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DIREITO PENAL I PROF. CARLOS EDUARDO A. JAPIASSÚ INTRODUÇÃO AO DIREITO PENAL E TERIA DA NORMA PENAL 1.1. Introdução ao Direito Penal 1.1.1. Conceito e denominação Direito penal é o conjunto de normas jurídicas mediante as quais o Estado proíbe determinadas ações ou omissões, sob ameaça da pena. Fazem parte desse ramo do direito também as normas que estabelecem os princípios gerais e as condições ou pressupostos de aplicação da pena e das medidas de segurança, que igualmente podem ser impostas aos autores de fatos definidos como crime. A sanção característica do direito penal é a pena, que é a principal consequência jurídica do crime. A denominação direito penal surge justamente da sanção jurídica desse ramo do direito. Como o direito penal moderno contempla, ao lado da pena, igualmente, as medidas de segurança (que se destinam ao tratamento dos semi-imputáveis e inimputáveis), a denominação usual tem sido considerada inadequada por muitos autores. A denominação direito criminal é antiga e prevaleceu até o século XIX (o Código Imperial de 1830 chamava-se Código Criminal), como prevalece ainda nos Estados que seguem o modelo da common law (Reino Unido e Estados Unidos, entre outros). O direito penal é ramo do direito público interno, pois o Estado detém o monopólio do direito de punir (jus puniendi), mesmo quando a acusação é promovida pelo ofendido (ação penal privada). O direito de punir estatal é o poder-dever que o estado tem de aplicar as normas estatais e, no âmbito penal, impor pena como consequência jurídica decorrente do fato de que o indivíduo violou regra de convívio social, pois praticou um crime. Frise-se que a tutela jurídica que o direito penal exerce refere-se sempre a interesses da coletividade, mesmo quando se trata de bens individuais, tais como a vida, o patrimônio e a honra. 1.1.2. Pena O direito se caracateriza pela previsão de comportamento e de sanção. Ou seja, o direito pretende regular a vida em sociedade. Para tanto, estabelece comportamentos permitidos e proibidos. Ao proibir uma conduta, o Estado o faz pela ameaça de uma sanção, o que ocorre em todos os ramos do direito. Como ramo do ordenamento jurídico, o direto penal se distingue precisamente pelo meio de coação e tutela com que atua, que é a pena. Assim, a diferença entre o direito penal e os demais ramos do direito tem relação direta com a natureza da sanção prevista. Enquanto a sanção civil tem natureza de reparação, pois o que se pretende com ela é que se retorne ao status quo anterior ao fato que a originou, a sanção caracteriza-se pelo castigo. Ou seja, a sanção civil, denominada penalidade, constitui, em regra, uma reparação. Por sua vez a sanção penal caracteriza pela retribuição, pois a pena não consiste na execução coativa do preceito jurídico violado, mas na perda de um bem jurídico imposta ao autor do ilícito, ou seja, num mal infligido ao réu, em virtude de seu comportamento antijurídico. Daí o seu caráter retributivo. Assim, pode-se definir pena como sendo a perda de um direito imposta pelo Estado em razão do cometimento de uma infração penal. 1.1.3. Função da pena A justificação da pena liga-se à função do direito penal, que é instrumento da política social do Estado. O Estado, como tutor e mantenedor da ordem jurídica, serve-se do direito penal, ou seja, da pena e das medidas de segurança, como meios destinados à consecução e à preservação do bem comum (controle social). A doutrina tem procurado explicar o fundamento da pena por meio das chamadas teorias absolutas, relativas e mistas ou unitárias. Essas teorias gravitam em torno de duas idéias fundamentais, a retribuição e a prevenção. Segundo as teorias absolutas, a pena é exigência de justiça. Quem pratica um mal deve sofrer um mal. A pena se funda na justa retribuição, é um fim em si mesma e não serve a qualquer outro propósito que não seja o de recompensar o mal com o mal. Por sua vez, as teorias relativas, partindo de uma concepção utilitária da pena, justificam-na por seus efeitos preventivos. Significa dizer que a finalidade da pena não seria punir todos os crimes, mas previnir todos os crimes. De alguma maneira, o que se quer dizer é que a sociedade ideal é aquela em que não ocorrem crimes e não aquela em que todos os crimes são punidos e é isso o que o Estado deve perseguir. Distingue-se aqui a prevenção geral e a prevenção especial. Prevenção geral é a intimidação que se supõe alcançar através da ameaça da pena e de sua efetiva imposição, atemorizando os possíveis infratores. A prevenção especial atua sobre o autor do crime, para que não volte a delinqüir. A prevenção especial opera por meio da emenda do condenado ou de sua intimidação, ou, ainda, da inocuização dos incorrigíveis. Tanto a teoria da prevenção geral como a da prevenção especial deixam sem explicar os critérios mediante os quais deve o Estado recorrer à pena criminal. Como ocorre com as teorias absolutas, aqui também se pressupõe a necessidade da pena. A prevenção geral não estabelece os limites da reação punitiva e pode criar um direito penal do terror. A prevenção especial também não pode, por si só, constituir fundamento para a pena. Há delinquentes que não carecem de ressocialização alguma, em relação aos quais é possível fazer um seguro prognóstico de não reincidência. Ainda, as teorias mistas ou unitárias combinam as teorias absolutas e as relativas. Partem do entendimento segundo o qual a pena é retribuição mas deve, por igual, perseguir os fins de prevenção geral e especial. As teorias mistas não foram suficientes para responder por completo ao problema da finalidade. Por isso, foi desenvolvida a ideia de que a prevenção pode ser positiva ou negativa. Uma conteria a ideia de que a previsão ou a aplicação das penas teria a função de prevenir delitos (prevenção negativa), e a outra reforçaria a validade das normas (prevenção positiva), que significa restabelecer a confiança institucional no ordenamento, quebrada com o cometimento do crime. 1.1.4. As ciências penais Várias são as disciplinas que se relacionam com o Direito Penal, com o crime e com o criminoso. Ao conjunto dessas disciplinas tem-se chamado de ciências penais. Aqui se optou por tratar de algumas delas: a dogmática jurídico-penal ou ciência do direito penal, que tem por objeto o estudo da norma penal; a criminologia, que estuda o crime em sua realidade fenomênica; e a política criminal, atividade do Estado no controle da criminalidade. Ciências ou disciplinas auxiliares seriam a medicina legal, a psicologia judiciária e a criminalística. 1.1.4.1. Ciência do direito penal ou dogmática jurídico-penal A ciência do direito penal, também chamada dogmática jurídico-penal, é a disciplina estuda o crime como fato jurídico, para determinar as características do fato punível e suas formas especiais de aparecimento. A ciência do Direito Penal não se distingue das disciplinas jurídicas que estudam os outros ramos do direito, senão pela natureza das normas que lhe constituem o objeto. A dogmática jurídico-penal realiza, em síntese, o estudo normativo ou jurídico do crime, para que se possa encontrar maneiras de interpretar as normas penais de maneira mais adequada. 1.1.4.2. Política criminal É a atividade que tem por fim a pesquisa dos meios mais adequados para o controle da criminalidade, valendo-se dos resultados que proporciona a Criminologia, por meio da análise e crítica do sistema punitivo vigente. Pode-se dizer que política criminal não é ciência, mas apenas técnica, aproximando-se das disciplinas políticas, que são disciplinas de meios e fins. 1.1.4.3. Criminologia Entende-se por Criminologia a ciência que estuda o crime como fato social, o delinquente e a delinquência, bem como, em geral, osurgimento das normas de comportamento social e a conduta que as viola ou delas se desvia e o processo de reação social. A Criminologia não se limita ao estudo do crime como realidade fenomênica, cabendo-lhe, de forma mais ampla, o estudo da conduta desviante que constitui fato social grave. 1.1.4.4. Ciências auxiliares Denominam-se ciências auxiliares, certas disciplinas que servem à aplicação prática do direito penal e à investigação criminal. Tais disciplinas são: a medicina legal, a psicologia judiciária e a criminalística. Medicina legal é o conjunto de conhecimentos médicos utilizados na aplicação do direito. Não é apenas útil ao direito penal, mas também aos demais ramos do direito. Pode ser encontrada, p. ex., na verificação da sanidade mental, para fins de declaração de incapacidade para os atos da vida civil e nos exames de acidentes de trabalho, para fins de indenização. Por sua vez, psicologia judiciária ou psicologia forense é a psicologia aplicada em relação às pessoas que participam do processo penal, sendo especialmente utilizada na avaliação da credibilidade do testemunho. Por fim, criminalística é o nome que se dá à técnica que resulta da aplicação de várias ciências à investigação criminal, na descoberta de crimes e identificação de criminosos. 1.2. Princípios limitadores do poder punitivo Um ordenamento jurídico deve, necessariamente, proteger os indivíduos utilizando-se do direito penal, mas deve também protegê-lo do próprio direito penal, cuja aplicação punitiva e, por vezes, vingativa, pode ser tão odiosa quanto a própria infração que gerou a sua utilização. Assim, fez-se mister que fossem estabelecidos limites ao poder punitivo estatal. A Constituição Federal, em seu artigo 5 o , estabelece princípios que limitam o poder punitivo estatal de maneira explícita e de maneira implícita. Tais princípios têm por objetivo orientar o legislador ordinário para que possa ser adotado um sistema penal que resguarde os direitos fundamentais e também dar ao sistema penal um caráter menos cruel. Aqui, optou-se por tratar de alguns desses princípios, considerados como mais relevantes, embora muitos outros possam ser mencionados. 