
nhuma democracia contemporânea admite a escravi-
dão. Em Atenas, até as reformas de Clístenes*, os
próprios atenienses que não podiam saldar suas dívi-
das tornavam-se escravos dos seus credores. E mes-
mo depois dessas reformas, admitia-se a escravidão
sob vários aspectos e condições. Era, portanto, uma
forma de governar em que os cidadãos decidiam na
ekklesia (assembléia, palavra que em português ge-
rou igreja). Mas não era, como hoje entendemos, a
assembléia de todos os cidadãos, sem exceções.
CLÍSTENES (* ca. 570 a.C.
† 508 a.C.)
Estadista considerado o
fundador da democracia ate-
niense, pelas reformas que em-
preendeu como Arconte, a mais
alta magistratura da cidade, en-
tre 525 e 524 a.C. Entre suas
inovações, aumentou das três
tradicionais calcadas na condi-
ção de família, para dez, o nú-
mero de tribos de Atenas ten-
do cada uma direito a 50
representantes, sem distinção
de origem dos cidadãos, o que
aumentou o número de parti-
cipantes da Eclésia, a assem-
bléia popular, para 500 mem-
bros, democratizando suas deci-
sões. Clístenes pertencia à in-
fluente família dos Alcmeô-
nidas, que padeceram do exí-
lio, voltando porém a Atenas
vinte anos depois, quando seu
aliado, o legislador Sólon, foi
chamado para evitar a guerra
civil no ano de 594. Eleito
Arconte, depois da derrota de
Iságoras, que tinha sido pro-
clamado tirano, Clístenes impôs,
com suas reformas, o princí-
pio de que todos teriam igual
direito à representação, insti-
tuindo o conceito hoje conheci-
do como isonomia (isso=igual
+ nomos = regra, lei), criado
por Sólon para pôr fim ao pre-
domínio dos descendentes de
famílias Jônicas. Embora não
haja comprovação, atribui-se a
Clístenes, entre outras, a do os-
tracismo (ostrakimós), porque
os votos em Atenas eram es-
critos sobre cascas de ostras
revestidas de cera.
-
-
-
9
Quando começamos a penetrar nesse mun-
do fantástico dos gregos especialmente da época glo-
riosa de Péricles* (séc. V a.C.) é que podemos nos
dar conta da importância da cultura grega para todo
o mundo ocidental. E a primeira indagação que nos
ocorre é a seguinte: se os gregos inventaram a Filo-
sofia, a Política e as próprias instituições políticas,
isto significa que não havia nem uma nem outra ati-
vidade dessa natureza antes deles? Evidentemente
não. E isso é que distingue a civilização grega das
que a antecederam, algumas com duração de mui-
tos e muitos séculos, como o caso da civilização egíp-
cia que remonta a mais de 4.000 anos antes de Cris-
to. Se não havia política, certamente não havia
governo, conceito também criado pelos gregos. E a
resposta pode ser surpreendente. Antes, havia po-
der, mas não governo. E o poder que prevalecia en-
tre os egípcios, como na civilização mesopotâmica
ou no vale do Indus era sobretudo o poder religioso,
divino, em que os sacerdotes tinham um papel im-
portante, pois eram parte dessa poderosa estrutura
que dirigia seus povos, sem limitações, dada a ori-
gem divina do poder. Tanto que os gregos criaram
uma palavra para essa forma de poder, formada de
dois vocábulos, théos, deus, significando classe sa-
cerdotal e kratéia, de krátos, força, poder, que deu
em português, Teocracia, governo do deus ou dos
deuses.
A primeira grande conquista da civilização
helênica (Hélade era o nome da Grécia antiga) foi
exatamente saber separar o poder dos homens do
poder dos deuses. E isto implica outra indagação. O
que levou os helenos, habitantes da antiga Hélade, a
essa conquista? Uma das razões pode ser encontra-
da na própria religião dos gregos, a primeira
antropomórfica, palavra grega que significa com for-
ma humana (ánthropos = homem + morphe = for-
ma). Ao contrário dos demais povos, que adoravam
animais ou formas híbridas de animais e humanos,
como a esfinge egípcia que guarda as grandes pirâ-
PÉRICLES (* ca. 495 a.C.,
Atenas † 429 a.C., Atenas)
Estadista, político e orador,
liderou, ao lado de Efialtes, a
luta contra o Aerópago, cuja
autoridade vinha sendo ques-
tionada desde as guerras medo-
persas. Com o ostracismo de
Cimon, seu adversário, filho de
Milcíades assumiu o poder que
se tornou absoluto com a mor-
te de seu aliado Efialtes, em
461. Fez de Atenas a capital de
um império, e tornou-se ami-
go de Ésquilo, de Sófocles, de
Anaxágoras e de Fídias, a quem
entregou a reconstrução da
Acrópole, iniciada em 447. O
esplendor que deu à sua cidade,
levou sua época a ser conheci-
da como o “século de Péricles”.
Suas iniciativas tornaram-se
possíveis, inclusive a proteção
que dispensou às letras e artes,
graças à prosperidade econômi-
ca proporcionada pela liga de
Delos, liderada por Atenas.
Com a guerra do Peloponeso,
que, iniciada em 431 a.C. vai
durar 27 anos, chega ao fim a
vida gloriosa de Péricles, vi-
timado pela peste que asso-
lou Atenas logo no 2o ano do
conflito.
É convicção generalizada
que, se tivesse sobrevivido mais
alguns anos, a derrocada de Ate-
nas, ocorrida com a expedição
contra a Sicília, em 415, não
teria ocorrido, pois a prudên-
cia que ele tinha revelado em
vida, teria evitado a aventura
que pôs fim ao predomínio de
Atenas, no século a que Péricles
emprestou o seu nome.
- -
10
mides de Gizé, no Egito, os deuses e deusas gregas
tinham formas, virtudes e defeitos, como os seres
humanos, pois eram concebidos exatamente à se-
melhança de homens e mulheres. Essa concepção
autônoma do poder dos homens em relação ao
poder dos deuses implicou num enorme passo da
evolução humana e permitiu separar a política
da religião.
HOMERO (viveu entre os
séc. IX e VIII a.C. na Jônia,
atualmente na Turquia)
É o presumível autor da
Ilíada e da Odisséia. Embora
seu nome esteja ligado a essas
duas festejadas obras literárias
dos tempos iniciais da Grécia
antiga, muito pouco se conhe-
ce de sua vida, a não ser por
conjecturas. Além de sabermos
que houve um poeta épico
chamado Homero o que pare-
ce ser algo indiscutível, assim
como ter sido ele o autor da
primeira parte dos dois poe-
mas, tudo o mais é obscuro em
relação ao que pode ter sido o
autor de uma das maiores obras
literárias de todos os tempos.
Considerado como uma das
maiores influências da educa-
ção e da cultura gregas, per-
mitiu a sobrevivência do esti-
lo entre os romanos, por ter
inspirado a Eneida do poeta
romano Virgílio, fazendo-o re-
percutir durante séculos na cul-
tura bizantina e até mesmo no
período da Renascença na Itá-
lia. Desde então, suas várias
traduções em diversas línguas
transformaram os dois poe-
mas numa das mais importan-
tes tradições da cultura clássi-
ca de todos os tempos. Devido
a seu impacto na cultura helê-
nica, os gregos encaram as duas
obras como mais do que uma
obra literária, símbolo da uni-
dade cultural de sua civilização
e de seu heroísmo. A vêem,
também, como fonte de
ensinamentos morais e de edu-
cação prática.
11
II – O Instigante Mundo da Filosofia
Segundo ensinam Leo Strauss e Joseph
Cropsey, em sua História da Filosofia Política2,
os primeiros filósofos eram designados por
Aristóteles como “aqueles que discorrem sobre a
natureza”, classificação que os distinguia “daque-
les que discorrem sobre os deuses”. Isto indica,
em primeiro lugar, que a natureza e seus fenôme-
nos eram investigados pelos gregos, não como
manifestação ou emanação dos deuses, mas como
fenômenos naturais. E em segundo lugar, que não
havia limites para a especulação, já que os próprios
deuses gregos eram objeto de especulação e in-
dagação dos filósofos, “aqueles que discorrem sobre
os deuses”. Mas o queeles entendiam por “natureza”?
O primeiro grego cuja obra monumental chegou até
nós, Homero*, só menciona a palavra natureza uma
vez em toda a sua Odisséia. E é esta única indica-
ção que, de acordo com os autores da obra acima
indicada, nos permite compreender o que os gre-
gos entendiam por natureza.
“No segundo livro da Odisséia, dizem eles,
Ulisses* conta o que ocorreu quando chegou na ilha da
feiticeira Circe*. A deusa tinha transformado um gran-
de número de seus companheiros em porcos, encer-
rando-os nas pocilgas. No caminho da morada de Circe,
a fim de prestar socorro a seus companheiros, Ulisses
encontrou o deus Hermes* que queria protegê-lo. Ele
deu a Ulisses uma erva maravilhosa que deveria livrá-
lo dos malefícios de Circéia. Hermes ‘arrancou uma
erva da terra e me mostrou sua natureza. Ela era
negra na raiz, e sua flor branca como o leite e os
deuses a chamam moly. Ela é difícil de ser arran-
cada pelos homens, mas os deuses podem tudo’,
escreveu Homero. Entretanto, a capacidade dos
deuses de arrancá-la facilmente não seria de nenhu-
ma utilidade se eles não conhecessem de antemão
2
 STRAUSS, Leo e CROSPEY, Joseph. Histoire de la Philosophie Politique,
tradução francesa de History of Political Philosophy, Paris, Presses
Universitaires de France, 1994.
ULISSES
Herói mitológico grego,
rei de Ítaca, filho de Laertes
ou de Sísifo, marido de Pe-
nélope e pai de Telêmaco.
