Buscar

FARMACO - 01 Farmacocinética (pt 1)

Prévia do material em texto

Maria Raquel Tinoco Laurindo – MED 103 
1 
Farmacologia 
Aula 01 – Farmacocinética 
Farmacologia é o estudo dos fármacos no funcionamento de sistemas vivos, 
mais especificamente, estuda sobre a manipulação de fármacos. 
“Ramo da ciência que estuda os medicamentos nos seus diferentes aspectos 
(história, origem, propriedades, efeitos fisiológicos e bioquímicos, mecanismos 
de ação, toxicidade, efeitos acessórios, incompatibilidades, etc.)” 
Obs.: A farmacodinâmica relaciona-se com eventos que o fármaco desencadeia 
no organismo. 
 
Droga – substância química de estrutura conhecida, que não seja um nutriente ou um ingrediente essencial da 
dieta que, quando administrada a um organismo vivo, produz um efeito biológico. 
Fármaco – droga usada com finalidade terapêutica. 
Medicamento – é uma preparação química que contém uma ou mais drogas (além de conservantes, corantes, 
etc) administradas com a intenção de produzir um efeito terapêutico → é uma preparação química que leva o 
fármaco e algo mais (muitas preparações adicionam também componentes para melhorar a ação ou absorção 
dos medicamentos), sempre com a intenção de produzir um efeito terapêutico. 
De modo geral, a farmacocinética refere-se a todos os processos que o organismo faz com o fármaco (que não 
necessariamente ocorrem sequencialmente, mas concomitantemente). A biotransformação é o mesmo que 
Maria Raquel Tinoco Laurindo – MED 103 
2 
metabolismo, com duas finalidades: eliminação e inativação do fármaco → envolvem reações químicas e 
enzimáticas. 
 
A farmacocinética tem quatro processos básicos (ADME): 
- Absorção: Transferência do fármaco do local da administração para a circulação. 
- Distribuição: Transferência do fármaco dos líquidos de circulação (sangue e linfa) para os diversos órgãos. 
- Metabolismo: Conversão do fármaco em outra entidade química, o metabólito, o que ocorre por intermédio de 
várias enzimas na maioria das vezes. 
- Excreção: Remoção irreversível do fármaco do organismo por via urinária, ou excretado pelas fezes, bile, leite, 
suor ou mesmo o ar exalado pelos pulmões. 
Como os fármacos atravessam as barreiras celulares? Para se movimentar pelos compartimentos do corpo os 
fármacos encontram barreiras – seja durante a absorção para acessar a circulação ou atingir seus alvos 
farmacológicos, seja para penetrar nos néfrons e ser eliminado nos rins, seja para entrar nas células do fígado 
onde grande parte do metabolismo ocorre. Essas barreiras são essencialmente as membranas celulares, formadas 
por bicamada lipídica e proteínas membranares inseridas. 
As membranas biológicas são formadas por uma matriz fosfolipídica (bicamada) com proteínas membranares, 
colesterol, etc. A bicamada fosfolipídica é formada por uma parte polar (que interage com o meio aquoso intra e 
extracelular – hidrofílica) e uma parte apolar (intermembranar, não interage com o meio aquoso – hidrofóbica). 
Alguns fármacos conseguem atravessar a membrana direto pelos fosfolipídios → fármacos lipossolúveis, como os 
antiinflamatórios esteroidais por exemplo. 
Maria Raquel Tinoco Laurindo – MED 103 
3 
A forma como o fármaco vai atravessar a membrana depende da constituição dele e da célula que ele está 
atravessando. Fármacos hidrofóbicos (apolares) e moléculas pequenas e polares não carregadas passam por 
difusão simples: 
• Tem passagem direta através da bicamada lipídica 
• Não requer gasto de energia (transporte passivo) 
• Depende de um gradiente osmótico → ocorre sempre a favor do gradiente de concentração 
• Transporte rápido 
Diversos fármacos são ácidos ou bases fracas que transitam entre 
suas formas ionizadas e não ionizadas. Por exemplo, o ácido 
acetilsalicílico em meio aquoso torna-se ionizado – esse 
comportamento pode ser previsto pela análise de pH. 
Obs.: Moléculas em seu estado neutro são mais hidrofílicas que 
esses compostos ionizados. 
As formas não ionizadas (sem carga) atravessam melhor a bicamada 
lipídica do que as formas ionizadas. 
 
