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1 POLÍTICA AO ALCANCE DE TODOS Brasília – 2004 UNIDADE I: POLÍTICA E CIÊNCIA POLÍTICA SENADO FEDERAL Senador GERALDO MESQUITA JÚNIOR 2 Reprodução livre desde que citada a fonte. Mesquita Júnior, Geraldo. Política e Ciência política / Geraldo Mesquita Júnior. – Brasília : Senado Federal, 2004. 40 p. – (Política ao alcance de todos ; 1) 1. Ciência política, história. 2. Filosofia política. 3. Sociologia política. I. Título. II. Série. CDD 320 Endereços para contato com o gabinete do Senador Geraldo Mesquita Júnior: Em Rio Branco – AC: Rua Copacabana, no 148, Bairro Vila Ivonete CEP 69914-380, Tels.: (68) 244-1260 e 244-1994 Em Brasília – DF: Senado Federal, Gabinete no 12 CEP 70165-900, Tel.: (61) 311-1078, Fax: (61) 311-3029 Correio eletrônico: geraldo.mesquita@senador.gov.br 3 SUMÁRIO Pág. Apresentação – Caminhos: Tortuosos ou virtuosos ................................... I – O fascinante mundo dos gregos ......................................................... II – O instigante mundo da filosofia ......................................................... III – O fascinante e instigante mundo da política ....................................... IV – Um salto estimulante: da teoria à sociologia ...................................... V – Um caminho intrigante: da sociologia à ciência política ........................ VI – Um caminho provocante: o mundo ainda por descobrir ...................... 5 7 11 15 21 27 32 4 5 CAMINHOS: TORTUOSOS OU VIRTUOSOS A política está no centro de nossas vidas. Nem sempre percebemos como ela nos influencia, nos impõe regras e controla nosso comportamento, obrigando-nos a fazer coisas que não desejamos ou aceitar condutas com as quais não concordamos. Sem que possamos notar, ela nos impõe o mundo em que vivemos e aquele em que serão obrigados a viver nossos filhos. Estabele- cerá se desfrutaremos de uma ordem social justa ou se teremos que suportar a injustiça que convive conosco e está ao nosso lado todos os dias, afrontando nossos sentimentos. Dirá se nossos filhos terão maiores ou piores oportunida- des de vida. Com as dificuldades que todos os dias temos de enfrentar e ven- cer, nem sempre nos damos conta de que, apesar de tudo, a política depende sobretudo de nós. Se nos conformamos, se fingimos ignorá-la e aceitamos passivamente suas regras, tudo continuará como está. Só há uma forma de mudá-la, de influenciá-la e, o que é mais importante, de transformá-la para, por meio dela, mudarmos o mundo que herdamos. Esse caminho chama-se participação. Para mudar a política, temos de participar dela, de todas as formas possíveis. Mas só podemos participar, conhecendo como ela funciona, quais os seus mecanis- mos e como podemos influenciá-la. Este curso, aberto a todos, sem exigências, matrículas, exames ou vestibular, é um convite para que você se junte a nós e também participe desse esforço para mudar a política em nosso País, transformando-a em um instru- mento de progresso, prosperidade e igualdade para todos. Com estes pequenos textos, esperamos que você também participe da luta que muitos brasileiros empreendem todos os dias, muitas vezes de forma anônima, não para explicar, entender ou percorrer os caminhos tortuosos da política, que alguns preferem trilhar. O que desejamos é mostrar os caminhos virtuosos que ela pode signifi- car para todos nós, se formos capazes de unirmos nossos esforços aos muitos que, ao longo de séculos, desde os tempos imemoriais, vêm participando desta luta, utilizando-a como um meio de aperfeiçoarmos o país desigual e injusto em que nos toca viver. 6 Se você está disposto a participar deste esforço, leve-a a seus amigos e conhecidos, divulgue-a entre os que possam se interessar por ela e explique, você mesmo, como pedir e receber, gratuitamente, essas despretensiosas lições cujo objetivo é, como indica o seu título, colocar a política ao alcance de todos. Brasília, janeiro de 2004. Geraldo Mesquita Júnior 7 I – O Fascinante Mundo dos Gregos De Filosofia, todos nós já ouvimos falar. Para que serve, qual a sua utilidade e sua finalidade, qua- se nunca paramos para pensar. Pois esta é a princi- pal finalidade da Filosofia. Ela nos ensina e nos obri- ga a pensar. Se você procurar essa palavra nos dicionários, vai encontrar muitas definições e algu- mas explicações. Vai saber, por exemplo, que é de origem grega e significa amigo (philos) do saber ou da sabedoria (sophós). Nem sempre foi assim. No grego antigo, a palavra “sophós” queria dizer sábio. Depois, como muitos se passavam por sábios sem o serem, o vocábulo passou a significar também im- postor. Segundo explica o filólogo (outra palavra gre- ga: amigo da erudição, dos discursos, das letras) e dicionarista Antenor Nascentes, em seu Dicioná- rio etimológico da língua portuguesa1 , foi o filó- sofo Pitágoras* quem, achando a designação pre- tensiosa, e para fugir a seu significado negativo, preferiu substituí-la por sua forma atual, de amigo do saber ou da sabedoria, em vez de sábio. Foi as- sim que surgiu a palavra Filosofia e passaram a de- signar-se filósofos os que a ela se dedicam. O simples ato de pensar não significa que estamos filosofando. Filosofar, portanto, é uma for- ma específica, diferente de pensar. Quando busca- mos a explicação das coisas, indo às suas origens, e dessa forma de pensar chegamos a uma conclusão a que outros também chegariam a partir do mesmo raciocínio, aí sim, estamos raciocinando filosofica- mente, ou, em outras palavras, filosofando. O filóso- fo é, assim, aquele que busca as verdades univer- sais, a razão das coisas. Um bom exemplo é quando tentamos explicar e entender o fundamento das pa- lavras, dos conceitos e dos princípios que são uni- versais. A palavra e o conceito de “justo” servem para isso. O que é justo ou o que significa “ser justo”? 1 NASCENTES, Antenor. Dicionário etimológico da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro, Livraria Francisco Alves, 1932 PITÁGORAS (* ca. 580 a.C. em Samos † ca. 500 a.C., Metaponto) Filósofo e matemático grego, fundador da irmandade pitagórica que, embora de cunho religioso, formulou os princípios que influenciaram o pensamento de Platão e Aristóteles e contribuíram para o desenvolvimento da matemática e da filosofia racionalista no mundo oci- dental. Pitágoras emigrou para o sudeste da Itália, cer- ca de 532 a.C., provavelmen- te para escapar do governo tirânico de Samos, onde nas- ceu e estabeleceu sua academia onde professava Ética e Po- lítica em Cróton (atual Cro- tona). Hoje é difícil distinguir os ensinamentos de Pitágoras dos de seus discípulos. Ne- nhum de seus escritos chegou até nós e seus seguidores sem- pre sustentaram suas doutri- nas apoiando-se na autorida- de do mestre. Credita-se a ele a teoria da significância fun- cional dos números, aplicá- vel tanto ao mundo objetivo quanto à música. Entre inúmeras outras descobertas atribuídas a ele incluem-se o teorema dos triângulos retângulos que, muito provavelmente foi de- senvolvido por seus seguido- res. A maior parte da tradição intelectual pitagórica perten- ce mais ao campo místico do que efetivamente à tradição acadêmica. 8 Poderíamos responder: É tudo o que tem a ver com justiça. E aí voltamos à razão inicial. E o que é justi- ça? Poderíamos responder: é tudo o que diz respeito a ser justo. Essa forma de pensar e tentar responder a uma questão universal voltando sempre ao mesmo ponto chama-se sofisma, (sóphisma) outra palavra de origem grega que significa sutileza. Sofisma era essa forma de tentar resolver as questões com um jogo de palavras que não explicavam a resposta que se buscava. O uso desse recurso se disseminou entre alguns filósofos que passaram a se chamar “sofistas”, adeptos dessa escola que se exercita- vam sustentando o pró e o contra em toda sorte de questões. Assim como inventaram uma nova forma de pensar, investigar e especular, de que nasceu a Filo- sofia, os gregos também criaram inúmeras outras palavras que representam, até hoje, instituições tão importantes quando Política,Governo, Democracia, Anarquia, Monarquia. Algumas dessas palavras, man- têm seu significado original até hoje. É o caso, por exemplo, de Monarquia termo derivado da palavra monarca (monárches), aquele que governa sozinho, donde monarquia passou a significar governo de um só. Não é o caso de outras, como Democracia. Juntando duas palavras, demos que significa povo e krat, raiz de krátos, que significa força, criaram a palavra demokratía, força ou governo do povo. A democra- cia grega, porém, era um conceito diferente do que temos hoje a respeito de governos democráticos. Ne- nhuma democracia contemporânea admite a escravi- dão. Em Atenas, até as reformas de Clístenes*, os próprios atenienses que não podiam saldar suas dívi- das tornavam-se escravos dos seus credores. E mes- mo depois dessas reformas, admitia-se a escravidão sob vários aspectos e condições. Era, portanto, uma forma de governar em que os cidadãos decidiam na ekklesia (assembléia, palavra que em português ge- rou igreja). Mas não era, como hoje entendemos, a assembléia de todos os cidadãos, sem exceções. CLÍSTENES (* ca. 570 a.C. † 508 a.C.) Estadista considerado o fundador da democracia ate- niense, pelas reformas que em- preendeu como Arconte, a mais alta magistratura da cidade, en- tre 525 e 524 a.C. Entre suas inovações, aumentou das três tradicionais calcadas na condi- ção de família, para dez, o nú- mero de tribos de Atenas ten- do cada uma direito a 50 representantes, sem distinção de origem dos cidadãos, o que aumentou o número de parti- cipantes da Eclésia, a assem- bléia popular, para 500 mem- bros, democratizando suas deci- sões. Clístenes pertencia à in- fluente família dos Alcmeô- nidas, que padeceram do exí- lio, voltando porém a Atenas vinte anos depois, quando seu aliado, o legislador Sólon, foi chamado para evitar a guerra civil no ano de 594. Eleito Arconte, depois da derrota de Iságoras, que tinha sido pro- clamado tirano, Clístenes impôs, com suas reformas, o princí- pio