Figura do poema homérico
Ilíada, em que se destaca por
sua diplomacia, é o herói da
Odisséia, que dele deriva o
seu nome e que tem como
assunto principal seus erros
desde o regresso a Tróia e os
desafios que foi obrigado a
vencer para recuperar os seus
direitos em Ítaca. Os dois
epítetos com os quais é de-
signado significam, respecti-
vamente, “o dos mil artifí-
cios” e “aquele que muito
sofreu”, para designar os es-
tratagemas e artimanhas
obrigado a empregar para su-
perar os desafios a que foi
submetido pelos deuses para
recuperar o trono. Esses
epítetos procuram significar
as qualidades que o caracteri-
zam como personagem do
poema, tal como na Ilíada.
Sabe-se por referência indi-
reta que na Telegonia, um dos
poemas perdidos dos épicos
de Homero, o herói da inte-
ligência e da astúcia que
Ulisses caracterizado em
Ulisses se transforma num
aventureiro sem escrúpulos
que aparece caricaturado em
muitas das tragédias gregas.
Ulisses tem inspirado inúme-
ros autores, como é o caso
do irlandês James Joyce, com
o romance que leva o seu
nome e do grego Nikos
Kazantzakis.
12
a natureza da erva – isto é, sua aparência e seus
poderes”. A conclusão que se tira é que os deuses são
todo-poderosos, não porque sejam de fato oniscientes,
mas sim porque conhecem a natureza, das coisas.
A natureza significava para os filósofos as
qualidades, as características de uma coisa ou de
um gênero de coisas, isto é, a capacidade que essas
coisas têm de produzir resultados, o que significa
que, para os gregos, a natureza, ao contrário do que
acreditavam os outros povos, não tinha sido feita
pelos deuses, da mesma forma que os filósofos gre-
gos sabiam não ter sido feitas tampouco pelos ho-
mens. Daí a necessidade de investigá-la, para
entendê-la e explicá-la. Eles tinham consciência de
que cada coisa da natureza tinha sua “maneira” ou
seu “costume”, ou seja, a forma de seu comporta-
mento. Mas havia uma distinção nas maneiras ou
costumes da natureza de um lado e a “convenção”
ou a “lei” (nomos) do outro. Assim, as maneiras ou
costumes de todas as coisas, inclusive dos homens e
dos animais. Os primeiros sabiam falar e os cães,
por exemplo, só podiam ladrar, porque isso era de
sua natureza. Mas embora todos os povos pudes-
sem se exprimir falando, segundo a convenção de
todos eles, cada povo falava uma língua diferente.
Esta diferença era fundamental para que os filóso-
fos pudessem compreender e distinguir o que separa
as coisas naturais das coisas convencionais. Falar era
natural dos homens, portanto, uma característica
de sua natureza. Falar de uma determinada maneira
era uma convenção de cada povo.
Mas isto levantava outra questão. O costu-
me, a convenção e a lei que os gregos chamam nomos
eram coisas naturais ou convencionais? Isto implica-
va em responder a outra questão paralela: todo direito
é convencional, ou existe um direito natural? As duas
respostas possíveis foram dadas antes de Sócrates.
A opinião de que a lei é produto da convenção, foi
sustentada por Platão e a oposta foi sustentada por
Sócrates e pela filosofia política clássica.
CIRCE
Figura mitológica, feiticei-
ra filha da ninfa Perseia e de
Helios (o sol), irmã de Pasífaa,
mulher do rei Minos, e de Eteo,
rei da Cólquida, guardiã do
velocino (carneiro com pele de
ouro). Residia na ilha de Ea,
identificada como o promon-
tório Monte Circeo, onde
Ulisses, depois de suas aventu-
ras no país dos Lestrigões, veio
aportar com os companheiros,
transformados por Circe em
porcos, leões e cães. Ajudado
por Hermes que lhe deu a plan-
ta mágica referida por Homero,
Ulisses a obrigou a devolver
seus guerreiros à forma huma-
na e depois permaneceu supõe-
se que um mês ou um ano, num
tórrido romance com a feiti-
ceira, que lhe deu um filho.
Telégono que viria a ser seu
involuntário assassino. Depois,
Circe ensinou a Ulisses o ca-
minho de volta e o deixou
partir com os companheiros.
Atribuem-se ainda à feiticei-
ra, aventuras amorosas com
Picos, rei dos latinos, com
Júpiter, o deus romano equi-
valente a Zeus dos gregos, e
com o qual ela teve outro fi-
lho, o deus Fauno e com o deus
marinho Glauco. Com ciúmes
desse amante, apaixonado por
Cila, Circe pôs ervas mágicas
na fonte onde ela se banhava
e a transformou num mons-
tro marinho, cujo corpo, da
virilha para baixo era compos-
to de seis cães horríveis e a
parte superior foi mantida
com sua beleza original.
13
Se é assim, porque Sócrates foi considera-
do o fundador da Filosofia Política? Afinal, ele não
escreveu, ao que se saiba, nenhum livro. Sabe-se
que ele se desviou do estudo das coisas divinas e
naturais e orientou suas indagações para as coisas
humanas, isto é, para as coisas justas, as coisas no-
bres para o homem e se detinha sempre, como es-
creveu Xenofonte* “no que é impiedoso ou ímpio,
no que é nobre e no que é vil, no que justo ou injusto,
no que é a cidade, no que é o homem político, no que
é o governo dos homens e no que é um homem ca-
paz de governar os homens”. Quando distinguia a
lei dos homens das leis dos deuses ou das leis da
natureza, ele procurava mostrar que ela não era ne-
cessariamente justa, daí porque só a “idéia” ou a
“forma” da justiça seriam perfeitamente justas. Ape-
sar disso, a lei humana, a lei da cidade é correta-
mente obrigatória para todos os que estão a ela sub-
metidos, já que todos que com ela não se conformam
têm o direito de emigrar com todos os seus bens. Foi
por isso que na obra de Platão, Críton, Apologia de
Sócrates3 , no diálogo com Críton, o filósofo, depois
de condenado à morte, acusado de difundir idéias
subversivas, se recusou a fugir, para ser fiel ao que
sempre pregou: a obediência às leis dos homens, ain-
da que injustas.
Ele é considerado o pai da Filosofia política,
“não só porque se desviou do estudo das coisas na-
turais, mas porque inaugurou um novo gênero de es-
tudo dessas coisas – um gênero no qual, por exem-
plo, a idéia da justiça ou do direito natural e, inclusive
a natureza da alma humana ou do homem é mais
importante que a natureza do sol”4 . Segundo ele,
não se pode compreender a natureza do homem, se
não se compreende a natureza da sociedade huma-
na. Sócrates, como Platão e Aristóteles, supunham
que a forma mais perfeita da sociedade humana era
a “polis”, cidade. Por isso é que devemos entender
3
 CRÍTON/PLATÃO, Apologia de Sócrates. Brasília, Ed. UnB, 1977.
4
 Cf. STRAUSS, op. cit.
HERMES
Deus grego, filho de Zeus
e de Maia, nascido numa ca-
verna do monte Cilene, na
Arcádia. Mostrando sua pre-
cocidade, foi no dia do nasci-
mento até a Tessália, onde seu
irmão Apolo cuidava dos re-
banhos de Ádmate. Distraído
com seu amante, Himeneu,
Apoloesqueceu dos rebanhos
que guardava, de onde Hermes
roubou várias reses. Depois de
subornar um velho, Bato, úni-
ca testemunha do crime, le-
vou-as e as escondeu na ca-
verna em que nascera, onde
encontrou uma tartaruga. Ti-
rou-lhe as vísceras e pôs no
casco cordas feitas com as tri-
pas das reses que matara, fa-
zendo a primeira lira. Apolo
saiu em busca das reses rouba-
das e pelo velho Bato soube
onde se encontravam. Recla-
mou de Maia a façanha do fi-
lho que mostrou-lhe o filho
recém-nascido e ainda de fral-
das no berço. Apolo apelou a
Zeus que mandou Hermes de-
volver os animais roubados.
Ao ouvir os sons que a crian-
ça tirava da lira, Apolo pro-
pôs trocá-la pelas reses rou-
badas. Além da lira Hermes
também inventou a flauta que
Apolo igualmente propôs
trocar pelo cajado de ouro
usado para guardar o rebanho
e que passou a ser atributo de
Hermes, como o caduceu que
ele conduz, como o patrono
dos comerciantes e dos la-
drões e protetor dos via-
jantes.
14
que o tema da Filosofia Política clássica não era a
cidade-Estado grega, como nós a supomos, mas a
cidade-Estado, que os gregos conheciam. Dessa
palavra fizeram derivar politikç, a arte de governar
a cidade ou o estado, a mais importante de todas as
instituições do fascinante mundo que os gregos cria-
ram e essencial para compreender o instigante
mundo da Filosofia com a qual nos ensinaram a
pensar.XENOFONTE (* ca. 560
a.C., em Colophon, na
Jônia † ca. 478)
Poeta e filósofo grego, seu
encontro com Sócrates foi fun-
damental em sua formação,
pois o magistério do mestre
marcou sua personalidade, a
ponto de se tornar divulgador
de sua obra, porém, sem alcan-
çar o brilho de Platão que sou-
be melhor exprimir a reno-
vadora originalidade dos
ensinamentos do genial filó-
sofo. Em comparação com
Tucídides, autor de História da
Guerra do Peloponeso, suas
Helênicas, que são dela uma
continuação, também não
atingem a profundidade do
antecessor, muito embora seja
um escritor que resiste à passa-
gem do tempo, pela atenção
que dá aos aspectos morais da
conduta humana, à valorização
da experiência na narrativa his-
tórica e ao caráter prático de
sua visão dos problemas polí-
ticos e militares, por sua expe-
riência pessoal. É considerado
o precursor da escola Eleática
de filosofia, que acentuou mais
a unidade do que a diversidade
das coisas e separou a existên-
cia aparente delas de sua exis-
tência real. Muito provavel-
mente foi exilado da Grécia
pelos persas que conquistaram
Colhopon ca. de 546 a..c e se
estabeleceu em Elea no sul da
Itália. Os fragmentos e seus
poemas refletem a aceitação
popular do antropomorfismo
de sua época e da mitologia dos
poemas homéricos.
