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SOCIEDADE E CONTEM PORANEIDADE Paulo G. M . de M oura Paulo G. M. de Moura Código Logístico 57357 Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-85-387-6435-9 9 788538 764359 Sociedade e Contemporaneidade IESDE BRASIL S/A 2018 Paulo G. M. de Moura Todos os direitos reservados. IESDE BRASIL S/A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ M889s Moura, Paulo G. M. de Sociedade e contemporaneidade / Paulo G. M. de Moura. - [2. ed.]. - Curitiba [PR] : IESDE Brasil, 2018. 110 p. : il. Inclui bibliografia ISBN 978-85-387-6435-9 1. Sociologia. 2. Movimentos sociais. I. Título. 18-48491 CDD: 306 CDU: 316.7 © 2007-2018 – IESDE BRASIL S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito do autor e do detentor dos direitos autorais. Projeto de capa: IESDE BRASIL S/A. Imagem da capa: Rawpixel/iStockphoto. Paulo G. M. de Moura Doutor em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), mestre em Ciência Política e graduado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), especialista em Educação a Distância pelo Senac-RS. Atua na área de ciência política, com ênfase em estudos eleitorais e partidos políticos, e de comunicação política e marketing político. Sumário Apresentação 9 1. As sociedades como sistemas 11 1.1 As partes e o todo 11 1.2 Interfaces e mútua dependência entre as partes 12 1.3 As partes e suas funções 13 1.4 Estabilidade e ruptura do sistema 13 1.5 Aplicação do modelo ao objeto de estudo 14 2. Grandes ciclos de transformação sistêmica da sociedade 17 2.1 Para entender como a sociedade muda 17 2.2 A pré-história 19 2.3 A sociedade agrícola 20 2.4 A sociedade industrial 20 2.5 A sociedade pós-industrial 21 3. A sociedade agrícola 25 3.1 A civilização grega 26 3.2 A civilização romana 27 3.3 O cristianismo 28 3.4 A ordem feudal 29 3.5 O fim da era agrícola 29 4. A sociedade industrial 31 4.1 A lógica do sistema de produção 31 4.2 A lógica do sistema social 32 4.3 A lógica do sistema político 33 4.4 Capitalismo e socialismo: dois modelos e um sistema 35 4.5 Crise e ruptura do sistema 36 5. A história da globalização 39 5.1 O que é globalização? 39 5.2 Antecedentes da globalização 41 5.3 Formação do mercado mundial 41 5.4 O impacto da Revolução Industrial sobre a economia mundial 43 5.5 O surgimento do capital financeiro 45 6. A ordem internacional pós-Segunda Guerra 47 6.1 Antecedentes da ordem internacional pós-guerra 47 6.1 Consolidação de um sistema político-econômico mundial 48 6.2 A falência do socialismo e a ruptura do sistema 51 6.3 Revolução tecnológica e novo ciclo de expansão do capitalismo 53 7. A sociedade pós-industrial 55 7.1 A natureza da mudança 55 7.2 Sentido e rumo das mudanças 56 7.3 Conhecimento e velocidade 58 7.4 Riqueza intangível e economia simbólica 59 7.5 Trabalhar e empreender na nova economia 60 8. Identidades em transformação 65 8.1 O mundo virtual mudando nossa vida real 65 8.2 Espelho, espelho meu: onde estou, quem sou eu? 66 8.3 De onde viemos? Onde estamos? 66 8.4 Para onde vamos? 69 9. Significados e representações no mercado de símbolos 71 9.1 Representações e identidades 71 9.2 Participação imaginária 74 9.3 O poder de infinitas caras: realidade ou imaginação? 74 10. O poder na sociedade pós-industrial 77 10.1 Os sistemas de poder ao longo da história 78 10.2 O poder na sociedade industrial 80 10.3 Crise e transformação do sistema de poder da sociedade industrial 81 10.4 As causas de crise 82 10.5 A democracia do futuro 84 11. A sociedade brasileira como sistema 87 11.1 O Estado-nação como um sistema 87 11.2 A formação da nação 89 11.3 O subsistema dominante 89 11.4 A crise do sistema e o imperativo da mudança 93 11.5 O voo da galinha: o jeito brasileiro de mudar sem mudar 94 12. As chances da democracia no Brasil 97 12.1 Um conceito de democracia 97 12.2 A democracia no contexto atual 98 12.3 A teoria da democracia aplicada ao caso brasileiro 101 12.4 A realidade põe a teoria em xeque 102 Gabarito 105 Referências 109 Apresentação As ciências sociais surgiram muito recentemente, tendo por base e escopo um longo proces- so de especialização do trabalho, que marcou a evolução do sistema de produção de riquezas e a forma de organização segmentada do conhecimento humano. Neste livro, recorreremos à analogia do corpo de organismos vivos, entendidos como sis- temas, para compreender a estrutura e o funcionamento dos sistemas sociais que a civilização humana, em geral, e cada Estado-nação, de modo particular, desenvolveram ao longo da história. Nessa abordagem, a organização dos sistemas que caracterizam as sociedades ou civilizações é formada por diversas partes, que se equivaleriam aos órgãos de um ser vivo. Essas partes não apenas se relacionam, mas também se expõem ao contato e à troca de influências mútuas com o ambiente externo a elas, transformando-se e evoluindo (ou involuindo). Desse modo, todos os Estados-nações, assim como as civilizações agrícola, industrial e pós-industrial, abrangeriam subsistemas socioeconômico, político e cultural, combinando-se de maneira específica e distinta, como se tivessem uma personalidade, um código genético, à ima- gem e semelhança dos seres humanos. Essa personalidade é chamada de identidade nacional nas ciências sociais. Nasce assim o “código genético” da nova civilização pós-industrial, cujos cromossomos pe- netram como água em terreno irregular e nas veias de um sistema supercomplexo. Circula, de um lado para outro do planeta, em alta velocidade, um volume imenso de informações e riquezas tan- gíveis e intangíveis. Para entendermos corretamente a complexidade desse fenômeno, em suas múl- tiplas facetas e implicações, é preciso analisá-lo sob um novo enfoque, que ultrapasse a dimensão econômica e abandone a perspectiva de vê-lo apenas como uma nova etapa de um sistema antigo. Com essa visão de sociedade como um grande sistema, percorreremos nesta obra temas como os grandes ciclos de transformação sistêmica da sociedade, a sociedade agrícola e a indus- trial, o surgimento e desenvolvimento da globalização e a ordem internacional estabelecida no pós-Segunda Guerra Mundial. Trataremos também das características da sociedade pós-industrial e da crise nas identidades individual e coletiva da humanidade, além de discutirmos os sistemas de poder e suas representações. Nesse mesmo contexto, fechando a obra, discorreremos especifica- mente sobre a sociedade brasileira como sistema, sua realidade e suas perspectivas democráticas. Tal como fazem os psicólogos e psicanalistas quando investigam os mistérios da mente para desvendar os meandros da matriz sistêmica de uma sociedade, é preciso compreendermos de ma- neira aprofundada fatores como história, política, economia, sociologia, psicossociologia e cultura de uma nação. Afinal, a construção das sociedades é uma obra aberta e inacabada, que pode nos levar a um futuro melhor ou ao retrocesso. Boa leitura. 1 As sociedades como sistemas O surgimento das ciências sociais é relativamente recente. Ele se deu por meio de um longo processo de especialização do trabalho, que marcou a evolução do sistema de produção de rique- zas e a forma de organização segmentada do conhecimento humano. As revoluções Francesa e Industrial – ocorridas nos séculos XVIII e XIX – cooperaram para o surgimento dessa ciência, e o pensamento positivista1 possibilitou sua solidificação ainda no século XIX. Em virtude de ser uma nova área do conhecimento científico, suas teorias se fundamen- taram em modelos e representações figurativas oriundas de outras ciências. Para construir seus próprios conceitos, empregaram-se sistemas teórico-metodológicos, categorias, metodologias e teorias provenientes de outrasáreas. A construção de analogias, com sistemas mecânicos ou com os corpos de organismos vivos, emprestadas das ciências exatas ou biológicas, era recorrente nas ciências sociais. Neste capítulo, também recorreremos à analogia do corpo de organismos vivos, entendi- dos como sistemas, para compreender a estrutura e o funcionamento dos sistemas sociais que a civilização humana, em geral, e cada Estado-nação, de modo particular, desenvolveram ao longo da história. 1.1 As partes e o todo Para melhor entender os significados implícitos à ideia de sistema, é possível recorrer ao Dicionário Houaiss (2009) e destacar algumas de suas definições. Essas noções poderão ser úteis para a compreensão da aplicação que será feita em seguida. Sistema 1 conjunto de elementos, concretos ou abstratos, intelectualmente organizados 1.1 conjunto de ideias logicamente solidárias, consideradas nas suas relações 1.2 conjunto de regras ou leis que fundamentam determinada ciência, fornecen- do explicação para uma grande quantidade de fatos [...] 1.3 distribuição e classificação de um conjunto de elementos segundo uma or- dem estabelecida [...] 1.4 [...] qualquer conjunto natural constituído de partes e elementos interdependentes [...] 1 Doutrina filosófica de Auguste Comte (1798-1857) caracterizada pelo rigor científico e pelo emprego de metodolo- gias quantitativas. Sociedade e Contemporaneidade12 1.5. [...] arrolamento de unidades e combinação de meios e processos que visem à produção de certo resultado 1.5.1. [...] inter-relação das partes, elementos ou unidades que fazem funcionar uma estrutura organizada [...] conjunto das instituições econômicas, morais, políticas de uma sociedade, a que os indivíduos se subordinam (HOUAISS, 2009) Ao observar atentamente essas definições, é possível encontrar categorias aplicáveis à análise e ao estudo de qualquer sistema, tais como: • relação entre as partes de um todo e do todo com as partes; • espécies diferentes de sistemas; • relação entre objetivos, meios e fins; • técnicas, métodos; • conjunto de normas ordenadoras das relações internas entre as partes de um todo; • hábitos e costumes de organizações, grupos e/ou sociedades determinados. Diante das diferentes definições e das categorias a elas relacionadas, serão tratados a seguir alguns aspectos relevantes para a aplicação às ciências sociais. 