Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
1 de 4 Projeto Terapêutico Singular: reflexões para a saúde mental Cosme Rezende Laurindo1 26/03/2018 O Projeto Terapêutico Singular (PTS) é o principal instrumento de trabalho interdisciplinar dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), disponibilizado desde 1994, conforme a Portaria 147/1994, e possibilita a participação, reinserção e construção de autonomia para o sujeito em sofrimento psíquico, sendo ferramenta de organização e sustentação das atividades com outros pontos de uma mesma rede, baseadas nos conceitos de corresponsabilização e gestão integrada do cuidado (BRASIL, 2007; PINTO et al., 2011; DESCHAMPS; RODRIGUES, 2016). Antigamente denominado Projeto Terapêutico Individual, teve alteração de nomenclatura, visto que sua construção se direciona a um sujeito, seja indivíduo, família ou comunidade, bem como desenvolve-se considerando a singularidade (a diferença) como elemento central de articulação (BRASIL, 2007; SILVA et al., 2016). A construção do PTS deve se dar em espaços amplos de discussão, que podem ser constantemente revisitados, tendo como mediador o Técnico de Referência do sujeito o qual está recebendo o cuidado, que deve zelar pela participação ativa não só da equipe no qual se insere, como do usuário que apresenta uma demanda, estimulando a autonomia e responsabilização deste em seu próprio processo de cuidado, a partir de pactuações, buscando ferramentas para contornar a lógicas reducionistas de assistência (UNA-SUS, 2014; DESCHAMPS; RODRIGUES, 2016). O PTS deve contemplar a lógica assistencial na qual está inserido, sendo que na área de saúde mental, a lógica utilizada é de uma assistência biopsicosocial de base comunitária com trabalho voltado não só para o sujeito, mas integrando o território ao qual faz parte, partindo sempre das demandas levantadas para quem se direciona, exigindo escuta e acolhimento (BRASIL, 2007; PINTO et al., 2011). O território dito anteriormente é observado a partir da noção de território-vivo de Santos (2001), que considera as relações sociais e as dinâmicas de poder que configuram os territórios como lugares que tomam uma conotação também subjetiva. 1 Enfermeiro. CV: http://lattes.cnpq.br/9954590863114471. cosmelaurindo@outlook.com http://lattes.cnpq.br/9954590863114471 mailto:cosmelaurindo@outlook.com Associando ao que nos traz Guattari (1990), quando fala sobre territórios-existenciais, que podem ser individuais ou de grupo, representando espaços e processos de circulação das subjetividades das pessoas. São territórios que se configuram/desconfiguram/reconfiguram a partir das possibilidades, agenciamentos e relações que as pessoas e grupos estabelecem entre si (BRASIL, 2013; DESCHAMPS; RODRIGUES, 2016). Deve-se prover de um processo de trabalho que contemple a clínica ampliada, sendo um compromisso radical com o sujeito que apresenta uma demanda, assumindo responsabilidade, mesmo ao inserir o sujeito em uma rede intersetorial, reconhecendo as limitações dos profissionais, atuando de acordo com a ética, movimentando o sujeito através da rede assistencial, sem que haja redução à mero trânsito, buscando significar todos os ambientes aos quais houver compartilhamento de caso (WAIDMAN; ELSEN, 2005; BRASIL, 2007; PINTO et al., 2011; BRASIL, 2013). O PTS não deve ser estanque, muito pelo contrário, necessita de revisão constante, visto que o processo de trabalho necessita acompanhar a dinamicidade do processo de adoecimento (BRASIL, 2007; SILVA et al., 2016). Essa dinamicidade visa atender para além do tratamento de doenças, com ações de cunho assistencial que dialoguem com a integralidade, reduzindo o sofrimento e promovendo retomada da vida (BRASIL, 2007; BRASIL, 2013; DESCHAMPS; RODRIGUES, 2016). A partir destas reflexões