de que todos teriam igual direito à representação, insti- tuindo o conceito hoje conheci- do como isonomia (isso=igual + nomos = regra, lei), criado por Sólon para pôr fim ao pre- domínio dos descendentes de famílias Jônicas. Embora não haja comprovação, atribui-se a Clístenes, entre outras, a do os- tracismo (ostrakimós), porque os votos em Atenas eram es- critos sobre cascas de ostras revestidas de cera. - - - 9 Quando começamos a penetrar nesse mun- do fantástico dos gregos especialmente da época glo- riosa de Péricles* (séc. V a.C.) é que podemos nos dar conta da importância da cultura grega para todo o mundo ocidental. E a primeira indagação que nos ocorre é a seguinte: se os gregos inventaram a Filo- sofia, a Política e as próprias instituições políticas, isto significa que não havia nem uma nem outra ati- vidade dessa natureza antes deles? Evidentemente não. E isso é que distingue a civilização grega das que a antecederam, algumas com duração de mui- tos e muitos séculos, como o caso da civilização egíp- cia que remonta a mais de 4.000 anos antes de Cris- to. Se não havia política, certamente não havia governo, conceito também criado pelos gregos. E a resposta pode ser surpreendente. Antes, havia po- der, mas não governo. E o poder que prevalecia en- tre os egípcios, como na civilização mesopotâmica ou no vale do Indus era sobretudo o poder religioso, divino, em que os sacerdotes tinham um papel im- portante, pois eram parte dessa poderosa estrutura que dirigia seus povos, sem limitações, dada a ori- gem divina do poder. Tanto que os gregos criaram uma palavra para essa forma de poder, formada de dois vocábulos, théos, deus, significando classe sa- cerdotal e kratéia, de krátos, força, poder, que deu em português, Teocracia, governo do deus ou dos deuses. A primeira grande conquista da civilização helênica (Hélade era o nome da Grécia antiga) foi exatamente saber separar o poder dos homens do poder dos deuses. E isto implica outra indagação. O que levou os helenos, habitantes da antiga Hélade, a essa conquista? Uma das razões pode ser encontra- da na própria religião dos gregos, a primeira antropomórfica, palavra grega que significa com for- ma humana (ánthropos = homem + morphe = for- ma). Ao contrário dos demais povos, que adoravam animais ou formas híbridas de animais e humanos, como a esfinge egípcia que guarda as grandes pirâ- PÉRICLES (* ca. 495 a.C., Atenas † 429 a.C., Atenas) Estadista, político e orador, liderou, ao lado de Efialtes, a luta contra o Aerópago, cuja autoridade vinha sendo ques- tionada desde as guerras medo- persas. Com o ostracismo de Cimon, seu adversário, filho de Milcíades assumiu o poder que se tornou absoluto com a mor- te de seu aliado Efialtes, em 461. Fez de Atenas a capital de um império, e tornou-se ami- go de Ésquilo, de Sófocles, de Anaxágoras e de Fídias, a quem entregou a reconstrução da Acrópole, iniciada em 447. O esplendor que deu à sua cidade, levou sua época a ser conheci- da como o “século de Péricles”. Suas iniciativas tornaram-se possíveis, inclusive a proteção que dispensou às letras e artes, graças à prosperidade econômi- ca proporcionada pela liga de Delos, liderada por Atenas. Com a guerra do Peloponeso, que, iniciada em 431 a.C. vai durar 27 anos, chega ao fim a vida gloriosa de Péricles, vi- timado pela peste que asso- lou Atenas logo no 2o ano do conflito. É convicção generalizada que, se tivesse sobrevivido mais alguns anos, a derrocada de Ate- nas, ocorrida com a expedição contra a Sicília, em 415, não teria ocorrido, pois a prudên- cia que ele tinha revelado em vida, teria evitado a aventura que pôs fim ao predomínio de Atenas, no século a que Péricles emprestou o seu nome. - - 10 mides de Gizé, no Egito, os deuses e deusas gregas tinham formas, virtudes e defeitos, como os seres humanos, pois eram concebidos exatamente à se- melhança de homens e mulheres. Essa concepção autônoma do poder dos homens em relação ao poder dos deuses implicou num enorme passo da evolução humana e permitiu separar a política da religião. HOMERO (viveu entre os séc. IX e VIII a.C. na Jônia, atualmente na Turquia) É o presumível autor da Ilíada e da Odisséia. Embora seu nome esteja ligado a essas duas festejadas obras literárias dos tempos iniciais da Grécia antiga, muito pouco se conhe- ce de sua vida, a não ser por conjecturas. Além de sabermos que houve um poeta épico chamado Homero o que pare- ce ser algo indiscutível, assim como ter sido ele o autor da primeira parte dos dois poe- mas, tudo o mais é obscuro em relação ao que pode ter sido o autor de uma das maiores obras literárias de todos os tempos. Considerado como uma das maiores influências da educa- ção e da cultura gregas, per- mitiu a sobrevivência do esti- lo entre os romanos, por ter inspirado a Eneida do poeta romano Virgílio, fazendo-o re- percutir durante séculos na cul- tura bizantina e até mesmo no período da Renascença na Itá- lia. Desde então, suas várias traduções em diversas línguas transformaram os dois poe- mas numa das mais importan- tes tradições da cultura clássi- ca de todos os tempos. Devido a seu impacto na cultura helê- nica, os gregos encaram as duas obras como mais do que uma obra literária, símbolo da uni- dade cultural de sua civilização e de seu heroísmo. A vêem, também, como fonte de ensinamentos morais e de edu- cação prática. 11 II – O Instigante Mundo da Filosofia Segundo ensinam Leo Strauss e Joseph Cropsey, em sua História da Filosofia Política2, os primeiros filósofos eram designados por Aristóteles como “aqueles que discorrem sobre a natureza”, classificação que os distinguia “daque- les que discorrem sobre os deuses”. Isto indica, em primeiro lugar, que a natureza e seus fenôme- nos eram investigados pelos gregos, não como manifestação ou emanação dos deuses, mas como fenômenos naturais. E em segundo lugar, que não havia limites para a especulação, já que os próprios deuses gregos eram objeto de especulação e in- dagação dos filósofos, “aqueles que discorrem sobre os deuses”. Mas o queeles entendiam por “natureza”? O primeiro grego cuja obra monumental chegou até nós, Homero*, só menciona a palavra natureza uma vez em toda a sua Odisséia. E é esta única indica- ção que, de acordo com os autores da obra acima indicada, nos permite compreender o que os gre- gos entendiam por natureza. “No segundo livro da Odisséia, dizem eles, Ulisses* conta o que ocorreu quando chegou na ilha da feiticeira Circe*. A deusa tinha transformado um gran- de número de seus companheiros em porcos, encer- rando-os nas pocilgas. No caminho da morada de Circe, a fim de prestar socorro a seus companheiros, Ulisses encontrou o deus Hermes* que queria protegê-lo. Ele deu a Ulisses uma erva maravilhosa que deveria livrá- lo dos malefícios de Circéia. Hermes ‘arrancou uma erva da terra e me mostrou sua natureza. Ela era negra na raiz, e sua flor branca como o leite e os deuses a chamam moly. Ela é difícil de ser arran- cada pelos homens, mas os deuses podem tudo’, escreveu Homero. Entretanto, a capacidade dos deuses de arrancá-la facilmente não seria de nenhu- ma utilidade se eles não conhecessem de antemão 2 STRAUSS, Leo e CROSPEY, Joseph. Histoire de la Philosophie Politique, tradução francesa de History of Political Philosophy, Paris, Presses Universitaires de France, 1994. ULISSES Herói mitológico grego, rei de Ítaca, filho de Laertes ou de Sísifo, marido de Pe- nélope e pai de Telêmaco. Figura do poema homérico Ilíada, em que se destaca por sua diplomacia, é o herói da Odisséia, que dele deriva o seu nome e que tem como assunto principal seus erros desde o regresso a Tróia e os desafios que foi obrigado a vencer para recuperar os seus direitos em Ítaca. Os dois epítetos com os quais é de- signado significam, respecti- vamente, “o dos mil artifí- cios” e “aquele que muito sofreu”, para designar os es- tratagemas e artimanhas obrigado a empregar para su- perar os desafios a que foi submetido pelos deuses para recuperar o trono. Esses epítetos procuram significar as qualidades que o caracteri- zam como personagem do poema, tal como na Ilíada. Sabe-se por referência indi- reta que na Telegonia, um dos poemas perdidos dos épicos de Homero, o herói da inte- ligência e da astúcia que Ulisses caracterizado em Ulisses se transforma num aventureiro sem escrúpulos que aparece caricaturado em muitas das tragédias gregas. Ulisses tem inspirado inúme- ros autores, como é o caso do irlandês James Joyce, com o romance que leva o seu nome e do grego Nikos Kazantzakis. 12 a natureza da erva – isto é, sua aparência e seus poderes”. A conclusão que se tira é que os deuses são todo-poderosos, não porque sejam de fato oniscientes, mas sim porque conhecem a natureza, das coisas. A natureza significava para os filósofos as qualidades, as características de uma coisa ou de um gênero de coisas, isto é, a capacidade que essas coisas têm de produzir resultados, o que significa que, para os gregos, a natureza, ao contrário do que acreditavam os outros povos, não tinha sido feita pelos deuses, da mesma forma que os filósofos gre- gos sabiam não ter sido feitas tampouco pelos ho- mens. Daí a necessidade de investigá-la, para entendê-la e explicá-la. Eles tinham consciência de que cada coisa da natureza tinha sua “maneira” ou seu “costume”, ou seja, a forma de seu comporta- mento. Mas havia uma distinção nas maneiras ou costumes da natureza de um lado e a “convenção” ou a “lei” (nomos) do outro. Assim, as maneiras ou costumes de todas as coisas, inclusive dos homens e dos animais. Os primeiros sabiam falar e os cães, por exemplo, só podiam ladrar, porque isso era de sua natureza. Mas embora todos os povos pudes- sem se exprimir falando, segundo a convenção de todos eles, cada povo falava uma língua diferente. Esta diferença era fundamental para que os filóso- fos pudessem compreender e distinguir o que separa as coisas naturais das coisas convencionais. Falar era natural dos homens, portanto, uma característica de sua natureza. Falar de uma determinada maneira era uma