1.2 Interfaces e mútua dependência entre as partes A organização dos sistemas que caracterizam as sociedades ou civilizações é formada por diversas partes, que se equivaleriam aos órgãos de um ser vivo. Para que o conjunto possa existir e funcionar, todos os organismos vivos, assim como os sistemas de qualquer tipo, necessitam que suas diferentes partes funcionem de maneira integrada e interdependente. As noções de funciona- mento, de função das partes, de integração, de harmonia e de interdependência, além da ideia das partes vistas como órgãos de um sistema, também são recursos importantes para as analogias entre organismos vivos e sistemas sociais. Dessa forma, as noções de harmonia, de equilíbrio e estabili- dade dos órgãos de um corpo seriam equivalentes, na teoria social, às noções de ordem pública, paz social, segurança, eficiência, entre outros conceitos. No sentido contrário, a desordem, os conflitos, a violência, a insegurança pública e a ineficiência das instituições seriam doenças do sistema. Assim como acontece com os organismos vivos, as partes desses sistemas não apenas se relacionam, mas também se expõem ao contato e à troca de influências mútuas com o ambiente externo a elas. Além disso, ambos os sistemas (biológico e social) têm história, passado e memória. Aplicando um raciocínio inverso, isto é, se adotar os conceitos das ciências humanas para as ciên- cias biológicas, não é errado admitir que os organismos vivos, de maneira análoga ao que acontece com os indivíduos e as sociedades e civilizações humanas, também têm história, experimentam processos de desenvolvimento específicos, são passíveis de influências e adaptáveis às circunstân- cias impostas pela realidade, transformam-se e evoluem, ou involuem, conforme reagem às pres- sões e trocas com o ambiente externo ao sistema. As sociedades como sistemas 13 Subjacentes às ideias anteriormente desenvolvidas, podem estar conceitos como os de har- monia, coesão, integridade e totalidade do sistema, mútua relação e dependência das partes entre si e com o todo, adaptabilidade, progresso, estagnação ou retrocesso. Todos esses conceitos são aplicáveis à análise de sistemas sociais e aos organismos vivos, entendidos também como sistemas. 1.3 As partes e suas funções Seguindo a mesma linha de raciocínio, pode-se recorrer à analogia da função que o cérebro exerce nos seres humanos à noção da função que um governo exerce em relação a uma sociedade. Segundo Ferraz (2007, p. 1-2): A concepção orgânica da sociedade e da política, portanto, sempre revelou-se atraente para os governantes que pretendiam enfatizar aquelas características nos seus governos. A forma de governo mais harmônica e compatível com esta concepção foi, e é, a monarquia. Grande parte dos teóricos da monarquia usa- ram esta analogia, praticando muitas vezes uma interpretação literal das seme- lhanças entre os dois organismos. De acordo com esta concepção de monarquia, o Rei equivalia à cabeça no corpo humano (dotada de razão e vontade), sede da sabedoria, e, por consequência, o órgão de comando do corpo físico ou político. Esta a razão para a escolha da decapitação como a punição extrema aplicada aos reis. Decapitar é separar a cabeça do corpo, eliminando o seu poder de co- mandar o corpo. Decapitar um Rei foi sempre a maneira simbólica de remover a ”cabeça do reino”, o seu governante, rompendo todos os vínculos de hierarquia e comando que dele partiam para a sociedade. Mediante outros raciocínios análogos, pode-se dizer que o governo equivale ao cérebro de um sistema político, o parlamento ao órgão do sistema Estado, que pulsa conforme a influência dos fluxos de pressão popular. Os fluxos de pressão popular, nesse caso, podem ser entendidos como equivalentes funcionais ao papel que a corrente sanguínea exerce no organismo humano, especial- mente em relação ao papel do subsistema cardiovascular para o corpo humano. Da mesma forma, os partidos, os sindicatos e os grupos de pressão podem ser vistos como as veias por meio das quais o fluxo sanguíneo da pressão popular chega ao parlamento (coração) e, com base nele, chegam ao cérebro, que responde ao estímulo da irrigação sanguínea com o atendimento da demanda social. Isso, é claro, em um sistema saudável. 1.4 Estabilidade e ruptura do sistema O recurso a esse artifício nem sempre permite um alto grau de precisão analógica entre os órgãos ou organismos vivos e as partes de um sistema e/ou a um sistema social como um todo. Ferraz (2007, p. 2) identifica o problema ao afirmar que: o organismo, seja ele qual for, está sujeito à dinâmica da homeostasis, isto é, a retornar a um ponto de equilíbrio natural. O princípio da homeostasis, portanto, implica a existência de um estado de equilíbrio natural no or- ganismo, que corresponde ao satisfatório funcionamento dos seus órgãos. Qualquer distúrbio que altere este equilíbrio provoca mudanças adaptati- vas para recuperá-lo. No organismo humano, este ponto de equilíbrio cor- responderia ao estado de saúde do corpo. Já na sociedade, este ponto de Sociedade e Contemporaneidade14 equilíbrio tenderia a valorizar, de maneira excessiva, a estabilidade sobre a mudança. Em outras palavras, a concepção organicista da sociedade e da política tende a privilegiar uma visão conservadora, onde a homeostasis funciona para a preservação do status quo. Mudanças de maior porte, assim como criação de novos órgãos, ou remanejo de funções entre órgãos, aco- modam-se com dificuldade dentro desta concepção. Será outra analogia, a mecânica, preponderante durante os séculos XVI e XVII, que será usada pelos homensque vão construir novas nações (Revolução Americana) ou reformar profundamente as estruturas políticas de nações antigas, como a Inglaterra e a França. As noções de equilíbrio, estabilidade, harmonia, entre outras, podem servir às teorias sociais que têm como foco a preservação da ordem social e do bom funcionamento de uma sociedade determinada e existente. Esse pressuposto implica a identificação da posição ideológica e do enfo- que do cientista social que aplica esse modelo, com a preservação do status quo (estado que existia antes) vigente nesse sistema social determinado. As teorias que adotam esse tipo de enfoque entendem que os eventuais processos de mu- dança social devem ter caráter reformista, isto é, servem como processos de adaptação a novas exigências do ambiente interno e/ou externo ao sistema. Essa adaptação deve ocorrer obedecendo às regras previstas e vigentes, definindo formas pacíficas pelas quais – de maneira gradual e em um ritmo condizente com o equilíbrio do todo – as mudanças podem e devem acontecer, sem a desestabilização ou a ruptura do todo. No entanto, existem algumas correntes de pensamento da teoria social que entendem a evolução da história por meio de conflitos e rupturas, descartando, portanto, as analogias orgânicas como recurso adequado à compreensão dos fenômenos relacionados à ação dos seres humanos em sociedade. 1.5 Aplicação do modelo ao objeto de estudo O conceito de sistema pode ser aplicado em duas situações distintas: a primeira se relaciona à ideia de Toffler (1985) sobre as três ondas civilizatórias que marcaram o desenvolvimento da humanidade ao longo da história; a segunda aplica o conceito de sistema à análise da sociedade brasileira como Estado-nação. Nos dois casos, o conceito de sistema aplica-se à ideia de que uma civilização, ou uma sociedade nacional qualquer, pode ser vista como um sistema composto por partes ou subsistemas. As partes que compõem o todo – o grande sistema – seriam o subsistema econômico, social, político, cultural, e assim por diante. Todos funcionam de maneira inter-rela- cionada e interdependente. As ondas civilizatórias de Toffler (1985) correspondem ao sistema de produção de ri- queza predominante em cada um dos períodos descritos como: civilização agrícola; civilização industrial e civilização pós-industrial, definidos pelo autor como primeira onda, segunda onda e terceira onda, respectivamente. O conceito de subsistema econômico aplicado à análise da socie- dade de base agrícola pressupõe o modo de produção baseado no método artesanal de produção, tanto na agricultura quanto na confecção de utensílios para uso pessoal, familiar ou troca, que As sociedades como sistemas 15 vigorou nas civilizações desde o tempo em que o homem saiu das cavernas (pré-história) até o fim da era feudal. As sociedades com esse sistema de produção contavam com subsistemas sociais especí- ficos (organização comunitária baseada em aldeias, organização familiar baseada em grandes núcleos de convivência necessários ao trabalho braçal nas unidades de produção rural familiar etc.). Da mesma forma, as relações de poder (subsistema político baseado na mistura entre re- ligião e liderança, baixa complexidade e poucos níveis hierárquicos entre líderes e liderados) dessas sociedades têm formas próprias de organização e funcionamento, o mesmo ocorre com o subsistema cultural (religião, costumes, valores e rituais correlatos). A matriz conceitual implícita à ideia de sistema apresentará sua aplicação correspondente quando usada para o estudo da civilização, cujo subsistema econômico estava baseado no indus- trialismo tradicional. A indústria de tipo tradicional usava, predominantemente, tecnologias mecâ- nicas, trabalho especializado, produção em massa e seriada por meio de métodos de padronização e sincronização da produção fabril, na qual o trabalho braçal repetitivo predominava como impul- sionador da produtividade do sistema. Sob a vigência desse sistema, desenvolveram-se formas de organização social (cidades, núcleo familiar reduzido devido à mobilidade urbana do trabalhador fabril), política (democracia representativa, Estado-nação, burocracia etc.) e cultural correspon- dentes, típicas e distintas daquelas que existiam sob a sociedade de base agrícola. O mesmo esquema teórico-metodológico permite aplicar a analogia orgânica ao estudo da sociedade pós-industrial emergente, cujo sistema produtivo baseia-se em tecnologias e co- nhecimento (subsistema econômico), que por sua vez concebe seus correlatos, subsistema social, político, cultural e assim por diante. A sociedade pós-industrial está em processo inconcluso de formação, mas, como sistema, já insinua a formação de seus subsistemas social, político, cultu- ral, que são objeto de análise, debate e estudo central das ciências sociais contemporâneas. Finalmente, o modelo também se aplica aos casos de sociedades nacionais. Todas os Estados- -nações, tal como as diferentes civilizações, agrícola, industrial e pós-industrial da teoria de Toffler, podem ser vistas como sistemas cujos subsistemas social, econômico, político e cultural combi- nam-se de maneira específica e distinta, como se tivessem uma personalidade e um código genéti- co à imagem e semelhança dos seres humanos. Atividades 1. Além das analogias entre organismos vivos apresentados neste capítulo, quais outras ana- logias equivalentes você conseguiria fazer entre sistemas biológicos e/ou mecânicos e sis- temas sociais? 