1.2.1. Princípio da intervenção mínima O principio da intervenção mínima do direito penal estabelece que o direito penal que não deve proteger qualquer bem jurídico, mas, somente aquilo que se concebe como um bem jurídico penal, ou seja, os valores mais caros à sociedade, sem os quais a sociedade não terá condições de permanecer como tal. Nesse sentido, o principio da intervenção mínima diferencia um bem jurídico penal do bem jurídico em geral. O bem jurídico em geral é todo e qualquer valor importante para a sociedade, cuja proteção venha a ser determinada por força de lei, ou por força de ato administrativo. Já os bens juridicos penais são os valores essenciais, que devem constituir o núcleo central do estado democrático de direito. Desse, p. ex., fazem parte a vida, o patrimônio, a identidade corporal e a liberdade psíquica ou individual. Entende-se, portanto, que somente deve haver intervenção mínima, pois a intervenção penal somente deve ocorrer nos casos mais graves, na qual se justifique. O principio da intervenção mínima tem duas faces: nega a possibilidade do direito penal proteger bens juridicos que não são essenciais e, de outro lado, determina que o direito penal proteja os bens juridicos considerados essenciais. 1.2.2. Princípio da fragmentaridade e da subsidiriedade Intimamente ligado ao principio intervenção mínima, o principio da fragmentariedade estabelece que o direito penal tutela apenas algumas das condutas em que existe violação de um bem jurídico e não de todas, fazendo da intervenção penal fragmentar. Por sua vez, deve haver subsidiariedade, pois exige-se que o direito penal somente venha a ser utilizado para proteção de bens jurídicos quando os demais ramos do direito não tenham se mostrado suficientes para protegê-los de forma eficaz. 1.2.3. Princípio da lesividade O principio da lesividade, também conhecido como ofensividade, é aquele segundo somente pode ser considerada merecedora de tutela penal, conduta que seja apta a expor a risco ou a causar dano a bem jurídico. Uma norma penal, portanto, deve necessariamente proteger bem juridico de lesão ou risco de lesão. Dessa maneira, veda-se o estabelecimento de delitos que sejam meras infrações de obrigações ou deveres, o quie significaria uma excessiva intervenção estatal, que não pode ser aceita. 1.2.4. Princípio da adequação social O principio da adequação social nem sempre teve a natureza jurídica reconhecida como tal, qual seja, reconhecida como regra geral de interpretação de tipos, pois durante muito tempo a doutrina penal imaginou que o principio da adequação social era uma clausula de exclusão da tipicidade. Hoje, todavia, entende-se que o principio da adequação social fundamenta a possibilidade de utilização de determinados valores e costumes sociais, ainda que contra a lei, para afastar a aplicação da lei penal. O principio da adequação social constitui regra geral de interpretação das normas penais incriminadoras e concretiza a idéia de que o tipo penal foi criado como forma de viabilizar a vida social e não como forma de mudar a vida social. Se, com uma modificação social, determinado comportamento penalmente reprovado passar a ser socialmente aceito, não se jsutifica a intervenção penal. 1.2.5. Princípio da humanidade O princípio da humanidade relaciona-se com a necessidade de proteção à dignidade da pessoa humana, que se projeta no direito penal com a ideia de o ser humano o seu fim e não o meio de viabilização de algum outro ideal. Em outras palavras, não podem as finalidades do Estado serem mais importantes que o ser humano. Por isso, as necessidade de combate ao crime não justificam o emprego de medidas que gerem excessivo sofrimento ao indivíduo. Por conta deste princípio, não se admite imposição de penas infamantes ou cruéis, tais como os castigos corporais. Sustenta-se, ainda, que tal princípio interdita a adoção da pena de morte. 1.2.6. Princípio da culpabilidade O principio da culpabilidade decorre da ideia de que cada um responde pelos seus atos, pois a responsabilidade penal é estritamente pessoal e subjetiva. Entendendo-se culpabilidade como juízo de reprovação que recai sobre o agente autor da conduta reprovável, somente deve ser penalmente reprovado aquele que, por sua conduta, dado causa a resultado criminoso. Ressalte-se, todavia, que não se poderá punir simplesmente porque a ação deu causa a um resultado típico. Deve haver um componente subjetivo (dolo ou culpa) que reprove a conduta do sujeito. O principio da culpabilidade, portanto, afasta a posibilidade penal objetiva (sem culpa) e exige que se cause um resultado dolosa ou, ao menos, culposamente. 1.2.7. Princípio da insignificância ou da bagatela A ideia da insignificância ou da bagatela complementa os princípios acima mencioanados, no sentido de que ainda que uma determinada conduta possa corretamente ser prevista como criminosa, sem que viole nenhum dos demais, ainda assim, pode ser inconveniente a utilização do direito penal. Significa dizer que ainda que haja a violação de um bem jurídico penal, que justifique a intervenção penal, deve a lesão atingiur alguma magnitude. Não a lesão a um bem patrimonial, deve haver algum relevo na lesão para dar causa a umapena criminal. Não deve a simples subtração de alguma cosia de valor insignificante ser suficiente para a intervenção penal. 1.2.8. Princípio da legalidade De todos os princípios reconhecidos no direito brasileiro, talvez o mais importante seja o da legalidade. Tanto assim que pode-se dizer que a legislação penal brasileira é dominada pelo princípio, tantoassim que aparece inscrito na Constituição Federal, em seu art. 5.º, XXIX, bem como no art. 1.º de Código Penal: “Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. Essa regra básica denomina-se princípio da legalidade dos delitos e das penas ou princípio da reserva legal, e representa importante conquista. O princípio da legalidade pode ser encontrado em todos os sistemas jurídicos existentes no mundo em códigos penais e em constituições e, também, na Declaração Universal dos Direitos do Homem, no 3ª Convenção de Genebra e em seus Protocolos Adicionais, além de tratados para proteção de direitos humanos, como Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, o Convênio Europeu para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais, a Convenção Americana de Direitos Humanos e a Carta Africana de Direitos Humanos e dos Povos. Este princípio, que serve para evitar uma punição arbitrária, não decorrente de lei ou baseada em uma norma imprecisa ou retroativa, é objeto de posições divergentes no direito penal internacional. O princípio da reserva legal foi previsto, de alguma maneira, tanto pelo direito romano e pelo direito medieval. Na Antigüidade Clássica, inicialmente, a aplicação da lei penal foi caracterizada pela adoção da analogia. Gradativamente, foi sendo utilizada a submissão à lei. Já na Idade Média, houve a prevalência do direito consuetudinário ou arbítrio judicial. Por essa razão, mesmo nas legislações mais avançadas do período, era admitida a analogia, como se pode perceber na Constitutio Criminalis Carolina (a Ordenança Criminal de Carlos V, 1532), no Codex juris Bavarici criminalis (1751) e na Constitutio Criminalis Thereziana (1768) 1 . 1 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal: parte geral. 15 ed., Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 90. Já no direito inglês, havia um antecedente na própria Magna Charta (1215), que, em seu artigo 39, estabeleceu: “Nullus liber homo capiatur, vel imprisonetur, aut disseisiatur, aut utlagetur, aut exuletur, aut aliquo modo destruatur, nec super eum ibimus, nec super mittemus, nisi per legale judicium parium suorum vel per legem terre”2. Este princípio continha, como se pode perceber, uma evidente limitação ao poder estatal em favor da liberdade individual. Mais que isso, já relacionava essa limitação à existência de uma lei anterior, embora fosse, de certo, muito mais uma garantia processual do que de direito substantivo 3 . A limitação da autoridade do Estado frente ao indivíduo, após, foi desenvolvida por Locke, Montesquieu e Rousseau 4 . Cristalizou-se, de maneira definitiva, com o surgimento do opúsculo de Beccaria, o clássico Dos delitos e das penas. Este autor, um adepto das idéias rousseanianas, exprimiu que somente a lei poderia determinar a pena para a prática de crimes, afastando, por completo, que o juiz pudesse formar o direito penal ou que as normas incriminadoras pudessem decorrer do costume. O princípio da reserva legal foi cristalizado a partir das declarações (Bill of Rights) e das constituições das colônias inglesas na América do Norte, em fins do século XVIII. Na declaração de independência chegou-se a afirmar que “o rei havia tornado os juízes dependentes exclusivamente de sua vontade”5. A efetiva proibição de leis ex post facto surgiu em 1776, com a Declaração de Direitos da Virgínia e com a Constituição de Maryland, embora a o Congresso da Filadélfia já houvesse incluído o princípio da legalidade entre os direitos fundamentais do homem. Já a Constituição americana (1787) estabeleceu a proibição da existência de tais normas, além de vedar a decretação de proscrição (bill of attainder), em seu art. 1º, secção 9, obrigação que foi imposta aos estados pela secção 10 do mesmo artigo. A partir daí tal noção se difundiu pelo mundo. Na Europa, surgiu com o Código Penal austríaco de 1787, de José II, a chamada legislação Josefina. Após, célebre Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 1789, na França revolucionária, em seu artigo VIII, determinava que ninguém fosse punido senão por força de uma lei estabelecida e promulgada anteriormente ao crime 6 . Logo a seguir, na Constituição francesa de 1793, o legislador constituinte foi ainda mais enérgico e determinou que não somente ninguém será punido salvo em virtude de uma lei 2 “Nenhum homem livre será levado ou preso ou retirado ou posto fora da lei ou exilado ou de qualquer maneira prejudicado, ou nós não iremos ou enviaremos contra ele, exceto em decorrência de um julgamento justo por seus pares ou pela lei da terra” (tradução livre (HOLT, James Clarke. Magna Carta. 