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Libras AULA 5 - Sobre a surdez: visão clínica x visão socioantropológica LÚCIA HELENA MENÓIA SILVA Objetivo Ao final desta aula, o aluno será capaz de perceber as diferenças entre a concepção da visão clínica e a visão socioantropológica dos surdos. Compreender a influência patológica e a socioantropológica na vida dos surdos. Nesta aula Surdez: visão clínica x visão socioantropológica O tratamento patológico A visão socioantropológica Relação da família ouvinte com filho surdo Surdez: visão clínica x visão socioantropológica Olá, pessoal!! Ao nos referirmos à surdez, muitos pensam que é uma questão da medicina e que deve ser tratada com médicos, para sanar a patologia, com o intuito de provar que os surdos poderiam ser curados. Desde o século XVII, vários médicos estudaram sobre a surdez, mas havia poucos recursos, a medicina focou na área de pesquisa, especialmente na educação. Naquela época, tinha como concepção que os surdos pudessem ser curados por meio de experiências realizadas no próprio surdo. Temos relatos de que o médico Itard fez vários experimentos bárbaros, inclusive usando sanguessugas no tímpano dos surdos, com a intenção de que fosse possível abrir o canal auditivo, e um de seus pacientes morreu neste procedimento. Atualmente a concepção clínico-patológica tem outra visão, seu objetivo na medicina é de amenizar a distância entre surdos e ouvintes, tornando mais acessível a comunicação destes. Mas nem todo procedimento é aceito pelas comunidades surdas do Brasil, pois acreditam que essa transformação impede o surdo de ser SURDO, interferindo na sua identidade conforme os princípios de sua comunidade. Na visão clínica, os pesquisadores tratam o surdo como deficiente, tem como pressuposto que o normal é utilizar a fala na comunicação, planejando e desenvolvendo avanços tecnológicos como os aparelhos auditivos e implantes cocleares. Quando se trata de normal ou anormal não envolve somente questões biológicas mas questões sociais. Segundo Canguilhem (1995), o indivíduo que possui características diferentes e faz parte da minoria da população é chamado de anormal perante as normas estabelecidas socialmente, mas não significa que é desprovido de norma. Esse processo não ocorre apenas no contexto social, acontece com a norma culta da língua falada, e, quando no clínico é feita uma divisão citada por uma autoridade, o indivíduo passa a pertencer ao grupo patológico. Na visão da concepção socioantropológica, o surdo é identificado como pessoa que não tem a necessidade de tratamentos constantes, e nem que a surdez precisa ser curada, mas enxerga o surdo como um ser humano, que possui uma língua natural reconhecida por Lei (10.436 de 24 de abril de 2002). Figura 1 – A comunicação - “Língua de Sinais” Percebe que essa visão demonstra um argumento de respeito e aceitação à diferença, sendo o oposto da concepção clínico-patológica? A surdez traz consequências maiores do que a cegueira, pelo fato do surdo não adquirir a linguagem pode ser considerado um incapaz e ser confundido com um indivíduo com desenvolvimento mental anormal, é por meio da linguagem que começamos o segmento da nossa condição e cultura humana. Se não houver a comunicação, por qualquer motivo que seja, nos isolamos. A surdez, na visão clínica atual, indica o implante coclear, que é uma tecnologia esperançosa para a reabilitação dos portadores de deficiência auditiva neurossensorial bilateral auditiva. A figura abaixo nos mostra como é feito esse implante: Figura 2 – O aparelho fonador e o implante coclear. Fonte: https://cronicasdasurdez.com/wp-content/uploads/2018/04/implante- coclear.png O IC consiste de uma unidade interna – que é implantada durante a cirurgia (b) – e uma unidade externa, conhecida como o processador de fala, (a). Esse último é semelhante a um aparelho auditivo. O processador possui microfones que captam os estímulos sonoros e os encaminham decodificados à unidade interna através de uma antena. O design, as cores e tamanhos do processador variam dentre os modelos e marcas disponíveis. A informação recebida pela unidade interna é então encaminhada ao feixe de eletrodos (c) (um fino cabo cuja extremidade é inserida dentro da cóclea) próximo ao nervo auditivo (d). https://cronicasdasurdez.com/implante-coclear/ https://cronicasdasurdez.com/wp-content/uploads/2018/04/implante-coclear.png https://cronicasdasurdez.com/wp-content/uploads/2018/04/implante-coclear.png A sigla IC, acima citado, refere-se a Implante Coclear. No caso do implante feito nos indivíduos que perderam a audição a menos de seis anos ou após ter aprendido a linguagem oral, o resultado esperado é alcançado com mais sucesso, pois resulta no aumento da compreensão auditiva independente da habilidade de leitura labial. Não se sabe ainda a eficácia do implante coclear em crianças com surdez congênita. Outro erro comum é quando as