2. Sob o enfoque de um sistema social comparado a um organismo vivo, quais fatos sociais atuais poderiam ser utilizados como exemplos de doenças da sociedade contemporânea? 2 Grandes ciclos de transformação sistêmica da sociedade 2.1 Para entender como a sociedade muda A sociedade contemporânea experimenta um ciclo de transformações intensas, com impli- cações e consequências sobre o presente, o futuro da humanidade e condições de vida no planeta. A humanidade, mais numerosa do que antes, controla tecnologias de produção e destruição so- fisticadas e poderosas. A organização e o funcionamento da sociedade humana nunca foram tão complexos. Ao acompanhar o noticiário, os fatos parecem anunciar a iminência do fim do mundo: guerras, terrorismo, fanatismo religioso, crime organizado, corrupção, falência dos serviços públi- cos e do sistema de previdência social, manifestações violentas de insatisfação com governantes, catástrofes ambientais de grandes proporções, alterações climáticas, entre outros. Para entender essas mudanças, é possível recorrer mais uma vez à abordagem de Toffler. Sua teoria é a principal referência para a explicação aqui desenvolvida. Segundo o autor, as turbulências presentes no cenário mundial não prenunciam o “fim do mundo” como muitos podem pensar, mas indicam disputas por novos espaços de poder em função da falência das instituições sociais e políticas atuais e da emergência de um novo sistema social. Toffler defende a ideia de que essas mudanças obedecem a um padrão passível de ser identi- ficado, são cumulativas e contribuem para uma gigantesca transformação na maneira que as socie- dades vivem. Seu ponto de vista é de que a nova civilização que está emergindo traz consigo novos estilos de família, modos de trabalhar e viver, uma nova economia, novos conflitos políticos e uma nova forma de pensar e perceber a realidade que se descortina (TOFFLER, 2001). O esforço do autor orienta-se para a tentativa de educar o olhar para a percepção dos sinais que revelam o sentido e o padrão das transformações em curso que ele considera a chave para a compreensão do que nos espera no futuro. O sistema teórico desenvolvido pressupõe a existência de relações de influência mútua entre os subsistemas (econômico, social, político e cultural) de cada onda civilizatória. Para Toffler, a base dos sistemas sociais de cada civilização assenta-se sobre o sistema de produção de riqueza – ou subsistema econômico – de cada um desses períodos da his-tória da humanidade. A produção de riqueza, por sua vez, apoia-se em tecnologias determinadas. Por tecnologias entende-se não apenas os instrumentos (ferramentas, máquinas etc.) utilizados na produção daquilo que a sociedade necessita para se sustentar e se desenvolver, mas os métodos de organização, funcionamento e gestão da produção em cada uma dessas etapas históricas. O desencadeamento dos processos de transformação da matriz sistêmica de uma onda em outra, isto é, da transformação da civilização agrícola em industrial e da civilização industrial em pós-industrial, parte da descoberta de novas tecnologias. Essas descobertas desencadeiam mudan- ças na organização dos sistemas de produção que vão, gradativamente, tendo seu uso expandido até ganhar escala predominante sobre a matriz produtiva anterior. À medida que a escala de uso Sociedade e Contemporaneidade18 das novas tecnologias se amplia e impulsiona mudanças na organização da produção, começam, simultaneamente, a se processar transformações comportamentais, individuais e coletivas na vida dos indivíduos envolvidos com as atividades do sistema produtivo emergente. Com o tempo, essas transformações extrapolam o âmbito da produção e passam a provocar transformações sociais e culturais em proporções cada vez mais abrangentes, pois o trabalho ocupa maior parte do tempo e influencia o modo de vida dos indivíduos em todas as sociedades. Como consequência, as mudanças nos subsistemas econômico, social e cultural impulsio- nam alterações nas relações de poder nos âmbitos micro e macropolítico do tecido social. Aos poucos se estabelece um conflito de interesses entre a elite emergente, ligada ao novo sistema em expansão, e a elite decadente, que conquistou posições de poder e influência no seio do sistema de produção e está se deteriorando e cedendo lugar às novas relações sociais e de produção. Toffler propõe que a análise seja voltada para o que ele chama de frente da onda (a ponta mais avançada dos processos de mudança) de modo a direcionar o foco do observador não tanto para as conti- nuidades históricas, mas para as descontinuidades, ou seja, para as inovações e interrupções que possibilitam identificar os padrões-chave da mudança para se tornarem nítidos e agirem sobre e por meio deles (TOFFLER, 2001). Para ele, toda vez que uma onda de mudança passa a predomi- nar em uma determinada sociedade, torna-se relativamente fácil identificar o padrão de desenvol- vimento futuro (projetar tendências), o que permite aos indivíduos, empresas e governos escolher ou construir os caminhos que querem percorrer e as posições que querem ocupar no novo sistema. Toffler propõe entender simultaneamente o velho e o novo sob um ponto de vista teórico inédito. Para ele, as teorias desenvolvidas no passado para a compreensão do velho sistema tam- bém se tornam obsoletas com a decadência do sistema social superado. Esse é um pré-requisito para quem quiser se tornar beneficiário e não vítima das transformações em curso. Para uma cor- reta compreensão dessa teoria, é importante entender que esses processos de transformação não se dão de forma mecânica e linear. As diferentes ondas civilizatórias podem compartilhar o mesmo espaço-tempo de tal modo que em determinadas nações, sociedades ou regiões do mundo, é pos- sível que convivam indivíduos, organizações e setores econômicos ligados ao sistema de produção agrícola tradicional, ao sistema industrial da “era das chaminés” e/ou aos setores de alta tecnologia, típicos da sociedade pós-industrial emergente. Para Toffler (2001), boa parte dos conflitos e das crises sociais e políticas da sociedade atual se explicam pela incompatibilidade entre os paradigmas sistêmicos (interesses, mentalidades, cul- tura, regras e organizações) das diferentes ondas civilizatórias. Nesse contexto, o ambiente social torna-se conflituoso, pois a elite decadente não quer perder o poder e as vantagens que adquiriu no passado, e luta para impedir a mudança, ao passo que aqueles que estão ligados ao novo sistema de produção de riqueza e sua lógica lutam para impor seus interesses e para fazer valer suas posições nas novas relações de poder. Nesse processo, os graus de inserção de indivíduos, organizações, empresas, regiões e nações dependem da intensidade com que estão envolvidos pelas novas tecno- logias de produção e pelas relações sociais que elas delineiam. A civilização assentada sobre o sistema de produção agrícola-artesanal teve início há cerca de 10 mil anos, com a descoberta da agricultura. A civilização industrial durou aproximadamente Grandes ciclos de transformação sistêmica da sociedade 19 300 anos. Segundo Toffler, a terceira onda civilizatória teve poucas décadas para completar seu ciclo de mudanças, ou seja, trata-se de um conjunto de mudanças que já são e serão ainda mais sentidas no decorrer dos anos (TOFFLER, 2001). A velocidade das transformações é outra dimensão desse processo; a rapidez com que novas tecnologias são descobertas e postas a serviço da sociedade torna a mudança veloz e constante, uma característica estrutural intrínseca e permanente do novo sistema. Eventualmente, não é pos- sível perceber a abrangência e a profundidade dessas mudanças. Pode-se citar como exemplos: as estruturas familiares do casamento estável e monogâmico – que estão sendo substituídas por inúmeras outras formas e configurações de organização familiar, as quais impactam diretamente o sistema de crenças e valores que predominou no período precedente da história –; as crises econô- micas e políticas localizadas – que se expandem rapidamente por meio de redes de comunicação interligando pessoas e instituições –; os novos combustíveis, as novas fontes renováveis de energia, as novas matérias-primas; os métodos inovadores de gestão da produção, que varrem as máquinas e as linhas de montagem obsoletas das fábricas tradicionais. Empresas vão à falência e surgem tantas outras; surgem também novas atividades econômi- cas e novos postos de trabalho. A economia de serviços se sobrepõe à produção fabril. O trabalho braçal e algumas atividades produtivas que requerem conhecimento específico são automatizadas e robotizadas. Os empregos do antigo sistema desaparecem. Impérios desmoronam da noite para o dia, fronteiras se desmancham, nações se fundem, diluem fronteiras e constroem novas institui- ções inspiradas no paradigma estrutural das redes (CASTELLS, 1990). O futuro promissor não está garantido. A humanidade já experimentou o retrocesso em seu padrão civilizatório. É possível compará-lo ao tipo de vida e desenvolvimento cultural atingido no apogeu das civilizações grega e romana com as condições sociais que se viviam na era feudal. Todavia, Toffler (2001) acredita que, mesmo com os avanços e benefícios sociais que a transformação da sociedade agrícola em sociedade industrial proporcionou à humanidade (aumento da expectativa de vida e das condições gerais de sobrevivência do homem sobre a Terra), nem todos os problemas da sociedade foram resolvidos. Novos problemas, resultantes do impacto do sistema de produção de riquezas baseado no modelo fabril, surgiram. O futuro, estruturado pelo paradigma sistêmico das redes tecnológicas, poderá oferecer uma vida melhor do que aquela sob a vigência da sociedade industrial. 