2 ed., Cambridge: Cambridge University Press, 1995, p. 460/461). 3 Em sentido contrário: “Devemos abandonar a tarefa, mais própria de antiquário que de historiador, como diria Marc Bloch, de respingar em textos romanos alguma afinidade ainda que sonora com o princípio, ou de cismar sobre a passagem do artigo 39 da Magna Charta que continha, segundo opinião dominante, mera garantia processual restrita aos poucos ‘homens livres’ , à procura de um antecedente” (BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. 3 ed., Rio de Janeiro: Revan, 1996, p. 65/66). 4 HUNGRIA, op. cit., p. 34/ 35. 5 FRAGOSO, op. cit., p. 90. 6 “Ce principe a été exprimé par les lois révolutionnaires. Cést ainsi que la Déclaration des droits de l’homme et du citoyen spécifie, dans le article 8: La loi ne doit établir que des peines évidemment et strictement nécessaires: nul ne peut être puni qu’en vertu d’une loi établie et promulguée antérieurment au délit et légalement appliquée” (BOUZAT, Pierre. Traité theorique et pratique de Droit Pénal, Paris: Dalloz, 1951, p. 61). anterior ao fato, como qualificou de criminoso o efeito retroativo da lei penal em desfavor do réu 7 . Em 1794, o Código Penal prussiano incorporou o princípio, bem como o Código Penal da Baviera de 1813, este redigido por Paul Johann Anselm von Feuerbach (1775-1833), que, além de ser considerado o fundador do moderno direito penal alemão, cunhou a expressão latina que sintetiza a reserva legal: “nullum crimen nulla poena sige lege”8. Afirmava também este autor que o princípio da reserva legal, além de sua base política, atendia a um fundamento de ordem jurídico-penal. Sustentava que a ameaça penal exercia uma coação psicológica que impediria a prática de crime. A justificativa da punição decorria do fato de que alguém, embora conhecendo a ameaça, não deixasse de praticar conduta proibida. Assim, a punibilidade de determinado fato estaria diretamente condicionada à anterioridade de sua incriminação e da prévia cominação de pena, no texto de uma lei penal previamente publicada. Esta é a teoria da coação psicológica, em que a lei prévia teria, pois, efeito inibidor 9 . O princípio se universalizou desde então, sendo encontrado nos mais diversos ordenamentos jurídicos ao redor no globo. No Brasil, por exemplo, foi definido em todas as Constituições e em todos os Códigos Penais. O Código Criminal de 1830, em seu art. 1.º, estabelecia que “não haverá crime, ou delito (palavras sinônimas neste código), sem uma lei anterior, que o qualifique”. E, no art. 33, que “nenhum crime será punido com penas que não estejam estabelecidas para punir o crime no grau máximo, médio ou mínimo, salvo o caso em que aos juízes se permitir arbítrio”. O Código de 1890, em seu art. 1.º, assim dispunha: “Ninguém poderá ser punido por fato que não tenha sido anteriormente qualificado crime, e nem com penas que não estejam previamente estabelecidas. A interpretação extensiva, por analogia ou paridade, não é admissível para qualificar crimes ou aplicar-lhes penas”. A Constituição atual o prevê em seu art. 5.º, XXXIX, e o Código Penal de 1940, com aParte Geral de 1984, o incorpora no art. 1.º. Pode-se mencionar que, ao longo do século XX, houve dois exemplos paradigmáticos de admissão da idéia de analogia no direito penal, a saber, a lei alemã de 1935 e a lei soviética de 1917. Na primeira hipótese, o legislador nacional-socialista afirmou que seria possível castigar segundo a idéia básica de uma lei penal e segundo o sentimento de um povo. Dessa maneira, o 3º Reich alemão rejeitou essa conquista obtida a partir do Iluminismo, como, aliás, o fez em relação ao Estado liberal como um todo. Esse dispositivo, que se adequava às características totalitárias e repressivas do modelo hitlerista, foi imediatamente declarado inaplicável pelos aliados já em 1945. Um ano após, foi derrogado expressamente e substituído por uma nova versão do princípio da legalidade. A Constituição alemã de 1949 adotou o referido princípio, utilizando o mesmo sentido que se utilizara a Constituição de Weimar (1919). Na Alemanha, aliás, a reserva legal foi reproduzida na Parte Geral do Código Penal de 1975. 7 “Plus énergique est encore la constitution du 24 juin 1793, lorsqu’elle déclare dans son art,. 14: ‘Nul ne doit être jugé et puni qu’en vertu d’une loi promulguée antérieurment au delit; la loi qui punirait des délits commis avant qu’elle existât serait une tyrannie; l’effet retroactif donné à cette loi, un crime” (BOUZAT, op. cit. , p. 61). 8 Ressalte-se que: “Ao contrário do se difunde freqüentemente, das obras de Feuerbach não consta a fórmula ampla ‘nullum crimen nulla poena sine lege’; nelas se encontra, sim, uma articulação das fórmulas ‘nulla poena sine lege’, ‘nullum crimen sine poena legali’ e ‘nulla poena (legalis) sine crimine’” (BATISTA, op. cit., p. 66). 9 BACIGALUPO, Enrique. Principios de derecho penal: parte general. 5 ed., Madri: Akal, 1998, p. 55. Já na extinta União Soviética revolucionária, o princípio foi abolido em 1917, no esteio da incessante oposição que aquele Estado fazia ao modelo liberal e às conquistas desse modelo houveram atingido. Frise-se que essa noção foi utilizada durante o período de maior repressão, o de Stálin. A legalidade foi, no entanto, restabelecida em 1958 e reproduzida em todos os Estados socialistas de então 10 . O princípio da reserva legal encontra, hodiernamente, quatro fundamentos para a sua existência: o liberalismo político; a democracia e a divisão de poderes; a prevenção geral e o princípio da culpabilidade. O princípio é conseqüência direta da formação do próprio Estado contemporâneo, dada a exigência de vinculação entre os poderes executivo e judiciário e as leis em abstrato formuladas. Em que pesem as mudanças contemporâneas no Estado, muito da justificativa da legalidade ainda remonta a esse fundamento. Assim, se pode entender que o fim do princípio da legalidade é a idéia de proteção da confiança e da previsibilidade do direito penal, assim como que se evitem decisões decorrentes da emoção. Ademais, a vinculação do poder punitivo estatal a uma lei abstrata, pretende, por si só, proteger a liberdade individual do arbítrio estatal, o que sintetizam as finalidades da proibição da analogia e da indeterminação da norma penal. Um outro fundamento é o da tripartição de poderes, já que nessa estrutura, que se expressa por meio da reserva legal, o juiz não deve criar o direito penal atributo do parlamento , mas, sim, aplicá-lo, e o Poder Executivo não terá ingerência quanto à punição, o que impedirá qualquer abuso nesse sentido. Por fim, a idéia de que o princípio da culpabilidade é vulnerado se não houver reserva legal, pois não se deve falar em agente culpável se o indivíduo sabia ou tivera a possibilidade de verificar que o seu comportamento era passível de reprovação penal. Essa verificação tem, pois, que ser feita antes da prática delitiva e, assim, a reprovação tem, necessariamente, que ser anterior. Deve-se ainda reiterar que no direito penal, onde o fundamental em jogo é a imunidade do cidadão frente a proibições e a castigos arbitrários, os seus conteúdos materiais se concretizam na taxatividade dos delitos. Em outros setores do ordenamento, os direitos fundamentais objeto de tutela são diversos, mas também eles, quando garantidos constitucionalmente, se tornam vínculos de validade para a legalidade ordinária, ou legalidade estrita. Em todos os casos, pode-se dizer que a mera legalidade coincide com a legitimação formal, enquanto a estrita legalidade, ao subordinar todos os atos, inclusive a lei, aos conteúdos dos direitos fundamentais, coincide com a legitimidade material. Significa dizer que a legalidade é essencial para o próprio Estado democrático de direito e, por isso, dogma que não deve ser afastado sob qualquer hipótese 11 . 1.2.8.1. Consequências do princípio da legalidade Tradicionalmente, são mencionadas quatro consequências do princípio da reserva legal a) as proibições da analogia (nullum crimen, nulla poena sine lege strticta) - exclui-se a possibilidade de aplicação analógica das normas que definem crimes e estabelecem 10 Ibidem. 11 FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razón. Teoria del garantismo penal. 