15
III – O Fascinante e Instigante Mundo
da Política
Os filósofos gregos não inventaram só as
palavras e os conceitos que, durante séculos, des-
vendaram os mistérios dos deuses, da natureza e
dos homens, para todo o mundo ocidental, herdeiro
de seu formidável legado intelectual. Como vimos,
separando a religião da natureza e a natureza do
homem e da sociedade humana, foram capazes de
criar, em pouco mais de cinco séculos, o mais formi-
dável patrimônio cultural dentre todos os povos da
Antigüidade clássica. Outros povos, cuja trajetória
foi muito mais longa que a civilização helênica, como
é o caso da egípcia, da mesopotâmica ou da do vale
do Indus, deixaram apreciáveis legados materiais, e
vários conhecimentos científicos. A maior parte dos
seus acervos materiais eram monumentais homena-
gens a seus deuses ou àqueles que, na Terra, supos-
tamente os representavam, como é o caso dos tem-
plos, das pirâmides e dos zigurates. E a parte mais
significativa de seus aportes intelectuais e científi-
cos, dizia respeito aos conhecimentos necessários
para erigir seus monumentos, ou a descobertas es-
senciais à vida, como os calendários e a forma de
medir as terras indispensáveis à agricultura, sem a
qual não teriam conseguido passar do estágio de
nômades e itinerantes à condição de povos seden-
tários. Inventaram também as descobertas neces-
sárias à perenizar sua história, como as diferentes
formas de escrita, até a invenção do alfabeto pelos
fenícios.
Os gregos fizeram tudo isso e muito mais.
Especularam e investigaram livremente, sem medo
de seus deuses e sem limites impostos por seus sa-
cerdotes ou sua religião. Intelectualmente, foram li-
vres como nenhum outro povo. Como todos os po-
vos, eram crédulos em relação a muitas coisas e
supersticiosos em relação a quase tudo. Mas sua
poderosa forma de pensar sistematizou o conheci-
mento de seu tempo e abriu novos caminhos para a
SÓCRATES (* ca. 470 a.C.,
Atenas † 399 a.C., Atenas)
Sócrates forma, com
Platão e Aristóteles, o trio
de pensadores que lançou os
fundamentos filosóficos da
cultura do mundo ocidental.
Como escreveu Cícero, o
orador, pensador e jurista
romano, “ele trouxe a filosofia
do céu para a terra”, querendo
com isto significar que a fez
transitar da natureza
especulativa dos cosmo-
logistas jônicos e latinos para
o caráter e a conduta
humanas, dando surgimento a
uma original concepção sobre
a alma das pessoas. Vivendo
durante o caos da guerra do
Peloponeso, com a erosão
dos valores morais, Sócrates
se viu atraído pela dimensão
ética da vida, pelo recursos de
tentar “conhecer a si mesmo”
e pelo esforço de explorar as
conotações do procedimento
moral, em termos de conduta
humana. Ele nasceu dez anos
depois da batalha de Salamina,
e seu pai, Sphroniscus, era
amigo da família de Aristides,
o Justo, fundador da Liga
Delia, da qual nasceu o
império. A suposição de que
o pai era escultor decorre da
referência que Platão faz ao
mítico escultor Dedalus,
como um de seus ancestrais.
À amizade com Crítias e
Alcebíades se deve a denúncia
por subversão de que foi
vítima, levando-o à
condenação à morte,
sentença que ele mesmo
cumpriu, tomando cicuta.
16
mente humana, com criações originais ou aprendi-
das, como a Filosofia, a Política (politikç), a Mate-
mática (mathematikç), a Geometria (geômetria) que
aprenderam com os egípcios, a Economia (oikos,
casa + nomos, a regra para administrá-la), a Astro-
nomia (astronomia), a Biologia (bíos, vida + logos,
tratado), a Arqueologia (archaios, primitivo + logos,
tratado) e a Aritmética (arithmetikç), para só citar-
mos as principais, sem esquecer, por exemplo, que
até hoje os médicos fazem o juramento de Hipócrates,
por muitas razões considerado em todo o mundo
ocidental o patrono da Medicina.
Sob um ponto de vista pessoal, considero
que as maiores e mais duradouras de suas criações
foram, tanto a Filosofia e a Política, quanto a Filoso-
fia política que, como já vimos, nasceu com Sócrates*
(469 – 399 a.C.), e se desenvolveu com seu discípulo
Platão* (428 – 348 a.C) que, por sua vez, foi mestre
de Aristóteles* (384 – 322 a.C). Até meados do séc.
XX, Filosofia política era sinônimo de Ideologia polí-
tica, categoria que não se distinguia de outra de igual
importância, o Pensamento político e abrangia tam-
bém o que hoje chamamos de Ciência Política. Essa
aparente mistura de categorias diferentes, em vez
de mostrar uma imprecisão de conceitos, é o resul-
tado da evolução histórica do pensamento humano e
evidencia a importância, a complexidade e o extraordi-
nário desenvolvimento da Política na história da Hu-
manidade. Se o mundo grego era fascinante e o da
Filosofia instigante, o da Política é, ao mesmo tempo
fascinante e instigante, na medida em que é o resul-
tado da feliz combinação da História com a Filosofia
e de todos os desdobramentos que essa união pro-
vocou. Um mundo que, para muitos, ainda pode pa-
recer distante, longínquo e intrigante, embora seja
com ele que todos nós somos obrigados a conviver.
Vimos que a grande revolução intelectual
promovida pelos gregos exigiu cerca de 35 séculos,
pois teve início no séc. V a.C. e consistiu em eman-
cipar a Filosofia e a Ciência natural dos estreitos
PLATÃO (* 428 ou 427 a.C,
Atenas, ou Aegina † 348
ou 347 a.C., Atenas)
Platão nasceu um ano após
a morte de Péricles, quando co-
meçou a decadência da vida pú-
blica ateniensee sua juventude
foi marcada com a convivên-
cia com Sócrates que ele conhe-
ceu quando já sexagenário. O
ambiente intelectual de Atenas
se dividia entre os ensinamentos
dos sofistas e a pregação de
Sócrates, uma rivalidade que o
dramaturgo Aristófanes refle-
tiu em sua peça As núvens. O
julgamento e a morte de
Sócrates influenciaram o seu
pensamento, levando-o a refu-
giar-se em Megara, após o que
supõe-se ter feito sua primeira
viagem à Siracusa, a convite do
tirano Dionísio, o Antigo, se-
guindo-se um período de aven-
turas em que foi vendido como
escravo, até sua volta à Ate-
nas, onde fundou a Academia
em que professou, defendendo
as idéias que o levaram a pre-
conizar o regime dos “melho-
res”, postura que terminou
transformando-o num epígono
dos governos totalitários. Mais
duas vezes voltou à Siracusa, até
dedicar os últimos anos de sua
vida à Academia e à filosofia
para que tanto contribuiu.
Platão é, fundamentalmente,
um racionalista dedicado à pro-
posta de que a razão deve pre-
valecer em qualquer circunstân-
cia. De toda sua vasta produção
intelectual, A República,
Crítias, Nomoi (Leis) e Epimo-
mis resumem grande parte de
seu imortal pensamento.
17
limites em que as religiões das civilizações prece-
dentes as tinham aprisionado. O outro enorme salto
dado pela Humanidade se deu entre os sécs. XVII
e XVIII de nossa era e resultou da revolução cientí-
fica que libertou a Filosofia e a Ciência modernas
dos padrões que hoje chamamos clássicos, em torno
dos quais giraram o mundo greco-romano e a época
imediatamente posterior, dominada pela filosofia
escolástica. A diferença é que a primeira revolução
implicou em emancipar a Ciência natural da Filoso-
fia e a segunda consistiu em emancipar a Filosofia e
a Ciência modernas, da Filosofia e da Ciência clás-
sicas, aquela que se convencionou chamar de
aristotélica, dada a influência que sobre elas teve o
grande pensador grego. A Filosofia política clássica
não se limita ao ensinamento político de Platão e
Aristóteles e dos seguidores de suas respectivas
escolas. Ela inclui, também, o magistério dos cha-
mados filósofos estóicos, como os gregos Zenão de
Cicio (340 – 264 a.C.) e seus seguidores Cleanto
(séc. III a.C.), Crisipo (280 – 208 a.C.) e os roma-
nos Epicteto* (ca. 50 – 125) e Marco Aurélio* (121-180),
além dos ensinamentos dos doutores da Igreja, cuja
doutrina não se funda exclusivamente na revelação
divina.
Entre os que contribuíram para essa lenta
mas irreversível evolução, está, já em plena Idade
Média, São Tomás de Aquino* (1224 – 1274), cujo
pensamento ficou conhecido como a filosofia
Tomista. Outro dos grandes personagens, represen-
tante já do período de ouro renascentista, é o
florentino Nicolau Maquiavel* (1469 – 1527), por
muitos considerado não propriamente um filósofo,
mas o primeiro grande teórico e sistematizador da
Política, por sua obra clássica O Príncipe, publica-
ção póstuma, de 1532. Entre o fim do séc. XVI e
meados do séc. XVII, são duas as grandes contri-
buições para a evolução do pensamento e da filoso-
fia política: o inglês Thomas Hobbes* (1588 – 1674),
autor de O Leviatã e o francês René Descartes*
ARISTÓTELES (* 384 a.C.