2.2 A pré-história Na pré-história a subsistência (subsistema econômico) estava baseada na caça, na pesca, na coleta de frutos da natureza e no saque de outros grupos humanos. Os povos ancestrais viviam em bandos nômades (subsistema social). Dentro desses bandos, as relações de poder (subsistema político) eram simples e pouco hierarquizadas. Vigorava o poder da força do líder, que se impunha sobre os demais pelo uso da violência. O sistema social apresentava baixo grau de complexidade. A natureza dominava o homem, impunha suas regras e provocava medo. A vida em grupos nômades era consequência direta do modo de subsistência. O grupo faci- litava a defesa contra animais,contra as adversidades impostas pela natureza e contra outros gru- pos humanos. A condição de nômades, isto é, de indivíduos obrigados a se deslocar pelo território Sociedade e Contemporaneidade20 de tempos em tempos, era imposta pela escassez de alimentos, pelas mudanças do clima, ou pela ameaça de animais e outros bandos. A agricultura surgiu para modificar a maneira de viver da- quele período e deu ao homem a capacidade de coletar grande quantidade de sementes, preparar a terra, plantar, colher e armazenar alimentos para consumir no inverno e tornar sua vida melhor. A consolidação dessa prática (por meio de um longo processo) criou uma nova forma de produção de riqueza, cuja base passou a ser a agricultura tradicional. 2.3 A sociedade agrícola Durante os 10 mil anos subsequentes, a agricultura tradicional e o artesanato foram as prin- cipais formas de produção de riqueza. A sociedade, durante esse longo período, assumiu formas de organização (subsistema social), de crenças e valores (subsistema cultural) e de algumas relações de poder (subsistema político), que tinham ligação direta com o fato de a agricultura e o artesanato serem a base do subsistema econômico. Para viver da agricultura foi preciso se fixar no território e criar outro tipo de organização social, baseada em aldeias e grandes famílias, dando fim aos bandos nômades. A sociedade ensaia- va os primeiros passos na longa jornada para domar a natureza e colocá-la a seu serviço. Os deuses e demônios da época eram as forças da natureza que o homem temia ou admirava: tempestades; raios e trovões; vulcões; terremotos; enchentes e secas; o sol e a lua; as estações do ano. Os sacerdo- tes que se “comunicavam” com os deuses, isto é, conheciam as forças da natureza, detinham poder e exerciam influência sobre comunidades ignorantes. Os templos religiosos eram edificações robustas, melhor localizadas, e em virtude disso ser- viam para armazenar alimentos protegidos pelos poderes mágicos dos feiticeiros que pediam aos deuses proteção e boas safras. O exercício do poder na civilização agrícola nascia ligado à religião. O conhecimento religioso explicava e justificava a ordem social e política e fornecia as regras mo- rais necessárias à preservação da unidade e harmonia do sistema. A organização da sociedade agrícola era mais hierarquizada e complexa do que na fase an- terior. Na aldeia existiam indivíduos que iam à roça todo dia, outros que permaneciam no local de moradia preparando alimentos para os que foram trabalhar e, ainda, um destacamento armado para proteger a aldeia e o lugar onde eram guardados os alimentos que garantiam a sobrevivência nas adversidades. Dessa forma, a mudança no subsistema econômico, impulsionada pela descoberta e di- fusão da tecnologia agrícola, gerou mudanças no subsistema social e cultural e no subsistema político. 2.4 A sociedade industrial A invenção das máquinas combinada com o trabalho especializado em linha de produção gerou um novo ciclo de grandes transformações, o qual historiadores e cientistas sociais cha- mam de Revolução Industrial. A mecanização da produção agrícola combinada com o surgimento das fábricas produziu o fenômeno da industrialização (subsistema econômico). A partir de en- tão, massas humanas abandonaram o campo e passaram a se concentrar no entorno das fábricas. A industrialização impulsionou a urbanização. As famílias se tornaram menores; os operários Grandes ciclos de transformação sistêmica da sociedade 21 deslocavam-se de uma cidade para outra em busca de emprego, junto de suas esposas e filhos. Sob essas circunstâncias, as grandes famílias necessárias à agricultura tradicional – devido à importân- cia do trabalho braçal para a produtividade do trabalho na terra – não tinham como sobreviver e começaram a desaparecer (subsistema social). Com o povo concentrado nas cidades, em torno das catedrais e das sedes do poder, não tardou para que a política sofresse o impacto das transforma- ções provocadas pela emergência da sociedade industrial e seu sistema de poder. Aos poucos, os povos europeus que tinham algum tipo de identidade cultural, proximidade territorial ou interesses econômicos comuns se agruparam. A sociedade feudal, com formações políticas, sociais e as unidades de produção do último estágio da sociedade agrícola, deu lugar aos Estados nacionais. Em seguida, os Estados-nações experimentaram revoluções políticas que deram origem às democracias modernas, baseadas na separação entre Estado e Igreja, na ordem constitucional, na separação dos poderes e nos regimes de governo parlamentarista ou presiden- cialista (subsistema político) que vigoram até hoje, em substituição à ordem política vigente na Idade Média, na qual a aristocracia e o clero controlavam o poder e na qual o povo não participava da política. O industrialismo organizou a sociedade à sua imagem e semelhança, pelo menos até o fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). 2.5 A sociedade pós-industrial As pesquisas científicas desenvolvidas para atender às necessidades da guerra em tempos de paz deram origem a três novas descobertas revolucionárias: o avião a jato, a televisão e o computa- dor. Da década de 1950 até a década de 1970 essas invenções se desenvolveram, ganharam escala, e foram, desde então, usadas de maneira generalizada como verdadeiros motores do novo subsiste- ma econômico da sociedade pós-industrial. O impacto de seu uso em escala na economia deu origem a um novo ciclo de transformações estruturais no sistema de produção de riqueza da sociedade. Surgiram as telecomunicações e as redes, que interligaram sistemas de troca de imagens, sons, dados e texto em tempo real. O avião a jato, antes usado para fins militares, por exemplo, transformou-se em um meio de transporte usado em larga escala para fins comerciais. A sociedade pós-industrial nasceu baseada nas altas tecnologias e no paradigma das redes. Nela, a economia de serviços passou a predominar sobre a produção fabril e a informação e o co- nhecimento se tornaram fatores-chave para a aquisição de poder político e econômico na socieda- de das redes. As redes de comunicação revolucionaram a produção. Além disso, a sincronização e a padronização, típicas da produção na linha de montagem do chão da fábrica, foram substituídas pela assincronia e pela segmentação da produção e do consumo (subsistema econômico). O trabalho deixou de ser exclusivo da fábrica e do escritório. É possível trabalhar em casa conectado em rede com a empresa e com horários flexíveis. Morar afastado dos grandes centros ur- banos não é mais um empecilho, a tecnologia permite a proximidade virtual e a conexão em tempo real, mesmo com a distância física. As fábricas não estão mais concentradas nos grandes centros urbanos; as cidades se tornaram centros de serviços. A concepção de família também se modificou e continua se modificando (subsistema social). As velhas estruturas de poder da sociedade industrial estão ruindo. Burocracia, ineficiên- cia, corrupção e falência financeira e administrativa contaminam o aparato do Estado. Governos nacionais veem seus poderes deslocados para novas instituições globais. Comunidades regionais insurgem contra governos nacionais e exigem autonomia para o poder local. Agir localmente e pensar globalmente é o lema da nova era. Embora o cenário mundial seja de grandes transformações, a reverberação das relações so- ciais e de poder da velha ordem industrial ainda continuam a se espalhar em certas regiões do mundo. Os vestígios da sociedade agrícola já se estabilizaram. No entanto, muitos países, de acor- do com Toffler (2001, p. 26), ainda “se apressam a construir siderúrgicas, fábricas de automóveis, fábricas de têxteis, estradas de ferro e fábricas de processamento de comidas, revelando que a se- gunda onda [isto é, a civilização industrial] ainda não esgotou sua força”, mesmo que os ventos da terceira onda (a pós-industrialização) já impulsionem mudanças estruturais. Países comoo Brasil, por exemplo, experimentam o impacto simultâneo de três ondas civilizatórias, “movendo-se de forma diferente, por razões