Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Modernidade Líquida, de Zygmunt Bauman João Vitor Silva Gama 2019027709 No presente fichamento, iremos abordar aspectos da obra central de Zygmunt Bauman, autor de Modernidade Líquida e toda série de cartas/artigos que aborda a teoria da desconstrução da solidez das relações humanas na era da pós-modernidade. Segundo ele, a solidez das instituições sociais (como família, religião e relações de trabalho) perde espaço, de forma acelerada, para o fenômeno de liquefação, no período denominado por ele como “Modernidade Líquida” (outros autores chamam de “pós-modernidade” ou “hipermodernidade”). Dessa forma, tal estabilidade/concretude (de forma análoga aos estados da matéria), derrete-se tomando a amorfabilidade do estado líquido, levando o indivíduo a um estado contínuo de incertezas, provações, e portanto, medo. Nesse contexto, fluidez e flexibilidade são características inerentes às novas relações da dita modernidade líquida. Tais características já são vistas por nossa sociedade atual com “bons olhos”: muitas vezes, para garantir sua vaga, o empregado deve ser flexível aos horários, decisões e regras da empresa, sem, contudo, poder opinar, pois assim como descrito em Modernidade Líquida, a liquefação dos sólidos explicita um tempo de desapego, inconstância e provisoriedade, uma suposta sensação de liberdade que, em suma, não passa de uma evidência do desamparo social em que se encontram os indivíduos. Dessa forma, o empregado vive com a constante sensação de ser descartável, e facilmente substituído, logo, sem poder de fala. Assim como no ramo das relações trabalhistas, no campo amoroso, relacionamentos voláteis e fluidos remetem a uma sensação de leveza e descompromisso, que, novamente, é associada à liberdade individual. O lado negativo dessa suposta liberdade é o já estatisticamente comprovado crescimento de doenças da mente como depressão, solidão e desamparo. Dessa forma, uma evidência que vivemos a modernidade líquida de Bauman é a declaração, por parte da OMS (Organização Mundial de Saúde) de que a depressão, é oficialmente, o mal do século XXI. Nesse cenário, onde ter é ser e ser é estar, não há compromisso com a ideia de permanência e durabilidade. Por esta razão, manter-se em permanente movimento é fundamental para aceitação coletiva e felicidade própria. No novo mundo líquido, onde nada é feito para durar, a obsolescência já está programada: os mais variados bens de consumo param de funcionar como o esperado, e o conserto é tão caro que vale mais a pena desfazer-se dos velhos aparelhos para comprar novos. Assim, indivíduo e empresa trabalham para um mesmo propósito (mesmo que o indivíduo não tome consciência disso): o consumo desenfreado e insustentável. “[...] ter e apresentar em público coisas que portam a marca e/ou logo certos e foram obtidas na loja certa é basicamente uma questão de adquirir e manter a posição social que eles detêm ou a que aspiram. A posição social nada significa a menos que tenha sido socialmente reconhecida [...] “ “[...] a vida humana é, assim, um esforço incessante para preencher um vazio assustador, tornar a vida significativa [...]” Modernidade Líquida. Bauman, Zygmunt Têm-se assim, consumidores ávidos na busca de mercadorias que confiram um status de diferenciação em relação ao outro, ou de afirmação da própria personalidade. Nesse sentido, o consumo torna-se estratégia de individualização. Mesmo todos tendo consciência da inviabilidade do modo de vida “recursos infinitos”. Absorver, devorar, ingerir e digerir, para então aniquilar. É a sequência a ser seguida: cíclica, no entanto, retornando ao ponto inicial com menos matéria prima disponível para satisfazê-lo. Um discurso frequente atualmente é que trabalhar mais, e conseguir uma remuneração maior, leva a um acréscimo da sensação de felicidade ou uma promessa de uma vida feliz. Sendo assim, o ato de trabalhar parece estar relacionado prioritariamente com um único fim: consumir, e não mais como satisfação pessoal, justificando mais uma vez o segundo