5 ed., Madri: Trotta, 2001, p. 857. sanções ou medidas de segurança, para abranger casos por elas não expressamente contemplados. b) do direito consuetudinário para fundamentar ou agravar a pena (nullum crimen, nulla poena sine lege scripta) - não é possível admitir a criação de crimes e penas ou a sua majoração pelo costume, pois só a lei pode ser fonte de normas incriminadoras; c) da retroatividade da lei penal (nullum crimen, nulla poena sine lege praevia) – tal proibição se refere a todas as características do fato, no conjunto de todas as normas jurídicas que o qualificam e estabelecem consequências para o mesmo. Assim sendo, uma alteração mais gravosa de dispositivos da lei penal não pode gerar à aplicação com efeito retroativo. Ressalte-se, todavia, que a proibição da retroatividade somente se refere à lei e não às alterações da jurisprudência dos tribunais. d) da existência de incriminações vagas e indeterminadas (nullum crimen nulla poena sine lege certa) - a só existência de lei prévia não basta, pois esta lei deve reunir certos caracteres: deve ser concretamente definitória de uma ação, deve delimitar qual é a conduta compreendida e qual é a não compreendida. A incriminação vaga e indeterminada faz com que, em realidade, não haja lei definindo como delituosa certa conduta, pois entrega, em última análise, a identificação do fato punível fica ao arbítrio do julgador. 1.3. Aplicação da lei penal no tempo A vigência da lei penal não representa exceção às normas que regulam a vigência e obrigatoriedade das leis em geral, prevista pela lei de introdução ao Código Civil. Esta, em seu art. 1.º, estabelece que a lei começa a vigorar em todo o país quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada, salvo disposição em contrário. Se nesse prazo (vacatio legis) ocorrer nova publicação do texto, destinada à correção, o prazo começa novamente a correr a partir da nova publicação. As correções da lei já em vigor consideram-se lei nova. Permanece em vigor a lei até que outra posterior a modifique ou revogue, a menos que se trate de lei temporária. Esta é a lei que em seu próprio texto estabelece seu limite de validez. Há nesse caso uma autorrevogação. É também o que sucede com leis destinadas à vigência durante o curso de determinados acontecimentos transitórios, cessando com os mesmos sua razão de ser. São as leis excepcionais. A revogação da lei anterior pode ser total (abrrogação) ou parcial (derrogação); expressa ou tácita. É expressa quando a revogação é declarada pela lei posterior; é tácita, quando a lei nova é incompatível com a lei anteriorou quando regula inteiramente a matéria de que esta tratava. O princípio básico que domina a sucessão de leis e sua aplicação é o tempus regit actum: os fatos são regulados pela lei do tempo em que se verificam e, em regra, a lei não retroage. No Direito Penal, como mencionado acima, a irretroatividade de norma incriminadora é consequência do princípio da legalidade, que é garantia constitucional. Por isso, a regra da irretroatividade somente se aplica à lei que agrava a situação do réu. Se beneficiar, de alguma maneira, o acusado, a lei pode vir a retroagir, como será discutido adiante. 1.3.1. Irretroatividade das leis penais e a retroatividade da lei penal mais benigna. A irretroatividade da lei penal foi proclamada, como mencionado, pelo princípio nullum crimen nulla poena sine lege. A retroatividade da lei mais benigna, no entanto, foi desenvolvida mais adiante e decorre do interesse do Estado. Se o Estado vem formular leis mais benignas, no que se refere a crimes e gravidade de penas, significa que as novas leis correspondem novas exigências da Justiça e da vida social. Com isso, o que era certo na lei anterior, deixou de ser e merece emenda.. O CP, em seu art. 2.º e seu parágrafo único, considera que a lei nova mais favorável se aplica aos casos em que deixa de considerar o fato como delituoso (abolitio criminis), bem como aos que de qualquer outra forma favorecer o agente. Estabelecer lei mais favorável (lex mitior), todavia, somente pode ser no caso concreto. O juiz deve considerar qual seria o resultado, aplicando hipoteticamente uma e outra das leis, escolhendo então a que proporciona situação mais favorável ao réu. Uma lei posterior que, mantendo a incriminação do fato, aumente o máximo da pena cominada, e diminua o mínimo, será mais favorável, se for o caso de aplicar a pena mínima à hipótese em julgamento, e será mais severa no caso de se impor a pena máxima. Em nenhum caso será possível tomar de uma e outra lei as disposições que mais beneficiem o réu, aplicando ambas parcialmente. A chamada conjugação de leis, embora defendida por alguns, não tem sido admitida no Brasil. 1.3.2. Conflitos da lei penal no tempo Configura-se um conflito de leis penais no tempo toda vez que, entre o comentimento do crime e o momento em que cessem os seus efeitos penais, tiver havido modificação da lei e, portanto, sucessão de leis penais. As hipóteses de sucessão de leis penais são as seguintes: a) Novatio legis incriminadora - a lei posterior incrimina fato que era antecedentemente lícito; b) Abolitio criminis - a lei posterior deixa de considerar ilícito penal fato incriminado pela lei anterior; c) Novatio legis in mellius - a lei posterior, sem suprimir a incriminação do fato, beneficia o agente, quer cominando pena menos rigorosa, quer de qualquer outro modo tornando menos grave a situação do réu; d) Novatio legis in pejus - a lei posterior, mantendo a incriminação do fato, torna mais grave a situação do réu. Ressalte-se que aqui se discute lei penal em sentido próprio, compreendendo os tipos de delito descritos nas normas incriminadoras, como também as normas contidas na Parte Geral, pertencentes ao direito penal material. Excluem-se as disposições relativas às medidas de segurança, bem como as normas de caráter processual existentes no CP. O conflito de leis penais que se sucedem resolve-se sempre pela aplicação de um princípio básico, que é o da retroatividade ou ultratividade da lei mais benigna (extra-atividade da lex mitior). A lei mais severa em nenhum caso retroage. A lex gravior, igualmente, em caso algum tem ultratividade. 1.3.3. Leis excepcionais e leis temporárias Estabelece o CP a ultra-atividade da lei excepcional ou temporária, no art. 3.º. São leis temporárias aquelas que vigoram durante certo tempo, por elas próprias fixado. São leis excepcionais as que visam atender a situações anormais da vida social (epidemia, guerra, revolução etc.). A ultra-atividade de tais leis é justificada com o fato de que seria fácil sua violação, sem conseqüências penais, se não fossem ultra-ativas. 1.3.4. Norma penal em branco Lei ou norma penal em branco seria aquela na qual o preceito é incompleto, e que, na expressão de Binding, são “como corpos errantes à procura de alma”. Nesse caso, o tipo deve ser completado por outra disposição legal, já existente ou futura. Na normal penal em branco não falta o preceito, ele é apenas formulado de maneira genérica, sendo completado pela disposição integradora. A razão de ser de tais normas encontra-se na necessidade que a ordem jurídica reconhece, de fornecer a tutela penal a determinadas categorias de prescrições administrativas, a serem emanadas em relação a contingências futuras, gerais ou particulares. A discussão particular acerca da sucessão de leis penais em caso de norma penal em branco surge no caso de haver modificação do complemento. Nesse particular, duas teorias são defendidas. A primeira, mais tradicional, argumenta apenas que a modificação do complemento não gera mudança da lei e, por isso, não se deve falar em conflito de leis no tempo. A segunda divide em dois tipo de norma penal em branco. No primeiro, o complemento serviria apenas para permitir que a norma venha a viger e, nesse caso, não haveria moficação da lei. Haveria, todavia, uma outra categoria, no qual o complemento seria a essência da proibição e, por esse motivo, em se modificando, haveria mudança da lei. 1.3.5. Tempo do crime Para que se possa determinar se houve ou não conflito de leis no tempo, afigura-se fundamental determinar o momento em que o crime é cometido. Antes, porém, deve-se assinalar que cometer um crime significa praticar qualquer ato de execução ou de participação na ação delituosa. É ato de execução aquele que inicia a violação da norma, com o ataque ao bem jurídico tutelado. Cometer um crime não significa consumá-lo. Para determinação do tempo crime, diferentes critérios podem ser adotados. Pode ser considerado o momento em que se desenvolve a ação (teoria da ação), o momento em que sobrevém o resultado ou que o consuma (teoria do resultado), ou ambos (teoria da ubiquidade). No Brasil, foi adotada a primerias dessa teroias, por meio do art. 4.º, CP. 1.3.6. Crimes permanentes e continuados Não há regras especiais para atender à hipótese de ações que configurem crimes permanentes e continuados, havendo sucessão de leis penais. No crime permanente, a ação se protrai, com a permanência do resultado antijurídico (ex.: seqüestro, art. 148, CP). Neste caso aplica-se a lei nova, pois sob seu império continuou sendo praticada a ação. A solução é a mesma para o crime continuado (art. 71, CP), e para o crime habitual. Em nenhum caso, porém, serão considerados os atos praticados na vigência da lei anterior. 1.4. Aplicação da lei penal no espaço 1.4.1. Princípios: territorialidade, personalidade ativa e passiva, de defesa ou de proteção, da bandeira ou da representação e da universalidade ou da justiça universal. Quatro princípios ou critérios foram formulados pela doutrina: a) Princípio da territorialidade - a lei penal aplica-se no território onde se exerce a soberania do Estado, independentemente da nacionalidade do agente ou da vítima ou do titular do bem jurídico atingido. O princípio da territorialidade é o preponderante na lei brasileira (art. 5.