diferentes, com velocidades diferentes e com diferentes graus de força” (TOFFLER, 2001, p. 28). Segundo Toffler, a primeira onda ocorreu aproximadamente em 8000 a.C. e predominou sobre nossa civilização entre 1650 e 1750 d.C., quando a segunda onda atingiu seu apogeu entre os anos de 1955 a 1965. Para ele, o marco central da transição aconteceu, nos Estados Unidos, quando “os trabalhadores de colarinho branco e os prestadores de serviço excederam em número os tra- balhadores de macacão” (TOFFLER, 2001, p. 28), ou seja, quando as estatísticas socioeconômicas oficiais do governo norte-americano revelaram que a economia de serviços começava a predomi- nar sobre a economia industrial tradicional, coincidindo com a expansão do uso dos computadores e dos aviões a jato. O quadro a seguir sintetiza os principais fatores relacionados à teoria das ondas civilizatórias. Quadro 1 – Síntese esquemática da teoria das ondas civilizatórias Pré-história Primeira onda: revolução agrícola (10.000 anos) Segunda onda: revolução industrial (300 anos) Terceira onda: revolução tecnológica (50 anos) Símbolo de poder Uso da força (violência) Propriedade da terra Propriedade das má- quinas e do dinheiro Conhecimento Sistema de produção Caça, pesca, coleta, saque Agricultura, artesanato Fábricas Redes, economia de serviços, economia simbólica, transna- cionais (Continua) Grandes ciclos de transformação sistêmica da sociedade 23 Pré-história Primeira onda: revolução agrícola (10.000 anos) Segunda onda: revolução industrial (300 anos) Terceira onda: revolução tecnológica (50 anos) Sistema social Bando nômade Aldeia, família tradicional Cidade, núcleo familiar Megacidades como centros de serviços, descentralização urbana, ausência de padrão familiar Sistema de poder Dois níveis hie- rárquicos (líder e bando), sucessão pela violência Fusão religião/poder (Estado/Igreja), justificação pelo direito divino, sucessão por heran- ça consanguínea Estado-nação, República, separação Estado/Igreja, demo- cracia representativa, burocracia Megablocos, Estado em rede, democracia cibernética Para Toffler (2001, p. 31), compreender que “está se travando uma luta violenta entre os que procuram preservar o industrialismo e os que procuram suplantá-lo” é importante para entender o contexto mundial. Além disso, o entendimento dessas questões auxilia o estabelecimento de nor- mas para uma nação, estratégias para uma empresa ou até mesmo os objetivos pessoais. Atividades 1. Com base nos conteúdos estudados, descreva de qual maneira se processam as transforma- ções estruturais das sociedades. 2. Segundo Toffler, qual fator desencadeou a emergência da segunda onda e de qual maneira esse fator, ao se generalizar e se transformar em um fenômeno abrangente, influenciou o comportamento social, as formas de vida em sociedade e a organização jurídica e política da civilização humana? 3. No seu entender, por que o avião a jato e o uso da informática combinada com as teleco- municações são as tecnologias que estão revolucionando a economia e causando impacto sobre as demais dimensões da vida na sociedade contemporânea (comportamento, cultura, estruturas sociais e políticas)? 3 A sociedade agrícola A sociedade agrícola durou, aproximadamente, dez mil anos: das primeiras aldeias primiti- vas, que foram se formando muito lentamente após a pré-história, até a Idade Média, considerada para o mundo ocidental o apogeu da era agrícola. Ao longo desse período, a evolução do processo civilizatório aconteceu lentamente e assumiu formas diferenciadas conforme os povos do mundo viviam suas experiências. Em momentos distintos, em lugares diferentes do planeta, sociedades diversas desenvolveram-se e construíram civilizações culturalmente sofisticadas. Incas, maias, astecas, egípcios, árabes e os povos orientais acumularam muito conhecimento e criaram sistemas sociais complexos e hierarquizados, com graus variados de institucionalização das suas estruturas sociais e de poder. Para fins de aplicação do conceito de sistema social e seus subsistemas (econômico, político e cultural), a estrutura básica de todas essas sociedades mostrou-se invariável. Todas tinham na agricultura e no método artesanal de produção seu subsistema econômico. Suas bases sociais e cul- turais apresentavam similaridades em sua organização e sistemas de crenças e valores (subsistema cultural). A vida isolada no campo e o misticismo religioso como base dos valores morais formado- res da vida social eram presentes em todas elas. O poder exercido por líderes que eram ao mesmo tempo chefes militares e religiosos caracterizava também seus subsistemas políticos. No entanto, foi no berço das civilizações grega e romana que se constituíram as experiências civilizatórias por meio das quais nasceu e floresceu a sociedade ocidental. Foi nessa sociedade – mais precisamente na Europa, onde se difundiu o modelo hegemônico de sociedade no mundo moderno – que se desenvolveram processos específicos que possibilitaram o surgimento do sis- tema de produção de riquezas baseado no modelo fabril que constituiria a civilização industrial. Para fins de aplicação do conceito de sistema social e seus subsistemas (econômico, político e cultural), a estrutura básica de todas essas sociedades mostrou-se invariável. Todas tinham na agricultura e no método artesanal de produção seu subsistema econômico. Suas bases sociais e cul- turais apresentavam similaridades em sua organização e sistemas de crenças e valores (subsistema cultural). A vida isolada no campo e o misticismo religioso como base dos valores morais formado- res da vida social eram presentes em todas elas. O poder exercido por líderes que eram ao mesmo tempo chefes militares e religiosos caracterizava também seus subsistemas políticos. A civilização grega, o Império Romano e o cristianismo – que se difundiu no mundo ociden- tal com as conquistas romanas dos territórios – plantaram as sementes do sistema social vigente até hoje em todo o mundo ocidental. A noção de democracia – sociedade hierarquizada, organizada e governada por instituições verticais de poder, mediada por regras escritas, valores morais e base da separação entre a religião e o poder de Estado – nasceu e se desenvolveu a partir do período clássico da história da Grécia Antiga, atravessou mil anos de dominação romana sobre o mundo e atingiu seu apogeu no final da Idade Média, às vésperas da formação dos Estados absolutistas. Sociedade e Contemporaneidade26 Entender as formas de desenvolvimento dessas experiências civilizatórias é o primeiro passo para compreender como se estruturou o sistema complexo da sociedade industrial moderna, em que foi inventada a tecnologia de produção de riqueza que permitiu a superação da civilização agrícola e sua conversão em civilização industrial. 3.1 A civilização grega Na Grécia, no período anterior ao século V a.C., a sociedade se estratificava em dois grandes segmentos: grandes famílias proprietárias de terra – que exerciam autoridade sobre o povo com- posto por artesãos, agricultores e pescadores – e, nos demais territórios da Europa e adjacências, povos bárbaros sobre os quais déspotas impunham dominação apoiados em castas religiosas, ad- ministrativas e militares. Desde cedo, os gregos revelaram características culturais que os diferen- ciavam dos povos bárbaros: a valorização do conhecimento e a propensão para dirimir conflitos entre seus membros de forma não violenta. Na Grécia anterior ao século V a.C. surgiram os nomo- tetas, espécie de embrião daquilo que, muitos séculos depois, transformou-se nas instituições dos poderes Legislativo e Judiciário. Os nomotetas eram indivíduos escolhidos pela comunidade em função de seu conhecimento para enunciar os critérios de julgamento dos conflitos entre membrosda comunidade em uma época em que inexistiam a lei escrita e os tribunais. No período clássico grego – século V a.C. até a dominação macedônica no século IV a.C. (CASTRO, 2014) –, os gregos deram os primeiros e decisivos passos na direção daquilo que com- preendemos como sociedade ocidental. Nesse período, as cidades-Estados gregas (pólis), como Atenas e Esparta, testemunharam uma onda de expansão do comércio, assim como na política, na filosofia, nas ciências etc., sobretudo em Atenas. Foi também nessa época que filósofos como Platão e Aristóteles construíram seus legados no pensamento político da sociedade ocidental. Aristóteles, por exemplo, entendia que a família tradicional e a aldeia, características dos tempos de outrora, eram formas rudimentares de organização social. Ao viver isolados no campo, no âmbito familiar e em aldeias, os homens existem para a sobrevivência e não são senhores do seu destino, mas sim escravos dos acontecimentos. Desse modo, não é o homem que conduz sua vida, é a vida, como sucessão de acontecimentos casuais, que conduz o indivíduo isolado até o fim de sua existência. Para esse pensador, a pólis é um modo superior de organização social; a cidade é o lugar da realização da virtude humana (logos: conhecimento, inteligência) que nos diferencia dos animais (CHÂTELET, 1994, p. 14-15). A vida na cidade impõe aos cidadãos a necessidade de pensar e deli- berar sobre seu destino coletivo e, consequentemente, obriga-os a raciocinar e agir estrategicamen- te para projetar o futuro desejado, estabelecer metas e caminhar na direção de objetivos coletivos, enfim, fazer política. Nesse sentido, a política é entendida como a ação coletiva dos cidadãos para definir o des- tino coletivo de sua comunidade. Para os gregos, a escolha do destino a ser seguido se dava pelo voto direto da maioria dos cidadãos, reunidos em assembleias populares e em praças públicas. Por esse motivo, os gregos são considerados os pais da democracia. A ideia de democracia, como prin- cípio de processamento das decisões coletivas da sociedade, ressurge com o fim da Idade Média, A sociedade agrícola 27 na esteira do renascimento