Estagira, † 322 a.C., Euboea)
Ao lado de Platão, Aris-
tóteles é a maior das figuras
intelectuais produzidas pela
civilização helênica. Domi-
nou todo o conhecimento
científico do mundo mediter-
râneo em sua época. Mais do
que qualquer outro pensador,
determinou a orientação e o
conteúdo da história intelec-
tual da civilização ocidental.
É autor de um sistema cientí-
fico e intelectual que, através
dos séculos, tornou-se o su-
porte e o veículo do pensa-
mento escolástico, tanto o
cristão da Idade Média, quanto
o do mundo islâmico. Pode-
se hoje afirmar, sem erro que,
até o fim do séc. XVII, toda
a cultura ocidental foi
aristotélica. Mesmo depois
da revolução intelectual des-
se século, os conceitos e as
idéias aristotélicas continua-
ram presentes no mundo
ocidental. Sua contribuição co-
briu virtualmente a maioria das
ciências e grande parte das ar-
tes. Ele trabalhou em áreas tão
diversas quanto a física, a quí-
mica, a biologia, a zoologia, e
a botânica; contribuiu com a
psicologia, a teoria política e
a ética; a lógica, a metafísica
e a história; com a teoria lite-
rária e na retórica. Suas maio-
res conquistas foram em duas
áreas inteiramente diversas: o
estudo da lógica formal, para
completar um sistema conhe-
cido como silogística aris-
totélica e um de zoologia que
sobreviveu até o séc. XIX.
18
(1596 – 1650) criador do método da dúvida perma-
nente, conhecido como “cartesiano”. Entre meados
do séc. XVII e meados do séc. XVIII, os nomes
mais expressivos e importantes são os do inglês John
Locke* (1650 – 1704) e o do francês Montesquieu*
(1689 – 1755).
Essa revolução se acentuou em todo o séc.
XVIII, conhecido como o “século das luzes”. Essa
denominação decorre do “Iluminismo”, movimento
intelectual que permitiu à ciência e à filosofia da-
rem um enorme salto qualitativo e ao homem se
lançar à grande aventura de sistematizar todo o co-
nhecimento até então acumulado, através da com-
pilação e publicação da primeira Enciclopédia. Esse
esforço, que teve início na França, prosseguiu na
Inglaterra e se espalhou pelo mundo, ganhou o nome
de “enciclopedismo” e foi um dos principais e mais
brilhantes resultados do Iluminismo, com sua pre-
tensão de iluminar o mundo com os seus
ensinamentos. Nessa fase, são pelo menos seis as
grandes expressões da Filosofia política: o francês nas-
cido na Suíça Jean-Jacques Rousseau* (1712 – 1778),
o escocês Adam Smith* (1723 – 1790), o alemão
Immanuel Kant* (1724 – 1804), o inglês Edmundo
Burke* (1729 – 1797), o também inglês que viveu
nos Estados Unidos Thomas Paine* (1737 – 1809),
e o alemão Hegel* (1770 – 1831). Este século,
porém, não conheceu apenas o Iluminismo, o
Enciclopedismo e a Revolução Industrial. Viu tam-
bém nascer uma nova classe, a burguesia, respon-
sável pelo fim do antigo regime absolutista na Fran-
ça e o surgimento da Revolução francesa de 1789
que marcou o início da idade contemporânea, na
cronologia histórica. Os séculos seguintes, XIX e
XX completariam algumas das conquistas mais
importantes do pensamento, da prática e da evolu-
ção política da humanidade.
No séc. XIX, materializaram-se algumas
conquistas das chamadas liberdades burguesas, como
a liberdade de expressão e de religião, o direito ao
EPÍCTETO (* 55, Hierapolis,
atual Pamukkale, Turquia
† 135, Épíro, Grécia)
Filósofo grego associado
aos estóicos e lembrado sem-
pre pelo tom religioso de seus
ensinamentos o que o reco-
mendou muito a numerosos
pensadores dos tempos iniciais
do Cristianismo. Não se sabe
seu nome original. Epicteto,
com o qual se tornou conheci-
do, é a palavra grega que signi-
fica “adquirido”, já que se tor-
nou escravo quando menino,
e teve a oportunidade de fre-
qüentar as lições do estóico
Musonius Rufus. Mais tarde
tornou-se um homem livre, até
ser expulso de Roma, junta-
mente com outros pensadores,
no ano 90 da era Cristã pelo
imperador Domiciano, irrita-
do com a recepção que os opo-
nentes de sua tirania tiveram
entre os pensadores estóicos.
O resto de sua vida Epicteto vi-
veu em Nicópolis. Até onde se
sabe, Epicteto não escreveu li-
vros conhecidos. Seus ensina-
mentos foram transmitidos por
Arrian, seu aluno e seguidor,
em duas obras: Discursos, dos
quais quatro livros são conhe-
cidos e Encheiridion, ou ma-
nual, uma versão condensada
de suas principais doutrinas.
Em seus ensinamentos,
Epicteto seguiu mais os primi-
tivos do que os estóicos mais
modernos. Fundamentalmen-
te interessado na ética, ele des-
creveu a filosofia como o
aprendizado de “como é pos-
sível usar o desejo e a aversão
sem impedir o progresso.”
19
sufrágio e à representação política, a instituição em
caráter permanente dos parlamentos e algumas ou-
tras franquias decorrentes dos avanços consegui-
dos com a Revolução francesa. A preocupação da
Filosofia política que tanto tinha se empenhado na
conquista da Liberdade no séc. XVIII, voltou-se
então, no séculoseguinte, para a busca da outra gran-
de aspiração humana, a luta pela Igualdade. Esse
foi o caminho percorrido por três grandes expressões
do pensamento político, todos com preocupações
igualitárias, porém de cunho inteiramente diverso:
o francês Aléxis de Tocqueville* (1805 – 1859),
defensor da igualdade política, o também francês
Joseph Proudhon* (1809 –1865), defensor da igual-
dade social e o alemão Karl Marx* (1818 – 1833),
defensor da igualdade econômica.
Como se vê, essa longa etapa na evolução
do pensamento político e da Filosofia política termi-
nou orientando a prática da política para três gran-
des reivindicações ainda hoje não consumadas: a
busca da liberdade política, da justiça social e da igual-
dade de oportunidades econômicas para todos. Ob-
viamente essa trajetória, não tendo alcançado seus
grandes objetivos, continua em todo o mundo a tri-
lhar o caminho que pode transformar o pensamento
em ação. Ele passou, como nos períodos anteriores,
do campo da Filosofia para o da Sociologia e, em
seguida, deste para o da Ciência política.
Esse mundo fascinante dos gregos que tan-
tos avanços conquistou na evolução da Humanida-
de, emancipando a Filosofia e a Ciência das travas
da religião e dos deuses, cedeu lugar ao instigante
mundo da Filosofia que continuou seu desafiador
caminho na direção de outro mundo ao mesmo tempo
fascinante e instigante: o mundo da Política. O poder
da imaginação humana, no entanto, não cessou aí. Como
em tantos outros campos do conhecimento e da es-
peculação, essa extraordinária aventura segue tri-
lhando novos e desconhecidos caminhos que nos le-
varam a um salto estimulante que permitiu o
MARCO AURÉLIO (* 121,
Roma † 180 Viena, ou
Sirmium, Panônia)
Seu nome completo era
Caesar Marcus Aurelius Anto-
ninus Augustus, que usou até
161, quando, tornando-se im-
perador, adotou o de Marcus
Annius Verus, mais conhecido
por suas Meditações sobre a fi-
losofia estóica, como Marcus
Aurelius. Para muitas gerações,
ele simbolizou a idade de ouro
do Império Romano. Nada me-
nos de 17 dos 19 anos de seu
reinado foram marcados por
guerras e calamidades. Como
homem público e intelectual,
três fatores são significativos
em sua história: o temperamen-
to, as circunstâncias e a filoso-
fia da linha estoicista de Sêneca
e Epícteto, centrada na adia-
phoria (indiferença). Este prin-
cípio funda-se na convicção de
que o Destino e a Providência
tudo dirigem, o que permite ao
homem enfrentar todos os
acontecimentos, mesmo os
mais adversos e desagradáveis,
como a morte, com calma e se-
renidade. Este é o traço confor-
mista da filosofia estóica, que se
identifica, em quase todos os
sentidos, com a inevitabilidade
dos fatos da vida. Daí o tom de
sua filosofia, de buscar o que é
bom, verdadeiro e justo. Isto
não impede que seja também
dominada por notas de pessi-
mismo e do ceticismo, cren-
ças e convicções que o leva-
ram a cometer um dos maiores
erros de seu governo, a perse-
guição aos cristãos, cujas ati-
tudes nunca compreendeu.
20
surgimento de uma nova ciência, a Sociologia, criada
no séc. XIX por Augusto Comte* (1789 – 1857) e
ampliada por seu grande sistematizador no séc. XX,
o alemão Max Weber* (1864 – 1920).
SÃO TOMÁS DE AQUINO
(* 1224/25, Roccasecca,
Sicília † 1274, Fossanova)
Pregador dominicano e
teólogo, canonizado em 18 de
julho de 1323, declarado dou-
tor da Igreja em 1567, com o
título de “Doutor Angélico”, sua
memória litúrgica é comemo-
rada no dia 28 de janeiro. Tra-
ta-se do teólogo mais represen-
tativo da escolástica cristã, cuja
doutrina ficou conhecida como
“tomista”. Estudou no famoso
convento de Monte Casino e
na Universidade de Nápoles,
então recém-fundada, mas sua
formação se completou na
França, onde predicou, como
em inúmeras cidades italianas.