convenção de cada povo. Mas isto levantava outra questão. O costu- me, a convenção e a lei que os gregos chamam nomos eram coisas naturais ou convencionais? Isto implica- va em responder a outra questão paralela: todo direito é convencional, ou existe um direito natural? As duas respostas possíveis foram dadas antes de Sócrates. A opinião de que a lei é produto da convenção, foi sustentada por Platão e a oposta foi sustentada por Sócrates e pela filosofia política clássica. CIRCE Figura mitológica, feiticei- ra filha da ninfa Perseia e de Helios (o sol), irmã de Pasífaa, mulher do rei Minos, e de Eteo, rei da Cólquida, guardiã do velocino (carneiro com pele de ouro). Residia na ilha de Ea, identificada como o promon- tório Monte Circeo, onde Ulisses, depois de suas aventu- ras no país dos Lestrigões, veio aportar com os companheiros, transformados por Circe em porcos, leões e cães. Ajudado por Hermes que lhe deu a plan- ta mágica referida por Homero, Ulisses a obrigou a devolver seus guerreiros à forma huma- na e depois permaneceu supõe- se que um mês ou um ano, num tórrido romance com a feiti- ceira, que lhe deu um filho. Telégono que viria a ser seu involuntário assassino. Depois, Circe ensinou a Ulisses o ca- minho de volta e o deixou partir com os companheiros. Atribuem-se ainda à feiticei- ra, aventuras amorosas com Picos, rei dos latinos, com Júpiter, o deus romano equi- valente a Zeus dos gregos, e com o qual ela teve outro fi- lho, o deus Fauno e com o deus marinho Glauco. Com ciúmes desse amante, apaixonado por Cila, Circe pôs ervas mágicas na fonte onde ela se banhava e a transformou num mons- tro marinho, cujo corpo, da virilha para baixo era compos- to de seis cães horríveis e a parte superior foi mantida com sua beleza original. 13 Se é assim, porque Sócrates foi considera- do o fundador da Filosofia Política? Afinal, ele não escreveu, ao que se saiba, nenhum livro. Sabe-se que ele se desviou do estudo das coisas divinas e naturais e orientou suas indagações para as coisas humanas, isto é, para as coisas justas, as coisas no- bres para o homem e se detinha sempre, como es- creveu Xenofonte* “no que é impiedoso ou ímpio, no que é nobre e no que é vil, no que justo ou injusto, no que é a cidade, no que é o homem político, no que é o governo dos homens e no que é um homem ca- paz de governar os homens”. Quando distinguia a lei dos homens das leis dos deuses ou das leis da natureza, ele procurava mostrar que ela não era ne- cessariamente justa, daí porque só a “idéia” ou a “forma” da justiça seriam perfeitamente justas. Ape- sar disso, a lei humana, a lei da cidade é correta- mente obrigatória para todos os que estão a ela sub- metidos, já que todos que com ela não se conformam têm o direito de emigrar com todos os seus bens. Foi por isso que na obra de Platão, Críton, Apologia de Sócrates3 , no diálogo com Críton, o filósofo, depois de condenado à morte, acusado de difundir idéias subversivas, se recusou a fugir, para ser fiel ao que sempre pregou: a obediência às leis dos homens, ain- da que injustas. Ele é considerado o pai da Filosofia política, “não só porque se desviou do estudo das coisas na- turais, mas porque inaugurou um novo gênero de es- tudo dessas coisas – um gênero no qual, por exem- plo, a idéia da justiça ou do direito natural e, inclusive a natureza da alma humana ou do homem é mais importante que a natureza do sol”4 . Segundo ele, não se pode compreender a natureza do homem, se não se compreende a natureza da sociedade huma- na. Sócrates, como Platão e Aristóteles, supunham que a forma mais perfeita da sociedade humana era a “polis”, cidade. Por isso é que devemos entender 3 CRÍTON/PLATÃO, Apologia de Sócrates. Brasília, Ed. UnB, 1977. 4 Cf. STRAUSS, op. cit. HERMES Deus grego, filho de Zeus e de Maia, nascido numa ca- verna do monte Cilene, na Arcádia. Mostrando sua pre- cocidade, foi no dia do nasci- mento até a Tessália, onde seu irmão Apolo cuidava dos re- banhos de Ádmate. Distraído com seu amante, Himeneu, Apoloesqueceu dos rebanhos que guardava, de onde Hermes roubou várias reses. Depois de subornar um velho, Bato, úni- ca testemunha do crime, le- vou-as e as escondeu na ca- verna em que nascera, onde encontrou uma tartaruga. Ti- rou-lhe as vísceras e pôs no casco cordas feitas com as tri- pas das reses que matara, fa- zendo a primeira lira. Apolo saiu em busca das reses rouba- das e pelo velho Bato soube onde se encontravam. Recla- mou de Maia a façanha do fi- lho que mostrou-lhe o filho recém-nascido e ainda de fral- das no berço. Apolo apelou a Zeus que mandou Hermes de- volver os animais roubados. Ao ouvir os sons que a crian- ça tirava da lira, Apolo pro- pôs trocá-la pelas reses rou- badas. Além da lira Hermes também inventou a flauta que Apolo igualmente propôs trocar pelo cajado de ouro usado para guardar o rebanho e que passou a ser atributo de Hermes, como o caduceu que ele conduz, como o patrono dos comerciantes e dos la- drões e protetor dos via- jantes. 14 que o tema da Filosofia Política clássica não era a cidade-Estado grega, como nós a supomos, mas a cidade-Estado, que os gregos conheciam. Dessa palavra fizeram derivar politikç, a arte de governar a cidade ou o estado, a mais importante de todas as instituições do fascinante mundo que os gregos cria- ram e essencial para compreender o instigante mundo da Filosofia com a qual nos ensinaram a pensar.XENOFONTE (* ca. 560 a.C., em Colophon, na Jônia † ca. 478) Poeta e filósofo grego, seu encontro com Sócrates foi fun- damental em sua formação, pois o magistério do mestre marcou sua personalidade, a ponto de se tornar divulgador de sua obra, porém, sem alcan- çar o brilho de Platão que sou- be melhor exprimir a reno- vadora originalidade dos ensinamentos do genial filó- sofo. Em comparação com Tucídides, autor de História da Guerra do Peloponeso, suas Helênicas, que são dela uma continuação, também não atingem a profundidade do antecessor, muito embora seja um escritor que resiste à passa- gem do tempo, pela atenção que dá aos aspectos morais da conduta humana, à valorização da experiência na narrativa his- tórica e ao caráter prático de sua visão dos problemas polí- ticos e militares, por sua expe- riência pessoal. É considerado o precursor da escola Eleática de filosofia, que acentuou mais a unidade do que a diversidade das coisas e separou a existên- cia aparente delas de sua exis- tência real. Muito provavel- mente foi exilado da Grécia pelos persas que conquistaram Colhopon ca. de 546 a..c e se estabeleceu em Elea no sul da Itália. Os fragmentos e seus poemas refletem a aceitação popular do antropomorfismo de sua época e da mitologia dos poemas homéricos. 15 III – O Fascinante e Instigante Mundo da Política Os filósofos gregos não inventaram só as palavras e os conceitos que, durante séculos, des- vendaram os mistérios dos deuses, da natureza e dos homens, para todo o mundo ocidental, herdeiro de seu formidável legado intelectual. Como vimos, separando a religião da natureza e a natureza do homem e da sociedade humana, foram capazes de criar, em pouco mais de cinco séculos, o mais formi- dável patrimônio cultural dentre todos os povos da Antigüidade clássica. Outros povos, cuja trajetória foi muito mais longa que a civilização helênica, como é o caso da egípcia, da mesopotâmica ou da do vale do Indus, deixaram apreciáveis legados materiais, e vários conhecimentos científicos. A maior parte dos seus acervos materiais eram monumentais homena- gens a seus deuses ou àqueles que, na Terra, supos- tamente os representavam, como é o caso dos tem- plos, das pirâmides e dos zigurates. E a parte mais significativa de seus aportes intelectuais e científi- cos, dizia respeito aos conhecimentos necessários para erigir seus monumentos, ou a descobertas es- senciais à vida, como os calendários e a forma de medir as terras indispensáveis à agricultura, sem a qual não teriam conseguido passar do estágio de nômades e itinerantes à condição de povos seden- tários. Inventaram também as descobertas neces- sárias à perenizar sua história, como as diferentes formas de escrita, até a invenção do alfabeto pelos fenícios. Os gregos fizeram tudo isso e muito mais. Especularam e investigaram livremente, sem medo de seus deuses e sem limites impostos por seus sa- cerdotes ou sua religião. Intelectualmente, foram li- vres como nenhum outro povo. Como todos os po- vos, eram crédulos em relação a muitas coisas e supersticiosos em relação a quase tudo. Mas sua poderosa forma de pensar sistematizou o conheci- mento de seu tempo e abriu novos caminhos para a SÓCRATES (* ca. 470 a.C., Atenas † 399 a.C., Atenas) Sócrates forma, com Platão e Aristóteles, o trio de pensadores que lançou os fundamentos filosóficos da cultura do mundo ocidental. Como escreveu Cícero, o orador, pensador e jurista romano, “ele trouxe a filosofia do céu para a terra”, querendo com isto significar que a fez transitar da natureza especulativa dos cosmo- logistas jônicos e latinos para o caráter e a conduta humanas, dando surgimento a uma original concepção sobre a alma das pessoas. Vivendo durante o caos da guerra do Peloponeso, com a erosão dos valores morais, Sócrates se viu atraído pela dimensão ética da vida, pelo recursos de tentar “conhecer a si mesmo” e pelo esforço de explorar as conotações do procedimento moral, em termos de conduta humana. Ele nasceu dez anos depois da batalha de Salamina, e seu pai, Sphroniscus, era amigo da família de Aristides, o Justo, fundador da Liga Delia, da qual nasceu o império. A suposição de que o pai era escultor decorre da referência que Platão faz ao mítico escultor Dedalus, como um de seus ancestrais. À amizade com Crítias e Alcebíades se deve a denúncia por subversão de que foi vítima, levando-o à condenação à morte, sentença que ele mesmo cumpriu, tomando cicuta. 