das cidades, impulsionadas pela revolução comercial nos séculos que marcaram o nascimento do capitalismo. Essa maneira de processar decisões coletivas por meio da persuasão pela retórica e pelo voto da maioria, inventada pelos gregos, é chamada de democracia direta, a qual estabelece relações de igualdade entre os cidadãos. Essa ideia de igualdade, com ideia de democracia, também norteou os princípios funda- dores do Estado moderno. Os princípios filosóficos implícitos às ideias de deliberação coletiva apoiada no voto da maioria e de igualdade entre os membros da sociedade com direito de decidir, no caso dos gregos, devem ser entendidos em sua dimensão histórica e evolutiva comparada ao padrão de desenvolvimento social humano da época. De fato, se comparada à compreensão dos conceitos de democracia e de igualdade entre os membros da sociedade hoje em dia, não se pode considerar a sociedade grega igualitária e democrática. Apenas os homens tinham direito de voto nas assembleias populares, ou seja, jovens, mulheres e escravos não votavam. Para os gregos, o homem tem natureza divina, porém nos escravos, que, em geral, eram adversários derrotados em guerras, o divino estava ausente. A ideia de liberdade que vigorava entre os gregos – tão cara à sociedade ocidental moderna e aos princípios das revoluções libertárias que varreram a Europa na esteira da Revolução Industrial – também precisa ser compreendida no contexto específico da época. A vida na pólis grega, como organização capaz de defender seus cidadãos na guerra – logo, de impedir sua escravização pelos vencedores – era a garantia de sua liberdade. Portanto, para o cidadão grego, participar do processo de deliberação coletiva de sua pólis, isto é, fazer política, era uma imposição, uma necessidade, uma obrigação, não uma livre opção, como é atualmente. A ideia de liberdade (usada pelos gregos, mas em outro contexto e com outro significado) também ressurgiu como combustível das transformações políticas que as revoluções comercial e industrial provocaram na Europa após o fim da Idade Média. Para uma análise do processo de evolução civilizatória da humanidade, o que interessa é a realidade de direito e não a realidade de fato. Os gregos, diferentemente dos povos bárbaros, de- cidiram que os conflitos internos à comunidade seriam equacionados pelo voto da maioria, e não pelo uso da força. Essa ideia, como princípio, é que inspirou as formas democráticas de poder que a humanidade desenvolveu, notadamente, após as revoluções burguesas dos séculos XVII e XVIII. Dando um passo adiante na história, é possível verificar que os romanos trouxeram novas contribuições ao processo civilizatório que também serviram de base para a constituição do siste- ma político da sociedade industrial moderna, nas dimensões social e política. 3.2 A civilização romana A construção do Império Romano teve início por volta de 250 a.C., com a invasão da Grécia. Dos gregos, os romanos absorveram as ideias e as utilizaram para a formação de um novo tipo de sociedade, dotado de outro subsistema político. A lei escrita e a constituição de uma ordem militar e administrativa verticais surgiram na socieda de romana. Pela primeira vez, cria-se um mecanismo de democracia representativa no qual um senado – composto de indivíduos eleitos pelos cidadãos romanos – representava o povo Sociedade e Contemporaneidade28 perante a república romana. Nasce então a ideia de res publica, entendida como esfera de atuação política dos indivíduos, separada da esfera de seus interesses privados, que também inspirou a constituição do subsistema político da sociedade industrial (CHÂTELET, 1994, p. 25). Dessa forma, surgiu na sociedade romana o mecanismo de representação política a terceiros, isto é, de delegação de poder pelos cidadãos (os senadores), para que legislassem e representassem suas demandas no governo. As eleições romanas, guardadas certas imposições das circunstâncias históricas, não eram muito diferentes das eleições de hoje em dia. A expansão do Império Romano propiciou a difusão dos valores culturais e do modelo de organização institucional da República Romana pelo Ocidente. O legado do modelo republicano nascido em Roma inspirou em boa parte o padrão de organização institucional e do Estado no mundo moderno que emergiu na Europa a partir do século XVII. 3.3 O cristianismo Na sociedade romana, as funções e a autoridade do imperador eram, simultaneamente, tem- porais (administração, política e guerra) e espirituais. Isto é, não havia separação entre política e religião, característica essa que marcou as sociedades humanas durante todo o período de duração do sistema social assentado na agricultura. Foi o cristianismo que legou à sociedade ocidental a ideia de separação entre a autoridade temporal (potestas) e a autoridade sobre assuntos morais e religiosos (auctoritas), na medida em que a ascensão política da Igreja correspondeu à decadência do Império Romano e ao surgimento da instituição religiosa com atribuições separadas das fun- ções de governo (CHÂTELET, 1994). Curiosamente, o islamismo, cuja raiz é a mesma do cristianismo (o Velho Testamento), não provocou esse fenômeno da separação entre Estado e Igreja no Oriente, pois no mundo muçul- mano não existe uma religião institucionalizada e hierarquizada como a Igreja católica. A Jihad Islâmica, guerra santa pela conversão dos pagãos à fé em Alá no mundo muçulmano, é função atri- buída aos governantes. Por essa razão, a cultura política dos países de tradição islâmica resiste até os dias de hoje à adoção do modelo político/institucional de democracia predominante no mundo ocidental judaico/cristão (CHÂTELET, 1994, p. 30-31). Os ideais da liberdade, da igualdade e da deliberação coletiva do destino da comunidade com base na vontade da maioria sãolegados da civilização ocidental antiga às civilizações industrial e pós-industrial posteriores. Durante o feudalismo a Igreja afirmou a separação entre o princípio de autoridade corres- pondente às funções do papa e o princípio de autoridade correspondente às funções do impe- rador e dos reis e deteve o poder político de fato, compartilhando-o com a aristocracia feudal e, por vezes, sobrepondo seu poder ao poder do Estado. Com o tempo, o legado teórico desse princípio de separação da autoridade do papa e do imperador alimentou o processo de separação definitiva entre a Igreja e o Estado nos séculos XVII e XVIII e consolidou o modelo de organização política e institucional da sociedade industrial oci- dental (subsistema político) até os dias de hoje. A sociedade agrícola 29 3.4 A ordem feudal A sociedade feudal tinha a propriedade da terra como elemento-chave do seu sistema social. Com a decadência do Império Romano, desapareceram gradativamente as instituições de poder inspiradas no modelo republicano instituído em Roma. Com a fragmentação do Império, também se fragmentou o poder. Os feudos passaram a ser a base do sistema social e com base neles foram estabelecidos os subsistemas político, econômico e cultural que predominaram ao longo da Idade Média. O exercício do poder em todos os seus sentidos (definição de leis, impos- tos, punição de crimes, guerra etc.) era atribuição de cada senhor de terras no interior de suas propriedades. Para a nobreza e o clero não existia liberdade, igualdade e poder de participação do povo no governo. O povo (agricultores, artesões e serviçais), ignorante e desgarrado pelo território, tinha o direito de viver nas propriedades dos nobres em troca de parte da produção, da prestação de serviços e de proteção. Com o fim do Império Romano, a Igreja católica compartilhou o poder com a aristocracia. A Igreja era a única instituição presente em toda a Europa e adjacências, com exceção das regiões em que os povos pagãos se afastaram da influência cristã. Suas funções sociais, do ponto de vista formal, iam da condição de guardiã da moral e dos costumes à de legitimadora do poder dos reis, em uma época em que a condição de governante era vista como desígnio divino e transmitia-se por herança consanguínea. De fato, os bispos exerciam grande influência política sobre as decisões da aristocracia. A cobiça moveu a expansão do Ocidente sobre o Oriente. Em nome de Deus, nobres e padres partiram para o Oriente e, a pretexto de reconquistar a sepultura de Cristo para o controle da Igreja de Roma, cometeram atrocidades. Por meio das Cruzadas e após as grandes descobertas marítimas, desenvolveu-se um pro- cesso de expansão do comércio e de ressurgimento das cidades na Europa. As riquezas acumu- ladas proporcionaram séculos depois o financiamento da Revolução Industrial. O uso intensivo de máquinas e do trabalho especializado na linha de produção impulsionou a expansão do novo subsistema econômico e de um novo sistema social que desencadeou a modificação gradativa da civilização agrícola. 3.5 O fim da era agrícola Os feudos – unidades econômicas básicas dessa etapa final da era agrícola na Europa – con- verteram-se em empecilhos à expansão do comércio. A fragmentação do território em proprieda- des rurais no interior das quais eram falados dialetos, vigoravam regras, governos, forças armadas e valores de troca (unidades de medida de comprimento e peso etc.) distintos, dificultaram o co- mércio em uma época em que não havia mercado interno capaz de absorver uma produção em grande escala, muito menos de prover o novo sistema de produção de riqueza em ascensão, de matérias-primas e mão de obra abundantes e baratas. Essa contradição impulsionou a formação dos Estados nacionais modernos na versão ab- solutista. As nações europeias foram, uma a uma, formadas por meio da unificação dos feudos. Espaços territoriais mais amplos, no interior dos quais as trocas comerciais puderam acontecer Sociedade e Contemporaneidade30 sem barreiras, começaram a reconfigurar o sistema social da época e criaram as bases da matriz produtiva da sociedade industrial emergente. Um território, um rei, uma lei, um exército, uma moeda, um único e padronizado sistema de medida para cumprimento e peso e um único e gran- de mercado nacional. Os Estados-nações, dessa forma, converteram-se em espécie de incubado- ras das empresas que impulsionaram o florescimento do capitalismo industrial, inicialmente na Inglaterra e na França e, em seguida, no resto do mundo. Atividades 1. Por que a configuração estrutural subjacente a todas as civilizações existentes na era agrícola não se alterou ao longo do tempo, apesar de terem se formado civilizações so- fisticadas culturalmente? 