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ANÁLISE DE TEXTO EM PROSA A poesia é caracterizada por ser a expressão do "eu" por meio da linguagem conotativa ou de metáforas polivalentes. Sabemos que à prosa constitui a expressão do "não-eu" através de metáforas cerca de univalentes. O caráter da prosa é melhor explicando, tendo por objetivo sua análise: visto que se enquadra no perímetro das Artes, a metáfora continua a ser seu meio primordial de comunicação, mas empregada segundo específicos padrões de qualidade e quantidade. Enquanto a poesia ostenta substancialmente um cerrado tecido de metáforas, a prosa explora-as com parcimônia, uma imagem "objetiva" e "concreta" da realidade. E ao passo que a metáfora poética é polivalente, a metáfora da prosa tende à univalência, ou por outra, ao passo que a poesia lança mão de signos conotativos, a prosa exprime-se primeiro em linguagem denotativa. A linguagem da prosa não é somente denotação, pois nesse caso perderia sua feição artística, mas dela se aproxima enquanto o prosador assume, geralmente, atitudes diretas em face da Natureza e dos homens, à procura de ser tão explícito quanto possível. Fique claro, porém, que tal objetividade não equivale à inexistência de um plano "interno", implícito ou subentendido, para além da camada visível do texto. Numa palavra, o esclarecimento operado ao nível do pormenor· respeita o "mistério" ou o "oculto", ainda que constitua um "mistério" ou um "oculto" somente para as personagens entre si e não para nós, leitores, que podemos "ver" tudo que se passa com elas. Todavia, sem o "mistério", concebido sobretudo como o que não alcançamos saber, até o próprio inefável ou absurdo, a prosa de ficção corre o perigo de tornar-se mero registro jornalístico ou panfleto, ou, paradoxalmente, de alienar-se da realidade ambiente, como sucede a respeitável porção da literatura naturalista. Aprosa de ficção também recorre à linguagem conotativa, ou às metáforas polivalentes, sempre que se trata de situar "ilhas" poéticas na correnteza do enredo. É consabido que, não existindo pureza em Arte, da mesma forma que a poesia admite metáforas univalentes, a prosa se socorre da conotação quando o fluxo narrativo o permitir ou requerer. Uma prosa de superior quilate, seja ela de cunho realista, seja introspectivo ou poético, caracteriza-se por utilizar, equilibradamente, a linguagem denotativa e a conotativa. É que a própria natureza estética dessa categoria de prosa decreta o uso de uma dose de lirismo, ainda quando o escritor delibere adotar a postura de fotógrafo ou de cientista. A análise de texto e, prosa mover-se em dois níveis: 1) a análise microscópica, ou microanálise, que visa ao exame das microestruturas. 2) a análise macroscópica, ou macro análise, que se volta para a interpretação das macroestruturas. DENOTAÇÃO E CONOTAÇÃO MICROANÁLISE A microanálise tem por finalidade sondar o texto palavra a palavra, expressão a expressão, minúcia a minúcia, e pode fazer-se em dois planos: 1) em que a análise se contenta com o pormenor, quase olvidando por completo o conjunto da obra, e 2) em que a análise "sobe" para consideração particularizada dos ingredientes da prosa de ficção, ou seja, as personagens, o tempo, o lugar, a ação, o ponto de vista narrativo, os expedientes de linguagem que seriam o diálogo, a descrição, a narração e a dissertação. Estes últimos, que constituem as categorias fundamentais da prosa de ficção são denominados microestruturas. Assim, a investigação de uma personagem encerra uma microanálise, ou análise de uma microestrutura. Para tanto, cumpre isolar a categoria ficcional do magma narrativo, e analisá-la acompanhando o fluir doo acontecimentos em ordem ascendente, capítulo a capítulo, episódio a episódio, ou imobilizando-a, com vistas a perquiri-la estaticamente. Em qualquer dos casos, temos a característica básica de tal procedimento analítico, que consiste na prospecção horizontal, linear, das categorias ficcionais. 5. Contudo, no momento em que o leitor almeja analisar dinâmica e circularmente, isto é, sondá-las em mútua correlação ao longo dos sucessos que compõem a história narrada, estará invadindo o segundo estágio da análise, a macro análise, ou análise das macroestruturas. As microestruturas seriam a parte que se "vê", que "aparece", das macroestruturas, numa relação que condiciona algumas das características da macro análise. MACROANÁLISE Visto que objetiva a sondagem dinâmica e totalizante do que está por "dentro", ou implícito nas, microestruturas, a macro análise identifica-se antes de tudo por sua verticalidade, pois o desejo é investigar a esfera dos conceitos, sentimentos e emoções que subjaz ao plano das microestruturas. Como que em prospectiva, ou vislumbráveis apenas a um corte transversal das camadas textuais, as macroestruturas não podem ser vistas, mas apenas supostas ou imaginadas, sempre com base nas microestruturas; não