º do CP). b) Princípio da personalidade ou da nacionalidade - a lei penal nacional pode ser aplicada ao cidadão onde quer que se encontre, devendo ser considerada apenas a nacionalidade do agente. c) Princípio da defesa ou real ou de proteção - a lei penal deve ser aplicada de acordo com a nacionalidade do bem jurídico atingido pela ação delituosa, onde quer que seja ela praticada e seja qual for a nacionalidadedo agente. d) Princípio da justiça universal - a lei penal aplica-se a todo e qualquer fato punível, seja qual for na nacionalidade do agente ou do bem jurídico lesado ou posto em perigo e qualquer que tenha sido o lugar onde tenha sido o fato praticado. e) Princípio da representação ou da bandeira – a lei penal do Estado ao qual pertença a aeronave ou a embarcação deve ser aplicada a todo e qualquer fato praticado no seu interior. Consagra a lei brasileira, como regra básica, o princípio da territorialidade em seu art. 5.º do CP. Não existe, todavia, um conceito jurídico-penal de território e tal conceito decorre do direito público e do direito internacional. Não se trata de conceito geográfico, mas de conceito jurídico: território é todo espaço onde se exerce a soberania do Estado. Compreende, em primeiro lugar, o espaço territorial delimitado pelas fronteiras do país, sem solução de continuidade, inclusive rios, lagos e mares interiores, bem como as ilhas e outros porções de terra separadas do solo principal. Integram, ainda, o território, o mar territorial, o espaço aéreo e a porção, atribuída pelo direito internacional a cada Estado, de rios e lagos fronteiriços. Por uma ficção jurídica, são também considerados territórios os navios e aeronaves comerciais em águas nacionais ou em alto-mar, bem como os navios e aeronaves do Estado, onde quer que se encontrem. Os limites do mar territorial estão estabelecidos pela Lei n.º 8.617/93 em 12 milhas marítimas, medidas a partir da linha do baixamar do litoral continental e insular brasileiro, adotada como referência nas cartas náuticas brasileiras (art. 1.º). A soberania de nosso país se estende ao leito e ao subsolo do mar territorial (art. 2.º, L. 8.617/93). Esta mesma lei, estabelece a zona contígua, delimitada em até 24 milhas marítimas (onde podem ser adotadas medidas de prevenção de infrações à lei e de repressão daquelas ocorridas no território ou no mar territorial), e a zona econômica exclusiva, delimitada em até 200 milhas (para efeitos exploração de recursos naturais), ambas contadas a partir da linha do baixamar. Quanto aos rios, há os nacionais, ou seja, os que se situam inteiramente no território nacional, e os internacionais os que atravessam mais de um Estado e podem ser simultâneos (fronteiriços) ou sucessivos. Com relação a estes últimos, compõem o território nacional, no trecho que atravessa o território do Estado. O território, em relação aos rios internacionais simultâneos e lagos fronteiriços, é geralmente estabelecido por tratados e convenções internacionais, entre as partes interessadas. Se o rio pertence a ambos os países, o limite é fixado em regra pela eqüidistância das margens ou pela linha de maior profundidade (Talweg). Nos lagos, o critério é geralmente o de limitação pela linha que liga ao centro os pontos extremos do território. Nas pontes internacionais, o limite do território vai até o meio ainda que não corresponda ao Talweg do rio, salvo convenção em contrário. O território nacional compreende também o espaço aéreo que cobre o território do Estado e águas territoriais, sem limites. No que concerne aos navios, a regra a observar é no sentido de que os navios públicos, ou seja, os navios do Estado (belonaves e navios empregados em serviços públicos, como o de polícia, alfândega etc.) constituem território do Estado a que pertencem onde quer que estejam, mesmo em águas territoriais estrangeiras. São também navios dessa categoria os que são postos exclusivamente a serviço de soberanos ou chefes de Estado ou de representantes diplomáticos. Os crimes cometidos a bordo de tais barcos são sempre punidos pelo Estado a que pertencem. Quanto aos navios privados, estão sujeitos à soberania do Estado a que pertencem, se estiverem em águas nacionais ou em alto-mar. Em águas territoriais ou em porto estrangeiro, submetem-se, em princípio, à jurisdição do país estrangeiro. As mesmas regras fixadas para os navios aplicam-se às aeronaves, que podem ser públicas ou privadas, atendendo-se, porém, à diversa situação dos crimes praticados a bordo de aeronaves estrangeiras privadas em solo brasileiro. O CP acolheu tais regras no art. 5.º, §§ 1.º e 2.º. 1.4.2. Lugar do crime No que se refere ao lugar do crime, as considerações que foram desenvolvidas quanto ao tempo do crime também são aqui válidas. A ressalva é que o CP, em seu art. 6º. determinou que seja adotada a teoria da ubiqüidade, que considera como lugar do crime tanto aquele em que se pratica a ação como aquele em que se verifica o resultado ou aquele em que o bem jurídico é atingido. Será, assim, punível pela nossa lei o crime cometido, no todo ou em parte, no território nacional ou o que nele, embora parcialmente, produziu seu resultado. Ademais, o crime não se fraciona por ultrapassar as fronteiras e será punido em sua inteireza mesmo que só parcialmente executado em território nacional. 1.4.3. Hipóteses de extraterritorialidade Embora tenha fixando como regra o princípio da territorialidade, o CP também determina a aplicação da lei penal brasileira a certos fatos praticados no estrangeiro (art. 7.º, CP). A extraterritorialidade da lei brasileira dá-se, porém, segundo um duplo critério: em certos casos, incondicionadamente; em outros, mediante a verificação de determinadas condições. 1.4.3.1. Extraterritorialidade incondicionada Tendo em vista a alta relevância dos interesses atingidos, é aplicável incondicionadamente a lei brasileira aos crimes praticados no estrangeiro nos seguintes casos (art. 7.º, I ): a) contra a vida ou a liberdade do Presidente da República - acolhe-se aqui o princípio da defesa. Dada a preeminência da função que exerce o Presidente da República, ele, no estrangeiro, representa a nação. Sua vida e liberdade são objeto de especial tutela; b) contra o patrimônio ou a fé pública da União, do Distrito Federal, de Estado, de Território, de Município, de empresa pública, sociedade de economia mista, autarquia ou fundação instituída pelo Poder Público - crimes contra o patrimônio da União, do Distrito Federal, de Estado, de Território (hoje inexistente) ou Município, são os crimes de furto, roubo ou extorsão, apropriação indébita, estelionato etc. quando o objeto material da ação for constituído de bens públicos. A fé pública da União ou dos Estados atinge-se por meio dos crimes de moeda falsa ou de falsidade de títulos ou outros papéis públicos. As fundações instituídas pelo Poder Público equiparam-se às empresas públicas. Entende-se por autarquia o serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, para executar atividades típicas da administração pública, que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizadas. Empresa pública é a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, com patrimônio próprio e capital exclusivo da União, criada por lei para a exploração de atividade econômica que o governo seja levado a exercer por força de contingência ou de conveniência administrativa, podendo revestir-se de qualquer das formas admitidas em direito. Sociedade de economia mista é a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, criada por lei para a exploração de atividade econômica, sob a forma de sociedade anônima, cujas ações com direito a voto pertençam em sua maioria à União ou a entidade da administração indireta; c) contra a administração pública, por quem está a seu serviço - são os crimes que o CP prevê no Título XI, Capítulo I, da Parte Especial. Serão, por exemplo, os casos de peculato, corrupção ou prevaricação, praticados por funcionários públicos, a serviço no exterior; d) de genocídio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil – este crime significamatar, com fim de exterminar membro de grupo nacional, racial, étnico ou religioso e foi definido pelo Lei n.º 2.889/ 1956. A extraterritorialidade se justifica pela gravidade da infração. Para a extraterritorialidade da lei brasileira nestes casos não se exige qualquer condição. Tais fatos são puníveis no Brasil, qualquer que seja a nacionalidade do agente; sejam, ou não, puníveis também no estrangeiro, e quer o agente se ache, ou não, no território nacional. É igualmente irrelevante o fato de ter sido o agente absolvido ou condenado no estrangeiro (art. 7.º, § 1.º, CP), ou que no estrangeiro esteja o crime prescrito ou não seja punível. 1.4.3.2. Extraterritorialidade condicionada Há outros casos previstos pelo CP para a extraterritorialidade da lei brasileira, para os quais a aplicação da lei subordina-se a determinadas condições ou pressupostos indispensáveis. Os casos em que se aplica a extraterritorialidade condicionada da lei brasileira são os seguintes: a) crimes que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir (art. 7.º, II, a, CP) - são os crimes que têm sido objeto de convenções e tratados internacionais, que ultrapassam as fronteiras de um só país e afetam a comunidade internacional de nações, tais como a pirataria e o tráfico de mulheres. Aqui, aplica-se o princípio da universalidade; b) crimes praticados por brasileiros no estrangeiro (art. 7.º, II, b, CP) - é acolhido limitadamente o princípio da personalidade e é consequência da norma constitucional que impede a extradição de nacionais (art. 5.º, LI, CF), pois como o Brasil não entrega o brasileiro que outro Estado reclama, vê-se obrigado a puni-lo no país por crime praticado no estrangeiro. Tanto faz que seja o agente brasileiro nato ou naturalizado, desde que a naturalização haja ocorrido antes da prática do crime; c) crimes praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, quando em território estrangeiro, e aí não tenham sido julgados (art. 7.