2. Quais foram os quatros princípios filosóficos que a civilização ocidental moderna herdou das civilizações grega, romana e do cristianismo que servem até hoje como base do sistema de valores que norteiam a organização sociopolítica dos países ocidentais? 3. Por que o sistema feudal passou a ser um empecilho à expansão do capitalismo após as re- voluções comercial e industrial? 4 A sociedade industrial A teoria das ondas civilizatórias, de Alvin Toffler, parte de um pressuposto-chave. Trata-se da ideia de que existe uma relação de influência mútua entre os subsistemas econômico, político, cultural e social que compõem todas as sociedades. Toffler aplica esse modelo à análise da configu- ração estrutural das ondas civilizatórias agrícola, industrial e pós-industrial, entendidas como sis- temas integrados por partes interligadas: os subsistemas. No entanto, a relação de mútua influência entre os subsistemas, isto é, o desencadeamento de mudanças no equilíbrio geral do sistema, pro- vocado por eventuais alterações em uma de suas partes, não é mecânica nem determinista. A observação empírica dos processos de transformação das matrizes sistêmicas da socieda- de, na passagem da pré-história para a era agrícola, da era agrícola para a era industrial e, agora, da era industrial para a era pós-industrial, revela que o impacto da descoberta de novas ferramentas e técnicas na produção, organizadas com base em um paradigma tecnológico revolucionário – no momento em que passam a ser usadas em larga escala, superando o paradigma tecnológico ante- cedente –, desencadeia transformações no mundo do trabalho. A vida de todos os membros de quaisquer sociedades depende, direta ou indiretamente, do trabalho produtivo, sem o qual não há sobrevivência, não há progresso social. Mudanças introdu- zidas nessa esfera da atividade humana tendem a provocar alterações no modo de vida, nas crenças e valores, na organização social e nas relações de poder assentadas sobre o modelo de sociedade. Desse modo, a mudança nos sistemas de produção de riqueza das sociedades exerce papel extre- mamente importante para o desencadeamento da transformação de uma onda civilizatória em outra, tal como nos revela a teoria de Toffler. 4.1 A lógica do sistema de produção Na sociedade agrícola, o método de produção era artesanal. Não havia divisão do trabalho, visto que os indivíduos ou núcleos de produção rural familiar controlavam todas as etapas do pro- cesso produtivo. Tanto na agricultura quanto na produção de artefatos, ao término do processo de plantio ou fabricação de utensílios, o resultado do trabalho pertencia integralmente ao indivíduo ou à família que o havia gerado. A produtividade do trabalho sob as técnicas e ferramentas da agricultu- ra tradicional demandava muito trabalho braçal, uma vez várias gerações de famílias conviviam na mesma propriedade. Os resultados da produção também dependiam do conhecimento acumulado sobre o impacto da natureza nos ciclos de desenvolvimento do que era plantado. As chuvas, o Sol, as fases da Lua e as estações do ano influenciam a vitalidade das plantas. Em uma época na qual o conhecimento era transmitido oralmente, os anciãos, detentores de mais experiência e sabedoria acumuladoscom o tempo e transmitidos de geração para geração, eram valorizados e respeitados devido à importância estratégica que seus conhecimentos representavam para a vida das famílias. Sociedade e Contemporaneidade32 A civilização agrícola, como se pode ver, enquadra-se no modelo teórico de Toffler ao cons- tituir, por meio da unidade produtiva básica desse tipo de sociedade – a propriedade rural familiar tradicional –, os seus correspondentes subsistemas, social, cultural e político. Se a base da matriz sistêmica da civilização agrícola era o método artesanal de trabalho e a propriedade rural familiar como unidade produtiva, seu equivalente na sociedade industrial é a fábrica, no interior da qual se opera um sistema de produção que combina o uso intensivo de equipamentos mecânicos com o método de gestão da produção baseado no trabalho especializado na linha de montagem. Com essa nova tecnologia – máquinas e o novo método de gestão –, toda a lógica do sistema de produção de riquezas muda. Se o artesão era generalista, o operário é especialista. Se a produção artesanal gerava produtos personalizados em pequena escala, a produção industrial gera grandes quantidades de produtos padronizados. Se a vida e o trabalho na sociedade agrícola eram dispersos no território, a sociedade industrial concentra trabalhadores em fábricas e cidades. Se o trabalho ar- tesanal permitia ao trabalhador administrar com relativa flexibilidade seu tempo, o trabalho indus- trial submete o trabalhador à ditadura do relógio – despertador, de pulso, de controle de ponto –, pois a padronização e a sincronização das tarefas na linha de montagem são essenciais à eficiência do método. Se o trabalhador artesanal era seu próprio chefe, o trabalhador industrial é apenas uma peça em uma estrutura piramidal, que tem em seu topo uma elite cuja especialidade é pensar pelos outros integrantes da estrutura e mandar fazer (TOFFLER, 2001). 4.2 A lógica do sistema social Se a fábrica é a célula-mãe da sociedade industrial, nada mais lógico do que enxergar suas criaturas também como fábricas. As escolas como fábricas de operários, as universidades como fá- bricas de reposição de peças da elite do sistema. Todos são matérias-primas brutas que, submetidas a processos rotineiros de montagem, viram produtos da sociedade industrial. A fábrica demanda trabalhadores livres e disponíveis que buscam oportunidades de trabalho, independentemente das circunstâncias. Logo, a família precisa encolher. A família multigeracional da era agrícola migra do campo para a cidade e dá lugar a um modelo de família no qual o pai traba- lha na fábrica e a mãe cuida da casa e dos filhos (TOFFLER, 2001). Se o sistema produz grandes quantidades de produtos iguais, com publicidade veiculada em canais de divulgação de mensagens padronizadas, seus receptores-compradores, ao consumi-los, transformam-se num exército uniformizado de iguais. Se a fábrica impõe a sincronização das tarefas especializadas, a linha de montagem precisa se estender para além dos seus muros, pondo a cadeia de suprimentos, o sistema de transportes e comunicações e a vida das pessoas na esteira sincrônica do tempo controlado por milhões de relógios dispostos aos olhos de todo mundo. Controlando a luz artificial e cronometrando a passagem do tempo, a sociedade das fábricas também alterou essa dimensão psíquica da nossa percepção (TOFFLER, 2001). A sociedade industrial 33 4.3 A lógica do sistema político No clã agrícola, o chefe da família era o avô, respeitado por ser útil. No núcleo familiar operário, o chefe é o pai, provedor do lar. Muda a família, mudam os valores e as crenças. Sem uti- lidade econômica, os idosos são mandados para os asilos, autênticos depósitos de peças “obsoletas” (TOFFLER, 2001). O poder também mudou de mãos fora da unidade familiar. A vida do camponês medieval era simples, rotineira e previsível. O poder tinha endereço, cabeças cobertas por coroas e solidéus e mãos que portavam cetros e báculos. O poder era fisicamente próximo do local de trabalho ou moradia dos homens do povo, que sabiam que deviam submissão àqueles que habitavam os cas- telos e catedrais próximos dali: os senhores das terras nas quais vivia e os senhores da moral e das regras de obediência que permitiam aos donos do poder manter vivas a harmonia, a estabilidade e a coesão do sistema. Com a emergência da sociedade industrial, o poder deslocou-se para “mãos invisíveis”, ainda que na aparência ele parecesse continuar nos palácios governamentais ou nas mãos dos proprietários dos meios de produção, como pensava Karl Marx (1818-1883). Os “donos” do dinheiro da sociedade industrial tinham nos administradores das suas empresas “sócios” que detinham, de fato, o poder (TOFFLER, 2001). A divisão do trabalho nas fábricas fragmentou o sistema de produção em milhares de partes especializadas e gerou a necessidade de um novo trabalhador, especialista em integrar, coordenar, sincronizar e padronizar o funcionamento das peças e das engrenagens. Quando o trabalho era apenas artesanal, simples, pouco hierarquizado e gerador de pequenas quantidades de produtos consumidos ou trocados no círculo comunitário próximo, cada trabalhador era administrador do seu negócio. Com as hierarquias complexas da sociedade industrial, os organogramas, as planilhas, os fluxos, os ciclos, os ritmos, os deslocamentos e os processos precisam ser controlados, organiza- dos e administrados. Recursos, tempo, insumos e meios precisam ser avaliados e direcionados para os locais onde são necessários ao sistema. Milhões de tarefas complexas e especializadas dão origem a novas profissões, que ocupam o espaço intermediário entre a base e a cúpula do orga- nograma padrão. Na base das pirâmides das organizações ficam os trabalhadores braçais, encar- regados de obedecer e fazer sem pensar. No topo estão os encarregados de pensar e mandar. E nas posições intermediárias estratégicas estão aqueles que têm o poder de fazer (ou não) os co- mandos da cúpula chegarem à base. Aí estão os burocratas, “detentores dos meios de integração” que, segundo