Suas duas obras mais impor-
tantes Summa contra gentiles
(1259-1264) e Summa
Theologiæ (1267-1274) re-
presentam a sistematização de
toda a teologia latina clássica, o
que fez dele um dos mais im-
portante pensadores do Cris-
tianismo. Como poeta, é autor
de alguns dos mais belos hinos
eucarísticos da liturgia da Igreja.
Muitos dos teólogos modernos
do catolicismo não o conside-
ram um pensador cristão ori-
ginal, e não são poucos os que
o encaram mais como um fi-
lósofo, mais do que como um
teólogo. Em 1259 foi designa-
do conselheiro teológico da
Cúria papal na Itália, tendo pas-
sado dois anos em Anagni no
fim do período de Alexandre IV,
quatro anos em Orvieto com
Urbano V, tendo ensinado de
1265 a 1267 no convento de
Santa Sabina.
21
IV – Um Salto Estimulante: da Teoria à Sociologia
Ao nos referirmos a Maquiavel no capítulo
anterior, chamamos a atenção para o fato de que,
apesar de arrolado como autor de uma das maiores
contribuições ao desenvolvimento da Política, ele con-
tinua sendo considerado por muitos, não um Filósofo,
mas o primeiro e grande teorizador da Política. Os
que o seguiram, de Hobbes a Marx, cobrem pelo
menos três séculos da história do pensamento e da
evolução histórica da Humanidade. E é indiscutível
inscrever os seus nomes no rol das grandes contribui-
ções à Política. As dúvidas suscitadas em relação a
Maquiavel, cabem também em relação a pelo menos
dois de seus compatriotas, Gaetano Mosca* (1858 –
1941) e Wilfredo Pareto* (1848 – 1923) e o alemão
naturalizado italiano, Robert Michels* (1876 – 1936).
O primeiro é autor da obra Elementos de
Ciência Política, publicada em 1896. Nela, tratando
do que chamou de “classe política”, ele formulou uma
teoria que veio a se tornar conhecida em todo o mundo,
como a Teoria das elites. No cap. 2 do livro, ele a for-
mula da seguinte maneira: “Entre as tendências e os
fatos constantes que se encontram em todos os orga-
nismos políticos, aparece um cuja evidência se impõe
facilmente a qualquer observador: em todas as socie-
dades, desde as medianamente desenvolvidas que ape-
nas chegaram aos preâmbulos da civilização, até as
mais cultas e fortes, existem duas classes de pessoas:
a dos governantes e a dos governados. A primeira, que
é sempre menos numerosa, desempenha todas as fun-
ções políticas, monopoliza o poder e desfruta das vanta-
gens que vão unidas a ele. A segunda, mais numerosa, é
dirigida e regulada pela primeira de maneira mais ou
menos legal, ou bem de um modo mais ou menos arbi-
trário e violento, e recebe dela, ao menos aparente-
mente, os meios materiais de subsistência e os indis-
pensáveis para a vitalidade do organismo político”5 .
5
 BATLLE, Albert (Org.) Diez textos básicos de ciência política. Barcelona, Ed.
Ariel, 1992, p. 23.
NICOLAU MAQUIAVEL
(* 3/05/1469, Florença –
† 21/06/1527, Florença)
Escritor, político e homem
público nascido em Florença,
cidade-Estado da qual foi nome-
ado chanceler em junho de
1498, aos 29 anos, tendo exer-
cido funções diplomáticas jun-
to a César Bórgia, em 1502 e
1503, no qual se inspirou para
descrever o seu modelo de esta-
dista, cujas qualidades arrolou na
obra O Príncipe que o imortali-
zou, como o primeiro teórico
da Política. Embora o adjetivo
maquiavélico, derivado de seu
nome, seja para muitos sinôni-
mo de cinismo, sua grande con-
tribuição à história do pensa-
mento político foi dar o caráter
de autonomia à política, sepa-
rando seus critérios da moral,
avanço que cinco séculos depois
Max Weber categorizou com a
famosa e definitiva distinção
entre a “ética da convicção” e
a “ética da responsabilidade”.
Entre 1506 e 1509, represen-
tou Florença junto ao Papa Jú-
lio II, na França e na Alema-
nha. Além de O Príncipe,
escreveu as Istorie fiorintini
por encargo da Universidade
de Florença e a comédia La
Mandrágora, considerada a
melhor expressão do teatro
renascentista, pela galeria de
personagens que retratam a so-
ciedade de seu tempo. Sua con-
cepção sobre a relevância do
Estado entre as instituições
políticas é uma antecipação
dos rumos que tomou, em
meados do séc. XX, a Ciência
política contemporânea.
22
O segundo foi um dos mais polêmicos auto-
res de sua época. Engenheiro de formação, autor pro-
lífico de um Tratado de sociologia geral, de um
Curso e de um Manualde economia política, e
do livro Sistemas Socialistas, se dedicou, na dé-
cada de 1890, a ir além da economia e a penetrar
nos fundamentos sociais e políticos da sociedade.
Em grande medida, retomou a idéia das elites de
Mosca. Referindo-se à sua obra, o sociólogo
Raymond Aron6 faz uma síntese muito precisa de
sua complexa contribuição. Diz o filósofo francês
que, segundo Pareto, “as sociedades são caracte-
rizadas pela natureza de suas elites, sobretudo das
elites governantes. De fato, todas as sociedades
têm uma característica que os moralistas podem
considerar deplorável, mas que os sociólogos são
obrigados a constatar: há uma distribuição muito
desigual de bens neste mundo, e uma distribuição,
mais desigual ainda, do prestígio, do poder e das
honrarias associadas à competição política. Esta
distribuição dos bens materiais e morais é possí-
vel, porque, afinal, um pequeno número de pessoas
governa um grande número, recorrendo a dois ti-
pos de meios: a força e a astúcia. A população se
deixa dirigir pela elite, porque esta detém os meios
de força ou então porque consegue convencer, isto
é, sempre enganar, mais ou menos, o grande nú-
mero. Governo legítimo é aquele que teve êxito
no processo de persuasão dos governados, con-
vencendo-os de que é apropriado aos seus inte-
resses, a seus deveres ou à sua honra obedecer ao
pequeno número. Esta distinção dos dois meios
de governo, a força e a astúcia, é a transposição
da famosa oposição entre os leões e as raposas,
apontada por Maquiavel. As elites políticas divi-
dem-se naturalmente em duas famílias, uma das
quais merece ser chamada de família dos leões,
6
 ARON, Raymond. As etapas do pensamento sociológico. Brasília/São Paulo,
Ed. UnB/Martins Fontes, 1982, p. 426/8.
THOMAS HOBBES (*
5/4/1588, Westport, Ingl. –
† 4/12/1679, Hardwick Hall)
Filósofo e teórico do pen-
samento político, Hobbes es-
tudou na Universidade de
Oxford e, como preceptor de
W. Cavendish, 2o conde de
Devonshire o acompanhou em
viagem à Itália e à França en-
tre 1608 e 1610, país ao qual
voltou em 1629. Só em 1637
regressou à Inglaterra onde, em
1640, publicou sua 1a obra, Ele-
mentos da lei, natural e políti-
ca. Com a opinião pública in-
glesa cada vez mais hostil à
monarquia, refugiou-se em Pa-
ris entre 1640 e 1651, publi-
cando De cive e em 1649, com
a decapitação do rei inglês
Carlos I, preparou seu regresso
à Inglaterra em 1652, um ano
depois da divulgação de sua obra
mais conhecida, Leviatã cujo tí-
tulo completo é Levianthan,
ou a natureza, a forma e o po-
der de uma comunidade ecle-
siástica e civil. Influenciado
pelo ambiente político suble-
vado, tornou-se com esse tex-
to o teórico do absolutismo de
Estado, representado pela mo-
narquia absolutista. Sua obra,
das mais importantes da filo-
sofia política moderna, está li-
gada a alguns aspectos funda-
mentais: a teoria sobre o
contrato social que dá origem
à sociedade civil, o surgimento
das primeiras idéias do absolu-
tismo político, e do liberalis-
mo que vão florescer na Euro-
pa, impulsionadas pelo
Iluminismo do séc. XVIII.
23
porque tem preferência marcante pela brutalida-
de e a outra, de família das raposas, porque se incli-
na para a sutileza”.
Ao apelar para a teoria da “circulação das
elites”, que se substituem no poder, Pareto explica-
va por suas características, a causa do domínio da
minoria sobre a maioria. Enquanto a minoria é ho-
mogênea, tem os mesmos interesses, adota os mesmos
valores e se vale dos mesmos recursos, a maioria,
por ser heterogênea, cultivar valores distintos e até
contraditórios e não dispor de recursos idênticos
para atingir os seus fins, termina mais facilmente
dominada.
Ao se aproximar em 1903 das teses que
Mosca já tinha exposto em 1896, Pareto provocou
uma enorme e violenta polêmica na Itália, acusado,
segundo Aron, de “utilizar-se das idéias de seu
conterrâneo, mais do que seria conveniente, citan-
do-o menos do que era justo”. Na verdade, a teoria
das elites de Mosca é mais política e menos psicoló-
gica. Segundo ele, cada elite política se caracteriza
por uma fórmula de governo que equivale ao que
poderíamos chamar de ideologia da legitimidade. Na
sociologia de Pareto, as diversas elites são caracte-
rizadas, sobretudo, pela abundância de recursos de
que se valem, a astúcia e a sutileza, mais que a for-
ça, mantendo-se no poder pela propaganda, multipli-
cando as combinações político-financeiras. São as
elites dos regimes chamados democráticos, que
Pareto denominava de “pluto-democráticos”, porque,
em última análise, constituem uma plutocracia, sob
aparência democrática.