º, II, c, CP) – é caso de aplicação do princípio da bandeira e da representação e pretende complementar o art. 5º. e, dessa maneira, suprir eventual lacuna dele decorrente; d) crimes praticados por estrangeiro contra brasileiro fora do Brasil (art. 7.º, § 3.º, CP) – aplica o princípio da personalidade passiva, já que Estado tem o dever de proteger seus cidadãos. Nos casos de extraterritorialidade, não basta a enumeração das hipóteses. A legislação penal brasileira também estabelece quais são seus pressupostos ou condições que nosso código prevê para a extraterritorialidade de nossa lei, conforme art. 7.º, §§ 1.º e 3º., CP. São vários e devem ocorrer simultaneamente: a) Entrar o agente no território nacional - é irrelevante a causa da entrada do agente: pode dar-se voluntariamente, ou não; por erro, fraude ou violência; para permanência definitiva ou transitória. Mesmo que a entrada se dê com a concorrência de violência ou de fraude para trazer o criminoso, estará satisfeita essa condição de aplicação da lei penal brasileira. b) Ser o fato punível também no país em que foi praticado – como a lei brasileira só autoriza a extradição se o fato for crime em ambos os países, deve necessariamente ser crime no país em que foi praticado. Além disso, a lei penal brasileira é aplicável quando se trata de fato praticado em lugar não sujeito a soberania de Estado algum, como no altomar ou certas regiões polares, pois esta condição só pode verificar-se quando se trata de fato praticado em lugar sujeito a alguma lei penal. Se isso não ocorrer, basta a incriminação da lei penal brasileira. c) Estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição – extradição é instrumento de cooperação penal internacional, pelo qual um Estado entrega a outro pessoa acusada ou condenada, para que seja julgada ou lá venha a cumprir pena. O princípio fundamental da extradição é o aut dedere aut iudicare e, por isso, caso não entregue o indivíduo, o Estado terá a obrigação de julgar e daí a extraterritorialidade. d) Não ter sido o agente absolvido no estrangeiro, ou não ter aí cumprido pena – trata- se de condição que demonstra a subsidiariedade da justiça brasileira, que se exerce em substituição à justiça estrangeira. Não é possível aplicar a lei brasileira se o agente já foi julgado e absolvido no estrangeiro (mesmo que tal absolvição seja errônea ou injusta), pois o indivíduo não pode ter aqui tratamento mais severo do que no local em que delinquiu. e) Não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável – justifica idêntica ao anterior. No caso de crimes praticados por estrangeiro contra brasileiro fora do Brasil, além de estar sujeita às condições gerais de extraterritorialidade acima mencionadas, a aplicação da lei brasileira neste caso só poderá ser feita: 1- Se o país a que pertence o estrangeiro não pediu sua extradição, ou se tal extradição foi negada pelo Brasil; 2- Se houve requisição do Ministro da Justiça (pressuposto processual aqui necessário para instauração do processo) (art. 7.º, § 3.º, CP). 1.5. Limites à aplicação da lei penal em relação às pessoas: imunidade diplomática e imunidade parlamentar A lei penal brasileira aplica-se, em princípio, a todos os crimes praticados no território nacional, quer tenham sido praticado por brasileiros ou estrangeiros. Se é certo que esta regra básica sofre exceções em relação a crimes praticados no estrangeiro (art.7.º, CP), também existem exceções quanto à aplicação da lei penal a certas pessoas, na prática de fatos delituosos no território nacional. Essas exceções, que decorrem do direito internacional e do direito público interno, são as chamadas imunidades diplomática e parlamentar. Frise-se, desde já, que tais imunidades não se aplicam ao Chefe de Estado. No Brasil, conferem-se apenas prerrogativa de função ao Presidente da República e aos Ministros de Estado, as quais não se referem às pessoas, mas à dignidade do cargo e à conveniência da função que exercem. Por isso, tais prerrogativas são puramente de ordem processual e significam que o Presidente da República só poderá ser processado depois que a Câmara dos Deputados, pela maioria absoluta de seus membros, declarar procedente a acusação. Se se tratar de crime comum, o julgamento será feito pelo Supremo Tribunal Federal; se se tratar de crime de responsabilidade, pelo Senado Federal (art. 86, CF). Prerrogativas semelhantes possuem os Ministros de Estado e juízes do Supremo Tribunal Federal (arts. 52, I e II, CF; 102, I, b e c, CF; e Lei n.º 1079, de 10 de abril de 1970). 1.5.1. Imunidades diplomáticas A concessão de privilégios a representantes diplomáticos, relativamente aos atos ilícitos por eles praticados, é antiga praxe no direito internacional, fundando-se no respeito e na consideração ao Estado que representam e na necessidade de cercar a atividade de garantias para o seu perfeito desempenho. Tais privilégios baseiam-se sempre no regime de reciprocidade e tal imunidade não se refere apenas aos fatos relacionados com o exercício da atividade diplomática, mas a todo e qualquer crime. A imunidade diplomática decorre da Convenção de Viena sobre relações diplomáticas (1961), promulgada pelo Decreto n.º 56.435/1965. Os locais da missão diplomática estrangeira são invioláveis. Os agentes do Estado acreditado não poderão neles penetrar sem consentimento do chefe da missão (art. 22). Entende-se por “locais de missão”, os edifícios, ou parte dos edifícios e terrenos anexos, seja quem for o seu proprietário, utilizados para as finalidades da missão, inclusive a residência do chefe da missão (art. 1.º, i). Chefe de missão é a pessoa encarregada pelo Estado acreditante de agir nessa qualidade(embaixadores ou núncios; enviados, ministros ou internúncios; encarregados de negócios). O chefe da missão é considerado como tendo assumido suas funções no momento em que entrega suas credenciais ou comunica a sua chegada e apresenta as cópias figuradas de suas credenciais ao Ministério das Relações Exteriores (art. 13). Os locais da missão, seu mobiliário e demais bens nela situados, assim como os meios de transporte da missão, não poderão ser objeto de busca, requisição, embargo ou medida de execução (art. 22, 3), sendo invioláveis os arquivos e documentos da missão, em qualquer momento, onde quer que se encontrem (art. 24). A pessoa do agente diplomático é inviolável e não pode ser objeto de nenhuma forma de detenção ou prisão (art.29). Agentes diplomáticos são o chefe da missão e os membros do pessoal diplomático da missão, ou seja, os membros do pessoal da missão que tiverem a qualidade de diplomata (art. 1 o ., d e e). Os agentes diplomáticos gozam de imunidade de jurisdição penal e não são obrigados a prestar depoimento como testemunha (art. 31), embora, se o desejarem, possam fazê-lo. As imunidades abrangem os membros da família dos agentes diplomáticos que com eles convivam, desde que não sejam nacionais do Estado acreditante (art. 37, 1). Estendem-se também aos membros do pessoal administrativo e técnico da missão (assim como aos membros de suas famílias que com eles convivam), desde que não sejam nacionais do Estado acreditante nem nele tenham residência permanente (art.37, 2). O direito às imunidades surge a partir do momento em que seu titular entre no território do Estado acreditante para assumir seu posto ou, no caso de já se encontrar no referido território, desde que sua nomeação tenha sido notificada ao Ministério das Relações Exteriores (art. 39, 1). Quando terminarem as funções de uma pessoa que goze de privilégios e imunidades, esses privilégios e imunidades cessarão normalmente quando esta pessoa deixar o país ou quando transcorrido um prazo razoável que lhe tenha sido concedido para tal fim (art. 39, 2). Em caso de falecimento de um membro da missão, os membros de sua família continuarão no gozo das imunidades a que têm direito, até a expiração de um prazo razoável que lhes permita deixar o Estado acreditante (art. 39, 3). Os membros do pessoal de serviço que não sejam nacionais do Estado acreditante, nem nele tenham residência permanente, gozam de imunidade quanto aos atos praticados no exercício de suas funções (art. 37, 3). Como se percebe, procura- se preservar, a todo custo, os interesses do Estado acreditante. Os funcionários da ONU, quando em missão no território nacional, gozam, igualmente, de imunidades (art. 105, Carta da ONU). A imunidade cobre também o chefe de Estado estrangeiro em visita ao país, bem como os membros de sua comitiva. Não mais se acolhe a velha ficção da extraterritorialidade da sede diplomática, que é, para todos os efeitos, território nacional. Os crimes que aí forem praticados, por pessoas que não gozam de imunidade, serão julgados pelo país onde esteja a representação diplomática. Um ressalva deve ser feita quanto a agentes consulares, pois salvo convenção em contrário, os agentes consulares são funcionários administrativos, conforme a Convenção de Viena sobre Relações Consulares (1963), promulgada pelo Decreto n.º 61.078/1967. Por isso, não gozam de imunidades, mesmo quando pratiquem atos diplomáticos, nos casos em que o Estado que envia não mantém missão diplomática, nem está representado por um terceiro Estado (art. 17, 1). Entende-se por funcionário consular toda pessoa, inclusive o chefe da repartição consular, encarregado, nessa qualidade, do exercício de funções consulares (art. 1.º, 1, d). As funções consulares estão especificadas no art. 5.