Toffler (2001), são os verdadeiros donos do poder nas organizações hierarquizadas da sociedade industrial. À medida que avançava a implantação da nova matriz tecnológica no sistema produtivo, expandia-se sua transposição para as outras dimensões da vida social, cultural e política da civi- lização industrial. Assim como as fábricas criaram suas pirâmides do poder com seus departa- mentos administrativos, a sociedade criou o Estado, com suas enormes corporações de burocratas Sociedade e Contemporaneidade34 encarregados de administrar a alocação dos recursos públicos e processar as decisões que o co- mando do sistema gera para sua base. Nessa máquina, o governo central encabeça uma autêntica “máquina integracional” (TOFFLER, 2001). Aos poucos, a corporação dos integradores ganha vida própria. Com corpo escorregadio e mãos invisíveis, a hidra burocrática estende seus tentáculos e começa a crescer e se multiplicar, fazendo-se parte estratégica na hierarquia intermediária de quais- quer organizações modernas, sejam elas privadas ou públicas, sejam elas capitalistas ou socialistas. Com as organizações se tornando cada vez mais complexas, novas ferramentas de controle e gestão se tornavam necessárias e novos e sofisticados sistemas contábeis, de controles orçamentá- rios e técnicas de gerenciamento de pessoas e da produção, aperfeiçoaram o poder de expansão do sistema. As “elites integradoras”, na economia e na política, lutavam por sua expansão, buscando dominar mais territórios para controlar mais riquezas e obter mais poder (TOFFLER, 2001). A integração política das nações europeias foi uma imposição determinada pela lógica da integração econômica. As revoluções comercial e industrial aumentaram a produtividade do tra- balho e o volume de mercadorias em circulação. Era preciso mais mercados para tantos produtos. Surgiu a interdependência econômica pormeio da integração dos mercados nacionais em um sistema mundial de importação de matérias-primas e exportação de manufaturados. A serviço da expansão do sistema, desenvolveram-se os meios de comunicação e de trans- portes. Na era agrícola, a maioria dos indivíduos, inclusive os da elite, nascia, crescia e morria sem ir muito longe do território onde nascera. O industrialismo ampliou os horizontes físicos, a men- talidade e a visão de mundo de uma parcela significativa da humanidade. A expansão dos meios de comunicação e de transporte transcontinentais representou a consolidação dos mercados nacionais como atores econômicos e políticos do mercado mundial, consolidando o Estado-nação como uma estrutura-chave da civilização industrial. No entanto, as tentativas de expansão dos mercados e da autoridade política dos governos encontrava obstáculos nas fronteiras dos Estados nacionais. O surgimento de um sistema monetário foi o passo seguinte na integração da matriz da sociedade industrial em escala mundial (TOFFLER, 2001). O princípio da especialização galgou às relações entre as nações. Com a consolidação do mercado em âmbito mundial, as nações assumiram suas funções na cadeia produtiva, tal como a especialização do trabalho na linha de montagem – produtores, intermediadores, fornecedores, compradores e assim por diante. Da mesma forma que a linha de montagem gerou a necessidade de seus administradores, a divisão internacional do trabalho criou a irreversível necessidade de for- mação das estruturas de gestão do mercado mundial, com sua correspondente “elite integradora”, concentrada nas poucas nações que assumiram a frente da Revolução Industrial e hegemonizaram as relações comerciais do sistema de trocas desiguais que se formou entre colonizadores e coloniza- dos (TOFFLER, 2001). O fluxo das riquezas do sistema corria do hemisfério Sul para o Norte ou das nações da primeira onda em direção às nações da segunda onda (TOFFLER, 2001, p. 98). Em busca de maté- rias-primas, mão de obra e mercados, os estados do Norte lançaram-se em um corrida desenfreada pela ocupação territorial do planeta, estendendo os tentáculos do industrialismo por todo o mundo. A sociedade industrial 35 Às portas do século XX, sem mais territórios a conquistar, os estados europeus da ponta da onda industrial patrocinaram duas guerras mundiais pela liderança econômica e política do sistema. Exaurida pela Primeira Guerra Mundial (1914-1918), uma parte da sociedade industrial ensaiou uma mudança de modelo sem mudar o paradigma. Surgiu o socialismo, que buscava levar a matriz fabril ao extremo do tecido social. A ideia-força subjacente à ideologia socialista era trans- formar a sociedade em uma enorme pirâmide fabril, centralizada e planejada com base na cúpula do Estado e pela elite burocrática do partido único, a quem caberia intermediar a distribuição das riquezas produzidas pelo sistema, transformando os indivíduos em um enorme exército de iguais. Em 1917, pela primeira vez, os seguidores das ideias de Marx chegavam ao poder na Rússia. A economia russa levou ao extremo a ideologia fabril. Planificada e sob comando centraliza- do pelo Estado, a Rússia industrializou-se a passos acelerados e expandiu como em nenhuma outra sociedade sua corporação de burocratas. A nova potência industrial, com seu Exército Vermelho, avançou sobre o leste da Europa e expulsou Adolf Hitler (1889-1945) das nações conquistadas pela Alemanha na primeira fase da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Na primeira metade do século XX, a Europa havia destruído duas vezes seu parque indus- trial e suas cidades com as disputas das potências do século XIX pela liderança do “sistema-mundo”. Emergiram do pós-guerra duas novas potências hegemônicas: EUA e URSS, as novas locomotivas do sistema, os novos reorganizadores da economia mundial. Não obstante as diferenças ideológicas entre os subsistemas econômico e político das duas novas potências, ambas se jogaram em uma cor- rida desenfreada pela integração das regiões do planeta sob seu controle. Na fatia controlada pelos EUA, surgiram o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial e o General Agreement on Tariffs and Trade (GATT) como instrumentos de integração econômica e, ao mesmo tempo, de do- minação política. Do outro lado do mundo, por meio do Conselho de Mútua Assistência Econômica (Comecom), a URSS criou sua rede integradora (TOFFLER, 2001). Sob o olhar dos paradigmas teóricos das ciências sociais da era industrial, os EUA e a URSS eram inimigos mortais. Vistos pelo ângulo do paradigma teórico pós-industrial de Toffler, a com- petição entre eles era uma “briga de irmãos”, unidos pelos laços familiares de um sistema monetá- rio e de comércio internacional e pela identidade genética da matriz industrial de um sistema que funcionava como dois pratos de uma balança. 4.4 Capitalismo e socialismo: dois modelos e um sistema Para Toffler (2001), sob o ponto de vista da matriz sistêmica de uma sociedade cuja produ- ção está assentada no trabalho especializado na linha de montagem, articulado por corporações burocráticas, não há diferença entre capitalismo e socialismo. Sua teoria nos desafia a analisar a história da sociedade contemporânea com outro olhar. Segundo a visão tradicional sobre os siste- mas econômicos – capitalismo, socialismo regimes políticos, democracias ou ditaduras –, haveria diferenças relevantes entre sociedades estruturadas sobre as diversas combinações possíveis entre esses modelos econômicos e políticos. Sociedade e Contemporaneidade36 O autor não ignora as diferenças entre esses modelos, mas chama a atenção para o fato de que para entender como acontecem as mudanças estruturais que abalam civilizações, deve-se mu- dar o foco e direcioná-lo para a matriz paradigmática ou “planta oculta” única sobre a qual ambos se levantaram. Para ele, existe um padrão “transideológico” e transnacional por trás desse processo, cuja matriz é o modelo mecânico/industrial da segunda onda. Os diversos subsistemas políticos das sociedades da civilização industrial têm origens na lógica da representação por base geográfica herdada da era agrícola, que vinculava o indivíduo ao território, ao local de moradia. No entanto, aos poucos o modelo de representação por base geo- gráfica passou a incorporar a “ideologia da máquina” (TOFFLER, 2001). Parlamentos, governos e tribunais passaram a funcionar como fábricas de leis e decisões. Aos poucos, a expansão do sistema dá origem a uma cadeia produtiva de normas e decisões em escala mundial. As instituições políticas do Estado-nação, como canalizadoras e processadoras das decisões coletivas da sociedade fabril, tanto sob o capitalismo como sob o socialismo, contro- ladas por corporações burocráticas permanentes e estáveis, os funcionários do Estado, presidentes, governadores, prefeitos, deputados, juízes, diplomatas, militares e funcionários de carreira admi- nistram quaisquer relações que envolvam conflitos de poder e interesse na esfera pública. Seja para efeito do jogo do político travado dentro das fronteiras nacionais, seja no tabuleiro das relações internacionais, o Estado se converte na estrutura-chave do poder da civilização industrial. 4.5 Crise e ruptura do sistema O poder dos administradores está no controle da intermediação, por meio da posição estra- tégica que ocupam como integradores das partes do sistema. A burocracia valoriza seu poder e ali- menta o jogo de criar dificuldades para vender facilidades. Nos canais de comunicação pelos quais circulam as decisões que interligam os diferentes setores das organizações piramidais da sociedade industrial, tudo depende da vontade dos integradores. Assim funcionam os sistemas burocráticos que, na origem do industrialismo, eram sinônimo de organização e eficiência. Com o passar do tempo, distorções foram surgindo, crescendo e se impondo. Em vez de realizarem as atividades específicas das instituições e de produzirem o resultado esperado pelo
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