16 mente humana, com criações originais ou aprendi- das, como a Filosofia, a Política (politikç), a Mate- mática (mathematikç), a Geometria (geômetria) que aprenderam com os egípcios, a Economia (oikos, casa + nomos, a regra para administrá-la), a Astro- nomia (astronomia), a Biologia (bíos, vida + logos, tratado), a Arqueologia (archaios, primitivo + logos, tratado) e a Aritmética (arithmetikç), para só citar- mos as principais, sem esquecer, por exemplo, que até hoje os médicos fazem o juramento de Hipócrates, por muitas razões considerado em todo o mundo ocidental o patrono da Medicina. Sob um ponto de vista pessoal, considero que as maiores e mais duradouras de suas criações foram, tanto a Filosofia e a Política, quanto a Filoso- fia política que, como já vimos, nasceu com Sócrates* (469 – 399 a.C.), e se desenvolveu com seu discípulo Platão* (428 – 348 a.C) que, por sua vez, foi mestre de Aristóteles* (384 – 322 a.C). Até meados do séc. XX, Filosofia política era sinônimo de Ideologia polí- tica, categoria que não se distinguia de outra de igual importância, o Pensamento político e abrangia tam- bém o que hoje chamamos de Ciência Política. Essa aparente mistura de categorias diferentes, em vez de mostrar uma imprecisão de conceitos, é o resul- tado da evolução histórica do pensamento humano e evidencia a importância, a complexidade e o extraordi- nário desenvolvimento da Política na história da Hu- manidade. Se o mundo grego era fascinante e o da Filosofia instigante, o da Política é, ao mesmo tempo fascinante e instigante, na medida em que é o resul- tado da feliz combinação da História com a Filosofia e de todos os desdobramentos que essa união pro- vocou. Um mundo que, para muitos, ainda pode pa- recer distante, longínquo e intrigante, embora seja com ele que todos nós somos obrigados a conviver. Vimos que a grande revolução intelectual promovida pelos gregos exigiu cerca de 35 séculos, pois teve início no séc. V a.C. e consistiu em eman- cipar a Filosofia e a Ciência natural dos estreitos PLATÃO (* 428 ou 427 a.C, Atenas, ou Aegina † 348 ou 347 a.C., Atenas) Platão nasceu um ano após a morte de Péricles, quando co- meçou a decadência da vida pú- blica ateniensee sua juventude foi marcada com a convivên- cia com Sócrates que ele conhe- ceu quando já sexagenário. O ambiente intelectual de Atenas se dividia entre os ensinamentos dos sofistas e a pregação de Sócrates, uma rivalidade que o dramaturgo Aristófanes refle- tiu em sua peça As núvens. O julgamento e a morte de Sócrates influenciaram o seu pensamento, levando-o a refu- giar-se em Megara, após o que supõe-se ter feito sua primeira viagem à Siracusa, a convite do tirano Dionísio, o Antigo, se- guindo-se um período de aven- turas em que foi vendido como escravo, até sua volta à Ate- nas, onde fundou a Academia em que professou, defendendo as idéias que o levaram a pre- conizar o regime dos “melho- res”, postura que terminou transformando-o num epígono dos governos totalitários. Mais duas vezes voltou à Siracusa, até dedicar os últimos anos de sua vida à Academia e à filosofia para que tanto contribuiu. Platão é, fundamentalmente, um racionalista dedicado à pro- posta de que a razão deve pre- valecer em qualquer circunstân- cia. De toda sua vasta produção intelectual, A República, Crítias, Nomoi (Leis) e Epimo- mis resumem grande parte de seu imortal pensamento. 17 limites em que as religiões das civilizações prece- dentes as tinham aprisionado. O outro enorme salto dado pela Humanidade se deu entre os sécs. XVII e XVIII de nossa era e resultou da revolução cientí- fica que libertou a Filosofia e a Ciência modernas dos padrões que hoje chamamos clássicos, em torno dos quais giraram o mundo greco-romano e a época imediatamente posterior, dominada pela filosofia escolástica. A diferença é que a primeira revolução implicou em emancipar a Ciência natural da Filoso- fia e a segunda consistiu em emancipar a Filosofia e a Ciência modernas, da Filosofia e da Ciência clás- sicas, aquela que se convencionou chamar de aristotélica, dada a influência que sobre elas teve o grande pensador grego. A Filosofia política clássica não se limita ao ensinamento político de Platão e Aristóteles e dos seguidores de suas respectivas escolas. Ela inclui, também, o magistério dos cha- mados filósofos estóicos, como os gregos Zenão de Cicio (340 – 264 a.C.) e seus seguidores Cleanto (séc. III a.C.), Crisipo (280 – 208 a.C.) e os roma- nos Epicteto* (ca. 50 – 125) e Marco Aurélio* (121-180), além dos ensinamentos dos doutores da Igreja, cuja doutrina não se funda exclusivamente na revelação divina. Entre os que contribuíram para essa lenta mas irreversível evolução, está, já em plena Idade Média, São Tomás de Aquino* (1224 – 1274), cujo pensamento ficou conhecido como a filosofia Tomista. Outro dos grandes personagens, represen- tante já do período de ouro renascentista, é o florentino Nicolau Maquiavel* (1469 – 1527), por muitos considerado não propriamente um filósofo, mas o primeiro grande teórico e sistematizador da Política, por sua obra clássica O Príncipe, publica- ção póstuma, de 1532. Entre o fim do séc. XVI e meados do séc. XVII, são duas as grandes contri- buições para a evolução do pensamento e da filoso- fia política: o inglês Thomas Hobbes* (1588 – 1674), autor de O Leviatã e o francês René Descartes* ARISTÓTELES (* 384 a.C. Estagira, † 322 a.C., Euboea) Ao lado de Platão, Aris- tóteles é a maior das figuras intelectuais produzidas pela civilização helênica. Domi- nou todo o conhecimento científico do mundo mediter- râneo em sua época. Mais do que qualquer outro pensador, determinou a orientação e o conteúdo da história intelec- tual da civilização ocidental. É autor de um sistema cientí- fico e intelectual que, através dos séculos, tornou-se o su- porte e o veículo do pensa- mento escolástico, tanto o cristão da Idade Média, quanto o do mundo islâmico. Pode- se hoje afirmar, sem erro que, até o fim do séc. XVII, toda a cultura ocidental foi aristotélica. Mesmo depois da revolução intelectual des- se século, os conceitos e as idéias aristotélicas continua- ram presentes no mundo ocidental. Sua contribuição co- briu virtualmente a maioria das ciências e grande parte das ar- tes. Ele trabalhou em áreas tão diversas quanto a física, a quí- mica, a biologia, a zoologia, e a botânica; contribuiu com a psicologia, a teoria política e a ética; a lógica, a metafísica e a história; com a teoria lite- rária e na retórica. Suas maio- res conquistas foram em duas áreas inteiramente diversas: o estudo da lógica formal, para completar um sistema conhe- cido como silogística aris- totélica e um de zoologia que sobreviveu até o séc. XIX. 18 (1596 – 1650) criador do método da dúvida perma- nente, conhecido como “cartesiano”. Entre meados do séc. XVII e meados do séc. XVIII, os nomes mais expressivos e importantes são os do inglês John Locke* (1650 – 1704) e o do francês Montesquieu* (1689 – 1755). Essa revolução se acentuou em todo o séc. XVIII, conhecido como o “século das luzes”. Essa denominação decorre do “Iluminismo”, movimento intelectual que permitiu à ciência e à filosofia da- rem um enorme salto qualitativo e ao homem se lançar à grande aventura de sistematizar todo o co- nhecimento até então acumulado, através da com- pilação e publicação da primeira Enciclopédia. Esse esforço, que teve início na França, prosseguiu na Inglaterra e se espalhou pelo mundo, ganhou o nome de “enciclopedismo” e foi um dos principais e mais brilhantes resultados do Iluminismo, com sua pre- tensão de iluminar o mundo com os seus ensinamentos. Nessa fase, são pelo menos seis as grandes expressões da Filosofia política: o francês nas- cido na Suíça Jean-Jacques Rousseau* (1712 – 1778), o escocês Adam Smith* (1723 – 1790), o alemão Immanuel Kant* (1724 – 1804), o inglês Edmundo Burke* (1729 – 1797), o também inglês que viveu nos Estados Unidos Thomas Paine* (1737 – 1809), e o alemão Hegel* (1770 – 1831). Este século, porém, não conheceu apenas o Iluminismo, o Enciclopedismo e a Revolução Industrial. Viu tam- bém nascer uma nova classe, a burguesia, respon- sável pelo fim do antigo regime absolutista na Fran- ça e o surgimento da Revolução francesa de 1789 que marcou o início da idade contemporânea, na cronologia histórica. Os séculos seguintes, XIX e XX completariam algumas das conquistas mais importantes do pensamento, da prática e da evolu- ção política da humanidade. No séc. XIX, materializaram-se algumas conquistas das chamadas liberdades burguesas, como a liberdade de expressão e de religião, o direito ao EPÍCTETO (* 55, Hierapolis, atual Pamukkale, Turquia † 135, Épíro, Grécia) Filósofo grego associado aos estóicos e lembrado sem- pre pelo tom religioso de seus ensinamentos o que o reco- mendou muito a numerosos pensadores dos tempos iniciais do Cristianismo. Não se sabe seu nome original. Epicteto, com o qual se tornou conheci- do, é a palavra grega que signi- fica “adquirido”, já que se tor- nou escravo quando menino, e teve a oportunidade de fre- qüentar as lições do estóico Musonius Rufus. Mais tarde tornou-se um homem livre, até ser expulso de Roma, junta- mente com outros pensadores, no ano 90 da era Cristã pelo imperador Domiciano, irrita- do com a recepção que os opo- nentes de sua tirania tiveram entre os pensadores estóicos. O resto de sua vida Epicteto vi- veu em Nicópolis. Até onde se sabe, Epicteto não escreveu li- vros conhecidos. Seus ensina- mentos foram transmitidos por Arrian, seu aluno e seguidor, em duas obras: Discursos, dos quais quatro livros são conhe- cidos e Encheiridion, ou ma- nual, uma versão condensada de suas principais doutrinas. Em seus ensinamentos, Epicteto seguiu mais os primi- tivos do que os estóicos mais modernos. Fundamentalmen- te interessado na ética, ele des- creveu a filosofia como o aprendizado de “como é pos- sível usar o desejo e a aversão sem impedir o progresso.” 