º da Convenção, e basicamente consistem em proteger, no Estado receptor, os interesses do Estado que envia e os de seus nacionais, pessoas físicas ou jurídicas, dentro dos limites permitidos pelo direito internacional. Os locais consulares (edifícios ou parte dos edifícios e terrenos anexos, que, qualquer que seja seu proprietário, sejam utilizados exclusivamente para as finalidades da repartição consular) são invioláveis. Quando se instaura processo penal contra um funcionário consular, este será obrigado a comparecer perante as autoridades competentes. Todavia, as diligências devem ser conduzidas com as deferências devidas à sua posição oficial e de maneira que perturbem o menos possível o exercício das funções consulares (art. 41, 3). A prisão preventiva só poderá ser decretada em caso de crime grave (art. 41, 1). Por crime grave, devem ser considerados os que são punidos com a pena de reclusão no mínimo superior a 2 anos. É perfeitamente possível a prisão em flagrante, a qual, todavia, somente será mantida se se tratar de crime grave. Em caso de prisão de um membro do pessoal consular ou de instauração de processo penal contra o mesmo, o Estado receptor devera notificar imediatamente o chefe da repartição consular. Se este último for o objeto de tais medidas, o Estado receptor levará o fato ao conhecimento do Estado que envia, por via diplomática (art. 42). Os empregados consulares e membros do pessoal de serviço não poderão negar-se a depor como testemunha, salvo quanto a fatos relacionados com o exercício de suas funções. Todavia, se o funcionário consular recusar-se a prestar depoimento, nenhuma medida coercitiva ou qualquer outra sanção ser-lhe-á aplicada. A autoridade que solicitar o depoimento deverá evitar que o funcionário consular seja perturbado no exercício de suas funções, podendo tomar o depoimento em seu domicílio ou na repartição consular, ou aceitar sua declaração por escrito, sempre que possível (art. 44). 1.5.2. Imunidades parlamentares As imunidades visam a garantir a liberdade do parlamentar no exercício do mandato, evitando toda coação sobre o Poder Legislativo, e são integralmente disciplinadas pela Constituição Federal. Fundam-se no direito público interno e são de duas espécies: a) Imunidade material ou penal - constitui privilégio de direito penal substantivo, já não se considera que o parlamentar cometa crime por suas opiniões, palavras e votos. O art. 53, na redação dada pela Emenda Constitucional n.° 35/2001, à CF/88, estabelece que “os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”. A inviolabilidade, por óbvio, não abriga manifestações do parlamentar estranhas à sua atividade como membro do Legislativo, significando a atividade do congressista, na Casa do Congresso a que pertence, ou em missão oficial, por determinação dela. Persiste a inviolabilidade no caso de manifestação produzida fora do recinto da Casa Legislativa, desde que ela guarde relação com o exercício do mandato. A inviolabilidade subsiste em qualquer caso, mesmo quando se trate de ofensa subversiva que constitua crime contra a segurança nacional (art. 26, Lei n.º 7.170/83). A inviolabilidade pela manifestação do pensamento, no desempenho das funções públicas, na tribuna de qualquer das Casas do Congresso, é elementar ao regime representativo. Sempre se considerou essa inviolabilidade como inerente ao exercício da mandato. b) Imunidade formal ou processual - privilégio de natureza processual, que se relaciona com a prisão, o processo e o julgamento do congressista, embora admita-se a prática de crime. É de duas modalidades: (a) vedação de prisão do parlamentar, salvo em flagrante de delito inafiançável; e (b) possibilidade de sustação, pela Casa Legislativa, do andamento da ação penal por crimes praticados após a diplomação. A imunidade processual relacionada à prisão do parlamentar está prevista no art. 53, § 2.º, CF. Quanto ao andamento da ação penal intentadacontra congressista, a instauração de processo contra congressista independe de licença ou de qualquer outra condição especial. Apenas, o andamento de processo instaurado pode ser sustado pela Casa Legislativa à qual pertença o parlamentar. Compete ao STF o julgamento de deputados federais e senadores, qualquer que seja a natureza do delito (arts. 53, § 1.º; e 102, I, b, CF). Caso a ação penal cuide de delitos praticados antes e após a diplomação, a sustação somente pode se relacionar com os crimes praticados após a diplomação, podendo o processo prosseguir livremente quanto aos delitos a ela anteriores. A sustação pode ocorrer em qualquer fase do andamento da ação penal, até final sentença. Embora a lei mencione “denúncia”, a sustação também é possível no caso de ação penal iniciada por queixa. O art. 27, § 1.º, da Constituição Federal estende as imunidades parlamentares, penal e processual, aos Deputados Estaduais. Já os Vereadores não gozam de imunidade processual, somente possuindo imunidade substantiva “por suas opiniões, palavras e votos, no exercício do mandato e na circunscrição do Município.” (art. 29, VIII, CF). 1.6. Sentença penal estrangeira A execução de sentença é ato de soberania e, assim, a sentença penal estrangeira não pode ser executada no Brasil, por força do princípio da territorialidade. Limitadamente, porém, admite-se a homologação da sentença penal estrangeira, para obrigar o condenado à reparação do dano, restituições e outros efeitos civis (ex.: arts. 1.184, I a III; e 1.595, Código Civil). Neste caso a homologação depende de pedido da parte interessada, visando efeitos puramente patrimoniais (art. 9.º, parágrafo único, a, CP).. Além dessa hipótese, é possível sujeitar o condenado à medida de segurança. A homologação aqui tem por fim a execução de medidas preventivas, no interesse do Estado. As medidas de segurança estão previstas no art. 96, CP. A homologação da sentença neste caso depende da existência de tratado de extradição com o país de cuja autoridade judiciária emanou a sentença, ou, na falta de tratado, de requisição do Ministro da Justiça (art. 9.º, parágrafo único, b, CP). A homologação da sentença estrangeira compete ao Superior Tribunal de Justiça (art. 105, I, i, CF). TEORIA DO CRME 1. Teoria do crime A teoria do crime é a parte da Dogmática Jurídico-Penal que estuda o crime como fato punível, do ponto de vista jurídico, para estabelecer e analisar suas características gerais, bem como suas formas especiais de aparecimento. Não há, no Direto Penal brasileiro, diversamente do que ocorre em outros sistemas legislativos, distinção entre crime e delito; tais expressões são empregadas como sinônimas. Fato punível é designação mais ampla, abrangendo crime (ou delito) e contravenção, que constituem distintas espécies de ilícito penal. Não há diferença substancial entre crime e contravenção. Esta constitui apenas a infração penal de menor gravidade, caracterizando-se pela pena cominada ao fato. O art. 1.º da antiga lei de introdução ao CP dispunha: “considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples, ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente”. Esse critério continua em vigor. O conceito de crime foi estabelecido pela lei penal, mas apenas pela doutrina. Considera-se que crime é a ação (ou omissão) típica, antijurídica e culpável, como será visto adiante. 2. O ilícito penal Crime é essencialmente conceito jurídico, enquadrando-se na teoria geral do direito. Constitui o crime conduta contrária ao direito, situando-se na vasta categoria do ilícito jurídico em geral. Deve-se estabelecer, de plano, a diferença entre o ilícito penal e o ilícito civil. A diferença entre eles está na consequência jurídica de um e de outro. O ilícito penal tem como sanção a pena criminal; no ilícito civil vem a ser imposta uma penalidade, que é a obrigação de compor o prejuízo, seja pela restituição, seja pela indenização. 3. Conceito de crime Como dito, a elaboração do conceito de crime compete à doutrina. Não existe, no CP vigente, definição de crime, como havia, por exemplo, no Código Criminal de 1830 e no CP de 1890. Definições legais foram abandonadas, para que se evitasse que pudessem gerar dificuldades à aplicação da lei. Em doutrina, cogita-se de conceito formal e material, bem como de conceito analítico de crime. O primeiro corresponde a definição nominal (relação de um termo àquilo que o designa); o segundo, a definição real, que procura estabelecer o conteúdo do fato punível. O conceito analítico, de grande importância técnica, indica as características ou elementos constitutivos do crime. a) Conceito formal - crime é toda ação ou omissão proibida pela lei, sob ameaça de pena; b) Conceito material - crime é um desvalor da vida social, ou seja, uma ação ou omissão que se proíbe e se procura evitar, ameaçando-a com pena, porque constitui ofensa (dano ou perigo) a um bem, ou a um valor da vida social. Crime é, assim, numa definição material, a ação ou omissão que, a juízo do legislador, contrasta violentamente com valores ou interesses do corpo social, de modo a exigir seja proibida sob ameaça de pena. Tal conceito acabou fracassando e, por isso, pode-se afirmar que não existe um conceito naturalístico, sociológico ou criminoíógico de delito, independente da previsão legal. Crime é necessariamente conceito normativo, ou seja, é infração a proibição ou o mandado estipulado pelo legislador sob ameaça de pena. c) Conceito analitico - a o crime como ação ou omissão típica, antijuridica e culpável. Ação é atividade conscientemente dirigida a um fim. Omissão, por sua vez, é a abstenção de atividade que o agente podia e devia realizar. A expressão típica corresponde a um tipo de delito, ou seja, a um modelo legal de fato punível. Antijurídica ou ilícita estabelece ser contrária ao direito, por não existir qualquer permissão legal para a conduta (legítima defesa, estado de necessidade etc.). Por fim, deve ser culpável e culpabilidade se refere ao juízo de reprovação que recai sobre a conduta ilícita de imputável que tem ou pode ter consciência da ilicitude, sendo-lhe exigível comportamento conforme ao direito. 