trecho citado da obra de Bauman. Ao tomar conhecimento das intercorrências que viver numa sociedade líquida acarreta, o homem percebe que pode gerar lucros inimagináveis com tal sistema, transformando o sentimento de satisfação pessoal inalcançável, mas sua busca cíclica: produtores cada vez mais ricos e consumidores cada vez mais seduzidos pelo mercado, consequentemente, mais dependentes do ato de consumir. Sem perceber os indivíduos tornam-se consumidores em alta escala e as relações humanas são resumidas aos momentos de interação econômica: comprar torna-se um ato moral, um símbolo de preocupação com o outro. Exemplo desse fenômeno são as datas comemorativas como Dia dos Namorados, das mães, dos pais, e afins, que, sob uma análise minuciosa, revelam sua faceta má, uma vez que tais datas surgem apenas para fazer a movimentação econômica em meses de menor consumo. Outras, perdem seu sentido original, e torna-se apenas uma data de troca de presentes, como por exemplo o Natal, que originalmente simbolizava a data da chegada de Jesus Cristo a Terra. O fim da era de estabilidade, traz um medo sem precedentes. É a ascensão do mundo das tribos que funcionam como uma barreira contra diferentes. Assim, a formação de grupos e comunidades é baseada a partir da defesa de tipos de características aleatórias. Pobres, imigrantes, homossexuais, pretos e latinos. Os laços sociais resumem-se então a afiliação por guetos, o que levou Bauman a descrever um crescente processo como tribalização social. E novamente, no intuito de se sentir pertencente a um grupo social a identidade se torna um consumível, disposto nas prateleiras. A cultura líquida é o único modelo cultural até o momento que tenha prometido (não permitido) a felicidade no campo terreno, ao contrário de religiões, como a promessa um de paraíso. No entanto, para manter o ideal de mudança, e o lucro de empresas que se aproveitam dessa liquidez, assim como os produtos se tornam obsoletos, estilos de vida comercializados são diariamente substituídos por outros nas prateleiras da contemporaneidade. Além disso, para Bauman, a modernidade entrou numa fase de individualização que provocou um rompimento entre a construção individual da vida, e da vida em sociedade. O fenômeno mais aparente dessa desvinculação é o processo de desregulamentação política, social e econômica que se manifesta no descrédito na participação política, segregação socioeconômica, e capitalismo predatório, respectivamente. Atualmente, com a pandemia do novo Covid-19, palavras como coronavírus, SARS-CoV-2, quarentena, empatia, isolamento social, nunca estiveram tão presentes no nosso vocabulário como agora, vocábulos esses que remetem, prioritariamente, à natureza social de ser humano, como na máxima aristotélica: “o homem é um animal social”. O estranhamento em relação a contextos isolacionistas (colapso da liquidez das relações sociais) preconizado pela modernidade líquida, no mínimo, revelam a existência de um paradoxo, visto que, considerávamos a busca pelo progresso justamente a construção de sociedades fluidas, tecnológicas (que até dias atrás privilegiavam as relações virtuais), o que impactou nas relações sociais e nos modos de vida, nos distanciando do princípio originário que define o homem, a sua natureza social, a sua necessidade de grupo. As pessoas, então, passaram a sofrer por se sentirem obrigadas à privação do convívio sócio físico, o qual, até pouco tempo, era natural e inconscientemente substituído pelo convívio sócio virtual. Em cumprimento a essas recomendações, governos federais, estaduais e municipais mundo afora têm decretado medidas que levem à efetividade desse isolamento, restando aos seres virtuais das sociedades do progresso contentarem- se com as relações fluidas, mediadas pela tecnologia, criadas e tãovalorizadas por nós. Essa foi uma análise breve, resumida de uma extensa e complexa obra sociológica que aborda a teoria da liquefação, que já pode ser vista como presente, permeando as relações sociais de todos os indivíduos que vivem em sociedade.
Compartilhar