19 sufrágio e à representação política, a instituição em caráter permanente dos parlamentos e algumas ou- tras franquias decorrentes dos avanços consegui- dos com a Revolução francesa. A preocupação da Filosofia política que tanto tinha se empenhado na conquista da Liberdade no séc. XVIII, voltou-se então, no séculoseguinte, para a busca da outra gran- de aspiração humana, a luta pela Igualdade. Esse foi o caminho percorrido por três grandes expressões do pensamento político, todos com preocupações igualitárias, porém de cunho inteiramente diverso: o francês Aléxis de Tocqueville* (1805 – 1859), defensor da igualdade política, o também francês Joseph Proudhon* (1809 –1865), defensor da igual- dade social e o alemão Karl Marx* (1818 – 1833), defensor da igualdade econômica. Como se vê, essa longa etapa na evolução do pensamento político e da Filosofia política termi- nou orientando a prática da política para três gran- des reivindicações ainda hoje não consumadas: a busca da liberdade política, da justiça social e da igual- dade de oportunidades econômicas para todos. Ob- viamente essa trajetória, não tendo alcançado seus grandes objetivos, continua em todo o mundo a tri- lhar o caminho que pode transformar o pensamento em ação. Ele passou, como nos períodos anteriores, do campo da Filosofia para o da Sociologia e, em seguida, deste para o da Ciência política. Esse mundo fascinante dos gregos que tan- tos avanços conquistou na evolução da Humanida- de, emancipando a Filosofia e a Ciência das travas da religião e dos deuses, cedeu lugar ao instigante mundo da Filosofia que continuou seu desafiador caminho na direção de outro mundo ao mesmo tempo fascinante e instigante: o mundo da Política. O poder da imaginação humana, no entanto, não cessou aí. Como em tantos outros campos do conhecimento e da es- peculação, essa extraordinária aventura segue tri- lhando novos e desconhecidos caminhos que nos le- varam a um salto estimulante que permitiu o MARCO AURÉLIO (* 121, Roma † 180 Viena, ou Sirmium, Panônia) Seu nome completo era Caesar Marcus Aurelius Anto- ninus Augustus, que usou até 161, quando, tornando-se im- perador, adotou o de Marcus Annius Verus, mais conhecido por suas Meditações sobre a fi- losofia estóica, como Marcus Aurelius. Para muitas gerações, ele simbolizou a idade de ouro do Império Romano. Nada me- nos de 17 dos 19 anos de seu reinado foram marcados por guerras e calamidades. Como homem público e intelectual, três fatores são significativos em sua história: o temperamen- to, as circunstâncias e a filoso- fia da linha estoicista de Sêneca e Epícteto, centrada na adia- phoria (indiferença). Este prin- cípio funda-se na convicção de que o Destino e a Providência tudo dirigem, o que permite ao homem enfrentar todos os acontecimentos, mesmo os mais adversos e desagradáveis, como a morte, com calma e se- renidade. Este é o traço confor- mista da filosofia estóica, que se identifica, em quase todos os sentidos, com a inevitabilidade dos fatos da vida. Daí o tom de sua filosofia, de buscar o que é bom, verdadeiro e justo. Isto não impede que seja também dominada por notas de pessi- mismo e do ceticismo, cren- ças e convicções que o leva- ram a cometer um dos maiores erros de seu governo, a perse- guição aos cristãos, cujas ati- tudes nunca compreendeu. 20 surgimento de uma nova ciência, a Sociologia, criada no séc. XIX por Augusto Comte* (1789 – 1857) e ampliada por seu grande sistematizador no séc. XX, o alemão Max Weber* (1864 – 1920). SÃO TOMÁS DE AQUINO (* 1224/25, Roccasecca, Sicília † 1274, Fossanova) Pregador dominicano e teólogo, canonizado em 18 de julho de 1323, declarado dou- tor da Igreja em 1567, com o título de “Doutor Angélico”, sua memória litúrgica é comemo- rada no dia 28 de janeiro. Tra- ta-se do teólogo mais represen- tativo da escolástica cristã, cuja doutrina ficou conhecida como “tomista”. Estudou no famoso convento de Monte Casino e na Universidade de Nápoles, então recém-fundada, mas sua formação se completou na França, onde predicou, como em inúmeras cidades italianas. Suas duas obras mais impor- tantes Summa contra gentiles (1259-1264) e Summa Theologiæ (1267-1274) re- presentam a sistematização de toda a teologia latina clássica, o que fez dele um dos mais im- portante pensadores do Cris- tianismo. Como poeta, é autor de alguns dos mais belos hinos eucarísticos da liturgia da Igreja. Muitos dos teólogos modernos do catolicismo não o conside- ram um pensador cristão ori- ginal, e não são poucos os que o encaram mais como um fi- lósofo, mais do que como um teólogo. Em 1259 foi designa- do conselheiro teológico da Cúria papal na Itália, tendo pas- sado dois anos em Anagni no fim do período de Alexandre IV, quatro anos em Orvieto com Urbano V, tendo ensinado de 1265 a 1267 no convento de Santa Sabina. 21 IV – Um Salto Estimulante: da Teoria à Sociologia Ao nos referirmos a Maquiavel no capítulo anterior, chamamos a atenção para o fato de que, apesar de arrolado como autor de uma das maiores contribuições ao desenvolvimento da Política, ele con- tinua sendo considerado por muitos, não um Filósofo, mas o primeiro e grande teorizador da Política. Os que o seguiram, de Hobbes a Marx, cobrem pelo menos três séculos da história do pensamento e da evolução histórica da Humanidade. E é indiscutível inscrever os seus nomes no rol das grandes contribui- ções à Política. As dúvidas suscitadas em relação a Maquiavel, cabem também em relação a pelo menos dois de seus compatriotas, Gaetano Mosca* (1858 – 1941) e Wilfredo Pareto* (1848 – 1923) e o alemão naturalizado italiano, Robert Michels* (1876 – 1936). O primeiro é autor da obra Elementos de Ciência Política, publicada em 1896. Nela, tratando do que chamou de “classe política”, ele formulou uma teoria que veio a se tornar conhecida em todo o mundo, como a Teoria das elites. No cap. 2 do livro, ele a for- mula da seguinte maneira: “Entre as tendências e os fatos constantes que se encontram em todos os orga- nismos políticos, aparece um cuja evidência se impõe facilmente a qualquer observador: em todas as socie- dades, desde as medianamente desenvolvidas que ape- nas chegaram aos preâmbulos da civilização, até as mais cultas e fortes, existem duas classes de pessoas: a dos governantes e a dos governados. A primeira, que é sempre menos numerosa, desempenha todas as fun- ções políticas, monopoliza o poder e desfruta das vanta- gens que vão unidas a ele. A segunda, mais numerosa, é dirigida e regulada pela primeira de maneira mais ou menos legal, ou bem de um modo mais ou menos arbi- trário e violento, e recebe dela, ao menos aparente- mente, os meios materiais de subsistência e os indis- pensáveis para a vitalidade do organismo político”5 . 5 BATLLE, Albert (Org.) Diez textos básicos de ciência política. Barcelona, Ed. Ariel, 1992, p. 23. NICOLAU MAQUIAVEL (* 3/05/1469, Florença – † 21/06/1527, Florença) Escritor, político e homem público nascido em Florença, cidade-Estado da qual foi nome- ado chanceler em junho de 1498, aos 29 anos, tendo exer- cido funções diplomáticas jun- to a César Bórgia, em 1502 e 1503, no qual se inspirou para descrever o seu modelo de esta- dista, cujas qualidades arrolou na obra O Príncipe que o imortali- zou, como o primeiro teórico da Política. Embora o adjetivo maquiavélico, derivado de seu nome, seja para muitos sinôni- mo de cinismo, sua grande con- tribuição à história do pensa- mento político foi dar o caráter de autonomia à política, sepa- rando seus critérios da moral, avanço que cinco séculos depois Max Weber categorizou com a famosa e definitiva distinção entre a “ética da convicção” e a “ética da responsabilidade”. Entre 1506 e 1509, represen- tou Florença junto ao Papa Jú- lio II, na França e na Alema- nha. Além de O Príncipe, escreveu as Istorie fiorintini por encargo da Universidade de Florença e a comédia La Mandrágora, considerada a melhor expressão do teatro renascentista, pela galeria de personagens que retratam a so- ciedade de seu tempo. Sua con- cepção sobre a relevância do Estado entre as instituições políticas é uma antecipação dos rumos que tomou, em meados do séc. XX, a Ciência política contemporânea. 22 O segundo foi um dos mais polêmicos auto- res de sua época. Engenheiro de formação, autor pro- lífico de um Tratado de sociologia geral, de um Curso e de um Manualde economia política, e do livro Sistemas Socialistas, se dedicou, na dé- cada de 1890, a ir além da economia e a penetrar nos fundamentos sociais e políticos da sociedade. Em grande medida, retomou a idéia das elites de Mosca. Referindo-se à sua obra, o sociólogo Raymond Aron6 faz uma síntese muito precisa de sua complexa contribuição. Diz o filósofo francês que, segundo Pareto, “as sociedades são caracte- rizadas pela natureza de suas elites, sobretudo das elites governantes. De fato, todas as sociedades têm uma característica que os moralistas podem considerar deplorável, mas que os sociólogos são obrigados a constatar: há uma distribuição muito desigual de bens neste mundo, e uma distribuição, mais desigual ainda, do prestígio, do poder e das honrarias associadas à competição política. Esta distribuição dos bens materiais e morais é possí- vel, porque, afinal, um pequeno número de pessoas governa um grande número, recorrendo a dois ti- pos de meios: a força e a astúcia. A população se deixa dirigir pela elite, porque esta detém os meios de força ou então porque consegue convencer, isto é, sempre enganar, mais ou menos, o grande nú- mero. Governo legítimo é aquele que teve êxito no processo de persuasão dos governados, con- vencendo-os de que é apropriado aos seus inte- resses, a seus deveres ou à sua honra obedecer ao pequeno número. Esta distinção dos dois meios de governo, a força e a astúcia, é a transposição da famosa oposição entre os leões e as raposas, apontada por Maquiavel. As elites políticas divi- dem-se naturalmente em duas famílias, uma das quais merece ser chamada de família dos leões, 6 ARON, Raymond. As etapas do pensamento sociológico. Brasília/São Paulo, Ed. UnB/Martins Fontes, 1982, p. 426/8. THOMAS HOBBES (* 5/4/1588, Westport, Ingl. – † 4/12/1679, Hardwick Hall) Filósofo e teórico do pen- samento político, Hobbes es- tudou na Universidade de Oxford e, como preceptor de W. Cavendish, 2o conde de Devonshire o acompanhou em viagem à Itália e à França en- tre 1608 e 1610, país ao qual voltou em 1629. Só em 1637 regressou à Inglaterra onde, em 1640, publicou sua 1a obra, Ele- mentos da lei, natural e políti- ca. Com a opinião pública in- glesa cada vez mais hostil à monarquia, refugiou-se em Pa- ris entre 1640 e 1651, publi- cando De cive e em 1649, com a decapitação do rei inglês Carlos I, preparou seu regresso à Inglaterra em 1652, um ano depois da divulgação de sua obra mais conhecida, Leviatã cujo tí- tulo completo é Levianthan, ou a natureza, a forma e o po- der de uma comunidade ecle- siástica e civil. Influenciado pelo ambiente político suble- vado, tornou-se com esse tex- to o teórico do absolutismo de Estado, representado pela mo- narquia absolutista. Sua obra, das mais importantes da filo- sofia política moderna, está li- gada a alguns aspectos funda- mentais: a teoria sobre o contrato social que dá origem à sociedade civil, o surgimento das primeiras idéias do absolu- tismo político, e do liberalis- mo que vão florescer na Euro- pa, impulsionadas pelo Iluminismo do séc. XVIII. 