Mosca e Pareto não foram os únicos a
formular uma teoria específica para explicar o cará-
ter da dominação política, partindo da análise socioló-
gica dos sistemas políticos. Na verdade, mais que
uma Teoria, estavam aplicando a Sociologia à aná-
lise política, sendo os responsáveis por um novo
campo de atuação, o da Sociologia política que,
dessa forma proclamava sua autonomia em relação
RENÉ DESCARTES (*31/3/
1596, La Haye-Touraine †
11/2/1650, Estocolmo)
De seu nome latino
Renatius Cartesius deriva o ter-
mo “cartesiano” para definir a
síntese desse genial pensador e
matemático francês, conside-
rado o pai da filosofia moder-
na, por ter sido o primeiro a se
opor à escolástica aristotélica.
Antes de completar um ano de
idade perdeu a mãe, foi educa-
do no Colégio dos Jesuítas de
La Fleche, percorreu vários pa-
íses da Europa, foi soldado na
Guerra dos Trinta Anos e pas-
sou 20 de seus mais produtivos
anos (1629-1649) na acolhe-
dora Holanda, onde escreveu a
maior parte de suas obras. Em
1649, a convite da rainha
Cristina da Suécia, partiu para
esse país, onde veio a falecer.
Seu método da dúvida sistemá-
tica, foi sintetizado na frase
“penso, logo existo”. É consi-
derado o pai do racionalismo
crítico e do empiricismo, ba-
ses da filosofia de que ele foi o
renovador. Foi um autor pro-
lífico que escreveu sobre mú-
sica, física, matemática, lógi-
ca e geometria, mas sobretudo
sobre filosofia e filosofia da
ciência. Suas obras de maior
significado e relevância são
Discurso sobre o método, de
1637, os Princípios de Filo-
sofia, de 1644 e sua Corres-
pondência de Descartes, edi-
tadas em 1666 e 1667, onde
estão publicadas “as mais bela
questões relativas à moral, à
física, à medicina e à mate-
mática”.
24
à Filosofia política. Uma outra contribuição de igual
relevância, tornou essa separação ainda mais clara
e evidente.
Trata-se da obra do terceiro dos autores
acima citados, Robert Michels (1876 – 1936) que se
enquadra no período clássico da sociologia política
européia no começo do séc. XX. De ascendência
franco-alemã, educou-se na Alemanha, na França e
na Itália. Quando estudante, foi um socialista com-
prometido e membro do Partido Social Democrata
da Alemanha, que na época ainda estava sob forte
influência sindical. Em razão de suas convicções po-
líticas, impedido de seguir a carreira acadêmica em
seu país natal, transferiu-se para Turim, onde foi for-
temente influenciado por Gaetano Mosca e sua
doutrina da “classe política”, o que o levou a desen-
cantar-se e a se afastar de suas origens social-de-
mocratas. Em 1911, publicou a obra que o imortali-
zou, cujo título original é Sobre a sociologia dos
partidos nas modernas democracias, traduzido em
inglês simplesmente como Os partidos políticos e
em francês como Os partidos políticos. Ensaio
sobre as tendências oligárquicas das democra-
cias. Adotou a cidadania italiana em 1913, e apesar
de um longo período como professor em Basiléia,
considerava a Itália seu país natal. Incorporou-se ao
Partido fascista italiano e, depois da ascensão de
Mussolini ao poder, regressou a seu posto universi-
tário em 1928, para contribuir ao desenvolvimento
de uma ciência política pro fascista.
Sua teoria sobre a oligarquização dos partidos,
também conhecida como a “lei de ferro dos parti-
dos”, se baseia na constatação de que, os partidos e
os movimentos de esquerda tinham que necessaria-
mente perder em radicalização, à medida que au-
mentavam de tamanho.Segundo ele, para se orga-
nizar um movimento de massas de modo efetivo é
necessário que a direção se dedique a isso de forma
integral e com a ajuda de um aparato permanente
de funcionários para isso preparados, no que estava
JOHN LOCKE ( * 29/8/1632,
Wrington. Ingl. † 28/10/1704,
Oates, Essex)
Filósofo inglês, considera-
do por muitos o iniciador do
movimento Iluminista na In-
glaterra e na França, além de
ter sido o inspirador da Consti-
tuição americana de 1787. Foi
autor, entre outras de uma das
mais importantes obras no
campo da Filosofia, Um ensaio
concernente à natureza huma-
na, publicada inicialmente em
francês, antes de ter vindo à
lume a 1a ed. definitiva de
1660, uma síntese do conheci-
mento humano, incluindo a
“nova ciência” de sua épo-
ca, isto é, a filosofia moder-
na. Viveu durante um dos
períodos mais conturbados da
história da Inglaterra, o que jus-
tificou uma estadia de quatro
anos na França, onde conhe-
ceu a filosofia cartesiana, e um
desterro na Holanda, de 1682
a 1689. Em outra de suas obras,
Um ensaio concernente à to-
lerância pugnou por um espí-
rito de tolerância de crença,
embora não admitisse o ateís-
mo por considerar ser possível
comprovar a existência de
Deus e combatesse os
“papistas”, vistos por ele como
uma ameaça ao Estado. Locke
passou os últimos anos de sua
vida no retiro tranqüilo de
Oates, como hóspede de Lady
Masham, sua amiga de muitos
anos, onde costumava receber
visitas, como a de Sir Issac
Newton que ia discutir com ele
as epístolas de São Paulo, um
assunto de interesse de ambos.
25
antecipando a concepção de Lênin. Ainda que re-
crutados no proletariado, eles vão se afastando gra-
dualmente de suas origens por uma série de razões.
Primeiro, adquirem experiência e conhecimentos que
não estão ao alcance das bases. Segundo, passam a
vida num ambiente de discussões de convênios co-
letivos de trabalho ou de intrigas parlamentares. Ter-
ceiro, e acima de tudo, suas novas tarefas os libe-
ram do trabalho manual e lhes proporcionam um
emprego bem remunerado e seguro, acompanhado
de um estilo de vida e de uma ótica pequeno-bur-
guesa. Dessa forma, tendo assegurado sua própria
revolução social, seu radicalismo se modera e se volta
contra toda e qualquer política militante que possa
ameaçar a continuidade da organização a que per-
tencem e de sua própria existência com seu novo
estilo de vida.
Valendo-se de sua experiência no Partido
Social Democrata Alemão, Michels deu uma enor-
me contribuição à Sociologia política com base na
teoria das elites, ao abordar a necessidade de orga-
nização para o êxito de qualquer partido e ao lem-
brar que a organização tende, necessariamente, à
oligarquização. Algo que, em última análise, está
presente na análise política de Mosca e na análise
sociológica de Pareto. Ele completa com ambos, a
grande contribuição que levou ao surgimento de um
ramo especializado da Sociologia e da Política, a So-
ciologia política.
Essa transição que se pode observar ao lon-
go dos séculos, de como foi se ampliando o campo
da Filosofia para a Filosofia política e desta para a
Sociologia política, mostra que o mundo complexo
da Política foi, progressivamente, tornando-se não
apenas mais rico intelectualmente, mais complexo
culturalmente e mais fascinante cientificamente, mas
também cada vez mais estimulante, à medida que a
Política foi crescendo de importância, aumentando
seu poder e alargando seu campo de ação, até se
tornar a mais desafiadora das atividades humanas.
MONTESQUIEU (* 18/1/
1689, Château La Brède,
Bordeaux † 10/2/1755, Paris)
Charles Louis Secondat,
senhor de La Brède e barão de
Montesquieu, autor, entre ou-
tras obras, de O Espírito das
Leis, publicado em 1748 é con-
siderado um dos mais impor-
tantes pensadores políticos do
Iluminismo, por ser considera-
do o pioneiro do princípio da
separação dos poderes do Es-
tado que tão profundamente
influenciou a teoria política até
hoje. A tal ponto, que chegou
a ser inscrito no art. 16 da De-
claração dos Direitos do Ho-
mem e do Cidadão, aprovado
pela Assembléia francesa em
26 de agosto de 1789, pouco
mais de um mês da queda da
Bastilha que deu início à Revo-
lução francesa que marca o iní-
cio da Idade Contemporânea
na cronologia histórica do
mundo ocidental. Nessa dispo-
sição se pode ler: “Toda socie-
dade na qual a garantia dos di-
reitos não está assegurada, nem
a separação dos poderes deter-
minada, não possui uma Cons-
tituição”. Escreveu ainda as
Letras Persas, de 1721, Da mo-
narquia universal na Europa,
de 1734, Considerações sobre
a causa da grandeza dos ro-
manos e sua decadência, tam-
bém de 1734. D’Alembert, res-
ponsável pela Enciclopédia, o
convidou para colaborar com
artigos sobre democracia e des-
potismo, mas ele disse preferir
escrever sobre o paladar. E um
ensaio sobre esse tema termi-
nou sendo sua última obra.
26
Mas essa longa viagem ainda não tinha chegado
ao fim. Faltavam alguns passos decisivos. O próxi-
mo seria dado não através de um salto estimulante,
mas pela descoberta de um caminho intrigante, a
passagem da Sociologia política, para a Ciência
Política.
ROUSSEAU (* 28/6/1712,
Genebra, Suíça – † 2/7/1778,
Ermenonville, França)
Jean-Jacques Rousseau, é o
escritor e filósofo francês de
origem suíça, cujas obras inspi-
raram os líderes da Revolução
francesa e a geração que deu ori-
gem ao romantismo na Fran-
ça. Ele foi o último dos filóso-
fos acadêmicos e, sob muitos
aspectos, um dos mais influen-
tes. Ensinou muitas das gera-
ções que se seguiram a cuidar
da educação dos filhos, em ra-
zão de sua obra Émílio, ou da
Educação e valorizou os sen-
timentos mais que a razão.
Abriu os olhos de boa parte da
humanidade para a importân-
cia da natureza e tornou a li-
berdade uma aspiração genera-
lizada de quase todos os povos.