❖ Influência do pH nos fármacos ionizáveis 
Equação de Henderson-Hasselbalch: 
Obs: Se os valores de AH/A forem os mesmos a equação vale 1, e log 1 = 0, logo, pKa = pH. 
A depender do pH do meio, a reação pode deslocar mais para sua forma ionizada ou não ionizada (lei da 
conservação de massas), sendo assim, em um meio mais ácido o composto tende a se manter em sua forma não 
ionizada, já em um meio menos ácido, o composto tende a se se encontrar em sua forma ionizada. Nesse caso, o 
composto não ionizado não consegue mais passar pela bicamada lipídica → aprisionamento iônico. 
Assim, o pKa corresponde ao “neutro” do composto, ou seja, quando no valor do pKa o composto se encontra, 
na mesma proporção, tanto na forma ionizada quanto na forma não ionizada. → Ex: A aspirina tem pkA em 3,5, 
ou seja, na solução de pH 3,5 metade do composto está na forma ionizada e metade na não ionizada. Alterando 
esse pH é possível alterar essas quantidades. 
 
Um ácido fraco tende a ficar predominantemente em sua forma ionizada (aprisionada) quando em pH mais básico. 
Maria Raquel Tinoco Laurindo – MED 103 
4 
 
Uma base fraca tende a ficar predominantemente em sua forma ionizada (aprisionada) quando em pH mais ácido. 
 
No suco gástrico quando se já tem muito H+ no meio (meio 
ácido), a equação desloca no sentido da forma não 
ionizada. No plasma há pouco H+ (o meio está mais neutro), 
logo, a equação se desloca em sentido da forma ionizada 
(para gerar H+). 
O problema é que a forma ionizada tem dificuldade de 
atravessar a bicamada lipídica devido a sua carga, logo, 
interage com as moléculas de H2O para ficar dissolvida no 
meio. Com essa reação o composto não volta para o 
estomago, ele fica aprisionado no plasma (aprisionamento 
iônico). 
Determinados fármacos, por exemplo os que passam para 
o néfron, irão se ionizar no pH da urina, ficam aprisionados 
e são eliminados pela urina. Por isso dependendo do pH da 
urina você acelera a eliminação de ácido ou base 
A acidificação da urina acelera a eliminação de bases fracas, 
uma vez que ocorre o aprisionamento da forma ionizada no 
interior do néfron, e retarda a eliminação de ácidos fracos. 
A alcalinização da urina acelera a eliminação dos ácidos 
fracos (ex.: intoxicação por aspirina). 
O aumento do pH do plasma (pela administração de bicarbonato) faz com que os ácidos fracos sejam direcionados 
ao plasma em detrimento do SN. A cloroquina (uma base) tende a ser aprisionada em compartimentos ácido 
digestivos do parasita (vesícula), onde exerce seus efeitos, provocando a inanição. 
Maria Raquel Tinoco Laurindo – MED 103 
5 
 
 
❖ Transportadores de membrana nas vias farmacocinéticas 
Transporte Passivo: não há gasto de energia e ocorre a favor do gradiente de concentração osmótico. 
- Difusão: Atravessa sem ajuda de proteínas. 
- Difusão facilitada: Proteína facilita a passagem → a proteína se liga ao soluto, mudando sua conformação, e 
atravessa a membrana por meio desse soluto. 
Transporte Ativo: há gasto de energia por ocorrer contra o gradiente de concentração osmótico. 
Maria Raquel Tinoco Laurindo – MED 103 
6 
- Transporte ativo primário: A proteína se liga ao soluto, o que gera a quebra de ATP, com isso gera a mudança de 
conformação do soluto que leva a proteína para dentro da célula. 
- Transporte ativo secundário: Não é a proteína carreadora que quebra o ATP, ela pega o soluto que quer carregar 
contra o gradiente e um íon a favor do gradiente. A proteína “pega carona” no gradiente do íon (normalmente é 
o sódio, devido a bomba de Na+/K+). 
Vários fármacos são transportados com a ajuda de transportadores – os quais direcionam o fármaco para seus 
sítios (órgãos). Alguns fármacos têm seu efeito farmacológico no transportador em si. 
 
 
Transportadores SLC (Solute Carrier Family), 
que compreendem mais de 300 
transportadores de membrana conhecidos 
(superfamília), realizam transporte passivopor difusão facilitada, transporte ativo 
secundário, cotransporte e uniporte. 
 