23 porque tem preferência marcante pela brutalida- de e a outra, de família das raposas, porque se incli- na para a sutileza”. Ao apelar para a teoria da “circulação das elites”, que se substituem no poder, Pareto explica- va por suas características, a causa do domínio da minoria sobre a maioria. Enquanto a minoria é ho- mogênea, tem os mesmos interesses, adota os mesmos valores e se vale dos mesmos recursos, a maioria, por ser heterogênea, cultivar valores distintos e até contraditórios e não dispor de recursos idênticos para atingir os seus fins, termina mais facilmente dominada. Ao se aproximar em 1903 das teses que Mosca já tinha exposto em 1896, Pareto provocou uma enorme e violenta polêmica na Itália, acusado, segundo Aron, de “utilizar-se das idéias de seu conterrâneo, mais do que seria conveniente, citan- do-o menos do que era justo”. Na verdade, a teoria das elites de Mosca é mais política e menos psicoló- gica. Segundo ele, cada elite política se caracteriza por uma fórmula de governo que equivale ao que poderíamos chamar de ideologia da legitimidade. Na sociologia de Pareto, as diversas elites são caracte- rizadas, sobretudo, pela abundância de recursos de que se valem, a astúcia e a sutileza, mais que a for- ça, mantendo-se no poder pela propaganda, multipli- cando as combinações político-financeiras. São as elites dos regimes chamados democráticos, que Pareto denominava de “pluto-democráticos”, porque, em última análise, constituem uma plutocracia, sob aparência democrática. Mosca e Pareto não foram os únicos a formular uma teoria específica para explicar o cará- ter da dominação política, partindo da análise socioló- gica dos sistemas políticos. Na verdade, mais que uma Teoria, estavam aplicando a Sociologia à aná- lise política, sendo os responsáveis por um novo campo de atuação, o da Sociologia política que, dessa forma proclamava sua autonomia em relação RENÉ DESCARTES (*31/3/ 1596, La Haye-Touraine † 11/2/1650, Estocolmo) De seu nome latino Renatius Cartesius deriva o ter- mo “cartesiano” para definir a síntese desse genial pensador e matemático francês, conside- rado o pai da filosofia moder- na, por ter sido o primeiro a se opor à escolástica aristotélica. Antes de completar um ano de idade perdeu a mãe, foi educa- do no Colégio dos Jesuítas de La Fleche, percorreu vários pa- íses da Europa, foi soldado na Guerra dos Trinta Anos e pas- sou 20 de seus mais produtivos anos (1629-1649) na acolhe- dora Holanda, onde escreveu a maior parte de suas obras. Em 1649, a convite da rainha Cristina da Suécia, partiu para esse país, onde veio a falecer. Seu método da dúvida sistemá- tica, foi sintetizado na frase “penso, logo existo”. É consi- derado o pai do racionalismo crítico e do empiricismo, ba- ses da filosofia de que ele foi o renovador. Foi um autor pro- lífico que escreveu sobre mú- sica, física, matemática, lógi- ca e geometria, mas sobretudo sobre filosofia e filosofia da ciência. Suas obras de maior significado e relevância são Discurso sobre o método, de 1637, os Princípios de Filo- sofia, de 1644 e sua Corres- pondência de Descartes, edi- tadas em 1666 e 1667, onde estão publicadas “as mais bela questões relativas à moral, à física, à medicina e à mate- mática”. 24 à Filosofia política. Uma outra contribuição de igual relevância, tornou essa separação ainda mais clara e evidente. Trata-se da obra do terceiro dos autores acima citados, Robert Michels (1876 – 1936) que se enquadra no período clássico da sociologia política européia no começo do séc. XX. De ascendência franco-alemã, educou-se na Alemanha, na França e na Itália. Quando estudante, foi um socialista com- prometido e membro do Partido Social Democrata da Alemanha, que na época ainda estava sob forte influência sindical. Em razão de suas convicções po- líticas, impedido de seguir a carreira acadêmica em seu país natal, transferiu-se para Turim, onde foi for- temente influenciado por Gaetano Mosca e sua doutrina da “classe política”, o que o levou a desen- cantar-se e a se afastar de suas origens social-de- mocratas. Em 1911, publicou a obra que o imortali- zou, cujo título original é Sobre a sociologia dos partidos nas modernas democracias, traduzido em inglês simplesmente como Os partidos políticos e em francês como Os partidos políticos. Ensaio sobre as tendências oligárquicas das democra- cias. Adotou a cidadania italiana em 1913, e apesar de um longo período como professor em Basiléia, considerava a Itália seu país natal. Incorporou-se ao Partido fascista italiano e, depois da ascensão de Mussolini ao poder, regressou a seu posto universi- tário em 1928, para contribuir ao desenvolvimento de uma ciência política pro fascista. Sua teoria sobre a oligarquização dos partidos, também conhecida como a “lei de ferro dos parti- dos”, se baseia na constatação de que, os partidos e os movimentos de esquerda tinham que necessaria- mente perder em radicalização, à medida que au- mentavam de tamanho.Segundo ele, para se orga- nizar um movimento de massas de modo efetivo é necessário que a direção se dedique a isso de forma integral e com a ajuda de um aparato permanente de funcionários para isso preparados, no que estava JOHN LOCKE ( * 29/8/1632, Wrington. Ingl. † 28/10/1704, Oates, Essex) Filósofo inglês, considera- do por muitos o iniciador do movimento Iluminista na In- glaterra e na França, além de ter sido o inspirador da Consti- tuição americana de 1787. Foi autor, entre outras de uma das mais importantes obras no campo da Filosofia, Um ensaio concernente à natureza huma- na, publicada inicialmente em francês, antes de ter vindo à lume a 1a ed. definitiva de 1660, uma síntese do conheci- mento humano, incluindo a “nova ciência” de sua épo- ca, isto é, a filosofia moder- na. Viveu durante um dos períodos mais conturbados da história da Inglaterra, o que jus- tificou uma estadia de quatro anos na França, onde conhe- ceu a filosofia cartesiana, e um desterro na Holanda, de 1682 a 1689. Em outra de suas obras, Um ensaio concernente à to- lerância pugnou por um espí- rito de tolerância de crença, embora não admitisse o ateís- mo por considerar ser possível comprovar a existência de Deus e combatesse os “papistas”, vistos por ele como uma ameaça ao Estado. Locke passou os últimos anos de sua vida no retiro tranqüilo de Oates, como hóspede de Lady Masham, sua amiga de muitos anos, onde costumava receber visitas, como a de Sir Issac Newton que ia discutir com ele as epístolas de São Paulo, um assunto de interesse de ambos. 25 antecipando a concepção de Lênin. Ainda que re- crutados no proletariado, eles vão se afastando gra- dualmente de suas origens por uma série de razões. Primeiro, adquirem experiência e conhecimentos que não estão ao alcance das bases. Segundo, passam a vida num ambiente de discussões de convênios co- letivos de trabalho ou de intrigas parlamentares. Ter- ceiro, e acima de tudo, suas novas tarefas os libe- ram do trabalho manual e lhes proporcionam um emprego bem remunerado e seguro, acompanhado de um estilo de vida e de uma ótica pequeno-bur- guesa. Dessa forma, tendo assegurado sua própria revolução social, seu radicalismo se modera e se volta contra toda e qualquer política militante que possa ameaçar a continuidade da organização a que per- tencem e de sua própria existência com seu novo estilo de vida. Valendo-se de sua experiência no Partido Social Democrata Alemão, Michels deu uma enor- me contribuição à Sociologia política com base na teoria das elites, ao abordar a necessidade de orga- nização para o êxito de qualquer partido e ao lem- brar que a organização tende, necessariamente, à oligarquização. Algo que, em última análise, está presente na análise política de Mosca e na análise sociológica de Pareto. Ele completa com ambos, a grande contribuição que levou ao surgimento de um ramo especializado da Sociologia e da Política, a So- ciologia política. Essa transição que se pode observar ao lon- go dos séculos, de como foi se ampliando o campo da Filosofia para a Filosofia política e desta para a Sociologia política, mostra que o mundo complexo da Política foi, progressivamente, tornando-se não apenas mais rico intelectualmente, mais complexo culturalmente e mais fascinante cientificamente, mas também cada vez mais estimulante, à medida que a Política foi crescendo de importância, aumentando seu poder e alargando seu campo de ação, até se tornar a mais desafiadora das atividades humanas. MONTESQUIEU (* 18/1/ 1689, Château La Brède, Bordeaux † 10/2/1755, Paris) Charles Louis Secondat, senhor de La Brède e barão de Montesquieu, autor, entre ou- tras obras, de O Espírito das Leis, publicado em 1748 é con- siderado um dos mais impor- tantes pensadores políticos do Iluminismo, por ser considera- do o pioneiro do princípio da separação dos poderes do Es- tado que tão profundamente influenciou a teoria política até hoje. A tal ponto, que chegou a ser inscrito no art. 16 da De- claração dos Direitos do Ho- mem e do Cidadão, aprovado pela Assembléia francesa