2.2. Teorias da ação Noção De acordo com o conceito mais difundido no Brasil, ação é atividade humana conscientemente dirigida a um fim. Distingue-se do acontecimento puramente causal (como a chuva ou o raio) precisamente porque neste movem-se forças cegas que não estão encaminhadas à realização de fins. A ação integra-se por meio de um comportamento exterior, objetivamente, e, subjetivamente, por meio do conteúdo psicológico desse comportamento, que é a vontade dirigida a um fim. Compreende a representação ou antecipação mental do resultado a ser alcançado, a escolha dos meios e a consideração dos efeitos concomitantes ou necessários e o movimento corporal dirigido ao fim proposto. Não basta, para caracterizar a ação, a simples voluntariedade, ou seja, um componente psicológico sem conteúdo. Ninguém pratica crime enquanto se limita a idealizar ou desejar a realização de uma conduta punível. A ação requer atividade voluntária dirigida a um fim determinado. Teorias da ação O conceito de ação, todavia, não constitiui conceito unívoco. Cada um dos sistemas penais propostas definem e analisam a conduta de um modo particular, pois é em torno da conduta humana que são estruturados os princípios e os sistemsa de direito penal. A primeira das teorias formuladas foi a chamada Teoria Causalista. Segundo esta, ação seria comportamento humano que causa um resultado. A teoria causal sepreocupa, única e exclusivamente, com o aspecto físico, dizendo que a ação é a causa do resultado; sinteticamente, para a teoria causal, agir é causar o resultado, agir é, efetivamente, com movimentos físicos, dar ensejo à causação de resultados típicos. A relação psíquica entre conduta e o resultado que ele causou, significa dizer, para o Causalismo, os elementos psicológicos (dolo e culpa) não integram a conduta e devem ser analisados dentro na culpabilidade. A ação diz respeito apenas a aspectos externos e objetivos. Logo, a preocupação maior dos causalistas era, efetivamente, o aspecto físico da ação, o aspecto da natureza. Significa dizer que para determinar o conceito de ação basta saber que o comportamento foi voluntário, não importando nem o conteúdo nem o alcance da vontade, do ponto de vista normativo, matéria a ser considerada em outro ponto do sistema. O resultado (evento) pertence à ação, conceito que abrange o comportamento ativo (ação em sentido estrito) e a omissão, bem como a relação de causalidade. Os autores mais conhecidos da Teoria Causalista foram Beling, Von Lizst e Radbruch. Por conta de seu conceito de ação, alguns defeitos foram apontados no Causalismo. O primeiro deles diz respeito aos comportamentos omissivos, nos quais não existe causação de resultado, mas inexiste o impedimento de sua ocorrência. Em segundo lugar, o caso da tentativa, me que pode não haver resultado externo e, portanto, sem que haja ação, não se justifica a punição. Por fim, os chamados elementos normativos do tipo, em que necessariamente tem que haver alguma forma de conceito que não entende diretamente da norma e necessita de definição pelos intérpretes da norma. Tais defeitos foram apontados por uma corrente de pensamento conhecida como neokantistas, pois revisitaram, na década de 20 de século passado, o pensamento de Kant. Tal corrente teve como maior virtude ter apontado as falhas do sistema anterior, sem, todavia, ter propriamente proposto uma solução. Talvez o autor mais conhecido dessa corrente de pensamento tenha sido Mezger. A proposta alternativa surgiu somente a partir da década de 1930, com o advento de um corrente de pensamento conhecida como finalismo, que teve em Welzel o seu principal formulador. Sustentava que a característica preponderante da conduta humana não está abrangida no conceito causal: a racionalidade. É isto que diferencia as conditas humanas daquelas praticadas pelos outros animais. Em decorrência disso, o conceito de ação deve, forçosamente, incorporar essa noção de racionalidade. Todo ser racional age com uma finalidade. Assim, incorporou-se ao conceito de ação esse elemento preponderante, ao sustentar-se que conduta é uma ação ou omissão humana, consciente e voluntariamente dirigida a um fim. Por essa razão, o elemento psicológico deixou de integrar a culpabilidade e passou a fazer parte da tipicidade, que foi composta por tipo objetivo, o que se exterioriza da conduta, e por tipo subjetivo, a finalidade que compõe a conduta (dolo e culpa). O finalismo é, ainda hoje, a teoria mais comumente adotada no Brasil. A seguir, na Alemanha, formulou-se a chamada a Teoria Social da ação, cujos principais defensores são Wessels e Jescheck. Esta corrente de pensamento não discorda da estrutura sugerida pelo Finalismo, com dolo e culpa integrando a tipicidade. No entanto, considerava esta proposta incompleta, pois ação seria comportamento humano conscientemente dirigido a um fim e socialmente relevante. Wessels e Jescheck não negam o finalismo, mas sustentam a necessidade de inclusão da noção de relevância social. Essa teoria teve o mérito de demonstrar que o conceito de ação finalista é ontológico, sobre o qual não recai nenhum valor. A teoria social sustenta que esse conceito ontológico estava incorreto, porque negava uma realidade, qual seja, a de que o direito é uma ciência social. A crítica que foi formulada a essa proposta foi justamente a da falta de clareza do conceito de relevância social, pois nunca se esclareceu satisfatoriamente o seu significado e a sua abrangência. Mais recentemente, surgiram novos conceitos de ação, que são comumente reunidos sob a denominação de Teorias Funcionalistas ou Funcionalismo Penal. Certo é que existem vários sistemas funcionalistas, cada um com suas características próprias. Aqui, no entanto, serão mencionados apenas os dois mais importantes: o Funcionalismo Penal Sistêmico, de Jakobs; e o Funcionalismo Penal Racional-Teleológico, de Roxin e Schünemann. O Funcionalismo Sistêmico decorre da adoção da chamada teoria dos sistemas. Esse funcionalismo-sistema do Jakobs tem um conceito de ação próprio. Vale ressaltar que a própria expressão decorre da importância que passou a ser atribuída à função do direito penal, a partir da qual as opções de política criminal adotadas pelo sistema penal podem ser compreendidas. Sustenta-se que a teoria do delito só pode ser verdadeiramente compreendida a partir da função que tem a desempenhar de um sistema. Uma das consequências iniciais do funcionalismo foi a de valorizar a teoria da pena, sustentando-se a necessidade de seu estudo não de maneira estanque, mas incorporado à teoria do delito. Jakobs chega mesmo a não desenvolver uma teoria da pena autônoma, tratando da matéria afeita à teoria da pena na teoria do delito. Especificamente quanto aos dois modelos funcionalistas mencionados, o Funcionalismo Penal Sistêmico, de Jakobs, defende a tese de que crime seria a violação de expectativas sociais desempenhados pelo individuo e geraria a necessidade de reafirmação da vigência da norma penal por meio da punição. Baseia- se em uma noção de prevenção geral positiva, na qual incentiva comportamentos conforme a lei. Ao defender a ideia de vigência da norma penal, Jakobs desconsidera a proteção de bens jurídicos como função do sistema penal, que pode até ocorrer indiretamente, mas não é fundamental. Tal tese tem sido objeto de severas críticas. Dessas, duas são mais repetidas. A primeira delas sustenta que tal sistema dificulta imensamente a aplicação do princípio da insignificância ou da bagatela, justamente por não dar relevo a bens jurídicos. Já a segunda é talvez a mais severa, ao se sustentar que ao pretender a proteção da vigência da norma penal, desconsidera-se o indivíduo, que passaria a ser apenas um instrumento para a consecução da função do direito penal. Seria, portanto, uma corrente violadora do princípio da dignidade da pessoa humana. Tal concepção levada a extremo geraria o que o próprio Jakobs definiu como direito penal do inimigo, no qual haveria a extrema desconsideração do indivíduo. No que se refere à teoria da ação, a de Jakobs é a chamada teoria da evitabilidade, na qual a conduta deverá ser penalmente relevante se não se evitou o que era evitável e permitiu que decorresse um resultado reprovável. Já o Funcionalismo Penal Racional-Teleológico, de Roxin e Schünemann, parte de concepção diversa, ao defender a ideia de que o direito penal tem o objetivo de proteger bem jurídico e que a função da pena deverá também apresentar um caráter de prevenção especial, ou seja, de evitar que o indivíduo torne a delinquir. Roxin adota o chamado conceito pessoal de ação, que seria uma manifestação da personalidade do agente. Ação, dessa maneira, seria toda conduta positiva ou negativa, ação ou omissão, que expresse a personalidade do sujeito. A partir daí, pode-se estabelecer se o sujeito vai ou não poder voltar a delinquir. Dessa maneira, uma pena jamais deverá ser aplicada se houver certeza de que não ocorrerá reincidência. Não basta que os elementos do conceito analítico de crime estejam presentes (tipicidade, ilicitude e culpabilidade), como se fora uma operação matemática. Só haveria necessidade de aplicação de pena quando houvesse a necessidade de prevenção especial
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