pessoas pensam que o implante coclear substitui a audição, e a criança vai ouvir plenamente, cada indivíduo dará uma resposta diferente ao fazer o implante coclear. À criança surda, mesmo após o implante, é aconselhável que aprenda a língua de sinais, ela vai ajudar e a não retardar o desenvolvimento da fala. O tratamento patológico Ao pensarmos em realizar um implante coclear nos surdos, é preciso saber que os surdos que perderam a audição a mais de seis anos, ou antes de adquirirem a aquisição da linguagem, ou surdos congênitos (de causa genética), ainda são objetos de pesquisa e dependem de diversos fatores. Pesquisadores não indicam o implante para a surdez leve e moderada, pois observaram que, após a realização do implante, o indivíduo perde todo o resíduo de audição que tinha anteriormente. Figura 3 - O implante coclear. Fonte: https://cutt.ly/DfcgoN4 O implante traz sérios riscos mencionados à cirurgia, o paciente implantado não pode fazer alguns exames médicos como a ressonância magnética, tem que ficar longe de campos eletromagnéticos como os detentores de metal; e também de eletricidade estática como os tobogãs e escorregadores, e ainda o aparelho passa por manutenções periódicas. https://cutt.ly/DfcgoN4 O surdo que escolhe realizar o implante, deve ser orientado dos riscos e problemas envolvidos, a decisão não é apenas do médico, mas é filosófico e existencial. Tem que deixar claro quanto: Um ponto muito delicado é quando os pais têm que tomar essa decisão, pois apresenta implicações profundas para o futuro de seu filho, ter consciência de todos os riscos acima citado. Ainda não há critérios para saber se o implante foi ou não bem-sucedido, são necessários estudos profundos, que leva tempo para descobrir a eficácia do procedimento, deve ser feito a comparação do desenvolvimento da linguagem nas crianças ouvintes, nas crianças surdas usuárias de língua de sinais e nas crianças surdas usuárias de aparelhos de amplificação ou de implante coclear. aos custos na participação de programas intensos de treinamentos e fonoaudiólogos; à dependência da manutenção do aparelho com técnicos da área; aos riscos se quiser parar de usar; à frustração que pode acontecer possivelmente no decorrer do tratamento. A visão socioantropológica da surdez Para compreender a relação surdo e sociedade temos como embasamento a concepção socioantropológica. Antigamente a surdez era tratada com diferença, e as pessoas surdas dependiam de um acesso específico para se relacionarem com os ouvintes, mas, na visão socioantropológica o surdo passa a fazer parte de um grupo social. Hellen Keller escreveu o livro A história da minha vida, nele ela relata a superação e o desafio de ser surda e cegaao mesmo tempo. As deficiências não a impediram de estudar, ter sucesso e lutar pelos direitos, é um exemplo que todos, independentemente de ser ou não deficientes, deveriam conhecer. O filme Milagre de Anne Sullivan, conta a história de Hellen Keller, no início da alfabetização é uma história de muita luta e sofrimento da professora Anne, vale a pena assistir. Tanto na visão clínica como na visão socioantropológica, influenciaram e influenciam nos dias atuais, vários fatores e mudanças na vida dos surdos e na relação familiar e educacional, provocando uma evolução no decorrer dos tempos. A surdez vista como deficiência presume que o surdo precisa ser tratado e curado, como se fosse uma patologia, e o tratamento é fazer com que o surdo fale usando o método da oralização. Em contrapartida, tem-se outro contexto para compreender a surdez, a partir da constatação de que a língua de sinais aplicada pelos surdos é uma língua natural, como todas as outras línguas de modalidade oral, em que a surdez passa a ser retratada pelo modelo socioantropológico. Nesse paradigma, é sugerido que a surdez seja reconhecida como uma diferença cultural e linguística, garantindo assim o direito de as pessoas surdas terem acesso à língua de sinais e serem vistos como um grupo referente a uma minoria linguística. Nessa interpretação, o modelo socioantropológico muda o conceito de surdez da perspectiva médica para uma visão epistemológica, eis que o sujeito surdo faz parte a uma pequena comunidade linguística que faz uso de uma língua espaço-visual. Por esse motivo, o sujeito surdo passa a ser reconhecido e representado como diferente e deixa de ser visto como deficiente e patológico, iniciando uma abordagem bilíngue de educação. O bilinguismo surge como oposição à pratica educativa tradicional, e respeitado como um reconhecimento político admitindo a surdez como diferença, considerando o surdo como linguístico e cultural. Conduzidos nessa percepção da surdez como diferença, a proposta bilíngue de educação nos aproxima à língua dos surdos que deve ser por meio da língua de sinais, no caso do Brasil, pela Língua brasileira de sinais (Libras). Nessa proposta pedagógica, os surdos desenvolvem