Maria Raquel Tinoco Laurindo – MED 103 
7 
Transportadores ABC (ATP Binding Cassete), que 
compreende a glicoproteína P e MDR1 (multidrug 
resistance), ou seja, é uma proteína transportadora com 
dois sítios de ligação, capaz de eliminar o fármaco de dentro 
da célula (há gasto de ATP) – esses transportadores estão 
envolvidos em absorção, distribuição e excreção de 
fármacos → por exemplo, existem proteínas que retiram 
quimioterápicos de célula tumoral. 
Obs.: A interação transportador/soluto é muito específica, ou seja, está intimamente relacionada com a estrutura 
da molécula. Por exemplo, alguns transportadores da família SLC só transportam um neurotransmisso específico. 
Essa especificidade dos transportadores varia de acordo com o padrão de expressão proteica de cada célula. 
Algumas regiões são mais protegidas das influências de determinados compostos farmacológicos, como a barreira 
hematoencefálica do SNC que possui transportares ABC que eliminam substâncias da célula (que não eram pra 
ter atravessado a membrana) de volta para a circulação. O mesmo ocorre com a placenta, o intestino, o fígado e 
os rins. 
 
 
Maria Raquel Tinoco Laurindo – MED 103 
8 
Transportadores ABC envolvidos em absorção, distribuição e excreção de fármacos: 
 
Os transportadores ABC normalmente estarão associados a compostos neutros e compostos lipídicos pois esses 
já atravessam naturalmente a membrana por difusão simples. Por exemplo, o transportador MDR3 está associado 
ao transporte de fosfolipídios contra o gradiente de concentração. 
 
❖ Absorção na farmacocinética 
O processo de absorção consiste na transferência de um fármaco do seu local de administração para o 
compartimento central (plasma). Porém esse processo depende de outros fatores além dessa transferência. 
A biodisponibilidade (F) corresponde ao percentual com que a dose administrada do fármaco atinge um líquido 
biológico (circulação sistêmica); varia de acordo com a via de administração do fármaco. 
Maria Raquel Tinoco Laurindo – MED 103 
9 
• A administração via oral tem uma biodisponibilidade menor que a do fármaco ministrado. 
• A administração via intravenosa tem a biodisponibilidade exata do fármaco ministrado. 
 