podem ser concretizadas, salvo enquanto as microestruturas funcionam como o seu sinal; o espaço que ocupam é virtual, aquele existente entre o leitor e o escritor, empenhados num diálogo silencioso, farto de implicações, de que o texto serve de código ou intermediário; em suma, constituem o lugar imaginário das ou suposto pelas microestruturas quando analisadas em sua interioridade. E, é nessa parte que as microestruturas devem ser encaradas como signos ou símbolos de muitos significados, que seriam as macroestruturas. A essa primeira fase da análise macroscópica se segue outra, de maior complexidade e amplitude, atingida quando se examina o conjunto da obra, e o modo como se sobrepõe suas várias microestruturas. Em síntese: sem a visão de conjunto, a análise microscópica arrisca não induzir a nada, pela simples razão de que o pormenor somente adquire significação quando confrontado com os demais e com a macroestrutura total da obra. A AÇÃO A análise completa de uma obra de ficção pressupõe a sondagem das microestruturas, uma a uma, seguida de sua comparação no plano das macroestruturas, culminando na visão macroscópica que abranja o todo da obra. O ponto de partida poderia ser a ação, que seria a soma de gestos e atos que compõem o enredo, o entrecho ou a história. A ação pode ser externa e interna: uma viagem, o deslocamento de uma sala para outra, o apanhar de um objeto para defesa contra um agressor, e assim por diante, classifica- se como ação externa, própria da ficção linear a ação interna passa-se na consciência ou/e na subconsciência da personagem. A ação interna e externa estabelece uma relação de vasos comunicantes, em que uma pode prevalecer sobre a outra, sem jamais anulá-la. Por outro lado, numa mesma obra coexistem às duas formas de ação. Um segundo aspecto do problema da ação refere-se à sua "verdade" e à sua necessidade. Sabemos todos que um romance formula as próprias leis sob as quais se desenvolve, leis essas que cumpre ao leitor conhecer e aceitar. Por outras palavras: ao iniciar o contato com um romance de qualquer tipo, o leitor é obrigado a concordar com as normas estabelecidas pelo ficcionista. Este inventa um mundo, com base na observação, na memória e na imaginação, que o leitor deve entender como tal. Caso recuse o universo fictício que se lhe oferece, ou procure nele o relato de verídicos fatos acontecidos, só lhe reflita fechar o romance e abrir o jornal. A verossimilhança interna à própria obra, não enquanto relação com o mundo real. A categoria "necessidade", intimamente relacionada com a verossimilhança, diz respeito à obrigatoriedade ou não de atos, cenas, gestos ou atitudes no curso da ação; ou ao "encadeamento das causas e efeitos num sistema determinado", "a dependência de um meio a um fim, de uma condição a um condicionado". Para bem equacionar esse aspecto, julgo avisado começar por observações tiradas ao óbvio e ao elementar. Primeiro que tudo, toda obra de ficção em prosa deve encerrar, necessariamente, uma ou mais ações, que podem ser internas ou externas, como vimos. Em segundo lugar: todo romance (ou conto) introspectivo se caracteriza pela ação interna,ao passo que todo romance linear ou extrospectivo (ou conto linear, ou novela), se identifica por sua ação externa. Nesse caso, diríamos que a ação é interna ou externa por necessidade, ou seja, em consequência da própria natureza de cada categoria de prosa ficcional. Ou vice-versa: o romance é linear justamente porque armado sobre uma ação externa, etc. Por isso, escusa de evidenciar que a ação do romance introspectivo é interna: tem-se como dado conhecido, ou como resultante do próprio caráter do objeto em causa. Do contrário, cairíamos em redundâncias e em demonstrar o óbvio: o romance introspectivo caracteriza-se pela ação interna, logo a ação interna caracteriza o romance introspectivo, etc. Em suma, mostrar que A = A não tem razão de ser quando já se observou fartamente a identidade. O que tem muita razão de ser é a desigualdade, ou seja, saber quando um ato, uma cena, um gesto, uma atitude se revela desnecessária, relativamente à natureza da obra ou da ação que nela se implica. O TEMPO O tempo constitui um dos aspectos mais importantes o Tempo da prosa de ficção. Na verdade, é para ele que confluem todos os integrantes da massa ficcional, desde o enredo até a linguagem: dir-se-ia que o fim último, consciente ou não, de qualquer narrador consiste em criar o tempo. A explicação, que demandaria uma série de considerações de ordem literária e filosófica, pode ser sumariada no seguinte: criando o tempo, o homem nutre a sensação de superar a brevidade da existência, e de identificar-se, com o tempo cósmico, que permanece para sempre, indiferente à finitude da vida humana; gerando o tempo, o ficcionista alimenta a ilusão de imobilizá-lo ou de transcendê-lo. Basta isso para nos alertar acerca da fundamental relevância da categoria "tempo" nas