sua língua e se organizam como sujeitos. Diversos estudos na área da antropologia verificaram que a comunidade surda, desde a sua existência, se organizava, criando, expandindo e consentindo a língua de sinais, antes mesmo do Congresso de Milão, em que os sinais foram proibidos. A partir da visão socioantropológica se inicia a pesquisa, a discussão e o pensar de uma educação bilíngue, percebe- se que é inevitável a socialização da criança surda, tanto na comunidade surda como na comunidade ouvinte. Segundo Quadros (1997, p.28) diz que devemos: “permitir o acesso rápido e natural da criança surda à comunidade ouvinte e para fazer com que ela se reconheça como parte de uma comunidade surda”, por isso ela deve ser uma proposta multicultural e bilíngue, referindo-se à comunidade surda e reconhecendo que esta possui uma cultura e uma língua própria que devemos respeitar. É primordial entender os assuntos relacionados aos surdos em uma concepção de superação da visão clínica da surdez no campo institucional e no campo social ou cultural, regatando o seu papel social na estrutura educacional voltada ao reconhecimento da diferença e não mais deficiência, valores esses pautados em uma sociedade democrática e inclusiva Relação das família ouvinte com filho surdo Quando um casal ouvinte resolve ter um filho, idealizam e constroem uma imagem de perfeição, mas se o filho esperado nasce com necessidade especial, os sonhos se transformam em dúvidas, angústias e preocupação. Porém, se for um casal de pais surdos, esse fato é um motivo de alegria, por se tratar de um acontecimento natural e os surdos não enxergam como um “problema social”, diferentemente das famílias ouvintes, pois são iguais aos pais. Há pesquisas que mostram que a maioria dos surdos nascem em famílias de ouvintes. Essas famílias quando recebem a informação de que seu filho é surdo, sentem a sensação que seu filho é doente, deficiente ou incapaz. Tudo por conta do que pensam sobre a questão do surdo. Diante das informações que temos durante a nossa vida, acreditamos nessas informações, e elas passam a fazer parte de nossa crença, interferindo na relação com os outros e na forma de julgá-los. Uma vez difundido e tendo aceitado este conteúdo, ele se constitui em uma parte integrante de nós mesmos, de nossas inter-relações com os outros, de nossa maneira de julgá-los e de nos relacionarmos com eles. Como o passar do tempo, os familiares abraçam a causa e procuram orientações de médicos, assistência da área de saúde em busca de fonoaudiólogos, psicólogos; e quando o filho ingressa na escola, devem esclarecer a necessidade de interpretes se for em escola de ouvintes. Referindo-se à escola, é uma outra questão que deve ser compreendida no momento da escolha e o tipo de linguagem que a criança surda (filho) utiliza para a comunicação. Se a família acha que o filho deve usar a fala, usa-se da modalidade oral da língua portuguesa, optando por uma escola de ouvintes. Mas, se a busca for pelo uso da língua de sinais, deverão colocá-los em escolas oferecidas para surdos ou escolas que tenham acessibilidade (intérpretes ou tradutores). As famílias que representam a educação dos surdos no modelo socioantropológico priorizam a educação por meio da língua de sinais. Esses familiares aceitam a diferença linguística, política e cultural. E ainda compreendem a importância da convivência com outros surdos dominadores da Libras para o desenvolvimento cognitivo e social de seu filho. Conclusão Nesta aula vimos a diferença da visão clínica e visão socioantropológica com relação à surdez e suas implicações, o quanto precisamos conhecer sobre o surdo e respeitar o que cada um prefere, o uso da língua de sinais, o uso de aparelho auditivo, ou ainda, o implante coclear. Vimos também o quão difícil é os pais das crianças decidirem algumas situações que acarretarão para sempre na vida do surdo. Assistam à videoaula com o tema “FRUTAS”, e treinem cada sinal. Na próxima aula, veremos as concepções sobre a surdez, com relação a “Cultura, identidade e surdez”. Indicação do filme O milagre de Anne Sullivan – Conta um pouco da história (verídica) de Hellen Keller, a menina cega-surda, citado no capítulo. Referências BRASIL. Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – Libras e dá outras providências. Diário Oficial da União. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/cCivil_03/LEIS/2002/L10436.ht m>. Acesso em: 09 de set de 2020. CANGUILHEM, G. O normal e o patológico. 4. Ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995. HONORA, Márcia, FRIZANCO, Mary Lopes Esteves. Livro Ilustrado de Língua Brasileira de Sinais: desvendando a comunicação usada pelas pessoas com surdez. II Título, São Paulo, Ciranda Cultural, 2009. QUADROS, Ronice Muller de. Educação de surdos: aquisição da linguagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.
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