sobre o PTS, faz-se importante destacar o caráter concreto que deve permear sua construção, de forma a haver diálogo entre os sujeitos participantes de forma a diferenciar o ideal, do real, direcionando todas as propostas a atender a possibilidade atual frente às demandas que se apresentam (BRASIL, 2013; LINASSI et al., 2013). A construção do PTS tem como orientação quatro etapas, descritas a seguir e com relações demonstradas na Figura 1 (BRASIL, 2013; UNA-SUS, 2014): 1. Definição de hipóteses diagnósticas e diagnóstico situacional: identificar as necessidades, demandas, vulnerabilidades e potencialidades mais relevantes de quem busca ajuda. É importante cartografar o contexto social e histórico em que se inserem a pessoa, a família, o grupo ou o coletivo ao qual está dirigido o PTS; 2. Definição de metas: Definição de objetivos e metas: definir as questões sobre as quais se pretende intervir, visando a uma maior inserção social, a ampliação de autonomia e a ativação da rede de suporte social; 3. Divisão de responsabilidades: entre todos os sujeitos envolvidos no processo do PTS, desde os membros da equipe buscada para início do trabalho em saúde, perpassando todos os espaços nos quais o sujeito transitará e o próprio sujeito; 4. (Re)Avaliação: na qual se concretiza a gestão do PTS, de forma que a revisão de prazos, expectativas, tarefas, objetivos, metas e resultados esperados e obtidos podem ajudar a mantê-lo ou introduzir e redirecionar as intervenções conforme as necessidades. FIGURA 1: Metodologia de Reavaliação do Processo de Trabalho em Saúde no PTS Fonte: UNA-SUS, 2014 A realização do PTS é direcionado a construção de planos de trabalhos para casos graves e persistentes, que necessitem diálogo entre diferentes saberes, práxis profissionais e serviços, mas pode ser utilizada para quaisquer demandas apresentadas a um serviço (BRASIL, 2007; SILVA et al., 2016). Dentro da lógica assistencialista de um CAPS, tem-se que todos os casos demandam a construção de um PTS, mesmo aqueles que não tenham indicação para acompanhamento no serviço por ter resolutividade que pode ser corresponsabilidade para outros serviços (como aqueles constituintes da atenção básica), o que irá variar é a complexidade de construção desse PTS, bem como a periodicidade de reavaliação (DESCHAMPS; RODRIGUES, 2016). REFERÊNCIAS BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Núcleo Técnico da Política Nacional de Humanização. Clínica ampliada, equipe de referência e projeto terapêutico singular. Brasília: Ministério da Saúde, 2007. 60 p. : il. color. – (Série B. Textos Básicos de Saúde). ______. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Saúde mental. Brasília: Ministério da Saúde, 2013. 176 p. : il. (Cadernos de Atenção Básica, n. 34). DESCHAMPS, A. L. P.; RODRIGUES, J.. Política de Saúde Mental e Projeto Terapêutico Singular. Cadernos Brasileiros de Saúde Mental, Florianópolis, v. 8, n. 17, p.78-92, 2016. GUATTARI, F. As três ecologias. 13. ed. Campinas, SP: Papirus, 1990. PINTO, D. M. et al. Projeto terapêutico singular na produção do cuidado integral: uma construção coletiva. Texto Contexto Enferm, v. 20, n. 3, p. 493-202, 2011. SANTOS, M. Por uma outra globalização (do pensamento único à consciência universal). Rio de Janeiro: Record, 2001. SILVA, A. I. et al. Projeto Terapêutico Singular para profissionais da estratégia de saúde da família. Cogitare Enferm, [s. L.], v. 21, n. 3, p.01-08, jul./set. 2016. UNIVERSIDADE ABERTA DO SUS (UNA-SUS). Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Como formular um projeto terapêutico singular. 2014. Unidade 2 do módulo 9 que compõe o Curso de Especialização Multiprofissional em Saúde da Família. Disponível em: <https://ares.unasus.gov.br/acervo/handle/ARES/1150>. Acesso em: 24 mar. 2018.
Compartilhar