obras de ficção. Existem duas categorias de tempo, o cronológico ou histórico e o psicológico ou metafísico. O primeiro corresponde à marcação das horas, minutos e segundos, no relógio, conforme o tempo físico ou natural, disposto em dias, semanas, meses, anos, estações, ciclos lunares, etc. No que lhe concerne, o tempo psicológico caracteriza-se por desobedecer ao calendário e fluir nas personagens, como um eterno presente, um tempo-duração, sem começo, nem meio, nem fim. Doutro ângulo, o tempo histórico é linear, horizontal, como se os acontecimentos transcorressem numa linha reta, segundo um "antes" e um "depois" rigorosamente materializados. Inversamente, o tempo psicológico, porque interior, se desenvolveria em círculos ou em espirais, infenso a qualquer ordem, exceto a emprestada pelos próprios fluxos emocionais que lhe estão por natureza vinculados. O ESPAÇO O espaço constitui outro ingrediente em que deve atentar o analista de ficção. Uma narrativa pode passar-se na cidade ou no campo, mas depende de seu caráter linear ou vertical a maior ou menor importância assumida pelo cenário. Na verdade, a frequência, a intensidade e densidade com que o lugar geográfico se impõe no conjunto de uma obra ficcional está em função de suas outras características. E a tarefa do analista consistirá especialmente em lhes conhecer a interação e a razão de ser. O PONTO DE VISTA O ponto de vista entende-se a posição em que se coloca o escritor para contar a história. (primeira ou terceira pessoa). O primeiro foco, relativo ao emprego da primeira pessoa, esgalha-se em dois: a personagem principal relata-nos sua história, ou uma personagem secundária comenta o drama do protagonista. No que lhe concerne, o emprego da terceira pessoa bifurca-se em l) o escritor, onisciente, conta-nos ou mostra- nos a história, e 2) o escritor limita-se às funções de observador, apenas comunicando o que estiver ao seu alcance. OS PERSONAGENS Os personagens podem ser divididos em dois grupos, conforme suas características básicas: personagens redondas e personagens planas. Estas seriam bidimensionais, dotadas de altura e largura, mas não de profundidade: um só defeito ou uma só qualidade. Quanto às personagens redondas, mostrariam a dimensão que falta às outras, por isso, possuiriam uma série complexa de qualidades ou/ e defeitos. As personagens planas geram os tipos e caricaturas, enquanto as outras envolvem os caracteres. A análise estática diz respeito à descrição da personagem, segundo as palavras diretas do próprio ficcionista, ou o que dela se depreende. Num caso ou noutro, imobiliza-se a personagem no encalço de saber como ela é. Por certo que a imobilização pode dar-se ao longo da série de situações que integram a narrativa, assim deixar de ser análise estática, à semelhança de uma sequência de fotografias captando a mesma pessoa em "momentos" diferentes. A tarefa do analista reside no confronto entre as diversas descrições da personagem, no rumo de suas metamorfoses patentes ou recônditas. Por outro lado, a descrição procura ser integral, abarcando os aspectos físicos e psíquicos da personagem, suas vestimentas e suas idiossincrasias: para tudo isso há de convergir a atenção do leitor. Quanto à análise dinâmica, realiza-se pela desmontagem da evolução da personagem, plana ou redonda, ao longo do romance. Por certo que e análise estática auxilia enormemente esta fase da tarefa analítica, mas o fundamental é provido pela interpretação evolutiva. RECURSOS NARRATIVOS Para uma análise total de uma obra de ficção, não podem faltar os recursos narrativos, por meio dos quais se exprimem os aspectos anteriormente referidos. Desse modo, teríamos: diálogo, descrição, narração e dissertação. Pelo primeiro, entende-se a fala das personagens, e pode ramificar-se em: diálogo direto, mostrado ao leitor, por travessão, aspas ou mesmo sem tais expedientes; diálogo indireto, mencionado pelo escritor. Ainda sobre o dialogo podemos destacar o 1) monólogo interior direto, em que a fala mental da personagem semelha dirigir-se diretamente ao leitor, e monólogo interior indireto, que se transmite com a participação do escritor; e 2) o solilóquio, em que a personagem fala sozinha, sem interlocutor, nem mesmo o escritor. A descrição corresponde à enumeração dos componentes e pormenores de objetos inertes. Quanto à narração, implica acontecimentos, ação e movimento, e a dissertação diz respeito à explanação de ideias ou conceitos. Obviamente, tais recursos podem não aparecer estanques, mas confundidos, entrelaçados, dificultando uma discriminação rigorosa: a dissertação pode integrar-se no diálogo, criando assim um expediente híbrido, e a descrição pode imperceptivelmente passar a narração, e vice-versa, bastando que as personagens se ponham em ação, e vice-versa. REFERÊNCIA MOISÉS, Massaud. A análise literária. editora Cultrix, 2014.
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