Principais vias de administração de fármacos: 
- Oral 
1) Ingestão do medicamento 
• Vantagens: Via segura, conveniente e econômica. 
• Desvantagens: 
o Absorção limitada de alguns fármacos (não muito hidrossolúveis) 
o Ambiente “hostil” – pH ácido e enzimas digestivas 
o Bactérias do TGI podem metabolizar os fármacos 
• A absorção pelo TGI é limitada por fatores como área absorvida disponível, fluxo 
sanguíneo na superfície absortiva, forma física do medicamento (solução, 
suspenção ou preparação sólida), hidrossolubilidade e concentração. 
• Absorção no estômago 
o Não é um bom órgão para absorção 
▪ Possui muco. 
▪ Pouca superfície de absorção (comparado ao intestino). 
o pH ácido 
▪ Revestimento do comprimido com polímeros para que ele chegue 
ao intestino e faça sua liberação entérica. 
▪ O pH ácido do estomago pode favorecer alguns fármacos (ácido 
fracos) a permanecerem na sua forma não ionizada. Entretanto, 
por mais que ele permaneça na forma não ionizada, o estomago 
não é favorável a absorção: 
o Esvaziamento gástrico (rapidez ou lentidão determina em quanto tempo a 
substância será depositada no intestino). 
• Absorção no intestino 
o Maior área de absorção 
o Vilosidades 
o Efeito/metabolismo de primeira passagem 
▪ Sistema porta hepático 
Maria Raquel Tinoco Laurindo – MED 103 
10 
▪ Os medicamentos absorvidos no intestino delgado passam primeiro pelo fígado, onde 
podem ser metabolizados antes de atingir a circulação sistêmica → reduz a 
biodisponibilidade do fármaco. 
Obs.: Pró-fármacos são fármacos administrados em forma inativa, ativados somente após biotransformação 
(metabolismo normal). Estes podem melhorar a absorção ou a ação da substância. Podem ter ativação intracelular 
ou extracelular. 
2) Sublingual 
• Vantagens 
o Superfície de absorção altamente vascularizada, apesar de pequena. 
o Drenagem da boca pela veia cava superior → escapa do metabolismo de primeira passagem pois 
se encaminha direto para o coração. 
▪ Maior biodisponibilidade 
▪ Maior rapidez nos efeitos do fármaco 
• Desvantagem: Depende da solubilidade 
- Retal 
• Vantagem: Efeito de primeira passagem menor quando comparada com via oral. 
• Desvantagens: 
o Absorção irregular e incompleta. 
o Possibilidade de irritação da mucosa 
• Exemplos de uso: 
o Opioides (alivio de dor) em pacientes em cuidados paliativos. 
o Usado na pediatria, quando a criança não aceita tomar via oral. 
o Ministrado em pacientes em crise epilética. 
- Injeção (parenteral = fora do TGI) 
• Vantagens: 
o Administração da dose com mais precisão (exata) 
o Maior disponibilidade 
o Não sofrem efeito de primeira passagem no fígado 
o Permite a administração em pacientes inconscientes 
o Usada também para fármacos pouco absorvidos no TGI (ex.: heparina) e para os instáveis no TGI 
(ex.: insulina) 
• Desvantagens: Necessidade de assepsia e dor/incômodo. 
1) Intravenosa: Medicamento introduzido diretamente nas veias 
• Vantagens: 
o Doses únicas (bolus) ou infusão contínua 
o Biodisponibilidade total (F=1) 
o Permite administração de soluções irritantes (fármaco se dilui rapidamente) 
• Desvantagens: 
o Exige determinação cuidadosa da dose 
o Necessidade de manutenção contínua para casos de administração contínua 
o Não podem ser usados fármacos que causem hemólise ou precipitam → não alteram a 
homeostase 
2) Intramuscular: Medicamento introduzido diretamente nos músculos 
• Vantagens: 
Maria Raquel Tinoco Laurindo – MED 103 
11 
o Podem estar em soluções aquosas, que são absorvidas rapidamente, ou em preparações 
especializadas de depósito, que são absorvidas lentamente. 
o Volumes relativamente “grandes” (2, 3, 4 mL). 
3) Subcutânea: 
• Vantagens: 
o Oferece absorção por difusão simples e é mais lenta do que a via intravenosa. 
o Minimiza os riscos de hemólise ou trombose associados à injeção intravenosa. 
o Pode proporcionar efeitos lentos, constantes e prolongados. 
o Fármacos administrados comumente por via subcutânea incluem insulina e heparina. 
• Desvantagem: Não deve ser usada com fármacos que causam irritação do tecido. 
o Minimiza os riscos de hemólise ou trombose associados à injeção intravenosa 
o Pode proporcionar efeitos lentos, constantes e prolongados 
o Fármacos administrados comumente por via subcutânea incluem insulina e heparina 
4) Intratecal: Injeção do medicamento no espaço subaracnóideo 
• Efeito rápido e tem metabolismo de primeira passagem. 
• Usado para medicamentos cuja ação é no SNC que “não 
atravessariam” a barreira hemato encefálica ou não seriam 
exportados pelos transportadores ABC. 
- Inalação 
• Usado para fármacos gasosos voláteis. 
• Absorção ocorre através do epitélio pulmonar e das vias aéreas. 
• Vantagens: 
o Absorção rápida (grande área absortiva). 
o Escapa do metabolismo de primeira passagem hepática. 
• Usado para anestésicos voláteis e gasosos, glicocorticoides, broncodilatadores. 
o Insulina inalável: Afrezza 
▪ Peptídeos também são absorvidos pelo epitélio pulmonar. 
- Tópica 
1) Cutânea 
• Vantagens: 
o Efeito local na pele ou sistêmico limitado (absorção transdérmica). 
o Usado para esteroides tópicos (local). 
▪ Adesivos de nicotina, testosterona. 
• Desvantagem: Risco de intoxicação acidental pela absorção de substâncias altamente lipossolúveis (ex.: 
inseticidas organofosforados). 
2) Colírios 
• Absorção pelo epitélio do saco conjuntival. 
o Vantagem: Usado para efeitos locais (ex.: Dorzalamida para tratamento de glaucoma). 
• Desvantagem: Pode ocorrer absorção sistêmica (ex.: Timolol para tratamento de pressão intraocular 
elevada pode causar broncoespasmos).

Outros materiais

Materiais relacionados

Perguntas relacionadas

Perguntas Recentes