Nos últimos dez anos de sua
vida dedicou-se a produzir al-
gumas obras biográficas, como
as Confissões, inspiradas na do
mesmo título de Santo Agosti-
nho e que também se tornou
um clássico, enquanto outras se
destinaram a se defender dos
ataques de que foi vítima por
suas idéias e que terminaram o
levando ao exílio. Com seu
Discurso sobre as ciências e as
artes, de 1750, ganhou o prê-
mio da Academia e Dijon. Seu
Discurso sobre a origem da
desigualdade entre os ho-
mens, de 1753, precede sua
obra-prima, o Contrato So-
cial, de 1762, que ajudou a
imortalizar sua obra – a de um
dos maiores pensadores do sé-
culo do Iluminismo que mudou
a história da Humanidade.
27
V – Um Caminho Intrigante: da Sociologia
à Ciência Política
Ao fim da primeira guerra mundial, as con-
cepções sobre a Política tinham se ampliado consi-
deravelmente. A Sociologia política, a que Mosca,
Pareto e Michels tinham dado enorme contribui-
ção, tratava dos fenômenos políticos, sob o as-
pecto social. A Economia política, até bem de-
pois da segunda guerra mundial, incluída no
currículo obrigatório das Faculdades de Direito,
estudava o Estado como agente econômico e como
regulador do mercado. O Direito político, expres-
são ainda corrente na Europa, mas que não pros-
perou no Brasil, já que aqui é considerado na clas-
sificação mais ampla de Direito Público, estudava
as instituições e as relações públicas, sob o ponto
de vista jurídico. Como se não bastassem todas
essas formas de adjetivar como “políticas” outras
atividades e ramos do conhecimento, ainda tínha-
mos, a História política que, até Capistrano de
Abreu, foi, entre nós, o enfoque predominante da
História nacional, a Filosofia política que tratava
da evolução e da interpretação do pensamento
político e a Geografia política que cuida da divi-
são administrativa dos diferentes países, além das
relações entre o Estado e sua organização
territorial.
Todas essas questões começaram a ser
levantadas num período em que a própria Ciência
política não tinha encontrado definição clara, ob-
jetivos explícitos e caminhos metodológicos ade-
quados e continuava considerada parte integrante
da Filosofia política. Obras em que a expressão
política aparece no título mas não encontram
desdobramento e sistematizaçãono texto, foram
várias, como a Ciência política de Ivan Golovine,
publicada em 1844, o Tratado de política e de
ciência social de P.J.Buchez, considerado discípu-
lo de Saint-Simon, de 1885, A política: princípios,
críticas, reformas, de Theodor Funck-Bretano,
ADAM SMITH (* 5/6/1723,
Kirkcaldy, Escócia –
† 17/7/1790, Edinburgo)
Filósofo, político e eco-
nomista escocês, considera-
do o pai da Economia mo-
derna, por sua magistral obra
A riqueza das Nações, cujo
título completo é: Um inqué-
rito sobre a natureza e as
causas da riqueza das na-
ções, publicada em 1776.
Freqüentou as Universidades
de Glasgow (1737/40) e
Oxford (1740/46) e comple-
tou os estudos em Edinburgo.
Na de Glasgow, ensinou Ló-
gica, Moral, Ética, Jurispru-
dência e Política, publica Teo-
ria dos Sentimentos Morais,
em 1759. Em 1778, depois
de passar dez anos isolado na
terra natal, foi nomeado co-
missário das alfândegas de
Edinburgo e em 1787, reitor
de Glasgow. Fundou os estu-
dos clássicos da Economia,
prevendo um futuro otimis-
ta, em contraste com as pre-
dições pessimistas de Malthus
e de Ricardo. Contrapondo-
se aos fisiocratas que, como
Turgot e Quesnay punham
toda ênfase na atividade agrí-
cola, defendeu o papel da di-
visão do trabalho e defendeu
em sua obra o desmonte dos
controles mercantilistas que
tinham influenciado todo o
pensamento econômico nos
séculos anteriores. Sua obra
revolucionário é o melhor
exemplo da influência do
pensamento liberal do
Iluminismo do século em que
ele viveu.
28
de 1892 e A Política, de Charles Benoist, de 1894. No
Brasil, mesmo, como expoente da corrente positivista
de Augusto Comte, que teve claro protagonismo políti-
co no início da Republica, Alberto Sales é autor de
Sciencia política, livro publicado em 1891, que segu-
ramente pode ser inserido nesse movimento que se pro-
cessou na França, no fim do séc. XIX.
Como a Sociologia em geral ganhou enorme
repercussão, depois das obras fundamentais de Max
Weber, como A ética protestante e o espírito do ca-
pitalismo e sobretudo o texto monumental que é Eco-
nomia e Sociedade, que o consagrou como o pai da
Sociologia contemporânea, essencial para os estudos
sob as formas de dominação e as demais instituições
políticas, foi ficando cada vez mais claro, que em vez
de ser dominada por essa ou aquela especialidade, a
Política estava, cada vez mais, penetrando em todas as
categorias do conhecimento humano. Já não eram mais
somente a Filosofia política, a Sociologia política, a Eco-
nomia política, a História política, a Geografia política
ou o Direito político que sofriam a influência decisiva
da Política. Esse movimento que se espraiava por tan-
tas especialidades, estava mostrando como o âmbito
da Política, abrangente e complexo como é, terminava
permeando e influenciando todos os estudos das ciên-
cias sociais e das demais ciências sociais aplicadas,
como o Direito e a Economia.
Na Europa, depois da Sociologia, foi o Di-
reito que terminou decisivamente influenciado pela
Política, levando-a a abrigar-se nas Faculdades de
Direito. Um movimento diverso se verificou nos
Estados Unidos, onde, desde o fim do séc. XIX,
um grande número de Universidades já tinha ins-
talado e vinha mantendo em seus cursos cátedras
de Governo, o que favoreceu o surgimento na área
acadêmica de cursos de Ciência Política. A su-
cessão de duas guerras mundiais na primeira meta-
KANT (* 22/4/1724, Könis-
berg*, Prússia – † 12/2/1804)
Filósofo alemão cuja obra
compreensiva e sistemática
na teoria do conhecimento,
na Ética e na Estética influ-
enciou enormemente toda a
filosofia posterior especial-
mente das várias escolas do
Kantianismo e do Idealismo.
De família pobre, freqüentou
o Collegium Fredericianum de
1732 a 1740 e a partir desse
último ano a Universidade de
Könisberg, doutorando-se em
1746. Em 1755 foi designa-
do livre docente na mesma
universidade em que se dou-
torou, lá ensinando durante
40 anos a maior parte das dis-
ciplinas filosóficas, além de
Matemática, Física, Geogra-
fia e Antropologia em cursos
que sempre entusiasmaram os
ouvintes. Foi simpatizante da
revolução americana e da
francesa, em seu início, por-
que em sua opinião a ordem
era preferível a qualquer for-
ma de violência. Suas obras
foram escritas ao longo de
quase meio século e sua dou-
trina é um conjunto comple-
to e sistemático de indagações
e respostas sobre o comple-
xo mundo do conhecimento.
O seu livro mais conhecido é
a Crítica da razão pura, mas
sua extraordinária contribui-
ção à história do pensamen-
to e à Filosofia, não pode ser
julgada nem aferida por uma
só obra, por mais genial que
seja, como é o caso dessa ver-
dadeira obra prima da Filoso-
fia do Iluminismo.
* Atual Kaliningrado, na Rússia.
29
de do séc. XX, o fracasso da antiga Liga das Na-
ções na solução pacífica dos conflitos internacio-
nais que se agravaram, a luta ideológica que se
acentuou depois da revolução de outubro na anti-
ga Rússia, inaugurando um novo sistema político
apenas 69 anos depois da divulgação do Mani-
festo Comunista de Marx e Engels, em 1848 e a
radicalização decorrente da emergência do nazi-
fascismo na Europa, com todas as suas brutais
conseqüências, foram motivos mais do que suficien-
tes para que, depois da fundação da ONU, a Po-
lítica e sobretudo a Política internacional tomas-
sem o centro das preocupações intelectuais do
mundo civilizado.
A França, como em outros movimentos in-
telectuais, teve papel decisivo nesse novo movi-
mento. Em 1945, o prof. Maurice Duverger, que
viria a se tornar um dos pioneiros da ciência polí-
tica francesa, publicou seu primeiro curso de di-
reito constitucional. Três anos depois, lançou a
segunda edição que, sem grandes modificações,
ele resolveu intitular Manual de Direito Consti-
tucional e de Ciência Política. Nesse mesmo
ano, por sinal o do centenário do Manifesto Co-
munista, a Unesco convocou um colóquio em
Paris, cidade onde ainda hoje tem a sua sede, para
tentar, com a participação de vários especialistas,
definir o campo de atuação da Ciência Política,
depois de superada a discussão em que se empe-
nharam alguns autores, sobre a denominação que
se deveria dar a essa especialidade, ora chaman-
do-a de Politologia, a ciência da política, ora de
Estatologia, a ciência do Estado. Ambas as cor-
rentes pareciam ter razão, desde que a questão
fosse examinada sob o ângulo estritamente cientí-
fico. É o que, segundo Marcel Prélot7 , faltava ocor-
rer, quando se declarou a ciência política “impos-
7
 PRÉLOT, Marcel. A Ciência Política. São Paulo, Difel, 1964.
EDMUND BURKE (* 12/1/
1729, Dublin, Irlanda –
† 9/7/1797, Beaconsfield,
Ingl.)