em 26 de agosto de 1789, pouco mais de um mês da queda da Bastilha que deu início à Revo- lução francesa que marca o iní- cio da Idade Contemporânea na cronologia histórica do mundo ocidental. Nessa dispo- sição se pode ler: “Toda socie- dade na qual a garantia dos di- reitos não está assegurada, nem a separação dos poderes deter- minada, não possui uma Cons- tituição”. Escreveu ainda as Letras Persas, de 1721, Da mo- narquia universal na Europa, de 1734, Considerações sobre a causa da grandeza dos ro- manos e sua decadência, tam- bém de 1734. D’Alembert, res- ponsável pela Enciclopédia, o convidou para colaborar com artigos sobre democracia e des- potismo, mas ele disse preferir escrever sobre o paladar. E um ensaio sobre esse tema termi- nou sendo sua última obra. 26 Mas essa longa viagem ainda não tinha chegado ao fim. Faltavam alguns passos decisivos. O próxi- mo seria dado não através de um salto estimulante, mas pela descoberta de um caminho intrigante, a passagem da Sociologia política, para a Ciência Política. ROUSSEAU (* 28/6/1712, Genebra, Suíça – † 2/7/1778, Ermenonville, França) Jean-Jacques Rousseau, é o escritor e filósofo francês de origem suíça, cujas obras inspi- raram os líderes da Revolução francesa e a geração que deu ori- gem ao romantismo na Fran- ça. Ele foi o último dos filóso- fos acadêmicos e, sob muitos aspectos, um dos mais influen- tes. Ensinou muitas das gera- ções que se seguiram a cuidar da educação dos filhos, em ra- zão de sua obra Émílio, ou da Educação e valorizou os sen- timentos mais que a razão. Abriu os olhos de boa parte da humanidade para a importân- cia da natureza e tornou a li- berdade uma aspiração genera- lizada de quase todos os povos. Nos últimos dez anos de sua vida dedicou-se a produzir al- gumas obras biográficas, como as Confissões, inspiradas na do mesmo título de Santo Agosti- nho e que também se tornou um clássico, enquanto outras se destinaram a se defender dos ataques de que foi vítima por suas idéias e que terminaram o levando ao exílio. Com seu Discurso sobre as ciências e as artes, de 1750, ganhou o prê- mio da Academia e Dijon. Seu Discurso sobre a origem da desigualdade entre os ho- mens, de 1753, precede sua obra-prima, o Contrato So- cial, de 1762, que ajudou a imortalizar sua obra – a de um dos maiores pensadores do sé- culo do Iluminismo que mudou a história da Humanidade. 27 V – Um Caminho Intrigante: da Sociologia à Ciência Política Ao fim da primeira guerra mundial, as con- cepções sobre a Política tinham se ampliado consi- deravelmente. A Sociologia política, a que Mosca, Pareto e Michels tinham dado enorme contribui- ção, tratava dos fenômenos políticos, sob o as- pecto social. A Economia política, até bem de- pois da segunda guerra mundial, incluída no currículo obrigatório das Faculdades de Direito, estudava o Estado como agente econômico e como regulador do mercado. O Direito político, expres- são ainda corrente na Europa, mas que não pros- perou no Brasil, já que aqui é considerado na clas- sificação mais ampla de Direito Público, estudava as instituições e as relações públicas, sob o ponto de vista jurídico. Como se não bastassem todas essas formas de adjetivar como “políticas” outras atividades e ramos do conhecimento, ainda tínha- mos, a História política que, até Capistrano de Abreu, foi, entre nós, o enfoque predominante da História nacional, a Filosofia política que tratava da evolução e da interpretação do pensamento político e a Geografia política que cuida da divi- são administrativa dos diferentes países, além das relações entre o Estado e sua organização territorial. Todas essas questões começaram a ser levantadas num período em que a própria Ciência política não tinha encontrado definição clara, ob- jetivos explícitos e caminhos metodológicos ade- quados e continuava considerada parte integrante da Filosofia política. Obras em que a expressão política aparece no título mas não encontram desdobramento e sistematizaçãono texto, foram várias, como a Ciência política de Ivan Golovine, publicada em 1844, o Tratado de política e de ciência social de P.J.Buchez, considerado discípu- lo de Saint-Simon, de 1885, A política: princípios, críticas, reformas, de Theodor Funck-Bretano, ADAM SMITH (* 5/6/1723, Kirkcaldy, Escócia – † 17/7/1790, Edinburgo) Filósofo, político e eco- nomista escocês, considera- do o pai da Economia mo- derna, por sua magistral obra A riqueza das Nações, cujo título completo é: Um inqué- rito sobre a natureza e as causas da riqueza das na- ções, publicada em 1776. Freqüentou as Universidades de Glasgow (1737/40) e Oxford (1740/46) e comple- tou os estudos em Edinburgo. Na de Glasgow, ensinou Ló- gica, Moral, Ética, Jurispru- dência e Política, publica Teo- ria dos Sentimentos Morais, em 1759. Em 1778, depois de passar dez anos isolado na terra natal, foi nomeado co- missário das alfândegas de Edinburgo e em 1787, reitor de Glasgow. Fundou os estu- dos clássicos da Economia, prevendo um futuro otimis- ta, em contraste com as pre- dições pessimistas de Malthus e de Ricardo. Contrapondo- se aos fisiocratas que, como Turgot e Quesnay punham toda ênfase na atividade agrí- cola, defendeu o papel da di- visão do trabalho e defendeu em sua obra o desmonte dos controles mercantilistas que tinham influenciado todo o pensamento econômico nos séculos anteriores. Sua obra revolucionário é o melhor exemplo da influência do pensamento liberal do Iluminismo do século em que ele viveu. 28 de 1892 e A Política, de Charles Benoist, de 1894. No Brasil, mesmo, como expoente da corrente positivista de Augusto Comte, que teve claro protagonismo políti- co no início da Republica, Alberto Sales é autor de Sciencia política, livro publicado em 1891, que segu- ramente pode ser inserido nesse movimento que se pro- cessou na França, no fim do séc. XIX. Como a Sociologia em geral ganhou enorme repercussão, depois das obras fundamentais de Max Weber, como A ética protestante e o espírito do ca- pitalismo e sobretudo o texto monumental que é Eco- nomia e Sociedade, que o consagrou como o pai da Sociologia contemporânea, essencial para os estudos sob as formas de dominação e as demais instituições políticas, foi ficando cada vez mais claro, que em vez de ser dominada por essa ou aquela especialidade, a Política estava, cada vez mais, penetrando em todas as categorias do conhecimento humano. Já não eram mais somente a Filosofia política, a Sociologia política, a Eco- nomia política, a História política, a Geografia política ou o Direito político que sofriam a influência decisiva da Política. Esse movimento que se espraiava por tan- tas especialidades, estava mostrando como o âmbito da Política, abrangente e complexo como é, terminava permeando e influenciando todos os estudos das ciên- cias sociais e das demais ciências sociais aplicadas, como o Direito e a Economia. Na Europa, depois da Sociologia, foi o Di- reito que terminou decisivamente influenciado pela Política, levando-a a abrigar-se nas Faculdades de Direito. Um movimento diverso se verificou nos Estados Unidos, onde, desde o fim do séc. XIX, um grande número de Universidades já tinha ins- talado e vinha mantendo em seus cursos cátedras de Governo, o que favoreceu o surgimento na área acadêmica de cursos de Ciência Política. A su- cessão de duas guerras mundiais na primeira meta- KANT (* 22/4/1724, Könis- berg*, Prússia – † 12/2/1804) Filósofo alemão cuja obra compreensiva e sistemática na teoria do conhecimento, na Ética e na Estética influ- enciou enormemente toda a filosofia posterior especial- mente das várias escolas do Kantianismo e do Idealismo. De família pobre, freqüentou o Collegium Fredericianum de 1732 a 1740 e a partir desse último ano a Universidade de Könisberg, doutorando-se em 1746. Em 1755 foi designa- do livre docente na mesma universidade em que se dou- torou, lá ensinando durante 40 anos a maior parte das dis- ciplinas filosóficas, além de Matemática, Física, Geogra- fia e Antropologia em cursos que sempre entusiasmaram os ouvintes. Foi simpatizante da revolução americana e da francesa, em seu início, por- que em sua opinião a ordem era preferível a qualquer for- ma de violência. Suas obras foram escritas ao longo de quase meio século e sua dou- trina é um conjunto comple- to e sistemático de indagações e respostas sobre o comple- xo mundo do conhecimento. O seu livro mais conhecido é a Crítica da razão pura, mas sua extraordinária contribui- ção à história do pensamen- to e à Filosofia, não pode ser julgada nem aferida por uma só obra, por mais genial que seja, como é o caso dessa ver- dadeira obra prima da Filoso- fia do Iluminismo. * Atual Kaliningrado, na Rússia. 