Estadista, parlamentar, bri-
lhante orador e proeminente
pensador político, desempenhou
um relevante papel na vida pú-
blica inglesa entre 1765 e 1795,
além de ter dado importante
contribuição à história da teoria
política, ao defender, num dis-
curso famoso, distribuído a seus
eleitores de Bristol, sob a forma
de circular, a autonomia dos
mandatos parlamentares. Nos
séculos anteriores, e na maior
parte do séc. XVIII os mandatos
desempenhados pelos parlamen-
tares eram do tipo “imperativo”,
isto é, semelhante aos manda-
tos que os advogados recebem de
seus clientes para cumprir a sua
vontade na defesa dos seus inte-
resses. Ao defender o chamado
“fiduciário” em que o represen-
tante deve atender ao interesse
de toda a nação e não o de seus
eleitores, Burke proporcionou
tal revolução, que até este sécu-
lo, grande parte das Constituições
dos países europeus proíbem ex-
pressamente o mandato impe-
rativo. Apesar de sua tese re-
volucionária, ele liderou o
pensamento conservador em
sua época, com seu livro Re-
flexões sobre a revolução em
França, texto em que expri-
miu com virulência sua oposi-
ção ao jacobinismo. Sua ferre-
nha oposição ao primeiro
ministro inglês Pitt o levou a
perder apoio político com que
contava para ocupar seu lugar
no Parlamento.
30
sível de ser encontrada”, por ter sido “farejada
em toda a parte onde não estava”. As contribui-
ções de Jean Dabin e da Escola de Lovaina, na
Bélgica,foram cruciais, quando o primeiro recor-
dou que “não poderia haver aí nenhuma dúvida: a
ciência política é e não pode deixar de ser senão a
ciência do Estado... e de tudo quanto diz respeito
ao Estado. Tal era o objeto da política na Antigüi-
dade (...) Não há motivo para que, desde Platão,
Aristóteles e Cícero, o objeto dessa ciência tenha
desaparecido”. Para ele, ainda segundo Prélot,
aqui invocado, a ciência política possui um objeto
específico perfeitamente distinto, a saber – res
política – “(...) todas as realidades, noções e va-
lores que a coisa política implica, relação política,
grupos políticos, poder político, instituições políti-
cas, partidos políticos, acontecimentos políticos,
idéias políticas, forças políticas, vida política, re-
voluções políticas”.
O colóquio reunido em Paris, de acordo
com o testemunho insuspeito do francês Marcel
Prélot, “foi dominado pelo empirismo anglo-saxão”
e “ao invés de procurar definir a priori a ciência
política, houve um esforço no sentido de recensear
aquilo pelo que, na realidade, se interessavam as
instituições e os homens devotados à sua pesqui-
sa ou ao seu ensino”. Assim, de comum acordo,
estabeleceram-se quatro rubricas fundamentais,
abrangendo as respectivas áreas abaixo indicadas:
1o) A teoria política:
a) Teoria política;
b) História das idéias.
2o) As instituições políticas:
a) A Constituição;
b) O governo central;
c) O governo regional e local;
d) A administração pública;
e) As funções econômicas e sociais do
governo;
THOMAS PAINE (* 29/1/
1737, Norfolk, Ingl. – † 8/6/
1809, New York, USA)
Político e escritor anglo-
americano, cujas obras O senso
comum e A crise tiveram gran-
de importância na Revolução
americana. Seu pai pertencia à
seita “quaker” e sua mãe era
anglicana. Depois de uma ju-
ventude conturbada, chegou
aos Estados Unidos em 1774 e
dois anos depois publicou o
ensaio que tanto influenciou o
curso da política americana,
alistando-se no exército revo-
lucionário. Regressou à Ingla-
terra onde se indispôs com o
primeiro ministro Pitt, publi-
cando Os direitos do homem,
uma candente defesa da Revo-
lução francesa e dos princípios
republicanos, que lhe valeu o
exílio. Desempenhou um pa-
pel ativo na Convenção, duran-
te a revolução, sendo preso du-
rante o “Terror”, por ter
tentado salvar a vida de Luís
XVI. Na prisão, concluiu o es-
tudo de filosofia teísta A idade
da razão, apontando o lugar da
religião na sociedade. Liberta-
do dois anos depois, publicou
Declínio e queda do Sistema
inglês de finanças. Regressou
em 1802 aos Estados Unidos,
onde sua popularidade tinha
sido profundamente afetada,
em razão da carta que em 1796
endereçou a Washington, ata-
cando sua reputação como mi-
litar e político. Seu obituário,
num jornal novaiorquino assi-
nalou que “viveu muito tem-
po, fez algumas coisas boas e
várias muito más”.
31
f) As instituições políticas comparadas.
3o) Partidos, grupos e opinião pública:
a) Os partidos políticos;
b) Os grupos e as associações;
c) A participação do cidadão no governo e
na administração;
d) A opinião pública.
4o) As relações internacionais:
a) A política internacional;
b) A política e a organização internacional;
c) O direito internacional.
Com o estabelecimento dos campos de in-
teresse e de atuação da Ciência Política, listados
com um amplo e irrestrito consenso de todos os
participantes do Colóquio de Paris promovido pela
Unesco, evitou-se cair no atoleiro das definições.
A cabível é aquela capaz de abranger todos os cam-
pos em que necessariamente deve atuar a Ciência,
dele extraindo, pela observação, as hipóteses, teo-
rias e teses que hoje, mais de meio século depois
dessa iniciativa, constituem já um formidável acer-
vo de informações que nos permitem compreender
melhor não só o mundo complexo e desafiador da
vida pública, mas também os mecanismos que a
movem.
Esse importante passo para delimitar os
contornos da Ciência Política foi seguido da fun-
dação, também em Paris, em 1949, da Associa-
ção Internacional de Ciência Política, conhecida
por sua sigla em inglês IPSA (International
Political-Science Association) que a cada três anos
realiza seu Congresso, procurando mostrar que
este ramo de atividades e do conhecimento hu-
mano, caminha hoje por uma larga avenida que,
nem por isso, deixou de ser um caminho provo-
cante: a parcela do mundo da Política que ainda
nos resta por descobrir.
HEGEL (* 27/8/1770, Stutt-
gart, Alemanha – † 14/11/
1831, Berlim)
Georg Wilhelm Friedrich
Hegel, filósofo alemão que de-
senvolveu o esquema dialético
segundo o qual o progresso das
idéias e da história parte de uma
tese que, confrontada com sua
antítese, produz a síntese, con-
tendo elementos tanto da tese
quanto da antítese, superando
assim a suposição de que um sis-
tema substitui outro completa-
mente diferente. Hegel viveu
numa época influenciada pelo
pensamento de Kant e, embo-
ra se possa admitir que isto
também tenha ocorrido com
ele, é considerado o último ar-
quiteto dos grandes esquemas fi-
losóficos dos tempos moder-
nos. Forma com Friedrich
Schelling e Fitche, a grande
tríade do Idealismo que termi-
nou tendo enorme significação
nas idéias que alimentaram outros
filósofos, como o existen-
cialista dinamarquês Soren
Kierkgaard, os marxistas vol-
tados para a pregação social e
os positivistas da escola de
Viena, entre tantos outros pen-
sadores modernos e contem-
porâneos. Sua obra é monu-
mental e continua até hoje a
influenciar a história das idéias,
sobretudo por algumas delas,
como a Fenomenologia do
espírito, a Filosofia do Direito,
Filosofia da História e Filosofia
da Religião. Sua influência na
história da filosofia pode ser
avaliada pela existência, até
hoje, de um pensamento
“hegeliano”.
32
VI – Um caminho provocante:
O mundo ainda por descobrir
A Ciência política, por fim emancipada da
Sociologia, do Direito e das teorias que antecede-
ram o reconhecimento de sua autonomia come-
çou, nos anos 50, a percorrer um longo caminho
que nos leva, necessariamente, à parcela da Polí-
tica que ainda nos falta desvendar. Em sua 5a
Conferência geral, realizada em maio e junho de
1950, a organização da ONU para a ciência, a
educação e a cultura, resolveu “empreender em
alguns países investigações sobre os tipos de cur-
sos e métodos de ensino no domínio das ciências
sociais”. Para dar curso a essa decisão, uma in-
vestigação foi realizada em 1951 e 1952 por cinco
organizações internacionais não governamentais,
em colaboração com a Unesco. Os recursos dis-
poníveis limitavam a oito o número de países ofi-
cialmente designados como campo de observação
sobre o ensino das ciências sociais. Entretanto,
cada associação foi convidada a completar o tra-
balho, procurando, se lhe parecesse útil, obter re-
latórios oriundos de outros países.
Com base nesses relatórios nacionais, fo-
ram redigidos cinco outros sobre o conjunto dos
países examinados, destinados à coleção O En-
sino das Ciências Sociais. O relativo ao ensino
da Ciência Política, realizado a convite da Asso-
ciação Internacional de Ciência Política foi ela-
borado pelo prof. William A. Robson, da “London
School of Economics and Political Science”, ain-
da hoje uma das mais prestigiosas nessa área,
com base nos documentos relativos ao Egito,
Estados Unidos, França, Índia, México, Polônia,
Reino Unido, Suécia e relatórios adicionais do
Canadá, Alemanha, Grécia e Iugoslávia. Foi pre-
cedido de um encontro realizado em Cambridge,
de 6 a 10 de abril de 1952 e publicado em março
de 1955.
TOCQUEVILLE (* 29/7/
1805, Paris – † 16/4/1859,
Cannes)
Conde Aléxis Charles
Henri Maurice Cléret de
Tocqueville, considerado por
alguns um pioneiro da ciência
política no séc. XIX, por ter
sido o primeiro escritor a se
utilizar de bases empíricas na
análise de um sistema políti-
co, foi também historiador, co-
nhecido por sua obra A demo-
cracia na América. Publicada
em quatro volumes entre 1835
e 1840, é, até hoje, a melhor
descrição do sistema político
e social dos Estados Unidos
produzido naquela época. Foi
juiz-auditor em Versailles em
1827, encarregado

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