29 de do séc. XX, o fracasso da antiga Liga das Na- ções na solução pacífica dos conflitos internacio- nais que se agravaram, a luta ideológica que se acentuou depois da revolução de outubro na anti- ga Rússia, inaugurando um novo sistema político apenas 69 anos depois da divulgação do Mani- festo Comunista de Marx e Engels, em 1848 e a radicalização decorrente da emergência do nazi- fascismo na Europa, com todas as suas brutais conseqüências, foram motivos mais do que suficien- tes para que, depois da fundação da ONU, a Po- lítica e sobretudo a Política internacional tomas- sem o centro das preocupações intelectuais do mundo civilizado. A França, como em outros movimentos in- telectuais, teve papel decisivo nesse novo movi- mento. Em 1945, o prof. Maurice Duverger, que viria a se tornar um dos pioneiros da ciência polí- tica francesa, publicou seu primeiro curso de di- reito constitucional. Três anos depois, lançou a segunda edição que, sem grandes modificações, ele resolveu intitular Manual de Direito Consti- tucional e de Ciência Política. Nesse mesmo ano, por sinal o do centenário do Manifesto Co- munista, a Unesco convocou um colóquio em Paris, cidade onde ainda hoje tem a sua sede, para tentar, com a participação de vários especialistas, definir o campo de atuação da Ciência Política, depois de superada a discussão em que se empe- nharam alguns autores, sobre a denominação que se deveria dar a essa especialidade, ora chaman- do-a de Politologia, a ciência da política, ora de Estatologia, a ciência do Estado. Ambas as cor- rentes pareciam ter razão, desde que a questão fosse examinada sob o ângulo estritamente cientí- fico. É o que, segundo Marcel Prélot7 , faltava ocor- rer, quando se declarou a ciência política “impos- 7 PRÉLOT, Marcel. A Ciência Política. São Paulo, Difel, 1964. EDMUND BURKE (* 12/1/ 1729, Dublin, Irlanda – † 9/7/1797, Beaconsfield, Ingl.) Estadista, parlamentar, bri- lhante orador e proeminente pensador político, desempenhou um relevante papel na vida pú- blica inglesa entre 1765 e 1795, além de ter dado importante contribuição à história da teoria política, ao defender, num dis- curso famoso, distribuído a seus eleitores de Bristol, sob a forma de circular, a autonomia dos mandatos parlamentares. Nos séculos anteriores, e na maior parte do séc. XVIII os mandatos desempenhados pelos parlamen- tares eram do tipo “imperativo”, isto é, semelhante aos manda- tos que os advogados recebem de seus clientes para cumprir a sua vontade na defesa dos seus inte- resses. Ao defender o chamado “fiduciário” em que o represen- tante deve atender ao interesse de toda a nação e não o de seus eleitores, Burke proporcionou tal revolução, que até este sécu- lo, grande parte das Constituições dos países europeus proíbem ex- pressamente o mandato impe- rativo. Apesar de sua tese re- volucionária, ele liderou o pensamento conservador em sua época, com seu livro Re- flexões sobre a revolução em França, texto em que expri- miu com virulência sua oposi- ção ao jacobinismo. Sua ferre- nha oposição ao primeiro ministro inglês Pitt o levou a perder apoio político com que contava para ocupar seu lugar no Parlamento. 30 sível de ser encontrada”, por ter sido “farejada em toda a parte onde não estava”. As contribui- ções de Jean Dabin e da Escola de Lovaina, na Bélgica,foram cruciais, quando o primeiro recor- dou que “não poderia haver aí nenhuma dúvida: a ciência política é e não pode deixar de ser senão a ciência do Estado... e de tudo quanto diz respeito ao Estado. Tal era o objeto da política na Antigüi- dade (...) Não há motivo para que, desde Platão, Aristóteles e Cícero, o objeto dessa ciência tenha desaparecido”. Para ele, ainda segundo Prélot, aqui invocado, a ciência política possui um objeto específico perfeitamente distinto, a saber – res política – “(...) todas as realidades, noções e va- lores que a coisa política implica, relação política, grupos políticos, poder político, instituições políti- cas, partidos políticos, acontecimentos políticos, idéias políticas, forças políticas, vida política, re- voluções políticas”. O colóquio reunido em Paris, de acordo com o testemunho insuspeito do francês Marcel Prélot, “foi dominado pelo empirismo anglo-saxão” e “ao invés de procurar definir a priori a ciência política, houve um esforço no sentido de recensear aquilo pelo que, na realidade, se interessavam as instituições e os homens devotados à sua pesqui- sa ou ao seu ensino”. Assim, de comum acordo, estabeleceram-se quatro rubricas fundamentais, abrangendo as respectivas áreas abaixo indicadas: 1o) A teoria política: a) Teoria política; b) História das idéias. 2o) As instituições políticas: a) A Constituição; b) O governo central; c) O governo regional e local; d) A administração pública; e) As funções econômicas e sociais do governo; THOMAS PAINE (* 29/1/ 1737, Norfolk, Ingl. – † 8/6/ 1809, New York, USA) Político e escritor anglo- americano, cujas obras O senso comum e A crise tiveram gran- de importância na Revolução americana. Seu pai pertencia à seita “quaker” e sua mãe era anglicana. Depois de uma ju- ventude conturbada, chegou aos Estados Unidos em 1774 e dois anos depois publicou o ensaio que tanto influenciou o curso da política americana, alistando-se no exército revo- lucionário. Regressou à Ingla- terra onde se indispôs com o primeiro ministro Pitt, publi- cando Os direitos do homem, uma candente defesa da Revo- lução francesa e dos princípios republicanos, que lhe valeu o exílio. Desempenhou um pa- pel ativo na Convenção, duran- te a revolução, sendo preso du- rante o “Terror”, por ter tentado salvar a vida de Luís XVI. Na prisão, concluiu o es- tudo de filosofia teísta A idade da razão, apontando o lugar da religião na sociedade. Liberta- do dois anos depois, publicou Declínio e queda do Sistema inglês de finanças. Regressou em 1802 aos Estados Unidos, onde sua popularidade tinha sido profundamente afetada, em razão da carta que em 1796 endereçou a Washington, ata- cando sua reputação como mi- litar e político. Seu obituário, num jornal novaiorquino assi- nalou que “viveu muito tem- po, fez algumas coisas boas e várias muito más”. 31 f) As instituições políticas comparadas. 3o) Partidos, grupos e opinião pública: a) Os partidos políticos; b) Os grupos e as associações; c) A participação do cidadão no governo e na administração; d) A opinião pública. 4o) As relações internacionais: a) A política internacional; b) A política e a organização internacional; c) O direito internacional. Com o estabelecimento dos campos de in- teresse e de atuação da Ciência Política, listados com um amplo e irrestrito consenso de todos os participantes do Colóquio de Paris promovido pela Unesco, evitou-se cair no atoleiro das definições. A cabível é aquela capaz de abranger todos os cam- pos em que necessariamente deve atuar a Ciência, dele extraindo, pela observação, as hipóteses, teo- rias e teses que hoje, mais de meio século depois dessa iniciativa, constituem já um formidável acer- vo de informações que nos permitem compreender melhor não só o mundo complexo e desafiador da vida pública, mas também os mecanismos que a movem. Esse importante passo para delimitar os contornos da Ciência Política foi seguido da fun- dação, também em Paris, em 1949, da Associa- ção Internacional de Ciência Política, conhecida por sua sigla em inglês IPSA (International Political-Science Association) que a cada três anos realiza seu Congresso, procurando mostrar que este ramo de atividades e do conhecimento hu- mano, caminha hoje por uma larga avenida que, nem por isso, deixou de ser um caminho provo- cante: a parcela do mundo da Política que ainda nos resta por descobrir. HEGEL (* 27/8/1770, Stutt- gart, Alemanha – † 14/11/ 1831, Berlim) Georg Wilhelm Friedrich Hegel, filósofo alemão que de- senvolveu o esquema dialético segundo o qual o progresso das idéias e da história parte de uma tese que, confrontada com sua antítese, produz a síntese, con- tendo elementos tanto da tese quanto da antítese, superando assim a suposição de que um sis- tema substitui outro completa- mente diferente. Hegel viveu numa época influenciada pelo pensamento de Kant e, embo- ra se possa admitir que isto também tenha ocorrido com ele, é considerado o último ar- quiteto dos grandes esquemas fi- losóficos dos tempos moder- nos. Forma com Friedrich Schelling e Fitche, a grande tríade do Idealismo que termi- nou tendo enorme significação nas idéias que alimentaram outros filósofos, como o existen- cialista dinamarquês Soren Kierkgaard, os marxistas vol- tados para a pregação social e os positivistas da escola de Viena, entre tantos outros pen- sadores modernos e contem- porâneos. Sua obra é monu- mental e continua até hoje a influenciar a história das idéias, sobretudo por algumas delas, como a Fenomenologia do espírito, a Filosofia do Direito, Filosofia da História e Filosofia da Religião. Sua influência na história da filosofia pode ser avaliada pela existência, até hoje, de um pensamento “hegeliano”. 32 VI – Um caminho provocante: O mundo ainda por descobrir A Ciência política, por fim emancipada da Sociologia, do Direito e das teorias que antecede- ram o reconhecimento de sua autonomia come- çou, nos anos 50, a percorrer um longo caminho que nos leva, necessariamente, à parcela da Polí- tica que ainda nos falta desvendar. Em sua 5a Conferência geral, realizada em maio e junho de 1950, a organização da ONU para a ciência, a educação e a cultura, resolveu “empreender em alguns países investigações sobre os tipos de cur- sos e métodos de ensino no domínio das ciências sociais”. Para dar curso a essa decisão, uma in- vestigação foi realizada em 1951 e 1952 por cinco organizações internacionais não governamentais, em colaboração com a Unesco. Os recursos dis- poníveis limitavam a oito o número de países ofi- cialmente designados como campo de observação sobre o ensino das ciências sociais. Entretanto, cada associação foi convidada a completar o tra- balho, procurando, se lhe parecesse útil, obter re- latórios oriundos de outros países. Com base nesses relatórios nacionais, fo- ram redigidos cinco outros sobre o conjunto dos países examinados, destinados à coleção O En- sino das Ciências Sociais. O relativo ao ensino da Ciência Política, realizado a convite da Asso- ciação Internacional de Ciência Política foi ela- borado pelo prof. William A. Robson, da “London School of Economics and Political Science”, ain- da hoje uma das mais prestigiosas nessa área, com base nos documentos relativos ao Egito, Estados Unidos, França, Índia, México, Polônia, Reino Unido, Suécia e relatórios adicionais do Canadá, Alemanha, Grécia e Iugoslávia. Foi pre- cedido de um encontro realizado em Cambridge, de 6 a 10 de abril de 1952 e publicado em março de 1955. TOCQUEVILLE (* 29/7/ 1805, Paris – † 16/4/1859, Cannes) Conde Aléxis Charles Henri Maurice Cléret de Tocqueville, considerado por alguns um pioneiro da ciência política no séc. XIX, por ter sido o primeiro escritor a se utilizar de bases empíricas na análise de um sistema políti- co, foi também historiador, co- nhecido por sua obra A demo- cracia na América. Publicada em quatro volumes entre 1835 e 1840, é, até hoje, a melhor descrição do sistema político e social dos Estados Unidos produzido naquela época. Foi juiz-auditor em Versailles em 1827, encarregado
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